domingo, 17 de outubro de 2021

Sínodo 2021-2023 quer pôr a Igreja a viver “momento de viragem”

Francisco abriu formalmente, a 9 de outubro, a 16.ª assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade, que passa, a partir deste domingo, dia 17, a decorrer, pela primeira vez, em cada uma das dioceses do mundo.

Sobre o momentoso evento, o Padre Paulo Terroso, do clero da Arquidiocese de Braga, membro da Comissão da Comunicação, falou em entrevista à “Ecclesia” e à “Renascença”, apontando desafios e expectativas sobre tão inédito processo que envolve a maior e mais ampla consulta em toda a Igreja desde sempre.

Do significado do surpreendente convite para integrar a referida Comissão da Comunicação, diz que é “um desafio e uma responsabilidade”. A proposta, “quase irrecusável”, partiu de Thierry Bonaventura, o responsável pela comissão de media e pela comunicação da Secretaria do Sínodo dos Bispos, e veio ao encontro da meditação que o sacerdote fazia, desde o Tempo Pascal, sobre o livro dos Atos dos Apóstolos, a nível da oração pessoal e da reflexão na Basílica dos Congregados (Braga), em torno do Espírito Santo como protagonista da Igreja. Assim, contrapõe às coincidências de que falam as pessoas o que um amigo lhe ensinara a chamar de “Deuscidências” e, nesta ordem de espiritualidade, assume o encargo “com alegria, disponibilidade e espírito de serviço, num momento tão especial”, que alguns qualificam como “o momento mais importante na história da Igreja depois do Concílio Vaticano II”.

Em relação à vasta equipa que integra e à aposta em que o Sínodo seja comunicado, refere que se trata duma equipa internacional bastante alargada – mas que ainda não está completa – e que tenta abranger a presença da Igreja em todo mundo, “com o objetivo fundamental de que o Sínodo real seja o Sínodo mediático” e não se fique pelo que a comunicação social transmite (algo que também aconteceu com o Concílio Vaticano II). E dá como exemplo dois dos últimos Sínodos, para si paradigmáticos: o Sínodo sobre a Família (2014-2015); e o Sínodo sobre a Amazónia (2019). Houve “muito ruído”, mas o que chegou às pessoas, em geral, e aos católicos, em especial, foi veiculado a partir dos órgãos de comunicação social, sem profundidade e até com informação distorcida.

Ora, segundo o entrevistado, “é importante ajudar a aprofundar o que vai ser dito, para que chegue às pessoas e se crie aqui um pc dedicada à comunicação.

Também se coloca a questão da forma de comunicar da Igreja, da sua linguagem e da sensação de que tem uma forma de comunicação demasiado fechada.

A isto o Padre Terroso contrapõe que, tal como noutras áreas do saber e da atividade, também a Igreja tem a sua linguagem técnica, que deve ser obviamente utilizada, mas que deve ser simplificada, desdobrada e explicada em termos comunicacionais, na perspetiva de dar a entender e ajudar a compreender. Por isso, é importante haver na Igreja gente especializada em comunicação e haver nas diversas redações “especialistas que tenham conhecimento profundo do fenómeno religioso”.

Neste sentido, Terroso crê que “aqui há uma responsabilidade de parte a parte: da Igreja, em comunicar bem, ter uma maior proximidade, diálogo, e promover até encontros para falar sobre o que está a acontecer, quais são os grandes temas, descodificar toda a linguagem, porque esta linguagem técnica faz parte de todos os saberes; e, ao mesmo tempo, da parte dos órgãos de comunicação social, termos pessoas especializadas em religião”.

Tendo-lhe sido apontado que a Comissão da Comunicação integra uma leiga portuguesa, Leopoldina Reis, Simões e sendo que vão trabalhar em conjunto com o Vaticano, com o Dicastério para a Comunicação e Sala de Imprensa da Santa Sé, mas também localmente, indo ao encontro dos media no próprio país, concorda e esclarece:

Cada país, como acontece em Portugal, tem um secretariado. Creio que proximamente acontecerá esse encontro, para criar uma sintonia e fazer passar essa mensagem, a partir já de uma estrutura existente.”.

E precisa a especificidade dos membros da Comissão de Comunicação em relação ao nosso país: fazer passar a mensagem, mas “nunca sobrepondo-nos” ou sem estar articulados e em relação muito próxima, “no caso de Portugal com o Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, dirigido pela Isabel Figueiredo”.

Considerando que o Papa na sessão de trabalho da abertura do Sínodo, no Vaticano, expôs desafios e até deixou recados para que esta não seja uma iniciativa “de fachada” ou apenas uma “reflexão teórica”, os entrevistadores perguntaram se este é “mesmo um momento de viragem na Igreja”. E ao Padre Terroso não restam dúvidas tendo em conta o forte desejo de mudança e o que tem presenciado. Porém, admite que haverá resistências, pois “ninguém está disposto a perder poder sem dar luta”, sobretudo quando alguém entende que a missão é de poder e não de serviço. Observa que “há também medos”, mas considera que “o medo é também falta de fé”.

Seja como for, o Padre Paulo Terroso está convicto de que “e chegado o momento” – e “no ponto de maturidade do pontificado do Papa Francisco” – “da receção plena do Concílio Vaticano II”, nomeadamente da ‘Lumen Gentium’, do ‘Ad Gentes’ e da ‘Gaudium et Spes’.

É imparável este processo de auscultação e envolvimento de pessoas, que, por ser um processo espiritual, vai, já em si, “provocar uma transformação das pessoas”, no que ajuda em muito a postura dos “nossos irmãos da América Latina”. Na verdade, como diz o entrevistado, “precisamos de compreender” que “o pontificado do Papa Francisco se entende a partir do que aconteceu na América Latina, onde ele também foi um dos protagonistas, na Conferência de Aparecida, em 2007”. E o que está em causa é se “queremos e vivemos numa Igreja clerical” (que não é a que o Espírito quer) ou se queremos “uma Igreja sinodal, onde todos, leigos, padres e bispos, caminham em conjunto, iluminados pelo Espírito Santo”, fazendo a vontade de Deus.

Tendo a questão da América Latina a ver com um modelo mais horizontal, mais participado, onde toda a gente está mais próxima do processo de decisão, os entrevistados perguntam qual o desafio mais difícil, até porque está em causa o poder e a autoridade. E o entrevistado refere que, no imediato, o mais difícil é “implementar este processo” e que é preciso tempo. Por isso, não se admiraria de que o processo de auscultação das Igrejas locais fosse prolongado. E, se assim for, essa necessidade deve ser dada a conhecer à Secretaria do Sínodo e não pensar que já se fez tudo o que era possível e Roma que decida. Atirar com as decisões para Roma será o menos sinodal possível.

E Paulo Terroso recorda:

O cardeal Mario Grech (secretário do Sínodo dos Bispos), ao encerrar no dia 9 os trabalhos na aula sinodal apresentou sugestões. Os teólogos que pensem e que trabalhem, é preciso aprofundar a eclesiologia da ‘Lumen Gentium’ (‘Luz dos Povos’, Concílio Vaticano II), aprofundar a dimensão pneumatológica da Igreja. Perceber se se consulta o povo de Deus, ou se estamos a fazer a consulta dentro do povo de Deus, porque bispos, padres e o Papa, também são povo de Deus. São questões que precisam de ser aprofundadas e os teólogos têm um momento extraordinário, sobretudo os eclesiólogos, de fazer este trabalho.”.

Entretanto, reitera que “ a primeira grande dificuldade vai ser implementar este processo, que é profundamente espiritual, e aqui precisamos dos nossos irmãos da Companhia de Jesus”, pois, embora haja outras tradições no discernimento, “esta está profundamente enraizada naquilo que é a espiritualidade inaciana, nos exercícios espirituais”. E pede “que nos expliquem o que é isso de realizar o discernimento”.

Por outro lado, o entrevistado adverte que implementar e compreender o que vai acontecer “não é um inquérito, senão a Igreja encomendaria um estudo de opinião e as conferências episcopais entregavam-no lá”; é, antes, “escutar aquilo que o Espírito Santo tem a dizer à Igreja, é uma experiência comunitária de discernimento, portanto é muito mais exigente”.

Aos verbos “encontrar, escutar e discernir”, que o Papa pretende que marquem o Sínodo, o Padre Terroso acrescenta “tomar decisões”, porque “essa é uma parte importante”.

O Sínodo prossegue a partir deste domingo nas várias dioceses do mundo. E, confrontado, a este respeito, com o facto de em Portugal a maioria assinalar o arranque do processo sinodal com eucaristias, presididas pelos respetivos bispos, podendo dizer-se que “é um arranque de alguma forma tímido e demasiado formal para o que se quer deste Sínodo, assente em que, do ponto de vista mediático, o arranque seja tímido, mas não da ótica do que o importante é que seja vivido, porque se trata dum “processo espiritual”. Com efeito, “foi dada liberdade às conferências episcopais e às igrejas locais para iniciarem este processo da forma que achassem mais conveniente”. E Dom Luis Marín, subsecretário do Sínodo dos bispos, disse aos representantes das conferências episcopais europeias: ‘sejam criativos’. Portanto, se fazem assim em Portugal, “é porque entenderam que era o melhor modo de o fazer, mas não tinha de ser assim”.

E o Padre Paulo Terroso prossegue:

Se deste modo se assinala que o Sínodo é um processo espiritual, a celebração da Eucaristia, uma Liturgia da Palavra ou o povo de Deus reunido em oração à escuta daquilo que Deus lhe tem para dizer, não me parece de modo algum errado. Poderá não ser a forma mais expressiva e original de o fazer, ou com mais impacto mediático, mas não está errado. E, como digo, foi dada liberdade às igrejas locais de iniciarem este período sinodal como achassem melhor.”.

Todavia, concorda que, falando-se de processo inédito e sendo a primeira vez que o Sínodo bate à porta de cada pessoa, uma resposta formal, ainda que em fase inicial, dificulta a perceção da novidade que este momento representa. E acrescenta que, “se calhar é este modo que temos de ser Igreja que ainda não está em saída, com novas expressões, e está ainda muito formatada”.

Neste aspeto, até revelou um pormenor. Desejavam que, na apresentação do processo sinodal, a disposição dos sacerdotes e dos leigos dentro da aula sinodal fosse outra, sem haver ali lugares exclusivos para esta ou aquela pessoa, mas não foi possível. Não obstante, houve cardeais e bispos que não estiveram na primeira fila, mas misturados entre todos. De facto, este é também “processo de conversão, de mudança, de darmos significado à realidade e de nos entendermos como Igreja”. E o entrevistado comenta:

O que é que o Logo do Sínodo escolhido nos diz, para expressar a vontade do Santo Padre e do Espírito Santo, que é ser uma Igreja que caminha junta? É que não vai o bispo à frente nem atrás, vai lá no meio, vão pessoas, vão os mais frágeis. E aproveito para dizer isto: é preciso ouvir as margens. E ainda temos muito a caminhar.”.

Recordando que, na abertura do Sínodo, houve “testemunhos todos interessantíssimos”, mas de “pessoas muito empenhadas, comprometidas” e que “já fazem parte da estrutura”, sustenta que precisamos “de outros, dos que estão em processo de conversão, de luta até interior, que se sentem marginalizados”. Na verdade, é oportuno perguntar na Igreja “quem são os leprosos de hoje”, as pessoas que não queremos tocar, que queremos ver afastadas, a quem não damos “oportunidade ou espaço de se integrarem, mas que desejam e esperam da nossa parte o maior acolhimento”.

É este, pois, “um processo espiritual e também de conversão, um processo de desconforto”; e hoje importa sair da nossa zona de conforto também em Igreja.

Por fim, questionado se, em Portugal, espera uma participação ativa das comunidades e movimentos, dos católicos em geral, diz que sim, mas que “temos de motivar e entusiasmar”. Já vê dioceses empenhadas e redes sociais mobilizadas. Porém, aponta uma questão de tempo. Com efeito, o processo inicia-se depois das férias, embora os bispos tenham recebido indicações desde maio, e as equipas levam algum tempo a ser constituídas. Tanto assim é que “ainda não temos as pessoas de contacto conhecidas”. Há, pois, muito trabalho para fazer e tem de haver grande empenho da comunicação social. Acreditamos no poder comunicativo do Papa, que faça as pessoas interrogarem-se e mobilizarem-se nas comunidades, nas paróquias.

***

Enfim, o dinamismo de sinodalidade implica humildade e disponibilidade, escuta e atenção, sentido da filiação divina e da fraternidade comum, lucidez e vontade em dar as mãos para a caminhada conjunta e solidária, em oração, ação, reflexão e missão, com o Espírito e os irmãos.  

2021.10.17 – Louro de Carvalho 

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