Para
muitos, é essa a função do jornalismo, que fica vinculado ao exótico princípio
de que “jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique; tudo
o resto é publicidade”, o lema do “Tal
& Qual” inscrito no frontispício de cada exemplar das diversas edições.
Parece
anódino o chavão formulado por William Randolph Hearst e geralmente atribuído a George Orwell (pseudónimo
do escritor Eric Arthur Blair), uma frase reflexiva e querida dos jornalistas e muito
citada por professores de Jornalismo a marcar o estatuto de independência dos
jornalistas em relação aos poderes.
Não obstante, se atendermos ao perfil de William Randolph Hearst, veremos quais as suas
verdadeiras intenções neste campo: mais do que a independência em relação aos
poderes – político e/ou económico –, mais do que informação e pior que
publicidade e propaganda, temos, nas malhas da sua produção, a sede de
protagonismo, o sensacionalismo, uma forma específica de combate político e
empresarial, enchendo-se a boca com o chavão do jornalismo como 4.º poder ou
como contrapoder na perspetiva de alguns.
Hearst, nascido a 29 de abril de
1863 e falecido a 14 de agosto de 1951, foi um empresário americano do ramo de editoras que
criou uma enorme rede de jornais e cujos métodos influenciaram a indústria
do jornalismo nos EUA.
Começou como
empresário em 1887 após a assunção do controlo do jornal “The San Francisco Examiner”, que era do
pai (que o adquirira
havia 7 anos).
Transferindo-se para Nova Iorque, comprou o “The New York Journal” entrando numa guerra de negócios com o “The New York”, de Joseph Pulitzer (em memória de quem são entregues os
prémios Pulitzer desde 1917), e criou a noção de “imprensa marrom” – histórias sensacionalistas de
veracidade duvidosa, construindo um jornalismo cujo objetivo é a venda (em rádio e televisão, audiências) de notícias, divulgando
de forma exagerada factos e acontecimentos, sem compromisso com a
autenticidade. Comprando
mais jornais, criou uma rede de mais de 30 jornais (28 diários) sob o seu controlo no país, e, mais
tarde, comprando também revistas (18),
liderou um dos maiores conglomerados de jornalismo do mundo.
Foi duas
vezes eleito pelo Partido Democrata para a Câmara de
Representantes dos Estados Unidos e candidatou-se sem êxito à prefeitura
de Nova Iorque em 1905 e 1909, para governador do Estado em 1906
e vice-governador em 1910. No entanto, com os seus jornais e revistas, exercia
enorme influência política e era acusado de fazer jornalismo
sensacionalista. Apesar de pertencer, por mais de 30 anos, à ala populista
dos Democratas, Hearst era conservador, nacionalista e fervoroso anticomunista.
Defensor da Lei Seca, depois
fez lobby, por meio dos seus jornais, para ilegalizar várias drogas psicotrópicas,
sobretudo as que afetavam indústrias que financiavam os seus jornais, como a
indústria farmacêutica ou a de celulose. Tornou-se conhecido por ser um dos
principais apoiantes da Mariahuana
Tax Act of 1937, que tornou ilegal a maconha (canábis) nos EUA. Assim como outras de suas
iniciativas, usava o poder dos seus jornais para tentar manipular a opinião
pública, trazendo apoio às suas iniciativas políticas.
A sua vida –
de contradição política e de ambição empresarial – serviu de inspiração para a
personagem principal do filme “Citizen
Kane”, de Orson Welles.
Comparativamente
com este jornalismo sensacionalista e agressivo ou com o jornalismo anódino que
se limita a dar notícias – verdadeiras, falsas ou distorcedoras de factos –,
será de perfilhar a perspetiva de Pulitzer.
Joseph
Pulitzer, nascido, a 10 de abril de 1847, na vila de Makó no Império
Austro-Húngaro no seio duma família judia abastada (o pai era um
comerciante influente), foi educado em escolas privadas em Budapeste. Com 17 anos,
tentou ingressar nos exércitos do Império Austro-Húngaro e do Reino Unido,
mas não foi admitido devido à sua frágil saúde e débil visão. Assim, decidiu emigrar,
em 1864, para os EUA, onde serviu nas fileiras do exército federal, num
regimento de cavalaria, durante a Guerra de Secessão.
Após
a guerra, trabalhou em St. Louis (Missouri) como carregador, bagageiro e empregado de
mesa, enquanto estudava, na Biblioteca, Inglês e Direito, e
participava na política, tendo-se tornado, em 1869, membro da
legislatura do Missouri.
Em
1866, teve o seu primeiro emprego como repórter no jornal alemão “Westliche Poste”, de que adquiriu uma
parte 5 anos depois. Aos 25 anos, tornou-se editor e, em 1874 foi admitido
em Washington D.C., onde passou a trabalhar como correspondente para
o “New York Sun”. Em 1878, criou
o “Post-Dispatchs” em St. Louis, pela
fusão de dois jornais, o “Dispatch” e
o “Evening Post”, tornando-se
figura proeminente na cena jornalística.
Após
a mudança para Nova
Iorque, comprou, em 1883, o jornal “The Word”, que passou a ser um dos
jornais mais importantes da época. Pulitzer, adiantando os valores pelos quais
se pautaria mais tarde, anunciou que o seu jornal seria “truly democratic, dedicated to the cause of the people rather than to
that of the purse potentatates”.
Revolucionou
os jornais com técnicas que alguns admiraram como um “novo jornalismo” e outros
censuraram como “jornalismo amarelo”. Porém, esta proeminente figura da
imprensa praticou um jornalismo rigoroso, divulgando e combatendo a corrupção
política e proclamando-se “um defensor do lado das pessoas e um porta-voz da
democracia”. Lutando por menos horas de trabalho para os operários e por melhores
condições de vida para os pobres, atacou as grandes companhias e monopólios
laborais. Foi responsável por uma grande parte da legislação antitrust e pela
regulamentação de companhias de seguro industriais. Ao mesmo tempo, foi acusado
de preencher as colunas do jornal com uma onda sensacionalista, já que aliava
algumas inovações como cartoons, dedicava uma página ao desporto e
outra às mulheres, editava uma secção para a abordagem de crimes, desastres (mudando totalmente a
capa e a disposição do jornal) e fazia uso exaustivo de imagens, gráficos, cor e
publicidade e, ainda, de títulos em letras garrafais. Para Pulitzer
“presentation is everything”.
Nos
anos 90, foi mesmo acusado de práticas de “yellow journalism” (jornalismo amarelo), visto que utilizava
títulos destacados, notícias sensacionalistas, imagens e publicidade, com o
objetivo de atrair leitores da classe trabalhadora e imigrantes. O seu propósito
era aproximar-se das camadas sociais mais desfavorecidas, o que conseguiu
através da adoção no jornal do ponto de vista delas e da utilização destes
elementos que tornavam o jornal mais atrativo. Acreditava que o jornalismo era
um serviço público, isto é, destinado às pessoas “pequenas” e não servindo os
interesses do grande poder.
No
quadro do combate contra a corrupção política por meio da investigação
persistia, “The World” publicou, em
1909, um pagamento fraudulento de US$ 40 milhões feito pelos Estados Unidos à
Companhia Francesa do Canal do Panamá. A resistência de Joseph Pulitzer a
todo o tipo de pressões e a continuação da investigação constituíram uma
vitória crucial para a liberdade de imprensa.
Em
maio de 1904, escrevendo para a revista “The American Review”, o jornalista sintetizou a sua convicção nos
seguintes termos:
“Our Republic and its press will rise or fall together (…). The power to
mold the future of the Republic will be in the hands of the journalists of
future generations.”.
Tinha
ficado cego, havia alguns anos, este editor e jornalista norte-americano e
viajava a bordo do seu iate Liberty (como fazia outras vezes em que o seu estado de
saúde piorava)
quando morreu, em 1911. Está sepultado no Cemitério de Woodlawn.
Em
1903 havia entregue à Universidade Columbia a quantia de um milhão de
dólares destinada à criação de uma escola de jornalismo, a Columbia
University Graduate School of Journalism, cuja primeira pedra foi lançada em
1912, nove meses após a sua morte.
Os
prémios Pulitzerm entregues desde 1917, têm como objetivo distinguir
anualmente personalidades de diferentes áreas do jornalismo e da literatura que
se destacaram ao longo do ano pelo seu trabalho. O objetivo do prémio é, pois, “encorajar
e distinguir a excelência”.
***
Posto
isto, não é difícil concluir e aceitar que o jornalismo para ser um poder
notável, enquanto meio de influência na evolução da sociedade e produtor do
conhecimento ao nível de factos, ideias, sentimentos, ciência e artes, é uma
estrutura em cadeia – de política, social e económica – que está ao serviço
geral da comunidade e persegue a defesa e a promoção do interesse público. E,
para que seja um poder legítimo e eficaz (poder que não é o 4.º, pois não é da natureza
dos demais),
não um contrapoder (como querem alguns), tem de prosseguir num êthos robusto e
respeitar os princípios éticos da investigação, comunicação e apreciação dos
factos.
A
sua primeira função é a informação tão completa como possível e pautada pela
objetividade. Por isso, a notícia tem de basear-se em facto verdadeiro e sem
distorção ou acrescentamento. Deve ser bem estruturada, clara e impactante. Mas,
como é necessário ir e ver localmente, a reportagem, complementada por
entrevistas e imagens, é um dos meios para introduzir as pessoas no mundo real
de êxitos e dramas. Nesta linha de informação cabe obviamente a denúncia das
maldades políticas e empresariais, do mundo dos desfavorecidos e oprimidos, bem
como o destaque aos êxitos, embora sem quaisquer laivos de servilismo.
Não
obstante, o jornalismo tem de ser um palco aberto da exposição e debate de
ideias. Neste âmbito, cabe a promoção de ideias, valores, sentimentos,
desportos, instituições. É uma função promotora e formativa que se cumpre numa
atitude pluralista. Partidos políticos, confissões religiosas, entidades de
filantropia e as agremiações que lutam pelas grandes causas usam o jornalismo
neste aspeto. É o espaço do debate, da crónica do artigo de opinião, da grande
entrevista, do painel, da mesa redonda, etc.
O
jornalismo é um meio legítimo de publicidade institucional e comercial, como de
promoção e campanhas políticas, ideárias e empresariais. Porém, não pode ser
veículo de publicidade enganosa nem de fraude política, científica ou
económica, pelo que, neste sentido, há lugar para a atempada denúncia ancorada
na investigação, sem revelação das fontes, sem exageros e sem achincalhamento
das pessoas. Tem aqui lugar atividades atinentes à luta pelas grandes causas.
O
jornalismo é também um espaço de entretenimento e registo de itens de
curiosidade e de interesse comezinho, que não mesquinho. Daí, os jogos, os
instrumentos de lazer, as caricaturas e cartoons, a banda desenhada, o
folhetim, etc., que servem o quotidiano.
As
vezes, enfada a literatura do jornalismo cor-de-rosa, que expõe indecentemente
a vida familiar, de relação social e até de intimidade e imagem de pessoas. É
certo que a liberdade de expressão é um direito fundamental, sendo ténue a
fronteira entre essa e o direito à imagem e à preservação da intimidade pessoal
(sobretudo
se o/a visado/a não autorizaram), como a fronteira com o direto do cidadão a
não ser importunado. É óbvio que o cidadão é livre de ler ou não um livro, um
jornal ou uma revista ou ouvir um tempo de rádio. Mas penso que um serviço de
televisão deveria ter mais cuidado nos conteúdos que faz entrar nas nossas
casas, não devendo, em todo o caso, ser o Estado ou o poder económico a ditar
os itens da ética jornalística.
Enfim,
o jornalismo, como poder moderador na sociedade, mesmo em política e
encadeamento económico e sociocultural, informa, forma, denuncia, escalpeliza,
promove, entretém. Para tanto, deve primar pela independência relativamente ao
poder político, o que nem sempre é fácil, embora deva respeitar as leis e
regulamentos legitimamente elaborados e publicados, e relativamente aos poderes
económicos, o que, às vezes, é difícil e leva à quebra da objetividade e à
subserviência, mormente se está em causa uma carreira ou a sobrevivência
pessoal e/ou familiar. Na verdade, ninguém gosta de ficar debaixo da caneta crítica
do jornalista, estampado na página, retido na câmara fotográfica ou a bailar na
câmara de vídeo.
Não
obstante, ninguém tenha dúvidas: a objetividade não é um absoluto ou um
adquirido, mas aprende-se e exerce-se; e a independência não significa
sobranceria ou arrogância, mas é compatível com o respeito, a cooperação e a
interação, nunca, porém, deixando de parte a denúncia, a dignidade humana,
social e profissional do jornalista ou a daqueles e daquelas que estiveram,
estão ou vierem a estar sob o olhar do jornalista.
Assim, jornalismo é “publicar
aquilo que alguém não quer que se publique”, mas também “aquilo que
legitimamente alguém quer que se publique”, desse que esteja em causa a
promoção ou a defesa do interesse público. E a comunicação é uma das marcas
fortes do ser humano e das comunidades em que se integra ou com as quais se
relaciona e interage.
2021.06.30 – Louro de Carvalho
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