De acordo
com o respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou, na generalidade, no
passado dia 27 de maio, a resolução que aprova o “Plano 21 | 23 Escola +”, um plano integrado para a recuperação das
aprendizagens, destinado aos alunos dos ensinos básico e secundário, tendo
prometido a sua publicação para este dia 1 de junho, Dia Mundial da Criança.
Visando a recuperação
das aprendizagens com a garantia de que ninguém fica para trás, “o Governo
promoveu um conjunto alargado de auscultações e recolha de sugestões e criou um
grupo de trabalho” (cuja composição se refere mais adiante, digo eu) “com a missão de apresentar sugestões e recomendações
no âmbito da definição deste plano de recuperação e consolidação de
aprendizagens e de mitigação das desigualdades, decorrentes dos efeitos da
pandemia”.
Assim, nos
termos do predito comunicado, “o Plano alicerça-se em políticas educativas com
eficácia demonstrada ao nível do reforço da autonomia das escolas e das
estratégias educativas diferenciadas dirigidas à promoção do sucesso escolar” e
ao “combate às desigualdades através da educação”. E, de acordo com Tiago
Brandão Rodrigues, o plano para mitigar, no próximo ano letivo, os efeitos
deixados pelo ensino a distância nas aprendizagens dos alunos reflete um
processo de “reflexão profunda” em que foram ouvidos vários intervenientes,
entre os quais o referido grupo de trabalho criado pelo Governo no final de
março para apresentar sugestões e recomendações (não vinculativas) ao Governo. Neste sentido, o Ministro da Educação
antecipou:
“Apresentaremos um plano que irá
definir, com base em evidências, um conjunto de estratégias para tratar
questões relacionadas com sucesso, com a recuperação, necessariamente com a
inclusão, que se centra na confiança que temos nos profissionais e nas nossas
escolas”.
Segundo se lê no “educare.pt”, no documento haverá indicações curriculares,
pedagógicas e organizacionais, baseadas na confiança e autonomia das escolas.
Nas últimas semanas, houve pressão política para perceber o rumo
traçado. E sabe-se que estão já definidas as estratégias.
A
ideia não é totalmente nova, pois o ME (Ministério da Educação) avançara no início do corrente
ano letivo com um manual para a recuperação e consolidação das aprendizagens
que ficaram em suspenso no ano letivo passado. E as críticas sucederam-se nos
últimos meses. O PSD pediu um debate para “espevitar” a tutela a “agir com
urgência” nesta matéria. E agora surge um plano para o qual foram ouvidos
representantes de diretores escolares e de encarregados de educação,
ex-ministros, académicos, alunos, organizações sindicais.
Se, para o Ministro, a confiança nas escolas e a aposta na autonomia
são pontos importantes do plano, segundo Filinto Lima, professor, diretor
escolar e presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), é necessário ter em atenção alguns
fatores no processo de recuperação de aprendizagens, pelo que “o ME deve
reforçar o crédito horário às escolas para que possam contratar mais
professores”. Por outro lado, a tutela deve renovar os contratos dos 900
técnicos especializados (psicólogos
educacionais e sociais, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, animadores
socioculturais, entre outros) que entraram nas escolas no início do ano letivo e reforçar esse número
na medida do que for necessário. Além disso, como sublinha, é preciso “dar
autonomia às escolas para que possam pôr em prática as estratégias que melhor
se coadunam com as dificuldades dos alunos”. Em seu entender, os responsáveis
governamentais “não devem enviar para as escolas nada de prescritivo, antes
recomendações e propostas de trabalho que cada escola irá aplicar de acordo com
o seu contexto socioeconómico”. Filinto Lima entende que se deve apostar
sobretudo no 1.º Ciclo, no 1.º e 2.º anos, “que foram os que mais perderam com
o estudo em casa”, com apoio personalizado, aumentando o número de coadjuvações
em contexto de sala de aula, sendo que o ME não pode nem deve interferir no que
as escolas possam fazer, as quais podem seguir ou não as indicações, usar ou
não usar os meios propostos, pois o importante é trabalhar para recuperar
aprendizagens.
Já Manuel Pereira, professor, diretor escolar e presidente da
ANDE (Associação Nacional
de Dirigentes Escolares),
otimista, reconhece que se perdeu muita coisa com a pandemia e se ganhou muita
coisa, sendo preciso “encontrar um equilíbrio e traçar um trajeto para os
próximos anos”, já que, segundo diz, “há valores que se ganham e a própria
escola percebeu, com uma pandemia, que é mais valorizada pela opinião pública,
pelos pais, pela sociedade”. Considerando que não se faz de um dia para o
outro a recuperação de aprendizagens perdidas, diz que “trabalhamos com a
melhor massa que existe que são as crianças e os jovens”. E, porfiando que é
preciso intervir, com urgência, nos primeiros anos do 1.º Ciclo, enfatiza:
“Há aprendizagens matriciais que é
necessário garantir. É preciso preparar um plano de trabalho, planos bem
trabalhados com calma e com o apoio dos encarregados de educação. Acho que
vamos conseguir.”.
***
Do grupo de trabalho multidisciplinar criado para apresentar
recomendações sobre formas de combater os efeitos da pandemia na aprendizagem
dos alunos fazem parte Margarida Gaspar de Matos, coordenadora nacional de um
estudo da OMS (Organização
Mundial da Saúde) sobre
comportamentos e saúde mental dos adolescentes, Susana Monteiro, da Ordem dos
Psicólogos, Susana Peralta, economista da Universidade Nova, José Verdasca,
coordenador do PNPSE (Plano
Nacional de Promoção do Sucesso Escolar), entre outros.
Um estudo realizado em janeiro passado conclui que mais de
metade dos alunos dos 6.º e 9.º anos não atinge os níveis esperados de
literacia a matemática, leitura e literacia científica.
O assunto tem merecido a atenção de diversos setores da
sociedade, desde logo da comunidade educativa e dos políticos. O PSD defende um
plano pensado a três anos, com mais investimento em recursos humanos para
acompanhamento personalizado aos alunos, apoio extra sobretudo no 1.º Ciclo e
“bateria de testes” para monitorizar a recuperação das aprendizagens. E
Cláudia André, deputada do PSD, referiu à Lusa
que “todos reconheceram que pouco ou nada foi feito”, sendo que, “em
setembro de 2020”, como vinca, devíamos ter tido um plano para desenvolver no
ano letivo, “fizemos o segundo confinamento sem plano de recuperação de aprendizagens
e o PSD está preocupado”. A seu ver, o ME não teve e não tem capacidade de
resposta. E atirou:
“Os estudos demonstraram que o Ministério
não adotou medidas corretivas para alunos vulneráveis, não realizou os testes
de diagnóstico adequados, não teve formação de professores adequada, não teve
resposta tecnológica adequada”.
Por sua vez, o BE quer conhecer o programa governamental de
recuperação das aprendizagens e mantém que as escolas precisam de mais pessoal (docente e não docente) e que é preciso desdobrar turmas e
repensar metas e programas curriculares. A este respeito, Catarina Martins
vincou:
“O BE apresentou no Parlamento uma proposta
no sentido de o Estado central ajudar as câmaras a financiar programas de
férias com desporto, cultura e atividades ao ar livre, que os meses de verão
proporcionam, para que haja retoma de socialização, prática desportiva e
cultural, tão essencial à saúde mental e emocional de todos”.
Investigadores da Nova SBE (Nova School of Business and Economics) propõem a criação de Escolas de
Verão e tutorias para os alunos recuperarem aprendizagens, o que postula
sinalizar os estudantes mais afetados pela pandemia, contratar e formar
tutores. As contas da Nova SBE indicam que o projeto teria um custo entre 3% e
10% do orçamento destinado à Educação em 2021, valor que é um investimento,
para Pedro Carvalho (da
SBE), já que, podemos
ter por cada euro gasto neste programa um retorno entre 3 a 10 euros nos
próximos 40 anos.
Por outro lado, é de realçar o papel da EMAEI (Equipa Multidisciplinar de Apoio à
Educação Inclusiva), que
é central na elaboração e aplicação do plano de atuação e fará, em articulação
com os professores, o acompanhamento, nomeadamente das crianças e jovens em
situação de maior vulnerabilidade. A EMAEI, estrutura que monitoriza as
respostas de apoio às aprendizagens, monitorizará o apoio tutorial específico e
tutorias de caráter preventivo, gerirá as medidas de apoio nos diferentes
ciclos e níveis de ensino, analisará situações de necessidade de apoio social
específico e acompanhará os agregados familiares em situação de maior
fragilidade e risco.
Entretanto, André Pestana,
coordenador nacional do STOP (Sindicato de Todos os Professores), confessou não ter sido ouvido pela equipa da elaboração
do “Plano 21|23 Escola +”:
“Não fomos convidados a participar
em qualquer reunião. Não recebemos nada, nem tem pouco um email informativo.
Tudo indica que é, mais uma vez, uma decisão unilateral do Ministério da
Educação. É mais um exemplo de prepotência a que nos têm habituado. No mínimo,
mostravam abertura para o diálogo.”.
Resta saber
se as outras estruturas sindicais passaram pelo mesmo tipo de desdém
governativo. Seja como for, Pestana, embora esteja expectante, disse-se não “otimista
quanto às medidas a anunciar”. E frisou que, nas reuniões agendadas com o ME,
não há discussões realmente sérias:
“Já houve reuniões em que tivemos
intervenções de três/quatro minutos. Desta vez, nem sequer isso fizeram. Não
chamaram os sindicatos para serem ouvidos em algo tão importante como este
tema.”.
O
responsável pelo STOP espera que “o cansaço sentido pelos professores e alunos
depois de mais um ano atípico tenha sido tido em conta”. E, a este propósito,
relatou:
“Já anteriormente falámos da
importância desta realidade. Já começamos o ano letivo com uma carga acrescida
de trabalho. O que aconteceu é que o ME, mais uma vez, não foi coerente com as
suas afirmações. Por um lado, exaltou o esforço dos professores, mas arrancou o
ano letivo com exames a decorrer e reduziu as pausas letivas. Nem os
professores, nem os alunos são máquinas. Não se conseguem recuperar
aprendizagens sobrecarregando os sujeitos que já estão cansados depois de 2
anos atípicos.”.
Disse
receber muitas queixas de docentes devido à sobrecarga de trabalho, havendo
muitos à beira de Burnout, realidade que não se pode ignorar. Mais afirmou ser
necessário olhar para a realidade de cada escola, onde “a pandemia foi vivida
de forma diferente”. E explicou:
“Houve discrepância por vários motivos. Em
alguns casos, houve alunos sem meios informáticos para assistir às aulas à
distância ou vários surtos em agrupamentos. Isso deve ser tido em conta no
plano de recuperação. Deve permitir-se que os professores, que sabem o que
aconteceu aos seus alunos e à sua disciplina, possam decidir o que é melhor
para a sua realidade.”.
E relembra
as dificuldades de antes da pandemia: programas muito extensos, que se
agravaram, pelo que julga obrigatória a diminuição dos programas, pois é
irrealista cumprir os programas na íntegra e não se conseguem aprofundar
temáticas. Por isso, propõe que, no futuro, os programas devem ser mais
realistas e espera que o plano também conduza a esta medida.
***
Da
apresentação do plano, feita hoje para assinalar o Dia Mundial da Criança,
que estará em vigor nos próximos dois anos letivos, ressalta que, a partir do próximo ano letivo, as escolas
contarão com mais 3300 professores para apoiar os alunos e promover a
recuperação de aprendizagens que ficaram para trás com o ensino à distância,
sobretudo no 1.º Ciclo. Será reforçado o número de técnicos especializados,
como mediadores, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas da fala. E disse
o Ministro da Educação, na apresentação do plano no Agrupamento de Escolas Dr.
Azevedo Neves (Amadora),
que “há aprendizagens que foram comprometidas num número significativo de
alunos”, importando “recuperar o que não se aprendeu e garantir que ninguém
fica para trás”. Segundo Brandão Rodrigues, “é consensual que a recuperação não
se faz com o mero aumento de horas de aulas ou de semanas de trabalho”, mas com
medidas diversificadas, pensadas em função das necessidades específicas de cada
território e decididas e aplicadas em cada agrupamento. Assim, a autonomia das
escolas é o principal ingrediente do plano, com um orçamento global de mais de
900 milhões de euros, mormente para contratação de recursos humanos (140
milhões), formação
de professores, reforço de recursos digitais (47,3 milhões) e apetrechamento dos
estabelecimentos de ensino.
Será
criada uma nova valência do “estudo em casa”, não com aulas na televisão e
disponíveis nas plataformas, mas com um serviço de apoio ao estudo com “produção
de recursos para que os alunos possam esclarecer dúvidas e receber indicações
sobre como estudar melhor”.
O
plano prossegue a via da digitalização das escolas, com o reforço da qualidade
da Internet, dos equipamentos de apoio tecnológico e da formação e capacitação
digital de professores.
Outra das apostas é o reforço da articulação com as famílias pela criação dum programa de qualificação
dirigido aos pais, para que possam voltar a estudar. O ME quer os encarregados
de educação mais envolvidos e presentes nos estabelecimentos de ensino, os
quais até poderão vir a fazer desporto na escola, em conjunto com os filhos. Será
também reforçado o desporto escolar, nomeadamente com aquisição de bicicletas e
capacetes para que todos aprendam a andar. E vão ser
abertas mais 50 salas de educação pré-escolar para garantir o acesso generalizado de crianças a partir dos 3 anos
à educação da infância.
No
final da apresentação por Brandão Rodrigues, o Primeiro-Ministro, tomando a
palavra, falou sobre o 12 de março de 2020 como um dia particularmente
“difícil”, elogiando a forma como os professores estiveram à altura das
barreiras levantadas pela pandemia, e disse:
“Para
mim o dia mais difícil foi quando tive, no dia 12 de março, de anunciar o fecho
das escolas porque soube do impacto que isto ia ter no desenvolvimento das
crianças e dos jovens e como o encerramento da escola iria exponenciar as
situações de desigualdade. Foi notável a forma como a comunidade educativa
reagiu. Nunca os alunos foram abandonados pelos seus professores. Chegaram lá,
por via digital, por telemóvel, telefone e também por mera carta. Mas chegaram.
Mas a escola não fechou totalmente, para os filhos dos trabalhadores
considerados essenciais, Ficou aberta para muitas crianças, porque a melhor
refeição era aquela que tinham no espaço educativo.”.
António
Costa lamentou as interrupções nos anos letivos, que terão “consequências” e
que agravaram “as desigualdades existentes”, pelo que “não é possível sair da
crise sem olhar para o que as escolas já estão a fazer para a recuperação”. E
observou:
“A
pandemia, mais tarde ou mais cedo, vai passar. Esperemos que não deixe sequelas
– e a mais grave e duradoura das sequelas é aquela que poderá atingir toda uma
geração de crianças, particularmente, a transição de ciclos.”.
Por
fim, o Chefe do Governo referiu-se ao programa de recuperação em si:
“Decidimos
alocar um conjunto de recursos para apoiar as comunidades educativas. A metodologia
escolhida é clara; primeiro estranhou-se e depois entranhou-se:
descentralização, flexibilização e autonomia, o triângulo do desenvolvimento. A
flexibilização, porque o ensino tem de ser cada vez menos espartilhado, as
crianças não podem ser especializadas neste ou naquele domínio. As profissões
do futuro ainda não foram inventadas e temos de preparar as crianças para esse
futuro. Portanto, essa flexibilidade é fundamental. A realidade que é a vida:
acordo às nove e faço contas, às 10 horas, leio, às 11 horas, Biologia, às 12h,
ginástica. A vida não é assim. A flexibilidade é fundamental para as crianças
que hoje estamos a formar.”.
O
que fica, desde logo, posto de parte
neste plano de recuperação é a hipótese de o calendário escolar aumentar, de
o dia de aulas ser maior ou até de se criarem escolas de verão, como chegou
a ser sugerido por alguns, pois, como referiu Brandão Rodrigues, “a aposta não
foi nem em prolongar, nem em aumentar as cargas horárias, mas dotar as escolas de mais recursos à medida das necessidades específicas do
projeto e da estratégia que definiram” – nuns casos, recursos técnicos duma
área, noutros de outra área”.
***
Esperamos
que tanta eficiência prometida redunde em rela eficácia.
2021.06.01 – Louro de Carvalho
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