Foi o pertinente
desafio lançado ao país, neste “Dia de
Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”, pela presidente da
Comissão das Comemorações, o que postula da parte da sociedade e dos
governantes o desenvolvimento, para o efeito, de “programas ousados”.
Na cerimónia
evocativa a que presidiu Marcelo Rebelo de Sousa, na Praça da Autonomia, no
Funchal, Carmo Caldeira, médica e diretora do serviço de cirurgia do Hospital
Dr. Nélio Mendonça, vincou que “é nossa obrigação não deixar estas questões
suspensas para as gerações vindouras”, antes, como alertou, “as alterações
climáticas, a presente pandemia e as futuras exigem abordagens inovadoras,
consequentes e urgentes que integrem o humano no ecossistema do planeta, que é
a nossa casa”, não podendo ficar “tudo como antes”.
Depois,
preconizou: “Teremos de reconstruir,
reintegrar, reeducar”. Na verdade, como frisou, “educar é um imperativo na saúde”, sendo que a gestão das pandemias
implica o “trabalho de todos” e a “responsabilização das consequências das
decisões tomadas”. Efetivamente, “as desigualdades e o grau de disrupção social”
evidenciados na pandemia obrigam-nos “a reflexão e mobilização na preparação de
políticas estruturais para o futuro” e à aceitação da “relevância do
conhecimento”, embora a ciência nem sempre apresente respostas. E a oradora
sublinhou:
“Enfrentamos
tempos de incerteza em que cada um tem um papel a desempenhar para a sua saúde
e a dos demais. Saúde é preparar, cuidar, educar e isso pressupõe capacitar,
habilitar, responsabilizar, desenvolver em cada indivíduo um modo de agir com
cada vez maior capacidade de autonomia, discernimento e autorresponsabilidade.”.
Dando nota de
que as pandemias “desequilibram as sociedades” e de que a covid-19 “suspendeu
as nossas vidas, os nossos afetos, interrompeu os nossos sonhos, acentuou o
isolamento dos anciãos”, Carmo Caldeira evidenciou o “enorme esforço” dos
trabalhadores da saúde e o “importante contributo” das Forças Armadas. E,
porque “não poderá haver lugar a apatias e desânimos”, mas “há que mobilizar e
dinamizar todos os esforços”, lembrou que Portugal está prestes a completar 900
anos e foi, com esta afirmação de fundo que desafiou a sociedade portuguesa e os
governantes, declarando:
“É absolutamente urgente iniciar programas ousados e eficazes que nos conduzam à sustentabilidade na saúde, na segurança social, no planeta”.
***
Por
seu turno, no seu discurso deste 10 de junho, o Presidente da República lembrou
que Portugal, país universal e “terra de emigração, de partida, impõe que
levemos mais longe o que nos liga às comunidades”. E apelou a que se faça mais
pelos emigrantes, apontando:
“É necessário prosseguir e melhorar o que já
fizemos no ensino da língua de Camões, na proteção social, nas condições
efetivas que damos no voto, desde os tempos em que o negávamos nas
presidenciais, de modo a que não se tenha de percorrer milhares de quilómetros
para o exercer”.
Nas palavras
dirigidas à emigração, Marcelo manifestou a necessidade que o povo português
tem de “ultrapassar um estranho complexo que de vez em quando ainda nos domina,
a nós que não conhecemos uma família que não tenha, pelo menos, um dos seus lá
fora”. E deixou uma palavra aos emigrantes e luso-descendentes que recolheram
às origens e que, defende Marcelo, devem ser recebidos com “um cuidado ainda
mais solidário”.
O Presidente
da República apelou à convergência do país para que as verbas destinadas à
recuperação económica não sejam “uma chuva de benesses para alguns”, mas uma
oportunidade para melhorar a qualidade de vida coletiva. E pediu aos
portugueses que nunca se esqueçam de que somos uma terra de emigrantes, devendo
tratar quem chega ao nosso país como queremos ser tratados quando emigramos
para o estrangeiro.
Porém, não
deixou de endereçar uma palavra aos milhares e milhares de portugueses, que
nesta crise sanitária, estiveram “a cuidar de nós”.
Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou o facto de este “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas” 10 de junho se comemorar na Madeira, “terra de
emigração”, para fazer um forte discurso contra xenofobias e em defesa dos que,
lá fora e cá, mudam de país para viver e trabalhar. E, num segmento textual que
remete para a situação de muitos imigrantes que vivem e trabalham em Portugal
em situações desumanas, como o Primeiro-Ministro reconheceu, o que a pandemia
destapou, o Presidente da República disse:
“Este 10 de
junho é um dia apropriado para agradecer aos nossos irmãos na nacionalidade que
por esse mundo fora criam Portugais, e também para agradecer aos outros irmãos
de humanidade que nos são tão úteis para o que queremos pronto, mas não pela
nossa mão”.
E, invocando “o que aconteceu na pandemia quando tantos nos ajudaram a não
parar setores inteiros, como o da construção civil”, enquanto grande parte do
país se confinava, lembrou:
“Dão-nos a
natalidade que não temos, os serviços básicos de que precisamos, dão-nos
contributos para a riqueza nacional de que carecemos”.
Sustentando que “é necessário recebê-los mais do que temos recebido” (falava
tanto dos imigrantes que escolhem Portugal como dos emigrantes que se viram forçados
a regressar ao seu país), salientou
que “o vaivém” faz parte “da nossa maneira de sermos portugueses” e frisou que somos
“uma pátria de emigrantes” – para os observadores, o grande tema do discurso, quando
novos partidos e novas tendências tendem a alimentar racismos e xenofobias.
Globalmente, o discurso presidencial parece uma tentativa de virar para o
futuro a página do ano e meio de pandemia, num registo de esperança e
exigência, pois, como assegurou, “a nossa vida continua, recomeça, reconstrói-se”,
pelo que advertiu:
“Desenganem-se
os profetas da nossa decadência porque não serão as imensidades dos desafios
que temos pela frente que nos irão desviar do nosso futuro”.
Observando que, “no 10 de junho de 2020, éramos apenas 8 nos claustros dos
Jerónimos e este ano somos milhares” (Nas ruas do Funchal, milhares de
pessoas assistiram às cerimónias, que contaram com 130 convidados oficiais e
160 militares, mas, antes da pandemia, chegaram a ser 1500), o Chefe de Estado mostrou-se apostado em vincar que está
à vista “o fim ou quase o fim” da pandemia. Todavia, em aderência à esperança,
exibe alertas, avisos e exigências reforçadas para a necessidade de fazer da
reconstrução do país pós-pandemia muito mais do que uma mera recuperação, pois,
como defendeu, “não nos podemos limitar a remendar o nosso tecido social destruído
pela pandemia”, mas temos de o reconstruir “a pensar em 2030, 2040 e 2050”,
visando “resultados duradouros”, para o que “é necessário agir em conjunto, com
eficácia, organização e responsabilidade”. E sobre o uso a dar aos milhões que
chegarão de Bruxelas, insistiu que “é preciso não desperdiçar um cêntimo e
evitar fazer dos fundos o que tantas vezes na nossa História fizemos com o
ouro, a prata, as especiarias...”.
Também a reforma das Forças Armadas (FA) foi outro foco da abordagem do Presidente. Com a polémica instalada nas
tropas em torno da reforma que o Governo pôs em marcha para concentrar no CEMGFA
(Chefe do
Estado Maior General das Forças Armadas) poder
reforçado que porá os Chefes dos ramos na sua dependência, Marcelo sinalizou o
apoio com a frase que escolheu para enaltecer o papel das FA, que condecorou
com a Cruz de Cristo “Quero homenagear as
FA, os seus três ramos e quem conjugou um esforço comum, o CEMGFA” e evocando
o papel dos militares na pandemia, com a intervenção nos lares, escolas e na
garantia da vacinação.
***
Segundo o “Jornal da Madeira”, enquanto Porto Santo
apontou que não teve um momento nestas comemorações e Alberto João Jardim criticou o protocolo que levou a que os presidentes
da Assembleia e do Governo regional tenham sido incluídos num grupo com o
Representante da República, o Bispo do Funchal elogiou o “excelente”
discurso do Presidente da República.
Dom Nuno
Brás disse que o mesmo “indicou a perspetiva da reconstrução”, salientando que
também nós “devemos aproveitar toda esta situação de pandemia, não para
esquecermos aquilo que somos, mas para dar à nossa sociedade um cariz mais
social e de cuidado pelo outro”.
Aliás, como
referiu, foi com “muito agrado” que assistiu às referências feitas por Marcelo aos
emigrantes e ao facto de o discurso ter sido voltado para o futuro “nesta
dimensão de quem propõe um Portugal mais solidário e mais acolhedor”.
***
Também
este dia 10 de junho ficou marcado pela saudação da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas aos
“portugueses notáveis” que estiveram e estão na linha da frente do combate à
pandemia de covid-19.
Em mensagem
divulgada a partir dos EUA, onde se encontra em visita às comunidades
portuguesas (aí reside uma comunidade portuguesa estimada em cerca de 1,3 milhões de
portugueses e luso-descendentes), Berta
Nunes referiu que, em tempos pandémicos, a “resiliência e a coragem” das
comunidades portuguesas foram “especialmente evidentes”, tendo-se manifestado
“no esforço que fizeram para manter a distância dos amigos e familiares que os
esperavam em Portugal, no exemplo que deram de entreajuda e solidariedade nos
países de acolhimento”.
Berta Nunes
referia-se, em particular, aos portugueses “notáveis” que “estiveram e estão na
linha da frente do combate à pandemia – médicos, enfermeiros, investigadores,
alguns deles com importantes contributos para desenvolvimentos das vacinas
contra a covid-19, auxiliares de saúde e todos os que contribuíram para
combater esta situação”.
Nesta
mensagem em “Dia de Portugal, de Camões e
das Comunidades Portuguesas”, Berta Nunes congratulou-se pelo regresso das
visitas às comunidades, que se traduzem na “oportunidade de ouvir as suas
histórias, conhecer os seus feitos, o seu dia a dia e, uma vez mais, ver a sua
capacidade de resiliência e a sua coragem”. E assegurou:
“Junto-me assim a uma festa que
acontece pelo mundo inteiro e que tem os portugueses, em particular aqueles que
residem no estrangeiro, como seus protagonistas e grandes dinamizadores”.
A Secretária
de Estado aproveitou o ensejo para lembrar “as primeiras gerações de emigrantes
que partiram para os Estados Unidos, o Brasil, o Canadá, a Venezuela e outros
países, em busca de uma vida melhor”, bem como “os seus filhos e netos ou
tantos jovens graduados e pós-graduados portugueses que vivem hoje em
mobilidade constante”.
A nossa diáspora
conta com cerca de 5 milhões de portugueses e luso-descendentes, sendo os
principais países de fixação a França, Suíça, Brasil, Reino Unido, Alemanha,
China (incluindo
Macau e Hong Kong),
Luxemburgo, Estados Unidos da América, Venezuela, Canadá e África do Sul. Em
2020, as remessas de emigrantes corresponderam a cerca de 1,8% do PIB
português, menos 1,4% do que em 2019, segundo dados apurados pelo Banco de
Portugal.
Berta Nunes
defendeu “um diálogo permanente, quotidiano, olhando para o futuro sem esquecer
o passado”, o que se faz “preservando a memória através da museologia, da
literatura ou das tradições que o movimento associativo mantém vivas”, mas
também “criando e reforçando as redes científicas, culturais, económicas e
sociais entre o país e a diáspora” e “prestando serviços de qualidade nos
postos consulares no estrangeiro”.
O reforço
dos vínculos que ligam portugueses e luso-descendentes ao país, através do
ensino da língua portuguesa, da ação cultural externa, do incentivo ao
investimento e do apoio ao movimento associativo, foi outra das medidas
defendidas pela Secretária de Estado.
Segundo
dados oficiais, a rede do EPE (Ensino de Português no Estrangeiro) abrange no presente ano letivo 1.445 escolas e 66.055
alunos nos níveis de ensino pré-escolar, básico e secundário.
***
Assim avança
o Portugal cá dentro e o Portugal da diáspora na procura de novos rumos e na
tentativa sólida de responder aos desafios que o presente lhe apresenta com
vista a um futuro mais risonho, o que requer sentido de oportunidade, união no
essencial e estilo cooperante.
2021.06.10 – Louro de Carvalho
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