O “educare.pt” publicou, a 28 de junho, um
texto de Andreia Lobo sobre “como os países estão a tornar os currículos mais
inclusivos” e “como as tecnologias podem ajudar”, baseado em novo relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico) intitulado “Adapting Curriculum to Bridge Equity Gaps:
Towards an Inclusive Curriculum”.
No pressuposto de que um currículo inclusivo não assume os mesmos padrões
para todos os alunos, mas respeita e valoriza as necessidades, talentos, aspirações
e expectativas exclusivas de cada um e se esforça para “remover barreiras à
participação de certos grupos de alunos, incluindo as criadas pelo currículo
oculto”, o relatório retrata o esforço dos sistemas educativos nesse sentido. Verifica
a OCDE que, embora o currículo continue a ser desenhado “em tamanho único” de
modo que sirva a todos, há cada vez mais sistemas educativos comprometidos (os exemplos
são muitos) a “não
deixar que nenhum aluno fique para trás”. Assim, o currículo vai sofrendo
alterações, que o induzem, regra geral, a “ir ao encontro das necessidades de
grupos de alunos identificados como vulneráveis” – adaptações que têm em conta
aspetos relevantes como as capacidades dos alunos, a sua origem e condição
económica das suas famílias.
No concernente às necessidades dos alunos, é referido
que, em 92% dos países e economias parceiras da OCDE, os alunos portadores de
necessidades educativas especiais têm currículos adaptados. Neste âmbito, os
professores australianos podem redesenhar áreas do currículo atendendo às
capacidades dos alunos portadores de deficiências e dos alunos com dificuldades
de aprendizagem. E, em 42% dos países, também a sobredotação merece atenção
especial.
Necessidades ocultas em potencial abandono escolar ou saída
precoce da escola levam a que, em 31% dos países – por exemplo Hungria e Japão –,
haja disposições curriculares que visam os alunos em risco de abandonar a
escola precocemente. No caso da Hungria, faz-se um esforço de identificação de
potenciais desistências e desenha-se apoio específico (nem tudo é
mau com Orbán); e, no caso
do Japão, há apoios para compensar a falta de assiduidade.
Quanto à prossecução de estudos numa ou noutra linha (via preponderantemente
académica ou via preponderantemente profissionalizante), em 70% dos países, há serviços ou programas,
acessíveis a todos os alunos, que incluem orientação ou aconselhamento
profissional. É o caso, por exemplo, de Quebeque (Canadá), em que todas as direções de escola têm de oferecer, nos
diferentes níveis de ensino, serviços sociais, de psicologia e de orientação
vocacional.
No atinente à origem dos alunos, a OCDE regista que 72%
dos países têm currículos que atendem à diversidade linguística e cultural dos
alunos. Por exemplo, na Finlândia, as crianças e os jovens de famílias de
origem estrangeira têm aulas opcionais na sua língua materna; no México, os
filhos dos trabalhadores agrícolas migrantes frequentam escolas de múltiplos
níveis de ensino; e, no Japão e na Coreia, é dado especial apoio aos alunos em
situação inversa: que regressam ao país vindos do exterior. E a maioria dos
países (91%) tem políticas de inclusão e antidiscriminação inscritas
de forma explícita nos currículos, como é o caso da legislação de educação
inclusiva em Portugal.
Também as condições familiares são vetor relevante: neste
sentido, 28% dos países (valor percentual baixo em relação à momentosidade do
tema) atendem às vulnerabilidades
socioeconómicas e 14% às assimetrias geográficas. Assim, as crianças desfavorecidas
dos 3 aos 8 anos beneficiam de medidas específicas ao abrigo do Plano de Ação
para a Educação Inclusiva, na Irlanda; e, em Hong Kong (China), os estudantes carenciados têm à disposição subsídios
para frequentarem atividades de aprendizagem ao longo da vida.
Na maioria dos países da OCDE (85%) pelo menos uma parte do currículo é centralizada a nível
nacional, pois o objetivo “é garantir um núcleo comum que proporcione as mesmas
oportunidades de aprendizagem a todos os alunos”. Assim, o Japão tem um
currículo nacional que garante um nível de uniformização educativa a todos os
alunos, independentemente da região que habitem; e a Argentina desenha os
currículos a nível federal com conteúdos-chave que todos os alunos devem
adquirir da educação pré-escolar ao ensino secundário.
Além do currículo básico, os sistemas educativos de 61%
dos países da OCDE permitem flexibilidade curricular: as escolas e professores
têm autonomia para adaptar os conteúdos curriculares, os métodos de ensino e
avaliação ao contexto local e às necessidades dos alunos. Nestes termos, na Dinamarca,
esta flexibilização permite que um aluno possa excecionalmente receber
instrução num nível de escolaridade inferior ou ser dispensado duma matéria pelo
diretor com o acordo dos pais; e, em Portugal, a “autonomia das escolas permite uma gestão flexível do currículo e dos
espaços e horários de aprendizagem, de forma que os métodos, tempos,
instrumentos e atividades possam responder às singularidades de cada aluno”.
Em matéria de adaptações curriculares, o relatório em causa
reconhece as vantagens do digital, pois, “como a tecnologia permite uma maior
adaptação e integração de conteúdos, materiais e atividades, pode ajudar os alunos a ter motivação para
aprender, progredir no seu próprio ritmo e continuar a aprender além da sala de
aula – a qualquer hora, em qualquer lugar”. Neste campo, a OCDE reconhece o
considerável esforço dos países para integrar as tecnologias nas salas de aula.
Assim, na Finlândia, os professores recorrem às tecnologias da informação e comunicação
para implementar o currículo em diferentes níveis de escolaridade e
disciplinas, inclusive para apoiar métodos de avaliação e cooperação com os
pais; na Escócia (Reino Unido), os alunos
com dificuldades na leitura podem recorrer a um software de leitura de texto
durante os exames nacionais para responderem às perguntas; e, na Dinamarca, é
obrigatória a utilização de dicionários digitais para as línguas dinamarquesa e
estrangeiras, o uso do GPS para educação física e recursos digitais e bancos de
dados para ciências.
Refere ainda a OCDE que as escolas podem, com recurso
às tecnologias digitais, criar mais oportunidades para envolver os pais na
educação dos filhos. Assim, Ontário (Canadá) desenvolve uma plataforma de recursos que permite aos
pais e aos alunos o acesso a recursos educativos em modo “amigo do utilizador”
através do telemóvel.
Além das adaptações curriculares, a OCDE regista que
os sistemas educativos procuram outras soluções para remover as barreiras à
aprendizagem, por exemplo, através da distribuição de manuais gratuitos – medida
que abrange todos os alunos em 62% dos países, apenas os alunos de escolas
públicas em 26% e apenas os alunos desfavorecidos em 26%. A medida de entrega
de manuais gratuitos a todos os alunos, muitas vezes, cobre explicitamente
todos os níveis do ensino básico ou obrigatório, como na República Checa,
Finlândia, Hungria, Coreia e Portugal.
Porém, a formação de professores para garantir a
igualdade de acesso a oportunidades de aprendizagem só acontece em 27% dos
países da OCDE. Assim, por exemplo, Na Nova Zelândia, os professores têm acesso
a formação não obrigatória em áreas específicas, como sobredotação e educação
especial; e a Irlanda define orientações específicas para ajudar os professores
a garantirem a qualidade dos currículos dirigidos a alunos com problemas de
aprendizagem e necessidades educativas especiais.
É pouco ter apenas 27% dos países empenhados nesta
especificidade de formação.
***
Neste momento, a inclusão educacional escolar em
Portugal é enquadrada pelas normas estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 54/2018 de 6 de
julho, na sequência do Programa do XXI Governo Constitucional, que elege como
uma das prioridades da ação governativa a aposta numa escola
inclusiva onde todos e cada um dos alunos, independentemente da
sua situação pessoal e social, encontram respostas que lhes possibilitam a
aquisição de um nível de educação e formação facilitadoras da plena inclusão
social.
Assim, tal
prioridade política vem concretizar o direito de cada aluno a uma educação
inclusiva que responda às suas potencialidades, expectativas
e necessidades no âmbito de um projeto educativo comum e plural que proporcione
a todos a participação e o sentido de pertença em efetivas condições de
equidade, contribuindo decisivamente para maiores níveis de coesão social, como
está plasmado no referido diploma, que também identifica as medidas de
suporte à aprendizagem e à inclusão, as áreas curriculares específicas e
os recursos específicos a mobilizar para responder às necessidades
educativas de todas e de cada uma das crianças e jovens ao
longo do seu percurso escolar, nas diferentes ofertas de educação e formação,
para uma verdadeira inclusão escolar.
O predito decreto-lei
– que se aplica aos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, às escolas
profissionais e aos estabelecimentos da educação pré-escolar e do ensino básico
e secundário das redes privada, cooperativa e solidária – prevê a implementação
de medidas de suporte à aprendizagem em todas as modalidades e percursos de educação
e de formação, de modo a garantir que todos os alunos têm igualdade de oportunidades no acesso e na frequência
das diferentes ofertas educativas e formativas.
As medidas de
suporte à aprendizagem e à inclusão são organizadas em três níveis de intervenção:
universal; seletivo; e adicional.
A definição
de medidas a implementar é efetuada com base em evidências decorrentes da
monitorização, da avaliação sistemática e da eficácia das medidas na resposta
às necessidades de cada criança ou aluno, podendo ser adotadas em simultâneo
medidas de diferentes níveis.
Assim, as
medidas universais correspondem às respostas educativas que a escola disponibiliza
a todos os alunos afim de promover a participação e a melhoria das
aprendizagens, por exemplo: diferenciação pedagógica; acomodações curriculares;
enriquecimento curricular; promoção do comportamento pró-social; e intervenção
com foco académico ou comportamental em pequenos grupos. Estas medidas são
mobilizadas para todos os alunos, incluindo os que necessitam de medidas
seletivas ou adicionais, visando, designadamente, a promoção do desenvolvimento
pessoal, interpessoal e de intervenção social.
As medidas
seletivas visam colmatar as necessidades de suporte à aprendizagem não supridas
pela aplicação de medidas universais e referem-se a: percursos curriculares
diferenciados; adaptações curriculares não significativas; apoio
psicopedagógico; antecipação e reforço das aprendizagens; e apoio tutorial. Estas
medidas são operacionalizadas com os recursos materiais e humanos disponíveis
na escola, e, quando a operacionalização das medidas universais implique a
utilização de recursos adicionais, o diretor deve requerer, fundamentadamente,
tais recursos ao serviço competente do ME (Ministério da Educação). E a monitorização e avaliação da eficácia da sua aplicação são
feitas pelos responsáveis da sua implementação, de acordo com o definido no RTP
(relatório
técnico-pedagógico).
Por seu
turno, as medidas adicionais visam colmatar dificuldades
acentuadas e persistentes ao nível da comunicação,
interação, cognição ou aprendizagem que exigem recursos especializados de apoio
à aprendizagem e à inclusão. A mobilização destas medidas depende da
demonstração da insuficiência das universais e seletivas, que deve basear-se em
evidências e constar do RTP.
Consideram-se medidas adicionais: a frequência do ano de
escolaridade por disciplinas; as adaptações curriculares significativas; o
plano individual de transição; o desenvolvimento de metodologias e estratégias
de ensino estruturado; e o desenvolvimento de competências de autonomia pessoal
e social. Tais medidas devem ser preferencialmente, implementadas em contexto
de sala de aula. A aplicação das medidas adicionais que requerem a intervenção
de recursos especializados deve convocar a intervenção do docente de educação
especial enquanto dinamizador, articulador e especialista em diferenciação
de meios e materiais de aprendizagem. Tal como sucede com as medidas seletivas,
as adicionais são operacionalizadas com os recursos materiais e humanos
disponíveis na escola, privilegiando-se o contexto de aula, e quando a sua
operacionalização implique a necessidade de mobilização de recursos adicionais,
o diretor deve requerer tais recursos ao serviço competente do ME. E a monitorização
e avaliação da eficácia da aplicação das medidas adicionais são realizadas
pelos responsáveis pela implementação, de acordo com o definido no RTP.
Além
de professores e técnicos especiais, por direito e dever, os pais ou
encarregados de educação participam e cooperam ativamente em tudo quanto se
relacione com a educação do filho ou educando, bem como aceder a toda a
informação constante no processo individual do aluno, designadamente no que diz
respeito às medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão.
Nestes termos,
os pais/encarregados de educação têm o direito de: participar nas reuniões da
equipa multidisciplinar; participar na definição e implementação das medidas a
aplicar e fazer o seu acompanhamento; participar na elaboração e avaliação do
Programa Educativo Individual; receber uma cópia do RTP e, se aplicável, do PEI
(Programa Educativo
Individual) e do PIT (Plano Individual de Transição); solicitar a revisão do PEI; consultar
o processo individual do filho ou educando; e ter acesso a informação
compreensível relativa à educação do filho ou educando.
Quando pela
reavaliação prevista no n.º 1 do art.º 31.º, o RTP, elaborado pela equipa
multidisciplinar de apoio à educação inclusiva, definida no art.º 12.º,
recomende adaptações curriculares significativas (as que têm impacto nas competências e nas
aprendizagens a desenvolver no quadro dos documentos curriculares), implicando a introdução de outras
substitutivas, deve ser elaborado um PEI de acordo com o definido no art.º 24.º.
E as atividades substitutivas constantes no PEI do(s) ano(s) anterior(es) terão
continuidade se essa for a recomendação da equipa multidisciplinar.
***
Resta saber
se, nesta floresta de medidas e recursos é dado o devido relevo ao conhecimento…
Além disso,
se a escola dispõe de tantos meios e recursos atinentes à inclusão, como é que
se entende que tantos alunos (muitos desde o 1.º Ciclo) precisem de pagar explicações fora da escola? Ou será que o
Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho (que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário), não se destina a todos, o invés do
que o próprio diploma determina?
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