A 13 de
outubro do corrente ano, durante
a audiência concedida ao Cardeal Marcello Semeraro, Prefeito da Congregação
para as Causas dos Santos, o Papa Francisco autorizou, de acordo com o respetivo
comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé, a mesma Congregação a promulgar,
entre outros, o decreto relativo ao milagre atribuído à intercessão do
Venerável Servo de Deus João Paulo I (Albino Luciani), Sumo Pontífice, nascido a
17 de outubro de 1912 em Forno di Canale (hoje Canale d’Agordo,
Itália) e falecido a
28 de setembro de 1978 no Palácio Apostólico, do Estado da Cidade do Vaticano.
Trata-se de um
Pontífice que ficou no coração do povo pela simplicidade de linguagem e estilo
e pelo expressivo, mas contido sorriso evangélico.
Na verdade, a
Congregação para as Causas dos Santos reconhece como atribuído à intercessão do
Venerável João Paulo I o milagre da cura duma menina de 11 anos em Buenos Aires
(Argentina) no dia 23 de julho de 2011, que sofria de “encefalopatia
inflamatória aguda grave, doença epilética refratária maligna, choque séptico”
e que estava em fim de vida. O quadro clínico era muito grave, caraterizado por
numerosas crises epiléticas diárias e um estado séptico causado por
broncopneumonia. A iniciativa de invocar o Papa Luciani foi tomada pelo pároco
da paróquia a que pertencia o hospital, o Venerável de quem o sacerdote era
muito devoto.
Segundo a “Agência Brasil”, no fim de novembro de
2017, terminou a investigação diocesana argentina de Buenos Aires. Agora, está
aberto o caminho para a beatificação do Papa Albino Luciani e o próximo passo é
aguardar a data, que será fixada por Francisco.
***
Nascido em
17 de outubro de 1912 em Forno di Canale (hoje Canale d'Agordo), na província de Belluno, norte da Itália, e falecido
a 28 de setembro de 1978 no Vaticano, Albino Luciani foi Papa apenas por 33
dias, um dos pontificados mais breves da história.
Era filho de
um operário socialista que trabalhava há muito tempo como emigrante na Suíça.
No bilhete escrito pelo pai, dando-lhe o consentimento para entrar no
seminário, lê-se: “Espero que quando fores
padre, fiques ao lado dos pobres, porque Cristo estava ao lado deles” – palavras
que Albino Luciani colocaria em prática durante toda sua vida.
Luciani foi
ordenado sacerdote em 1935 e, em 1958, logo após a eleição de João XXIII, que o
havia conhecido como Patriarca de Veneza, foi nomeado Bispo de Vittorio Veneto.
Filho de uma
terra pobre caraterizada pela emigração, mas também muito viva do ponto de vista
social, e de uma Igreja caraterizada por grandes sacerdotes, Albino Luciani
participou em todo o Concílio Ecuménico Vaticano II e aplicou com entusiasmo as
suas diretrizes. Passou muito tempo no confessionário e foi um pastor próximo do
seu povo.
Durante os
anos em que se discutia a legalidade da pílula anticoncecional, pronunciou-se
repetidamente a favor da abertura da Igreja ao seu uso, tendo escutado muitas
famílias jovens. Todavia, após a publicação da encíclica “Humanae Vitae”, em que São Paulo VI declarou a
pílula moralmente ilícita em 1968, o Bispo de Vittorio Veneto emitiu um
documento m que manifestava total adesão ao magistério do Pontífice. Paulo VI,
que teve a oportunidade de o apreciar, nomeou-o patriarca de Veneza no final de
1969 e criou-o cardeal em março de 1973.
Luciani, que
escolheu a palavra latina “humilitas”
para o seu brasão episcopal, foi um pastor que viveu sobriamente, firme no essencial
da fé, aberto do ponto de vista social, próximo dos pobres e aos trabalhadores.
Era intransigente no atinente ao uso inescrupuloso do dinheiro em detrimento do
povo, como foi demonstrado pela sua firmeza durante um escândalo económico em
Vittorio Veneto envolvendo um sacerdote. E, no seu magistério, insistiu
particularmente no tema da misericórdia. Grande comunicador, escreveu o “Illustrissimi”, livro de sucesso
intitulado com cartas escritas e virtualmente enviadas aos grandes do passado
com julgamentos sobre o presente. Deu particular importância à catequese e à
necessidade de clareza para os que transmitem o conteúdo da fé.
Após a morte
de São Paulo VI, foi eleito Sumo Pontífice em 26 de agosto de 1978 num conclave
que durou apenas um dia.
Escolheu o duplo nome João Paulo com um propósito programático: ao unir João e Paulo, não só ofereceu uma
homenagem de gratidão aos Papas que o quiseram como bispo e cardeal, mas também
marcou um caminho de continuidade na aplicação do Concílio, barrando o caminho
tanto aos nostálgicos pela volta ao passado como para saltos descontrolados
para futuro. Foi o Papa que abandonou o uso do “nós”, plural majestático,
sobretudo quando se intitulava Bispo de Roma, e recusou, nos primeiros dias, o
uso da sedes gestatoria (liteira para carregar os Papas), curvando-se ao pedido dos seus colaboradores somente
quando percebeu que ao proceder a pé as pessoas que não estavam nas primeiras
filas tinham dificuldade em vê-lo.
As
audiências gerais das quartas-feiras durante o seu brevíssimo pontificado foram
encontros de catequese: o Papa falava sem texto escrito, citava poemas de cor,
convidou um menino e um acólito a aproximarem-se dele e falou com eles. Em discurso
improvisado, recordou ter passado fome quando criança e repetiu as palavras
corajosas do seu predecessor sobre os “povos da fome” que interpelam os “povos
da opulência”.
A revista italiana “30 Giorni” revela, com base em declarações de um dos quatro
irmãos de João Paulo I, que a Irmã Lúcia, durante a visita que o
então Patriarca de Veneza lhe fez no Carmelo de
Santa Teresa, em Coimbra, sempre o tratou por “Santo Padre”. O Cardeal Luciani fica
impressionado e pergunta: “Porquê?”. E
a religiosa explica: “Vossa Eminência um
dia será eleito Papa”. E ele disse: “Sabe-se
lá, irmã…”. E a Irmã retorquiu: “Será
sim, mas o seu pontificado será muito breve”.
Conta-se que João Paulo I teria feito uma premonição sobre
sua morte, ao afirmar a conhecidos que “alguém mais forte que eu, e que merece
estar neste lugar, estava sentado à minha frente durante o conclave”. Um cardeal presente
na ocasião – que preferiu escudar-se no anonimato – confirmou que esse homem
era, de facto, o polaco Karol Wojtyla. “Ele virá, porque eu me vou”,
prosseguiu o “Papa Breve”. Wojtyla realmente votara em Luciani naquele conclave
e, logo depois, tornou-se João Paulo II. João Paulo I teria falado
ao Bispo John Magee a respeito da sua morte um dia antes de ela ocorrer.
Faleceu
repentinamente na noite de 28 de setembro de 1978. O Papa foi encontrado sem
vida pela irmã que levava café ao seu quarto todas as manhãs. Em apenas algumas
semanas de pontificado, entrou no coração de milhões de pessoas, pela
simplicidade, humildade, palavras em defesa dos pobres e sorriso evangélico.
Muitas teorias foram construídas em torno da sua morte súbita e inesperada, com
supostas conspirações para venda de livros e produção de filmes.
A versão
oficial é a de que João Paulo I tinha estado a beber um chá durante a tarde do
dia 27 de setembro de 1978. E, quando rezava na capela papal acompanhado padre
irlandês John Magee, seu secretário, teve uma forte dor no peito, mas recusou
chamar o médico. Jantou, deitou-se e acabaria por morrer essa noite, tendo sido
encontrado morto na manhã seguinte.
Embora João
Paulo I tenha sido encontrado morto por uma freira que trabalhava para ele e o
acordava havia muitos anos, a versão oficial divulgada pelo Vaticano,
contudo, diz que o corpo de João Paulo I teria sido encontrado pelo Padre Diego
Lorenzi, um dos seus secretários, anunciando a morte como “possivelmente
associada com enfarte do miocárdio”. Para alguns, João Paulo I teria sido
vítima das terríveis pressões caraterísticas de seu cargo, e que não as tendo
suportado, veio a perecer. A citada freira, após a morte deste, fez voto
de silêncio.
Outra
hipótese levantada foi a de que o Papa “Sorriso de Deus” teria sido vítima
de embolia pulmonar. De qualquer maneira, a sua morte provocou enorme
consternação entre os católicos: mesmo sob chuva torrencial, a Praça de
São Pedro esteve totalmente lotada quando dos seus funerais. Em sua homenagem,
Karol Wojtyła, seu sucessor, adotaria seu nome papal ao ser eleito, em 16
de outubro de 1978, tornando-se o Papa João Paulo II.
O momento da
sua morte, apenas 33 dias depois da sua eleição para o Sumo Pontificado, e
alegadas dificuldades do Vaticano com os procedimentos cerimoniais e legais,
juntamente com declarações inconsistentes feitas após a morte, fomentaram várias
teorias da conspiração. O autor britânico David Yallop escreveu
extensivamente sobre crimes não resolvidos e teorias da conspiração e, no livro
de 1984 “In God’s Name” sugeriu
que João Paulo I morreu porque estava prestes a descobrir escândalos
financeiros supostamente envolvendo o Vaticano. John Cornwell respondeu às
acusações de Yallop em 1987, com um “A Thief In The Night”, em que analisou as várias
alegações e negou a conspiração. De acordo com Eugene Kennedy,
escrevendo para o “The New York
Times”, o livro de Cornwell “ajuda a purificar o ar de paranoia e de
teorias da conspiração, mostrando como a verdade, cuidadosamente escavada por
um jornalista num volume pode nos refrescar, faz-nos livres”.
Passados 40
anos, o mafioso Antoni Raimondi vem contar nas suas memórias ter sido
ele o assassino.
Porém, uma
pesquisa documentada sobre a morte, que encerra o caso, foi assinada por Stefania
Falasca, vice-postuladora do processo de beatificação, em “Cronaca di una
morte”, Libreria Editrice
Vaticana.
A fama de
santidade de Luciani se espalhou rapidamente. Muitas pessoas rezaram e rezam
por ele. Muitas pessoas simples e até um episcopado inteiro – o do Brasil –
pediram a abertura do processo que agora, após um procedimento ponderado e bem
pensado, chegou à sua conclusão.
***
Há muito se
esperava pela notícia da autorização papal da beatificação de Luciani. Aliás, o
próprio Papa Francisco a antecipou, há anos, num encontro com o clero de Roma.
A fama da sua
santidade está presente no mundo inteiro, mormente no Brasil. O facto de todo o
episcopado brasileiro ter pedido a abertura da sua causa de beatificação é a
expressão eloquente da fama de santidade deste grande pastor que escolhera a
palavra “humilitas” para o seu brasão
episcopal. É conhecida a amizade de Albino Luciani com o cardeal Lorscheider e
a proximidade do futuro beato com o Brasil, tendo-o visitado em 1975.
A notícia da
autorização do Papa Francisco à Congregação das Causas dos Santos para promulgar
o decreto sobre o milagre atribuído à intercessão de João Paulo I enche de
alegria toda a Igreja e, em especial, a Igreja do Brasil. Este gesto do Santo
Padre abre caminho para a beatificação do “Papa Sorriso”, falta agora aguardar a
respetiva data, que será estabelecida pelo próprio Santo Padre.
Como se referiu, é conhecida a
proximidade de Albino Luciani com o Brasil, a amizade que teve com o Cardeal Aloísio
Lorscheider. Este acompanhou o futuro Papa João Paulo I quando da sua ida a
Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em novembro de 1975, ocasião em que recebeu
o diploma honoris causa da Universidade Federal gaúcha.
Em artigo
publicado na Revista “30Dias” em
memória do cardeal Lorscheider, falecido em 2007, a vice-postuladora do
processo de beatificação de João Paulo I deixa alguns detalhes daquela visita
do futuro Papa, contados por dom Aloísio, segundo o qual Luciani se sentiu em
casa em Santa Maria, pois tanto ele como o povo falavam veneto. É de salientar que
do Veneto – região italiana de origem de Luciani – partiram milhares italianos
para o Brasil, sobretudo entre os anos 1880 e 1950. Daí, a forte presença de
italianos e descendentes de italianos também no Rio Grande do Sul.
Dom Aloísio
lembrou a grande multidão que se reuniu na ocasião para ouvir o então patriarca
de Veneza e as muitas pessoas que viu chorar quando Luciani, com simplicidade, se
lhes dirigiu falando em dialeto.
Muitas
reconstruções acerca da eleição de Albino Luciani à Cátedra de Pedro apontam o
cardeal Aloísio Lorscheider – junto com o cardeal Paulo Evaristo Arns – como
articulador da eleição de João Paulo I. Dom Aloísio, então Arcebispo de
Fortaleza e vice-presidente do CELM (Conselho Episcopal
Latino-Americano), era o mais
jovem dos 111 cardeais que participaram no Conclave de agosto de 1978, tinha 53
anos. Na última votação, Dom Aloísio recebeu um voto, o de Albino Luciani, como
o próprio Luciani revelou: tal era a estima e o apreço de João Paulo I pela
densidade humana e pastoral do então Arcebispo de Fortaleza. Uma estima
recíproca. Luciani e Lorscheider tinham sido padres conciliares. Juntos, como
jovens bispos, tinham participado nas quatro sessões do Concílio Ecuménico
Vaticano II.
Dom Aloísio
contou que, no momento de cumprimentar o novo Papa, na Capela Sistina, após a
eleição, Luciani lhe disse. “Vem-me ver, fico à espera”, mas Lorscheider
acrescentou: “Não cheguei a poder fazer
isso”.
De facto,
João Paulo I faleceu apenas 33 dias após a sua eleição para a
Cátedra de Pedro. Deixou como marca indelével no coração de milhões de pessoas
no mundo inteiro a sua simplicidade, humildade, humanidade e sorriso evangélico.
A notícia da sua próxima beatificação traz-nos a alegria eclesial por este
grande pastor que governou a Barca de Pedro no breve espaço de um sorriso.
2021.10.29 – Louro de Carvalho
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