quinta-feira, 24 de junho de 2021

“Na criação tudo está interligado: reencontrar as relações”

 

É o tema da 1.ª edição do Festival de Ecologia Integral, evento organizado em Montefiascone, região de Viterbo, que oferece, a partir deste dia 24 de junho até ao dia 27, debates, mesas redondas, uma exposição e concertos sobre temas ligados à encíclica Laudato si’ – iniciativa da associação “Rocca dei Papi, para uma ecologia integral”.

O Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, abriu o Festival de Ecologia Integral, nesta tarde, com a sua Lectio magistralis. E seguir-se-ão três dias de encontros, exposições, mesas redondas e concertos.

Dom Fabio Fabene, Arcebispo titular de Montefiascone e secretário da Congregação para as Causas dos Santos, sublinhou que o Festival tem como ponto de referência a encíclica Laudato si do Papa Francisco, de 24 de maio de 2015, e nos convida a “redescobrir a ecologia espiritual que quer reconstituir a relação essencial com Deus Criador, encorajando um maior contacto com a natureza”. Ao mesmo tempo, dá-nos conta de que “a beleza naturalista da paisagem na qual estamos imersos e que vai do mar aos Apeninos nos abre para um olhar contemplativo e para um renovado espanto que se torna louvor, alegria e gratidão”.

Após as saudações do Vice-Presidente da Região do Lazio, Daniele Leodori, da Comissária Extraordinária do Município de Montefiascone, Anna De Luna, e do General Davide De Laurentis, Vice-Comandante das Unidades Florestais, Ambientais e Agroalimentares dos Carabineiros, o Cardeal Parolin fez, como se disse, uma lectio magistralis sobre o tema do Festival, apresentada por dom Fabio Fabene e Mario Morcellini, Diretor da Escola Superior de Comunicação e Media Digital da Unitelma Sapienza.

Neste tempo marcado pela pandemia, não pode faltar a referência explícita à responsabilidade comum em relação à criação: o grito da terra e o grito dos pobres ressoam e chamam a todos para um novo modo de vida. Como Francisco declarou na conferência eclesial de Florença, diante de nós não temos “uma época de mudança”, mas “uma mudança de época”. É com esta ideia subjacente que, ao final do Festival, será entregue o prémio “Custódio da Criação” a uma série de pessoas e empresas italianas e locais comprometidas com a promoção da ecologia integral. E Dom Fabio Fabene vinca:

Será um momento bonito e festivo para recomeçarmos juntos planeando, após o encerramento da pandemia, uma nova maneira de viver redescobrindo os laços que nos unem uns aos outros, à Terra e a Deus Criador e Senhor do céu e da terra”.

Por ocasião da abertura do Festival, às 16 horas, também foi cortada a fita da exposição ao ar livre da bioarquitetura criada pela Bioarchitecture Foundation, presidida pelo Professor Wittfrida Mitterer e que permanecerá aberta até 30 de setembro. A exposição, ao ar livre, ao longo das ruas do centro histórico de Montefiascone, é apresentada como caminho educativo-informativo nos mais importantes projetos de bioarquitetura italiana e internacional.

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Com a publicação da susodita encíclica, desencadearam-se inúmeras iniciativas. E, a nível de campanhas, o destaque vai para a “Campanha Laudato si’ por um meio ambiente mais limpo”.  

Efetivamente, a Comissão Católica dos Leigos do Zimbabué lançou, como contribuição para uma nova gestão do meio ambiente, em colaboração com a Rede dos Profissionais Católicos do Zimbabué (CPNZ) e o apoio da Nunciatura Apostólica, uma campanha para preservar o meio ambiente no espírito da Laudato si’, com o objetivo incentivar a sociedade a proteger o meio ambiente levando as pessoas a práticas sustentáveis em todos os empreendimentos empresariais.

Segundo o Padre Alfonce Kugwa, diretor da Comissão de Comunicações da Conferência dos Bispos Católicos do Zimbábue, a taxa de degradação ambiental continua a crescer no Zimbábue como noutros lugares, com grandes implicações para a flora, a fauna e a vida marinha. Por isso, chegou o momento de os seres humanos tomarem medidas imediatas para evitar mais danos ao habitat comum. Na encíclica, o Papa apela ao diálogo “com todos sobre a nossa Casa Comum” (Ls 3) e sustenta que “precisamos “de um confronto que una todos, porque o desafio ambiental que estamos vivendo e as suas raízes humanas nos preocupam e tocam a todos” (Ls 14). O texto papal inspirou a CPNZ a decidir fazer a sua parte para a proteção da Criação.

As reflexões do Papa revelam que a humanidade é responsável pela destruição do meio ambiente e que somente através do esforço humano será possível preservá-lo. Assim, no espírito da Laudato si’, os leigos católicos do Zimbábue iniciaram um projeto que tem como objetivo principal aumentar a conscientização sobre a encíclica de 2015 e incentivar uma melhor gestão ambiental. O projeto, destinado a todos os cidadãos do país, especialmente a crianças e jovens, convida a promover e a participar em atividades para cuidar do meio ambiente em comunidades individuais, em todos os lugares do Zimbábue.

Na verdade, algumas práticas são diretamente responsáveis pela degradação ambiental, tais como o desmatamento, a mineração ilegal, os incêndios florestais, o lançamento de papel e plástico por toda parte. Por isso, a campanha tem como objetivo desencorajar tais ações. Os jovens são incitados a fazer a sua parte mantendo o ambiente limpo.

O Padre Johane Maseko, coordenador da Comissão Católica dos Leigos do Zimbábue, frisou que a campanha visa formar uma consciência sobre o conteúdo da Laudato si’ e encorajar um estilo de vida ligado ao bem-estar ambiental e ao Evangelho. O facto de referir sempre o projeto à Laudato si’ visa despertar o interesse pelo documento e a curiosidade dos indivíduos em lê-lo. E diz Padre Maseko:

Visa sensibilizar as pessoas para que possam ‘cultivar e preservar o paraíso’ que é nosso mundo. O esforço é o de ajudar as pessoas a entender a conexão entre o cuidado com o meio ambiente e a oração, como o Papa Francisco enfatizou ao lembrar na encíclica que ‘um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus’ (cf Ls 8).”.

São a pobreza e o desemprego que levam muitos jovens a envolverem-se na mineração ilegal e outras formas ilícitas de renda, que produzem grandes danos ao meio ambiente, tais como a mineração não organizada e o desmatamento. As florestas estão a ser destruídas sem consideração pelos mineiros ilegais, os “makorokoza”, na “corrida do ouro”: escavam de qualquer forma e em qualquer lugar até acharem que podem encontrar o metal precioso. A visita a Kwekwe, Gokwe, Kadoma, Bindura, Mazowe, Mberengwa, entre outros lugares, dá uma boa ideia dos enormes danos infligidos ao meio ambiente e levanta questões sobre o nosso futuro comum. E diz um minerador da periferia de Kadoma:

É a pobreza que está nos obriga a tudo isso. Estamos desempregados: é um facto, não há trabalho. As nossas famílias precisam de comida e a única maneira de sobreviver é vir até a kumakomba (minas ilegais) para procurar ouro. Nós também nos preocupamos com o meio ambiente, mas não podemos fazer outra coisa.”.

É também a ganância por dinheiro que tem contribuído para a destruição do meio ambiente. A distribuição caótica e aleatória das terras por proprietários para fins económicos, a fim de criar áreas residenciais em áreas urbanas, resultou na proliferação de estruturas habitacionais nas áreas húmidas do país e em outros lugares não destinados ao desenvolvimento. De facto, a migração para as cidades deu em superlotação urbana, o que, por sua vez, comprometeu e complicou os padrões de higiene de muitas partes do Zimbábue. Muito pouco se tem feito para melhorar as condições de abastecimento de água e saneamento. O rebentamento frequente de canos de esgoto, o fornecimento irregular de água e o abandono de lixo em todos os lugares são fonte de grande preocupação para os habitantes da cidade. Nesse contexto, a Igreja, com a ajuda dos leigos, está a tentar reduzir a ameaça de poluição ambiental no país.

Através da campanha, a Igreja procura sensibilizar as comunidades para a necessidade de priorizar a proteção ambiental com a proteção de florestas, áreas húmidas, recursos hídricos, vida selvagem e camada de ozono. E incentiva o plantio de árvores, o tratamento adequado, a reciclagem de resíduos e o fim duma cultura descartável, que contamina o meio ambiente e promove a mudança climática.

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Também em torno da Laudato si’, surgiu a “Cuidar da Casa Comum, uma iniciativa duma rede de instituições, obras e movimentos da Igreja Católica e pessoas a título individual. Propõe-se contribuir para a prossecução dos seguintes objetivos: aprofundar e difundir o pensamento da encíclica sobre o cuidado da casa comum, nomeadamente no âmbito das respetivas instituições, organizações, obras e movimentos; acompanhar, no espaço eclesial, as questões ecológicas de âmbito nacional e mundial, evidenciando as suas causas e consequências e equacionando-as à luz da Laudato si’, de modo a promover a tomada de consciência coletiva acerca da sua relevância e urgência; promover nas comunidades cristãs e nos respetivos espaços (paróquias, escolas, obras, movimentos e comunidades eclesiais) uma efetiva conversão ecológica e sugerir caminhos de atuação concreta com vista à adoção de procedimentos coerentes com uma ecologia integral; proporcionar instrumentos de análise que permitam pensar o futuro do Planeta, da Humanidade e da sociedade global de que somos parte; aprofundar e difundir a teologia da Criação; e incentivar a celebração em comum do Dia Mundial da Criação.

Para a prossecução destes objetivos, a Rede, além de outras iniciativas, promove a criação de grupos locais empenhados na promoção de uma ecologia integral (focos de conversão ecológica) aos quais proporcionará instrumentos de aprofundamento da encíclica e guiões com sugestões para iniciativas de conversão ecológica a nível pessoal e comunitário; e propõe-se criar e manter um sítio na net para promover a difusão do pensamento da encíclica, incentivar a reflexão sobre estilos de vida pessoal e coletiva em favor de uma ecologia integral, partilhar testemunhos de gestos e comportamentos de ecologia integralfazer pontes com iniciativas relevantes que ocorram no espaço eclesial e na sociedade civil.

A Rede é uma plataforma aberta à participação ecuménica, animada por uma Comissão de Coordenação, apoiada por uma Comissão Executiva, uma Comissão de apoio teológico e científico e uma Comissão de informação e documentação.

Funciona através de “focos de conversão ecológica”, que são pequenos grupos (entre 5 e 10 pessoas) constituídos para responder aos apelos de Francisco na Laudato si’, designadamente para fomentar uma conversão ecológica no seio da respetiva comunidade.

Os focos têm por missão escutar o grito da nossa Casa Comum “contra o mal que lhe provocamos”, identificar, na vida quotidiana, “o uso irresponsável” dos bens da Terra, criar no seio das respetivas comunidades pontes de diálogo com vista à construção de uma ecologia integral, tanto no plano dos comportamentos individuais com no das opções e práticas das comunidades da sua área de influência. Procuram realizar na paróquia sessões de divulgação da Laudato si’ e de sensibilização acerca das questões ecológicas, como a poluição ambiental, as alterações climáticas, a perda da biodiversidade, as desigualdades e a exclusão social.

Os focos promoverão espaços celebrativos e de oração nas comunidades a que pertencem. Cada foco, que designará um dos seus membros para o representar na Rede, compromete-se a partilhar a sua experiência de reflexão e ação com os demais através da plataforma da Rede.

Na verdade, “viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspeto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa(Ls 217).

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E o debate e o trabalho do cuidado das pessoas e da casa comum, iniciados expressamente, a 19 de março pelo Papa Francisco, prosseguem, pois é preciso ouvir o grito da terra, o grito dos pobres, o grito do céu. Para tanto, urge estabelecer, promover e alimentar uma ecologia integral, no quadro da assunção do novo paradigma contemporâneo segundo o qual tudo forma “um grande todo” com todas as realidades interconectadas, influenciando-se umas às outras. Nesse sentido, o processo de construção do oikos (do grego, casa, morada, ambiente comum) tem como força motriz a relação, que permite que “tudo esteja interligado”, ou seja, “tudo está em relação”, “tudo é coligado”, “tudo está conectado”.

A partir do paradigma da ecologia integral, entendem-se as dinâmicas sociais e institucionais em todos os níveis como afirma o Papa:

Se tudo está em relação, também o estado de saúde das instituições de uma sociedade comporta consequências para o ambiente e para a qualidade da vida humana […] Em tal sentido, a ecologia social é necessariamente institucional e atinge progressivamente diversas dimensões que vão do grupo social primário, a família, até a vida internacional, passando pela comunidade local e a Nação.” (Ls 142).

O paradigma da ecologia integral é capaz de manter unidos fenómenos e problemas ambientais (aquecimento global, poluição, exaustão dos recursos, desflorestamento, etc.) com questões que não são, normalmente, associadas à agenda ecológica em sentido estrito, como a pobreza, a qualidade de vida nos espaços urbanos ou a problemática dos transportes públicos.

Na encíclica, o Papa concorda com um grande número de cientistas sobre as mudanças climáticas e proclama a necessidade de uma aliança entre sociedade, ciências e religiões para o cuidado da criação.

2021.06.24 – Louro de Carvalho

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