quarta-feira, 23 de junho de 2021

Merkel critica Portugal por permitir viagens de e para o Reino Unido

 

Angela Merkel, chanceler alemã, em conferência de imprensa do dia 22 de junho, em Berlim, depois de a Presidente da Comissão Europeia ter apresentado o PRR alemão já aprovado, lamentou a ausência de regras comuns na União Europeia (UE) para as deslocações de pessoas e deu o exemplo de Portugal, que permitiu viagens de e para o Reino Unido, o que apoda de retrocesso. E, preocupada com a disseminação da variante Delta da covid-19 na Europa, vincou:

Agora temos esta situação em Portugal. Talvez tivéssemos podido evitá-la. É por isso que devemos trabalhar ainda mais. (…) Avançámos nos últimos meses, mas não até onde eu gostaria que a União Europeia estivesse..

Na mesma conferência de imprensa, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, considerou que é apenas uma “questão de tempo” até que a variante Delta se torne dominante no continente europeu e acrescentou que “é importante continuar a vacinar o mais rápido possível”.

Entretanto, os países da UE chegaram a um acordo para coordenar as suas regras e facilitar as viagens dentro do bloco comunitário no verão, com a adoção dum certificado verde, e também preveem a possibilidade de voltar a impor restrições em caso de emergência. Assim, a partir de 1 de julho, qualquer pessoa que possua um certificado sanitário europeu, atestando que foi vacinada, que está imunizada após ter sido contaminada ou que testou negativo à covid-19, poderá viajar dentro da UE sem necessitar de fazer mais testes ou de cumprir quarentena.

A chanceler alemã anota que Portugal tem responsabilidades acrescidas por estar a presidir ao Conselho da UE. Porém, salientando que países como como Alemanha e França impuseram restrições às viagens do Reino Unido devido à rápida propagação da variante Delta (detetada na Índia) do SARS-CoV-2, adiantou:

Fizemos progressos bastante bons nos últimos meses [no que toca à pandemia], mas ainda não estamos onde eu gostaria que a UE estivesse”.

Estas declarações foram feitas dias antes de os líderes europeus se reunirem numa cimeira europeia em Bruxelas e quando Portugal regista números diários de infeções que apenas se comparam com os níveis de fevereiro.

No dia 22, registaram-se seis mortes associadas à covid-19, 1.020 novos casos de infeções confirmadas pelo coronavírus SARS-CoV-2 e um novo aumento nos internamentos.

Em Portugal, a variante Delta do novo coronavírus SARS-CoV-2, a mais transmissível, que já é dominante na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) (em 60% dos casos; no Norte ainda não chega aos 15%), onde aumentaram drasticamente as infeções, circula em 92 países, como indicou no dia 21 a Organização Mundial da Saúde (OMS), salvaguardando que as vacinas continuam eficazes contra esta estirpe, ao prevenirem doença grave e morte.

Segundo a líder técnica de resposta à covid-19 na OMS, Maria Van Kerkhove, a variante Delta, identificada pela primeira vez na Índia, “está a disseminar-se rapidamente” e “tem maior transmissibilidade do que a variante Alpha”, inicialmente diagnosticada no Reino Unido.

O líder do PSD, depois de a chanceler alemã ter criticado a falta de regras comuns na UE relativamente às viagens, dando como exemplo a situação de aumento dos contágios em Portugal, que, a seu ver, “poderia ter sido evitada”, publicou no Twitter a seguinte nota:

Não bastava termos sido tratados com uma vexatória desconsideração pelo Reino Unido, a quem prestamos futebolística vassalagem, e ainda temos de ouvir a justa indignação da chanceler alemã.

Na perspetiva de Rui Rio, o Governo do PS liderado por António Costa está a fazer Portugal passar “por uma vergonha desnecessária”.

Em reação à colagem crítica do líder socialdemocrata a Angela Merkel, o PS acusa Rui Rio de “incoerência” por ter criticado o Governo neste momento e considerado “justas” as palavras da chanceler alemã sobre o aumento de casos de covid-19 em Portugal.

Assim, Ana Catarina Mendes, líder do grupo parlamentar do PS, lembrando que, “em maio, o PSD criticava o Governo por não ter ainda anunciado a abertura aos voos do Reino Unido, que vaticinava de trágico para o turismo nacional”, comentou na sua página do Facebook:

Não há, de facto, limites para a incoerência quando agora se reclama contra uma medida que antes se reivindicava. Em maio, o PSD criticava o Governo por não ter ainda anunciado a abertura aos voos do Reino Unido, que vaticinava de trágico para o turismo nacional..

A líder parlamentar do PS citava as palavras de Rio, que acusou o Governo de fazer Portugal passar “por uma vergonha desnecessária”, observando que, após a “vexatória desconsideração” do Reino Unido, os portugueses têm de “ouvir a justa indignação da chanceler alemã”.

Por seu turno, Augusto Santos Silva garante que foram cumpridas as regras na entrada de britânicos. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, lembrando que Portugal fez “em relação aos britânicos o que a partir de 1 de julho será mandatório no âmbito da UE”, assegurou, neste dia 23, que Portugal cumpriu as regras de saúde pública relativamente à entrada de turistas britânicos, depois das críticas de Angela Merkel à descoordenação europeia quanto a viagens na UE, nomeadamente à entrada de cidadãos britânicos em território português. E explicou:

O que nós dissemos foi que os viajantes britânicos que vêm para Portugal, apresentando um teste negativo à chegada, podem entrar em Portugal. Não vejo que seja, de alguma maneira, escancarar Portugal aos ingleses sem o cuidado de verificar as suas condições de saúde no que diz respeito à covid-19.”.

Falando na comissão parlamentar de Assuntos Europeus e respondendo a uma pergunta do PCP sobre regras de viagens para os cidadãos da UE, Santos Silva observou:

É difícil compreender as posições de alguns governos dos Estados-membros que agora querem propor novos critérios. O que nós fizemos em relação aos britânicos é o que a partir de 1 de julho será mandatório no âmbito da UE..

Todavia, o Presidente da República elogiou a chanceler alemã pelo seu papel na UE, mas considerou inevitável haver regras diferentes no espaço europeu sobre entradas e saídas em cada Estado-membro. Marcelo, falando aos jornalistas, em Lisboa, após a visita a um (novo) centro de vacinação contra a covid-19 num pavilhão da Cidade Universitária para pessoas a partir dos 50 anos de idade sem agendamento, declarou:

Há uma coisa que temos de reconhecer, independentemente do que ela diga: é a gratidão que devemos à chancelerina Angela Merkel por aquilo que fez pela Europa. Isso nós todos agradecemos e é bom que seja dito agora que está a três meses de sair.

Questionado sobre as críticas que a chanceler fez à falta de regras comuns na UE quanto às viagens, apontando como exemplo “uma situação em Portugal que talvez pudesse ter sido evitada”, o Chefe de Estado contrapôs que “é uma inevitabilidade” cada Estado-membro adotar as suas regras. E desenvolveu:

O que disse a chancelerina Angela Merkel corresponde a um problema europeu, isto é, na Europa cada país decidiu unilateralmente quer a entrada quer a saída dos outros europeus, quer as formas de restrição interna de acordo com a evolução da epidemia (…) E como na Europa tem havido ciclos diferentes, tem havido momentos em que os vários Estados se queixam uns dos outros. Nós já nos queixámos da Alemanha, a certa altura, quando um membro do Governo alemão veio falar unilateralmente do que se ia passar em relação a portugueses, aparentemente sem o conhecimento do Governo português. (…) Todos os Estados, de alguma maneira, já se queixaram alguma vez daquilo que se passou noutros Estados.”. 

Marcelo, sustentando que “era difícil” ter havido melhor coordenação de regras na UE, frisou:

Idealmente, eu cheguei a pensar, no início, que fosse possível haver decisões comuns sobre entradas, saídas em todos os Estados da União Europeia. Mas isso era supor que a epidemia tinha o mesmo processo em todos ao mesmo tempo. E aprendeu-se em 2020 e voltou a aprender-se em 2021 que isso não acontecia, porque nuns casos a epidemia vinha de Leste para Ocidente, noutros casos de Ocidente para Leste.”.

Por isso, o Chefe de Estado concluiu que “uma coisa é a teoria, outra coisa é a prática”.

A seguir a estas declarações, o Presidente da República deixou um elogio a Merkel, observando que “na política quando se chega ao fim de uma carreira não há gratidão, há depois uns tempos mais tarde”. E reforçou:

E a gratidão fica expressa, que nós não esquecemos o que ela fez pela Europa, quando pensamos no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e pensamos nos fundos europeus, ela foi essencial para que isso acontecesse. E é importante que o digamos quando está tão perto do fim da sua longa carreira política.”.

***

Vejamos o que alegadamente provocou a abertura de aeroportos aos ingleses (se é que alguém acredita que essa seja a causa única ou a principal): a incidência dispara para 129,6 casos por 100 mil habitantes no continente.

O Boletim da DGS deste dia 23 regista mais três mortes e 1497 novos casos nas últimas 24 horas. Há menos 13 pessoas internadas e menos uma nos cuidados intensivos.

Este é o dia com mais novas infeções desde 20 de fevereiro, altura em que se registaram 1570 casos. A região de LVT, onde foram declarados todos os mortos do dia, continua a ser a que regista mais casos, totalizando 964 nas últimas 24 horas (64,3% do total de Portugal), seguindo-se a região Norte com 208 e a do Centro com 108.

O Boletim da DGS revela que uma grande subida na incidência que em todo o território é agora de 128,6 casos por 100 mil habitantes quando na anterior avaliação era de 119,3. Tendo em conta apenas o continente, a incidência é ainda maior, sendo agora 129,6 infeções por 100 mil habitantes. Ao contrário, o R(t) regista uma ligeira descida tendo passado de 1,18 para 1,17 em todo o território, enquanto no continente passou de 1,17 para 1,18.

Há agora 437 doentes com covid-19 internados (menos 13 que no dia anterior), sendo que 100 estão em unidades de cuidados intensivos (menos um).

Entretanto, há mais 634 casos ativos em Portugal num total de 29 012, sendo que nas últimas 24 horas registaram-se mais 860 recuperados. Há ainda 1760 contactos em vigilância.

Estes dados atualizados da evolução da pandemia surgem no dia em que o responsável pela task force do plano de vacinação admitiu que pode estar “comprometida” a meta de chegar a 8 de agosto como 70% da população com uma dose da vacina administrada. Afirmou, em comissão parlamentar, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo que “as principais preocupações” continuam a estar relacionadas com “a disponibilidade das vacinas” e a regularidade com que chegam ao território nacional. Efetivamente, tem havido adiamentos de entregas e redução de vacinas em duas marcas.

Não obstante, há uma notícia positiva: os maiores de 18 anos começam a ser vacinados a 4 de julho – meta concretizável 15 dias depois do que estava inicialmente previsto. E o vice-almirante esclareceu perante o possível cenário de manutenção de redução das entregas:

Estou a fazer o melhor que posso para otimizar os stocks que temos e a gestão desses stocks de modo a cumprir essa meta, no entanto, julgo que é prudente dizer que essa meta pode atrasar-se até 15 dias relativamente ao esperado.

O coordenador da task force disse ainda aos deputados que a estimativa é começar a vacinar os jovens a partir dos 18 anos a 4 de julho, sendo que, “dentro de 15 dias temos todas as faixas etárias em processo de vacinação”.

Do seu lado, Marta Temido, Ministra da Saúde, apela à “prudência” face à variante Delta Plus, embora saliente que a vacinação tem sido uma das “grandes armas” no combate à pandemia.

Aos jornalistas, Marta Temido vincou a importância da cautela face à disseminação da variante do coronavírus SARS-CoV-2 designada por Delta Plus, uma mutação da estirpe inicialmente identificada na Índia e que já se encontra em Portugal. E sublinhou:

Temos partilhado com toda a honestidade e transparência os resultados quer das estimativas, quer das próprias sequenciações. A informação mais atualizada foi partilhada no sábado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge [INSA] e respeita à variante Delta. As mutações dos vírus são fenómenos expectáveis e, naturalmente, que temos de agir com prudência e observação..

A Ministra disse que é necessário “continuar a seguir com atenção a evolução dessas mutações do vírus e a sua presença em Portugal”. E, perante a eventual propagação da variante Delta Plus, reiterou que o combate à pandemia representa um “esforço contínuo”, que só com o empenho de todos os países é possível chegar a bom porto e que, “enquanto não tivermos conseguido superar esta pandemia de uma forma total, estaremos expostos às mutações e a novas variantes”.

A nível mundial, os casos de infeção por SARS-CoV-2 superam os 179 milhões e mais de 370 mil novos contágios foram confirmados nas últimas 24 horas, como revela o balanço da AFP.

No total, e desde que o novo coronavírus foi identificado na China em dezembro de 2019, pelo menos 179 071 540 casos de infeção foram oficialmente diagnosticados em todo o mundo.

A grande maioria dos pacientes recupera da doença covid-19, mas uma parte ainda diz sentir alguns sintomas associados durante semanas ou mesmo até meses, segundo a AFP.

Desde o início da crise, a covid-19 provocou pelo menos 3 884 538 vítimas mortais no mundo.

***

Continuo a não gostar de que o Presidente fale, a torto e a direito, como que ao virar da esquina, de tudo e mais alguma coisa, quase não deixando margem aos especialistas e ao Governo. No entanto, afora o elogio a Merkel, por inoportuno neste momento, ainda que justo, colocou muito bem a questão da inevitabilidade das diferenças de atuação dos diversos Estados-membros, mercê dos diferentes tempos de incidência do coronavírus SARS-CoV-2, do diferente sentido da sua mobilidade e do aparecimento das diversas estirpes diferenciado no tempo e no lugar.

Quanto a Merkel, não tem razão. Embora atualmente a UE esteja melhor que Portugal, a situação parece repetir-se. Com efeito, quando os países da Europa central tinham restrições bem severas, o vírus em Portugal não cedeu, antes pelo contrário.

Quanto a Boris Johnson, é de referir que, primeiro, colocou Portugal na lista verde e Portugal, sobretudo o Algarve, encheu-se de ingleses; a seguir, Portugal emprestou-lhes o Estádio do Dragão para a final da Champions League entre dois clubes britânicos; e, por fim, alegando as condições de Portugal, paga a deferência retirando Portugal da lista verde. Ora, jogadores e adeptos vieram para o estádio em bolha e regressaram em bolha. Quem rebentou a bolha foram os ingleses, que vieram sobretudo do Algarve e enxamearam as ruas do Porto. Queria o Primeiro-Ministro britânico que a polícia carregasse sobre os ingleses? E quem é responsável pela introdução da variante Delta em Portugal. Foi o Governo português que a requisitou? Não terá vindo pela mão de ingleses? São mais bem organizados os ingleses – dizem alguns mesmo em Portugal. Assim, a custa dos outros, também nós o seríamos…

Todavia, é bom que se reforce o cumprimento das regras restritivas na medida do necessário, nomeadamente quanto a aglomeração de pessoas, espaços públicos, escolas e locais de trabalho, bem como quanto ao uso de equipamentos de proteção pessoal e comunitária. A coisa está mesmo negra. Mas é esperança é de que branqueie. Depende de todos e de cada um.

 2021.06.23 – Louro de Carvalho

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