terça-feira, 29 de junho de 2021

Esforço dos sistemas educativos em prol de currículos mais inclusivos

 

O “educare.pt” publicou, a 28 de junho, um texto de Andreia Lobo sobre “como os países estão a tornar os currículos mais inclusivos” e “como as tecnologias podem ajudar”, baseado em novo relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) intitulado “Adapting Curriculum to Bridge Equity Gaps: Towards an Inclusive Curriculum”.

No pressuposto de que um currículo inclusivo não assume os mesmos padrões para todos os alunos, mas respeita e valoriza as necessidades, talentos, aspirações e expectativas exclusivas de cada um e se esforça para “remover barreiras à participação de certos grupos de alunos, incluindo as criadas pelo currículo oculto”, o relatório retrata o esforço dos sistemas educativos nesse sentido. Verifica a OCDE que, embora o currículo continue a ser desenhado “em tamanho único” de modo que sirva a todos, há cada vez mais sistemas educativos comprometidos (os exemplos são muitos) a “não deixar que nenhum aluno fique para trás”. Assim, o currículo vai sofrendo alterações, que o induzem, regra geral, a “ir ao encontro das necessidades de grupos de alunos identificados como vulneráveis” – adaptações que têm em conta aspetos relevantes como as capacidades dos alunos, a sua origem e condição económica das suas famílias.

No concernente às necessidades dos alunos, é referido que, em 92% dos países e economias parceiras da OCDE, os alunos portadores de necessidades educativas especiais têm currículos adaptados. Neste âmbito, os professores australianos podem redesenhar áreas do currículo atendendo às capacidades dos alunos portadores de deficiências e dos alunos com dificuldades de aprendizagem. E, em 42% dos países, também a sobredotação merece atenção especial.

Necessidades ocultas em potencial abandono escolar ou saída precoce da escola levam a que, em 31% dos países – por exemplo Hungria e Japão –, haja disposições curriculares que visam os alunos em risco de abandonar a escola precocemente. No caso da Hungria, faz-se um esforço de identificação de potenciais desistências e desenha-se apoio específico (nem tudo é mau com Orbán); e, no caso do Japão, há apoios para compensar a falta de assiduidade.

Quanto à prossecução de estudos numa ou noutra linha (via preponderantemente académica ou via preponderantemente profissionalizante), em 70% dos países, há serviços ou programas, acessíveis a todos os alunos, que incluem orientação ou aconselhamento profissional. É o caso, por exemplo, de Quebeque (Canadá), em que todas as direções de escola têm de oferecer, nos diferentes níveis de ensino, serviços sociais, de psicologia e de orientação vocacional.

No atinente à origem dos alunos, a OCDE regista que 72% dos países têm currículos que atendem à diversidade linguística e cultural dos alunos. Por exemplo, na Finlândia, as crianças e os jovens de famílias de origem estrangeira têm aulas opcionais na sua língua materna; no México, os filhos dos trabalhadores agrícolas migrantes frequentam escolas de múltiplos níveis de ensino; e, no Japão e na Coreia, é dado especial apoio aos alunos em situação inversa: que regressam ao país vindos do exterior. E a maioria dos países (91%) tem políticas de inclusão e antidiscriminação inscritas de forma explícita nos currículos, como é o caso da legislação de educação inclusiva em Portugal.

Também as condições familiares são vetor relevante: neste sentido, 28% dos países (valor percentual baixo em relação à momentosidade do tema) atendem às vulnerabilidades socioeconómicas e 14% às assimetrias geográficas. Assim, as crianças desfavorecidas dos 3 aos 8 anos beneficiam de medidas específicas ao abrigo do Plano de Ação para a Educação Inclusiva, na Irlanda; e, em Hong Kong (China), os estudantes carenciados têm à disposição subsídios para frequentarem atividades de aprendizagem ao longo da vida.

Na maioria dos países da OCDE (85%) pelo menos uma parte do currículo é centralizada a nível nacional, pois o objetivo “é garantir um núcleo comum que proporcione as mesmas oportunidades de aprendizagem a todos os alunos”. Assim, o Japão tem um currículo nacional que garante um nível de uniformização educativa a todos os alunos, independentemente da região que habitem; e a Argentina desenha os currículos a nível federal com conteúdos-chave que todos os alunos devem adquirir da educação pré-escolar ao ensino secundário.

Além do currículo básico, os sistemas educativos de 61% dos países da OCDE permitem flexibilidade curricular: as escolas e professores têm autonomia para adaptar os conteúdos curriculares, os métodos de ensino e avaliação ao contexto local e às necessidades dos alunos. Nestes termos, na Dinamarca, esta flexibilização permite que um aluno possa excecionalmente receber instrução num nível de escolaridade inferior ou ser dispensado duma matéria pelo diretor com o acordo dos pais; e, em Portugal, a “autonomia das escolas permite uma gestão flexível do currículo e dos espaços e horários de aprendizagem, de forma que os métodos, tempos, instrumentos e atividades possam responder às singularidades de cada aluno”.

Em matéria de adaptações curriculares, o relatório em causa reconhece as vantagens do digital, pois, “como a tecnologia permite uma maior adaptação e integração de conteúdos, materiais e atividades, pode ajudar os alunos a ter motivação para aprender, progredir no seu próprio ritmo e continuar a aprender além da sala de aula – a qualquer hora, em qualquer lugar”. Neste campo, a OCDE reconhece o considerável esforço dos países para integrar as tecnologias nas salas de aula. Assim, na Finlândia, os professores recorrem às tecnologias da informação e comunicação para implementar o currículo em diferentes níveis de escolaridade e disciplinas, inclusive para apoiar métodos de avaliação e cooperação com os pais; na Escócia (Reino Unido), os alunos com dificuldades na leitura podem recorrer a um software de leitura de texto durante os exames nacionais para responderem às perguntas; e, na Dinamarca, é obrigatória a utilização de dicionários digitais para as línguas dinamarquesa e estrangeiras, o uso do GPS para educação física e recursos digitais e bancos de dados para ciências.

Refere ainda a OCDE que as escolas podem, com recurso às tecnologias digitais, criar mais oportunidades para envolver os pais na educação dos filhos. Assim, Ontário (Canadá) desenvolve uma plataforma de recursos que permite aos pais e aos alunos o acesso a recursos educativos em modo “amigo do utilizador” através do telemóvel.

Além das adaptações curriculares, a OCDE regista que os sistemas educativos procuram outras soluções para remover as barreiras à aprendizagem, por exemplo, através da distribuição de manuais gratuitos – medida que abrange todos os alunos em 62% dos países, apenas os alunos de escolas públicas em 26% e apenas os alunos desfavorecidos em 26%. A medida de entrega de manuais gratuitos a todos os alunos, muitas vezes, cobre explicitamente todos os níveis do ensino básico ou obrigatório, como na República Checa, Finlândia, Hungria, Coreia e Portugal.

Porém, a formação de professores para garantir a igualdade de acesso a oportunidades de aprendizagem só acontece em 27% dos países da OCDE. Assim, por exemplo, Na Nova Zelândia, os professores têm acesso a formação não obrigatória em áreas específicas, como sobredotação e educação especial; e a Irlanda define orientações específicas para ajudar os professores a garantirem a qualidade dos currículos dirigidos a alunos com problemas de aprendizagem e necessidades educativas especiais.

É pouco ter apenas 27% dos países empenhados nesta especificidade de formação.

***

Neste momento, a inclusão educacional escolar em Portugal é enquadrada pelas normas estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 54/2018 de 6 de julho, na sequência do Programa do XXI Governo Constitucional, que elege como uma das prioridades da ação governativa a aposta numa escola inclusiva onde todos e cada um dos alunos, independentemente da sua situação pessoal e social, encontram respostas que lhes possibilitam a aquisição de um nível de educação e formação facilitadoras da plena inclusão social.

Assim, tal prioridade política vem concretizar o direito de cada aluno a uma educação inclusiva que responda às suas potencialidades, expectativas e necessidades no âmbito de um projeto educativo comum e plural que proporcione a todos a participação e o sentido de pertença em efetivas condições de equidade, contribuindo decisivamente para maiores níveis de coesão social, como está plasmado no referido diploma, que também identifica as medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, as áreas curriculares específicas e os recursos específicos a mobilizar para responder às necessidades educativas de todas e de cada uma das crianças e jovens ao longo do seu percurso escolar, nas diferentes ofertas de educação e formação, para uma verdadeira inclusão escolar.

O predito decreto-lei – que se aplica aos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, às escolas profissionais e aos estabelecimentos da educação pré-escolar e do ensino básico e secundário das redes privada, cooperativa e solidária – prevê a implementação de medidas de suporte à aprendizagem em todas as modalidades e percursos de educação e de formação, de modo a garantir que todos os alunos têm igualdade de oportunidades no acesso e na frequência das diferentes ofertas educativas e formativas.

As medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão são organizadas em três níveis de intervenção: universal; seletivo; e adicional.

A definição de medidas a implementar é efetuada com base em evidências decorrentes da monitorização, da avaliação sistemática e da eficácia das medidas na resposta às necessidades de cada criança ou aluno, podendo ser adotadas em simultâneo medidas de diferentes níveis.

Assim, as medidas universais correspondem às respostas educativas que a escola disponibiliza a todos os alunos afim de promover a participação e a melhoria das aprendizagens, por exemplo: diferenciação pedagógica; acomodações curriculares; enriquecimento curricular; promoção do comportamento pró-social; e intervenção com foco académico ou comportamental em pequenos grupos. Estas medidas são mobilizadas para todos os alunos, incluindo os que necessitam de medidas seletivas ou adicionais, visando, designadamente, a promoção do desenvolvimento pessoal, interpessoal e de intervenção social.

As medidas seletivas visam colmatar as necessidades de suporte à aprendizagem não supridas pela aplicação de medidas universais e referem-se a: percursos curriculares diferenciados; adaptações curriculares não significativas; apoio psicopedagógico; antecipação e reforço das aprendizagens; e apoio tutorial. Estas medidas são operacionalizadas com os recursos materiais e humanos disponíveis na escola, e, quando a operacionalização das medidas universais implique a utilização de recursos adicionais, o diretor deve requerer, fundamentadamente, tais recursos ao serviço competente do ME (Ministério da Educação). E a monitorização e avaliação da eficácia da sua aplicação são feitas pelos responsáveis da sua implementação, de acordo com o definido no RTP (relatório técnico-pedagógico).

Por seu turno, as medidas adicionais visam colmatar dificuldades acentuadas e persistentes ao nível da comunicação, interação, cognição ou aprendizagem que exigem recursos especializados de apoio à aprendizagem e à inclusão. A mobilização destas medidas depende da demonstração da insuficiência das universais e seletivas, que deve basear-se em evidências e constar do RTP.

Consideram-se medidas adicionais: a frequência do ano de escolaridade por disciplinas; as adaptações curriculares significativas; o plano individual de transição; o desenvolvimento de metodologias e estratégias de ensino estruturado; e o desenvolvimento de competências de autonomia pessoal e social. Tais medidas devem ser preferencialmente, implementadas em contexto de sala de aula. A aplicação das medidas adicionais que requerem a intervenção de recursos especializados deve convocar a intervenção do docente de educação especial enquanto dinamizador, articulador e especialista em diferenciação de meios e materiais de aprendizagem. Tal como sucede com as medidas seletivas, as adicionais são operacionalizadas com os recursos materiais e humanos disponíveis na escola, privilegiando-se o contexto de aula, e quando a sua operacionalização implique a necessidade de mobilização de recursos adicionais, o diretor deve requerer tais recursos ao serviço competente do ME. E a monitorização e avaliação da eficácia da aplicação das medidas adicionais são realizadas pelos responsáveis pela implementação, de acordo com o definido no RTP.

Além de professores e técnicos especiais, por direito e dever, os pais ou encarregados de educação participam e cooperam ativamente em tudo quanto se relacione com a educação do filho ou educando, bem como aceder a toda a informação constante no processo individual do aluno, designadamente no que diz respeito às medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão.

Nestes termos, os pais/encarregados de educação têm o direito de: participar nas reuniões da equipa multidisciplinar; participar na definição e implementação das medidas a aplicar e fazer o seu acompanhamento; participar na elaboração e avaliação do Programa Educativo Individual; receber uma cópia do RTP e, se aplicável, do PEI (Programa Educativo Individual) e do PIT (Plano Individual de Transição); solicitar a revisão do PEI; consultar o processo individual do filho ou educando; e ter acesso a informação compreensível relativa à educação do filho ou educando.

Quando pela reavaliação prevista no n.º 1 do art.º 31.º, o RTP, elaborado pela equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva, definida no art.º 12.º, recomende adaptações curriculares significativas (as que têm impacto nas competências e nas aprendizagens a desenvolver no quadro dos documentos curriculares), implicando a introdução de outras substitutivas, deve ser elaborado um PEI de acordo com o definido no art.º 24.º. E as atividades substitutivas constantes no PEI do(s) ano(s) anterior(es) terão continuidade se essa for a recomendação da equipa multidisciplinar.

***

Resta saber se, nesta floresta de medidas e recursos é dado o devido relevo ao conhecimento…

Além disso, se a escola dispõe de tantos meios e recursos atinentes à inclusão, como é que se entende que tantos alunos (muitos desde o 1.º Ciclo) precisem de pagar explicações fora da escola? Ou será que o Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho (que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário), não se destina a todos, o invés do que o próprio diploma determina?

Sem comentários:

Enviar um comentário