Francisco abriu formalmente,
a 9 de outubro, a 16.ª assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a
Sinodalidade, que passa, a partir deste domingo, dia 17, a decorrer, pela
primeira vez, em cada uma das dioceses do mundo.
Sobre o momentoso evento, o
Padre Paulo Terroso, do clero da Arquidiocese de Braga, membro da Comissão da
Comunicação, falou em entrevista à “Ecclesia” e à “Renascença”,
apontando desafios e expectativas sobre tão inédito processo que envolve a
maior e mais ampla consulta em toda a Igreja desde sempre.
Do significado do surpreendente convite
para integrar a referida Comissão da Comunicação, diz que é “um desafio
e uma responsabilidade”. A proposta, “quase irrecusável”, partiu de Thierry
Bonaventura, o responsável pela comissão de media e pela comunicação da
Secretaria do Sínodo dos Bispos, e veio ao encontro da meditação que o sacerdote
fazia, desde o Tempo Pascal, sobre o livro dos Atos dos Apóstolos, a nível da
oração pessoal e da reflexão na Basílica dos Congregados (Braga), em torno do Espírito Santo como protagonista da
Igreja. Assim, contrapõe às coincidências de que falam as pessoas o que um
amigo lhe ensinara a chamar de “Deuscidências” e, nesta ordem de espiritualidade,
assume o encargo “com alegria, disponibilidade e espírito de serviço, num
momento tão especial”, que alguns qualificam como “o momento mais importante na
história da Igreja depois do Concílio Vaticano II”.
Em relação à vasta equipa
que integra e à aposta em que o Sínodo seja comunicado, refere que se trata duma
equipa internacional bastante
alargada – mas que ainda não está completa – e que tenta abranger a presença da
Igreja em todo mundo, “com o objetivo fundamental de que o Sínodo real seja o
Sínodo mediático” e não se fique pelo que a comunicação social transmite (algo que
também aconteceu com o Concílio Vaticano II). E dá como exemplo dois dos últimos Sínodos, para si paradigmáticos: o
Sínodo sobre a Família (2014-2015); e o Sínodo
sobre a Amazónia (2019). Houve
“muito ruído”, mas o que chegou às pessoas, em geral, e aos católicos, em
especial, foi veiculado a partir dos órgãos de comunicação social, sem profundidade
e até com informação distorcida.
Ora, segundo o entrevistado, “é importante ajudar a aprofundar o que vai
ser dito, para que chegue às pessoas e se crie aqui um pc dedicada à comunicação.
Também se coloca a questão
da forma de comunicar da Igreja, da sua linguagem e da sensação de que tem uma
forma de comunicação demasiado fechada.
A isto o Padre Terroso
contrapõe que, tal como noutras áreas do saber e da atividade, também a Igreja
tem a sua linguagem técnica, que deve ser obviamente utilizada, mas que deve
ser simplificada, desdobrada e explicada em termos comunicacionais, na
perspetiva de dar a entender e ajudar a compreender. Por isso, é importante
haver na Igreja gente especializada em comunicação e haver nas diversas
redações “especialistas que tenham
conhecimento profundo do fenómeno religioso”.
Neste sentido, Terroso crê que “aqui há uma responsabilidade de parte a
parte: da Igreja, em comunicar bem, ter uma maior proximidade, diálogo, e
promover até encontros para falar sobre o que está a acontecer, quais são os
grandes temas, descodificar toda a linguagem, porque esta linguagem técnica faz
parte de todos os saberes; e, ao mesmo tempo, da parte dos órgãos de
comunicação social, termos pessoas especializadas em religião”.
Tendo-lhe sido apontado que
a Comissão da Comunicação integra uma leiga portuguesa, Leopoldina Reis, Simões
e sendo que vão trabalhar em conjunto com o Vaticano, com o Dicastério para a
Comunicação e Sala de Imprensa da Santa Sé, mas também localmente, indo ao
encontro dos media no próprio país, concorda e esclarece:
“Cada país,
como acontece em Portugal, tem um secretariado. Creio que proximamente
acontecerá esse encontro, para criar uma sintonia e fazer passar essa mensagem,
a partir já de uma estrutura existente.”.
E precisa a especificidade dos membros da Comissão de Comunicação em
relação ao nosso país: fazer passar a mensagem, mas “nunca sobrepondo-nos” ou
sem estar articulados e em relação muito próxima, “no caso de Portugal com o
Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, dirigido pela Isabel
Figueiredo”.
Considerando que o Papa na
sessão de trabalho da abertura do Sínodo, no Vaticano, expôs desafios e até
deixou recados para que esta não seja uma iniciativa “de fachada” ou apenas uma
“reflexão teórica”, os entrevistadores perguntaram se este é “mesmo um momento
de viragem na Igreja”. E ao Padre Terroso não restam dúvidas tendo em conta o
forte desejo de mudança e o que tem presenciado. Porém, admite que haverá
resistências, pois “ninguém está
disposto a perder poder sem dar luta”, sobretudo quando alguém entende que a missão
é de poder e não de serviço. Observa que “há também medos”, mas considera que “o
medo é também falta de fé”.
Seja como for, o Padre Paulo Terroso está convicto de que “e chegado o
momento” – e “no ponto de maturidade do pontificado do Papa Francisco” – “da
receção plena do Concílio Vaticano II”, nomeadamente da ‘Lumen Gentium’, do ‘Ad Gentes’
e da ‘Gaudium et Spes’.
É imparável este processo de auscultação e envolvimento de pessoas, que,
por ser um processo espiritual, vai, já em si, “provocar uma transformação das
pessoas”, no que ajuda em muito a postura dos “nossos irmãos da América Latina”.
Na verdade, como diz o entrevistado, “precisamos de compreender” que “o
pontificado do Papa Francisco se entende a partir do que aconteceu na América
Latina, onde ele também foi um dos protagonistas, na Conferência de Aparecida,
em 2007”. E o que está em causa é se “queremos e vivemos numa Igreja clerical” (que não é a
que o Espírito quer) ou se
queremos “uma Igreja sinodal, onde todos, leigos, padres e bispos, caminham em conjunto,
iluminados pelo Espírito Santo”, fazendo a vontade de Deus.
Tendo a questão da América
Latina a ver com um modelo mais horizontal, mais participado, onde toda a gente
está mais próxima do processo de decisão, os entrevistados perguntam qual o
desafio mais difícil, até porque está em causa o poder e a autoridade. E o
entrevistado refere que, no imediato, o mais difícil é “implementar este processo” e que é preciso tempo. Por
isso, não se admiraria de que o processo de auscultação das Igrejas locais
fosse prolongado. E, se assim for, essa necessidade deve ser dada a conhecer à
Secretaria do Sínodo e não pensar que já se fez tudo o que era possível e Roma
que decida. Atirar com as decisões para Roma será o menos sinodal possível.
E Paulo Terroso recorda:
“O cardeal
Mario Grech (secretário do Sínodo dos Bispos), ao encerrar no dia 9 os
trabalhos na aula sinodal apresentou sugestões. Os teólogos que pensem e que
trabalhem, é preciso aprofundar a eclesiologia da ‘Lumen Gentium’ (‘Luz dos
Povos’, Concílio Vaticano II), aprofundar a dimensão pneumatológica da Igreja.
Perceber se se consulta o povo de Deus, ou se estamos a fazer a consulta dentro
do povo de Deus, porque bispos, padres e o Papa, também são povo de Deus. São
questões que precisam de ser aprofundadas e os teólogos têm um momento
extraordinário, sobretudo os eclesiólogos, de fazer este trabalho.”.
Entretanto, reitera que “ a primeira grande dificuldade vai ser implementar
este processo, que é profundamente espiritual, e aqui precisamos dos nossos
irmãos da Companhia de Jesus”, pois, embora haja outras tradições no
discernimento, “esta está profundamente enraizada naquilo que é a
espiritualidade inaciana, nos exercícios espirituais”. E pede “que nos
expliquem o que é isso de realizar o discernimento”.
Por outro lado, o entrevistado adverte que implementar e compreender o que
vai acontecer “não é um inquérito, senão a Igreja encomendaria um estudo de
opinião e as conferências episcopais entregavam-no lá”; é, antes, “escutar
aquilo que o Espírito Santo tem a dizer à Igreja, é uma experiência comunitária
de discernimento, portanto é muito mais exigente”.
Aos verbos “encontrar,
escutar e discernir”, que o Papa pretende que marquem o Sínodo, o Padre
Terroso acrescenta “tomar
decisões”, porque “essa é uma parte importante”.
O Sínodo prossegue a partir
deste domingo nas várias dioceses do mundo. E, confrontado, a este respeito,
com o facto de em Portugal a maioria assinalar o arranque do processo sinodal
com eucaristias, presididas pelos respetivos bispos, podendo dizer-se que “é um
arranque de alguma forma tímido e demasiado formal para o que se quer deste
Sínodo, assente em que, do ponto de vista mediático, o arranque seja tímido,
mas não da ótica do que o importante é que seja vivido, porque se trata dum
“processo espiritual”. Com efeito, “foi dada
liberdade às conferências episcopais e às igrejas locais para iniciarem este processo
da forma que achassem mais conveniente”. E Dom Luis Marín, subsecretário do
Sínodo dos bispos, disse aos representantes das conferências episcopais
europeias: ‘sejam criativos’. Portanto, se fazem assim em Portugal, “é porque
entenderam que era o melhor modo de o fazer, mas não tinha de ser assim”.
E o Padre Paulo Terroso prossegue:
“Se deste modo
se assinala que o Sínodo é um processo espiritual, a celebração da Eucaristia,
uma Liturgia da Palavra ou o povo de Deus reunido em oração à escuta daquilo
que Deus lhe tem para dizer, não me parece de modo algum errado. Poderá não ser
a forma mais expressiva e original de o fazer, ou com mais impacto mediático,
mas não está errado. E, como digo, foi dada liberdade às igrejas locais de
iniciarem este período sinodal como achassem melhor.”.
Todavia, concorda que,
falando-se de processo inédito e sendo a primeira vez que o Sínodo bate à porta
de cada pessoa, uma resposta formal, ainda que em fase inicial, dificulta a
perceção da novidade que este momento representa. E acrescenta que, “se calhar é este modo que temos de ser Igreja que ainda
não está em saída, com novas expressões, e está ainda muito formatada”.
Neste aspeto, até revelou um pormenor. Desejavam que, na apresentação do processo
sinodal, a disposição dos sacerdotes e dos leigos dentro da aula sinodal fosse
outra, sem haver ali lugares exclusivos para esta ou aquela pessoa, mas não foi
possível. Não obstante, houve cardeais e bispos que não estiveram na primeira
fila, mas misturados entre todos. De facto, este é também “processo de
conversão, de mudança, de darmos significado à realidade e de nos entendermos
como Igreja”. E o entrevistado comenta:
“O que é que o
Logo do Sínodo escolhido nos diz, para expressar a vontade do Santo Padre e do
Espírito Santo, que é ser uma Igreja que caminha junta? É que não vai o bispo à
frente nem atrás, vai lá no meio, vão pessoas, vão os mais frágeis. E aproveito
para dizer isto: é preciso ouvir as margens. E ainda temos muito a caminhar.”.
Recordando que, na abertura do Sínodo, houve “testemunhos todos
interessantíssimos”, mas de “pessoas muito empenhadas, comprometidas” e que “já
fazem parte da estrutura”, sustenta que precisamos “de outros, dos que estão em
processo de conversão, de luta até interior, que se sentem marginalizados”. Na
verdade, é oportuno perguntar na Igreja “quem são os leprosos de hoje”, as pessoas
que não queremos tocar, que queremos ver afastadas, a quem não damos “oportunidade
ou espaço de se integrarem, mas que desejam e esperam da nossa parte o maior
acolhimento”.
É este, pois, “um processo espiritual e também de conversão, um processo de
desconforto”; e hoje importa sair da nossa zona de conforto também em Igreja.
Por fim, questionado se, em
Portugal, espera uma participação ativa das comunidades e movimentos, dos católicos
em geral, diz que sim, mas que “temos de motivar e
entusiasmar”. Já vê dioceses empenhadas e redes sociais mobilizadas. Porém,
aponta uma questão de tempo. Com efeito, o processo inicia-se depois das férias,
embora os bispos tenham recebido indicações desde maio, e as equipas levam
algum tempo a ser constituídas. Tanto assim é que “ainda não temos as pessoas
de contacto conhecidas”. Há, pois, muito trabalho para fazer e tem de haver grande
empenho da comunicação social. Acreditamos no poder comunicativo do Papa, que faça
as pessoas interrogarem-se e mobilizarem-se nas comunidades, nas paróquias.
***
Enfim, o dinamismo de sinodalidade implica humildade e disponibilidade,
escuta e atenção, sentido da filiação divina e da fraternidade comum, lucidez e
vontade em dar as mãos para a caminhada conjunta e solidária, em oração, ação,
reflexão e missão, com o Espírito e os irmãos.
2021.10.17 – Louro de Carvalho
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