Nos
termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 70/2021, de 4 de junho, que determina a realização das comemorações do 50.º
aniversário da Revolução do 25 de Abril, abreviadamente designadas por “Comemorações”
e cria a estrutura de missão que as promove e organiza, as “Comemorações” realizar-se-ão
de 24 de março de 2022 a 12 de dezembro de 2026.
Considera
o Governo que a maioria da população já nasceu depois da Revolução e está
prestes a cumprir mais anos em democracia do que o tempo de duração da
ditadura, importa “conciliar a celebração da memória da resistência e da
Revolução com a capacidade de imaginar o futuro da democracia portuguesa”. E
observa que a nossa experiência democrática é singular a vários títulos,
nomeadamente por constituir “caso único de um país que celebra a transição de
regime e o faz com uma dimensão popular” – não independentemente do modo
integrador e pluralista que enformou “o processo de consolidação democrática” e
que foi capaz de imprimir à causa da democracia “progressos notáveis nas mais
diversas áreas das políticas públicas, responsáveis por transformações
económicas, sociais e culturais profundas” – bem como por constituir o início,
a partir da experiência portuguesa, de “uma nova vaga de democratização que
moldou o final do século XX”, bem para lá do “contexto europeu”.
Enfatiza que
a nossa sociedade “viveu a transição como uma epopeia coletiva não traumática,
associada a transformações de longo alcance”, que acabou por conferir à
democracia portuguesa (“indissociável
das liberdades e do pluralismo, da descolonização e da pertença europeia e do
progresso cultural, social e económico”) “uma estabilidade e fidelidade aos princípios democrático-liberais
com poucos paralelos nos países da terceira vaga democrática”.
Por isso, o
Governo entende que “perpetuar, regenerar e alargar este vínculo com o regime
democrático” postula a construção de comemorações “a partir do chão-comum que
une os portugueses em torno da conquista da liberdade”, o que deve ser feito “de
forma inclusiva”. E, sendo a democracia “um dado adquirido” para a maioria da
população, celebrar a democracia implica, segundo o Governo, “atualizar e
relançar a própria ideia de comemorações”, juntando, “no mesmo ciclo, um arco
democrático que se iniciou a 25 de abril de 1974 e que, ao longo do ano de
1976, passou pela aprovação da Constituição, pelas primeiras eleições
legislativas, presidenciais e regionais e que culminou com as autárquicas no
final desse mesmo ano”, pelo que “as celebrações devem valorizar os momentos
evocativos da Revolução” e dar azo à impressão de “uma marca que associe o
passado a uma projeção do futuro que perdure”.
Com este pano
de fundo, o Executivo quer a organização das “Comemorações” em torno de três
órgãos, com composições e funções distintas: a Comissão Nacional, “nomeada pelo
Presidente da República”, que aprovará “o programa oficial das comemorações” e
os respetivos “relatórios de atividades”; o Conselho Geral, “nomeado pelo
Primeiro-Ministro, com a presença de individualidades de reconhecido mérito e
ativismo em dimensões fulcrais na construção da democracia”, que se pronunciará
sobre “o programa oficial das comemorações” e acompanhará a “execução,
monitorizando o desenrolar das celebrações e formulando sugestões que alarguem
e enriqueçam a vivência do cinquentenário da democracia”; e a Comissão
Executiva, “nomeada pelo Primeiro-Ministro”, que elaborará e concretizará o
programa oficial em articulação com o Conselho Geral, concertando a atividade
com entidades relevantes da Administração central e da Administração local,
sendo coadjuvada por uma estrutura de apoio técnico.
O Conselho
Geral e a Comissão Executiva constituem a Estrutura de Missão (com mandato até 31 de dezembro de
2026) que o Governo
criou pela predita Resolução, excluindo-se dela a Comissão Nacional, pela Declaração de Retificação
n.º 17-A/2021, de 4 junho, pela qual se esclarece que, “a par da Estrutura de Missão, funciona, junto da
Presidência da República, a Comissão Nacional, cuja composição é definida pelo
Presidente da República, que designa o respetivo presidente e restantes
membros”.
Para já, o
Governo designou como comissário executivo Pedro
Adão e Silva Cardoso Pereira, licenciado em sociologia (1997, ISCTE-IUL), doutorado em
ciências sociais e políticas (2009 Instituto Universitário Europeu, Florença), professor auxiliar
na Escola de Sociologia e Políticas Públicas do ISCTE-IUL, onde é diretor do
programa de doutoramento em políticas públicas, vice-presidente do IPPS-IUL e
membro da direção do laboratório colaborativo, CoLABOR, onde coordena a linha
de investigação dedicada à proteção social e integra a equipa da plataforma “DataLabor”.
Por seu
turno, segundo nota da Presidência da República, o
Presidente da República, tendo sido publicada, a 4 de junho, no Diário da
República a Resolução do Conselho de Ministros relativa às “Comemorações do
50.º aniversário da Revolução de 25 de abril de 1974”, convidou, no dia
5 de junho, “para presidir à respetiva Comissão Nacional o General António
Ramalho Eanes que aceitou”.
O General António dos Santos Ramalho Eanes, terminados
os estudos secundários, seguiu a carreira das armas entrando para
o Exército em 1952; estudou tácticas militares na Escola do Exército,
de 1952 a 1956; fez estágio no CIOE-Curso de Instrução de Operações Especiais,
em 1962; foi instrutor de Ação Psicológica no Instituto de Altos Estudos
Militares, em 1962; e frequentou o Instituto Superior de Psicologia Aplicada,
durante três anos.
No exército,
seguiu a Arma de Infantaria. E, no âmbito da Guerra Colonial, realizou
comissões na Índia Portuguesa, Macau, Moçambique, Guiné-Bissau e Angola. Encontrava-se
ainda em serviço em Angola aquando da revolução de 25 de abril
de 1974. Aderiu ao MFA (Movimento das Forças Armadas) e, regressado a Portugal, o Major Ramalho Eanes foi
diretor de programas e nomeado presidente do conselho de administração da RTP,
até março de 1975.
Em 1975, já com
a patente de Tenente-coronel, dirigiu as operações militares do do 25
de Novembro, contra a fação mais radical da esquerda política do MFA. Depois,
graduado em General do Exército, foi Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), até que passou o cargo ao General Vasco Joaquim Rocha Vieira, sendo que, de 14 de julho de 1976 a 16 de fevereiro
de 1981, sucedendo a Francisco da Costa Gomes, foi o 10.º Chefe do Estado-Maior-General
das Forças Armadas de Portugal, no que foi sucedido pelo General Nuno Viriato Tavares de Melo Egídio. A 27 de junho
de 1976 foi eleito o 16.º Presidente da República (sucedeu a
Costa Gomes, que fora designado pela Junta de Salvação Nacional), cargo de que tomou posse a 14 de Julho, sendo
reeleito em finais de 1980. Foi, com 41 anos ao começar o primeiro mandato, o
mais jovem Presidente da República de sempre e também o primeiro Presidente da
República eleito, logo a seguir ao 25 de Abril, tendo cumprido dois
mandatos, entre 1976 e 1986.
Com o fim do
2.º mandato, a 9 de março de 1986, assumiu pouco depois a presidência do Partido
Renovador Democrático, criado sob a sua égide a partir de Belém, vindo a
demitir-se do cargo em 1987. Promovido a General de quatro estrelas em 24
de maio de 1978, passou à reserva, por sua iniciativa, em março de 1986. E, em
2000, recusou, por razões de princípio, a promoção a Marechal. É,
atualmente, membro do Conselho de Estado e presidente do Conselho de
Curadores do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
A 15 de novembro
de 2006, apresentou na Universidade de Navarra, Espanha, a sua tese de
doutoramento, sob o título “Sociedade
civil e poder político em Portugal”, com 2000 páginas, que defendeu perante
um júri composto por três catedráticos espanhóis e dois portugueses.
Eanes foi o
primeiro Chefe de Estado que, ao deixar a Belém, iniciou um trabalho de
investigação científica conducente à obtenção do grau de doutor, iniciativa
pioneira, a nível nacional, desconhecendo-se inclusive casos idênticos na
Europa.
Em 2008, não
aceitou receber retroativos de cerca de um milhão de euros.
A 11 de
Outubro de 2010, a Universidade de Lisboa por ocasião das comemorações do seu
centenário, coincidindo com as comemorações do centenário da República (5 de
outubro), fê-lo Doutor Honoris Causa.
***
As “Comemorações”
têm ao leme uma figura que bem pode representar ativa e inteligentemente a geração
que nasceu (em 1974) com a revolução
abrilina e uma outra figura, hoje quase consensual, que a nível superior
estabeleceu o regresso das Forças Armadas aos quartéis nos termos da Constituição,
que as tornou obreiras da defesa militar da República, e cooperou para a estabilização
do regime democrático. O primeiro, com a mesma idade do regime democrático, bem
pode coordenar uma plêiade de obreiros das “Comemorações” que satisfaçam o desígnio
otimista plasmado na predita
Resolução do Conselho de Ministros; o segundo, talvez o militar abrilino vivo
mais velho, que teve participação, não tanto na génese da Revolução, mas no seu
embarque e na estruturação do regime, pode, enquanto figura tutelar e simbólica
da República, coordenar o grupo de senadores que tornarão credibilizadas as jornadas
comemorativas.
Enquanto
saúdo a Estrutura de Missão a funcionar junto do Governo, e a Comissão
Nacional, a funcionar sob a égide do Presidente da República, reparo que nada
está previsto a nível parlamentar nem a nível dos tribunais superiores. Ora, o
Presidente representa a República, garante a unidade nacional, o cumprimento da
Constituição, o regular funcionamento das instituições democráticas e é o
comandante supremo das Forças Armadas; e o Governo, nomeado pelo Presidente, é
o responsável pela condução da política do país e superintende na Administração
Pública. Porém, o Parlamento é o espaço da máxima representação do povo e das
suas diversas ordens de ideias e projetos, nele se debatem os grandes temas, se
fazem as leis e se procede à fiscalização da atividade do Governo, que dele
dimana; e os tribunais, enquanto órgão de soberania que afere a validade prática
da lei e a conformação ou não dos comportamentos dos cidadãos com ela, são considerados
o pilar fundamental da democracia e são o sintoma da boa ou menos boa evolução democrática.
Não podem, assim, ficar a leste das “Comemorações”.
Por
outro lado, é preciso contrapor ao otimismo do Governo a necessidade de criar
as condições políticas, sociais, económicas e culturais que levem os
saudosistas do antigo ou os criadores e alimentadores de projetos restauracionistas
de regimes ditatoriais antigos, mesmo que reciclados em novas formulações, a
não terem razão. Com efeito, temos de nos interrogar porque surgem com força movimentos
e partidos de cariz populista, xenófobo, anti-imigrante (até
invocando princípios cristãos)
a prometer o paraíso messiânico por via totalitária. As “Comemorações” devem
promover a saúde da democracia e corrigir os erros de tantos ditos democratas.
Seja!
2021.06.07 – Louro de Carvalho
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