quinta-feira, 10 de junho de 2021

Sustentabilidade na saúde, na segurança social e no planeta

 

Foi o pertinente desafio lançado ao país, neste “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”, pela presidente da Comissão das Comemorações, o que postula da parte da sociedade e dos governantes o desenvolvimento, para o efeito, de “programas ousados”.

Na cerimónia evocativa a que presidiu Marcelo Rebelo de Sousa, na Praça da Autonomia, no Funchal, Carmo Caldeira, médica e diretora do serviço de cirurgia do Hospital Dr. Nélio Mendonça, vincou que “é nossa obrigação não deixar estas questões suspensas para as gerações vindouras”, antes, como alertou, “as alterações climáticas, a presente pandemia e as futuras exigem abordagens inovadoras, consequentes e urgentes que integrem o humano no ecossistema do planeta, que é a nossa casa”, não podendo ficar “tudo como antes”.

Depois, preconizou: “Teremos de reconstruir, reintegrar, reeducar”. Na verdade, como frisou, “educar é um imperativo na saúde”, sendo que a gestão das pandemias implica o “trabalho de todos” e a “responsabilização das consequências das decisões tomadas”. Efetivamente, “as desigualdades e o grau de disrupção social” evidenciados na pandemia obrigam-nos “a reflexão e mobilização na preparação de políticas estruturais para o futuro” e à aceitação da “relevância do conhecimento”, embora a ciência nem sempre apresente respostas. E a oradora sublinhou:

Enfrentamos tempos de incerteza em que cada um tem um papel a desempenhar para a sua saúde e a dos demais. Saúde é preparar, cuidar, educar e isso pressupõe capacitar, habilitar, responsabilizar, desenvolver em cada indivíduo um modo de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, discernimento e autorresponsabilidade.”.

Dando nota de que as pandemias “desequilibram as sociedades” e de que a covid-19 “suspendeu as nossas vidas, os nossos afetos, interrompeu os nossos sonhos, acentuou o isolamento dos anciãos”, Carmo Caldeira evidenciou o “enorme esforço” dos trabalhadores da saúde e o “importante contributo” das Forças Armadas. E, porque “não poderá haver lugar a apatias e desânimos”, mas “há que mobilizar e dinamizar todos os esforços”, lembrou que Portugal está prestes a completar 900 anos e foi, com esta afirmação de fundo que desafiou a sociedade portuguesa e os governantes, declarando:

É absolutamente urgente iniciar programas ousados e eficazes que nos conduzam à sustentabilidade na saúde, na segurança social, no planeta”.

***

Por seu turno, no seu discurso deste 10 de junho, o Presidente da República lembrou que Portugal, país universal e “terra de emigração, de partida, impõe que levemos mais longe o que nos liga às comunidades”. E apelou a que se faça mais pelos emigrantes, apontando:

É necessário prosseguir e melhorar o que já fizemos no ensino da língua de Camões, na proteção social, nas condições efetivas que damos no voto, desde os tempos em que o negávamos nas presidenciais, de modo a que não se tenha de percorrer milhares de quilómetros para o exercer”.

Nas palavras dirigidas à emigração, Marcelo manifestou a necessidade que o povo português tem de “ultrapassar um estranho complexo que de vez em quando ainda nos domina, a nós que não conhecemos uma família que não tenha, pelo menos, um dos seus lá fora”. E deixou uma palavra aos emigrantes e luso-descendentes que recolheram às origens e que, defende Marcelo, devem ser recebidos com “um cuidado ainda mais solidário”.

O Presidente da República apelou à convergência do país para que as verbas destinadas à recuperação económica não sejam “uma chuva de benesses para alguns”, mas uma oportunidade para melhorar a qualidade de vida coletiva. E pediu aos portugueses que nunca se esqueçam de que somos uma terra de emigrantes, devendo tratar quem chega ao nosso país como queremos ser tratados quando emigramos para o estrangeiro.

Porém, não deixou de endereçar uma palavra aos milhares e milhares de portugueses, que nesta crise sanitária, estiveram “a cuidar de nós”.

Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou o facto de este “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas” 10 de junho se comemorar na Madeira, “terra de emigração”, para fazer um forte discurso contra xenofobias e em defesa dos que, lá fora e cá, mudam de país para viver e trabalhar. E, num segmento textual que remete para a situação de muitos imigrantes que vivem e trabalham em Portugal em situações desumanas, como o Primeiro-Ministro reconheceu, o que a pandemia destapou, o Presidente da República disse:

Este 10 de junho é um dia apropriado para agradecer aos nossos irmãos na nacionalidade que por esse mundo fora criam Portugais, e também para agradecer aos outros irmãos de humanidade que nos são tão úteis para o que queremos pronto, mas não pela nossa mão”.

E, invocando “o que aconteceu na pandemia quando tantos nos ajudaram a não parar setores inteiros, como o da construção civil”, enquanto grande parte do país se confinava, lembrou:

Dão-nos a natalidade que não temos, os serviços básicos de que precisamos, dão-nos contributos para a riqueza nacional de que carecemos”.

Sustentando que “é necessário recebê-los mais do que temos recebido” (falava tanto dos imigrantes que escolhem Portugal como dos emigrantes que se viram forçados a regressar ao seu país), salientou que “o vaivém” faz parte “da nossa maneira de sermos portugueses” e frisou que somos “uma pátria de emigrantes” – para os observadores, o grande tema do discurso, quando novos partidos e novas tendências tendem a alimentar racismos e xenofobias.

Globalmente, o discurso presidencial parece uma tentativa de virar para o futuro a página do ano e meio de pandemia, num registo de esperança e exigência, pois, como assegurou, “a nossa vida continua, recomeça, reconstrói-se”, pelo que advertiu:

Desenganem-se os profetas da nossa decadência porque não serão as imensidades dos desafios que temos pela frente que nos irão desviar do nosso futuro”.

Observando que, “no 10 de junho de 2020, éramos apenas 8 nos claustros dos Jerónimos e este ano somos milhares” (Nas ruas do Funchal, milhares de pessoas assistiram às cerimónias, que contaram com 130 convidados oficiais e 160 militares, mas, antes da pandemia, chegaram a ser 1500), o Chefe de Estado mostrou-se apostado em vincar que está à vista “o fim ou quase o fim” da pandemia. Todavia, em aderência à esperança, exibe alertas, avisos e exigências reforçadas para a necessidade de fazer da reconstrução do país pós-pandemia muito mais do que uma mera recuperação, pois, como defendeu, “não nos podemos limitar a remendar o nosso tecido social destruído pela pandemia”, mas temos de o reconstruir “a pensar em 2030, 2040 e 2050”, visando “resultados duradouros”, para o que “é necessário agir em conjunto, com eficácia, organização e responsabilidade”. E sobre o uso a dar aos milhões que chegarão de Bruxelas, insistiu que “é preciso não desperdiçar um cêntimo e evitar fazer dos fundos o que tantas vezes na nossa História fizemos com o ouro, a prata, as especiarias...”.

Também a reforma das Forças Armadas (FA) foi outro foco da abordagem do Presidente. Com a polémica instalada nas tropas em torno da reforma que o Governo pôs em marcha para concentrar no CEMGFA (Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas) poder reforçado que porá os Chefes dos ramos na sua dependência, Marcelo sinalizou o apoio com a frase que escolheu para enaltecer o papel das FA, que condecorou com a Cruz de Cristo “Quero homenagear as FA, os seus três ramos e quem conjugou um esforço comum, o CEMGFA” e evocando o papel dos militares na pandemia, com a intervenção nos lares, escolas e na garantia da vacinação.

***

Segundo o “Jornal da Madeira”, enquanto Porto Santo apontou que não teve um momento nestas comemorações e Alberto João Jardim criticou o protocolo que levou a que os presidentes da Assembleia e do Governo regional tenham sido incluídos num grupo com o Representante da República, o Bispo do Funchal elogiou o “excelente” discurso do Presidente da República.

Dom Nuno Brás disse que o mesmo “indicou a perspetiva da reconstrução”, salientando que também nós “devemos aproveitar toda esta situação de pandemia, não para esquecermos aquilo que somos, mas para dar à nossa sociedade um cariz mais social e de cuidado pelo outro”.

Aliás, como referiu, foi com “muito agrado” que assistiu às referências feitas por Marcelo aos emigrantes e ao facto de o discurso ter sido voltado para o futuro “nesta dimensão de quem propõe um Portugal mais solidário e mais acolhedor”.

***

Também este dia 10 de junho ficou marcado pela saudação da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas aos “portugueses notáveis” que estiveram e estão na linha da frente do combate à pandemia de covid-19.

Em mensagem divulgada a partir dos EUA, onde se encontra em visita às comunidades portuguesas (aí reside uma comunidade portuguesa estimada em cerca de 1,3 milhões de portugueses e luso-descendentes), Berta Nunes referiu que, em tempos pandémicos, a “resiliência e a coragem” das comunidades portuguesas foram “especialmente evidentes”, tendo-se manifestado “no esforço que fizeram para manter a distância dos amigos e familiares que os esperavam em Portugal, no exemplo que deram de entreajuda e solidariedade nos países de acolhimento”.

Berta Nunes referia-se, em particular, aos portugueses “notáveis” que “estiveram e estão na linha da frente do combate à pandemia – médicos, enfermeiros, investigadores, alguns deles com importantes contributos para desenvolvimentos das vacinas contra a covid-19, auxiliares de saúde e todos os que contribuíram para combater esta situação”.

Nesta mensagem em “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”, Berta Nunes congratulou-se pelo regresso das visitas às comunidades, que se traduzem na “oportunidade de ouvir as suas histórias, conhecer os seus feitos, o seu dia a dia e, uma vez mais, ver a sua capacidade de resiliência e a sua coragem”. E assegurou:

Junto-me assim a uma festa que acontece pelo mundo inteiro e que tem os portugueses, em particular aqueles que residem no estrangeiro, como seus protagonistas e grandes dinamizadores”.

A Secretária de Estado aproveitou o ensejo para lembrar “as primeiras gerações de emigrantes que partiram para os Estados Unidos, o Brasil, o Canadá, a Venezuela e outros países, em busca de uma vida melhor”, bem como “os seus filhos e netos ou tantos jovens graduados e pós-graduados portugueses que vivem hoje em mobilidade constante”.

A nossa diáspora conta com cerca de 5 milhões de portugueses e luso-descendentes, sendo os principais países de fixação a França, Suíça, Brasil, Reino Unido, Alemanha, China (incluindo Macau e Hong Kong), Luxemburgo, Estados Unidos da América, Venezuela, Canadá e África do Sul. Em 2020, as remessas de emigrantes corresponderam a cerca de 1,8% do PIB português, menos 1,4% do que em 2019, segundo dados apurados pelo Banco de Portugal.

Berta Nunes defendeu “um diálogo permanente, quotidiano, olhando para o futuro sem esquecer o passado”, o que se faz “preservando a memória através da museologia, da literatura ou das tradições que o movimento associativo mantém vivas”, mas também “criando e reforçando as redes científicas, culturais, económicas e sociais entre o país e a diáspora” e “prestando serviços de qualidade nos postos consulares no estrangeiro”.

O reforço dos vínculos que ligam portugueses e luso-descendentes ao país, através do ensino da língua portuguesa, da ação cultural externa, do incentivo ao investimento e do apoio ao movimento associativo, foi outra das medidas defendidas pela Secretária de Estado.

Segundo dados oficiais, a rede do EPE (Ensino de Português no Estrangeiro) abrange no presente ano letivo 1.445 escolas e 66.055 alunos nos níveis de ensino pré-escolar, básico e secundário.

***

Assim avança o Portugal cá dentro e o Portugal da diáspora na procura de novos rumos e na tentativa sólida de responder aos desafios que o presente lhe apresenta com vista a um futuro mais risonho, o que requer sentido de oportunidade, união no essencial e estilo cooperante.

2021.06.10 – Louro de Carvalho 

Sem comentários:

Enviar um comentário