José Bento
Gonçalves, professor e investigador na Universidade do Minho (UM) e presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos, e
Joaquim Sande Silva, investigador na Universidade de Coimbra (UC) e professor coordenador na Escola Superior Agrária de
Coimbra (do
Instituto politécnico de Coimbra), são dois
investigadores que alertam para a probabilidade de o fenómeno de Pedrógão
Grande de Junho de 2017 e o de outubro do mesmo ano, noutras zonas, se virem a
repetir, já este ano ou nos anos futuros. Com efeito, 4 anos depois do grande
incêndio que vitimou 66 pessoas, quando fugiam do fogo, a zona de Pedrógão
Grande e concelhos limítrofes está de novo em ponto de combustão. E Bento
Gonçalves alerta:
“Se não atuarmos rapidamente,
tentando recuperar destes últimos quatro anos, 2017 poderá repetir-se em vários
locais deste país”.
E o
professor que é, na UM, responsável pelo curso de Proteção Civil e Gestão do Território
e que esta semana participou num webinar alusivo ao grande
incêndio, que a 17 de junho de 2017 matou 66 pessoas e deixou feridas mais de
250, além de cerca de 500 casas destruídas numa área ardida de 53 mil hectares,
destruindo por completo a floresta da Região Centro, observou:
“Conhecendo o histórico dos nossos
incêndios, às vezes pergunto-me se não aprendemos porque não queremos aprender,
ou, por outro lado, se não queremos atuar. Ou então é porque a nossa memória é
muito curta.”.
Efetivamente
quem percorre o país vê que, no geral, as margens das estradas têm muita erva
acumulada, o pinho bravo, os eucaliptos, as acácias e os matos superabundam. Ora,
Bento Gonçalves, originário da Pampilhosa da Serra, habituou-se desde cedo a
ver a floresta a arder, como previa o falecido arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles,
que dizia que a floresta na forma como foi estruturada teria como fim o
ardimento. Talvez, por isso, o investigador tenha sido induzido a estudar estas
questões e, mais tarde, a trabalhar com o professor Xavier Viegas (entretanto
jubilado), que coordenou o relatório
independente sobre aqueles fogos. E agora explica:
“A questão é que tem que haver
políticas concretas. Pode-se planear onde é que se deve ou pode pôr eucalipto.
Mas também não é do dia para a noite que se faz essa alteração. Por isso, temos
duas frentes de batalha: ordenar o território e a floresta para ter paisagem
mais resiliente; e, para evitar catástrofes, tem de se apostar muito rapidamente
na educação e autoproteção.”.
Bento
Gonçalves – a quem, enquanto presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos,
custa ver que “os territórios têm sido abandonados” e que, “ mesmo que se
comece já, não se obtém uma transformação em menos de 10 ou 20 anos” – embora
reconheça a relevância de programas como as aldeias seguras ou as unidades
locais de Proteção Civil, considera que não chega o que está a ser feito. E
explana:
“Tem de chegar a todas as pessoas. A
televisão pública deveria servir também para passar pequenas mensagens, simples
e diretas, para que todos saibam como agir no caso de um fogo. Imagine as
pessoas que vão da cidade visitar os avós (como aconteceu em 2017) e são
apanhadas num fogo. O trabalho das aldeias seguras não lhes chega. Por isso,
temos de massificar. Ensinar as pessoas a esquecer os pertences, a regar
cortinados e sofás. A tapar as frinchas das janelas.”.
Depois, o
investigador, quando olha para os últimos 4 anos, observa que “muito pouco foi
feito” e que as políticas que vierem a ser implementadas terão de ser adaptadas
a cada região, pois, como vinca, “é diferente se um fogo acontecer no Alvito ou
Carrazeda de Ansiães”.
No webinar que
decorreu esta semana para assinalar os 4 anos do fogo de Pedrógão (promovido em
conjunto pelas Associações Acréscimo, Íris e AVIPG), Bento Gonçalves deixou um registo histórico sobre o
que tem sido a evolução dos incêndios em Portugal.
O Plano
Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios destaca 4 grandes fogos antes
de 2017. Num deles, em Figueiró dos Vinhos, a 28 e 29 de agosto de 1961,
morreram duas pessoas e 185 ficaram sem casa, e ciclicamente esta zona volta a
arder. O mesmo acontece em Sintra, com destaque para o incêndio de 6 a 12 de
setembro 1966, que ceifou a vida a 25 militares. E, tal como em 2017, no ano de
1961, o fogo de Vale do Rio, em Figueiró dos Vinhos, transpôs o rio Zêzere. Tudo
isto nos leva a questionar “se faixas de contenção de 15 metros seriam
suficientes para o evitar, como refere Bento Gonçalves, que adverte:
“A história vai-se repetindo e a
nossa memória vai-se esquecendo. A maior parte dos violentos incêndios foi
causando vítimas mortais. Até chegarmos ao mais violento, em 2017.”.
Na verdade,
o que dantes era vegetação variegada virou a pinhal e passou, depois, a
eucaliptal. E, como vêm anotando alguns órgãos de comunicação social, Pedrógão
Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos capitaneiam zonas florestais
que voltam a configurar um autêntico barril de pólvora, sobretudo graças ao
crescimento desordenado e exponencial do eucalipto, que depois do fogo se
reproduz de forma assustadora.
A este
respeito, Joaquim Sande Silva, já referenciado e que bem conhece o terreno,
observa que “as condições para o pinheiro bravo em Portugal serão cada vez mais
desfavoráveis”, pois, como refere, “um estudo da Amatuli projeta para o futuro
uma triplicação da área queimada mantendo todos os outros fatores, atendendo à
influência das alterações meteorológicas”, pelo que “as condições para a
ocorrência de fogo vão ser ainda mais favoráveis no futuro”.
Efetivamente,
enquanto nós não estamos a mudar quase nada, a natureza está a mudar cada vez
mais, segundo afirma Sande Silva, exemplificando com o antes e o depois dos
fogos e com a proliferação de espécies invasoras. E o professor, que trabalha
há muitos anos na recolha de dados e sobre comportamentos, aponta a existência
de “uma grande dose de negligência”, por exemplo na “quantidade de pessoas que
continua a utilizar o fogo como se fosse uma coisa inócua” e motivada pela “necessidade
entranhada de ver tudo limpo, queimando”.
Considerando
que, entretanto, o eucalipto já é há muito dominante em termos de ocupação
florestal, sendo que a ascensão de outrora e a recente queda do pinheiro bravo
salta à vista em qualquer gráfico que reflita a evolução da floresta em
Portugal e salta à vista desarmada em qualquer viagem pelo país, Sande Silva
explana:
“O Estado pouco papel tem tido na
dinâmica da floresta em Portugal, que tem sido alterada e modificada pela via
dos proprietários privados. E não podemos esquecer todas as benesses que foram
dadas pelo Estado, nomeadamente nos anos 80 e 90, à plantação de eucaliptos.”.
Não
obstante, o investigador salvaguarda a destrinça entre vários domínios, mesmo
quando o assunto é eucaliptal e produção para as celuloses e comenta:
“Quem nos dera a nós que toda a área
florestal em Portugal fosse gerida como é a parte das empresas de celulose.
Pode fazer-se, mas que se faça bem, libertando a restante área florestal do
país para outro tipo de plantações socialmente e ambientalmente mais
interessantes.”.
O
investigador, que participou num trabalho de investigação na Austrália, muito
afetada por fogos, sublinha a comparação daquele país com a realidade
portuguesa da região afetada:
“Aqui o eucalipto reproduz-se muito
mais. Provavelmente há questões genéticas que são determinantes.”.
Dina Duarte,
presidente da direção da AVIPG (Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande), natural da aldeia do Nodeirinho, que perdeu 11 dos
seus habitantes em 2017, expressa o desalento, 4 anos depois, dizendo que “tanto
nos foi prometido, e muito pouco ou quase nada esta feito”. E considera que o
que tem havido é, na verdade, “uma grande falta de vontade, perante a grande
necessidade de tornar este território seguro”, sendo “urgente fazer algo por
este espaço”. Até morreram algumas das crianças que eram a esperança daquela
terra, que ficou tão mais pobre, tão menos favorecida. Por isso, a luta é por que
se cumpram “as promessas de pôr este território no mapa”, como afirmou no
debate sobre o colapso e a conversão do Pinhal Interior, onde disse, sem perder
a esperança “de que algo seja feito”:
“É preciso dizer quão inseguro é
viver por aqui, na mesma. Porque esta não é uma floresta, é uma monocultura.”.
Serafim
Riem, da Íris (Associação Nacional do Ambiente), sustenta
que “é preciso dinheiro para recuperar a floresta”, ideia secundada pelo
engenheiro silvicultor Paulo Pimenta de Castro, da Acréscimo – Associação de
Promoção ao Investimento Florestal, autor do livro “Portugal em Chamas – como resgatar a floresta”, em conjunto com
João Camargo (investigador em Alterações Climáticas), para quem “são muitos os efeitos colaterais dos
incêndios, que afetam não só os que são vítimas, mas os também os que ficam”. E,
no atinente à floresta, o silvicultor diz que o modelo económico entrou em
colapso, “esse modelo de produção de madeira para trituração” e, considerando
que “não podemos permitir que exista um modelo extrativista”, insiste na
necessidade de “estabelecer um pacto de regime, porque os ciclos florestais não
se compadecem com os ciclos eleitorais”.
Entretanto, a
investigadora Manuela Raposo Magalhães, do Instituto Superior de Agronomia,
coordena o Scapefire, projeto financiado pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia, que foi desenvolvido para a recuperação do Pinhal Interior, mas que
poderá ser aplicado a qualquer município do país, uma vez que intervém de acordo
com cada território, até porque se estende desde a primeira hora aos municípios
de Leiria e Pampilhosa da Serra.
E, a este
respeito, dando conta do estudo que esteve subjacente ao Scapefire, a
investigadora refere ter encontrado “algum modelo de boas práticas na Escócia”,
mas não “um modelo integrado”. Por isso, a sua equipa está a fazer um modelo
assente em vários pressupostos que correspondem a investigação setorial, como:
a relação entre o fogo e o “topoclima”, em que a velocidade do fogo duplica por
cada aumento de 10% de declive e é reduzida quando chega à cumeada, por efeito
da brisa da encosta oposta; a morfologia do terreno (cabeços,
vertentes, linhas de água e sistema húmido); e o da combustibilidade da vegetação, de efeitos imprevisíveis.
Assim, o
Scapefire prevê a criação de linhas de vazios, de áreas agrícolas e de
pastagens e um regresso gradual à floresta autóctone, sobretudo composta por
folhosas, como carvalhos e castanheiros, que também ardem, mas são de combustão
mais lenta.
***
Compreendo
que nesta matéria tão momentosa, tudo o que se faça saiba a poucochinho, mas
não se pode dizer que não se tenha feito nada. É certo que, no caso de
Pedrógão, houve coisas mal feitas com os dinheiros provindos da solidariedade,
como, por exemplo, a recuperação de palheiros, que não eram casas de habitação,
bem como dinheiros que parece terem desaparecido como manteiga em focinho de
cão, aplicados em fins não previstos ou atribuídos de forma incorreta, pelo que
os tribunais estão a proceder a julgamento.
Por
outro lado, parece terem sido remodelado o enquadramento da prevenção e do
combate, bem como as bases da reconversão florestal.
Mas
esta é que é mais difícil. A maior parte do parque florestal é privada e
desordenada, predominando a monocultura em pinho bravo e, sobretudo, em
eucalipto. Por outro lado, a floresta do Estado também não é exemplo. Limpeza,
aceiros, delimitação de área dedicada a espécies resinosas, rarefação das acácias,
abundância e variedade de folhosas não resinosas, charcas, clareiras, pontos de
água, aceiros, zonas intercalares de cultivo, remoção de matos – são elementos
extremamente raros no sistema florestal. E a persistência na preservação é
fraca.
Depois,
o combate aos incêndios é palco para tudo. Desde logo, a discussão sobre quem
comanda quem, quando e onde. Junta-se logo o crime de fogo posto de motivações
muito diversificadas – piromania, gosto de apagar e ver apagar fogos,
recebimento de alvíssaras, disponibilização de pastos, procura de madeiras a
baixo preço e, sobretudo, o grande negócio de que milhões que alimenta toda uma
cadeia de interesses, designadamente meios de combate, equipamentos de
proteção, horas de serviço, etc. E a justiça não consegue punir exemplarmente
ninguém. Por isso, vamos pensando no acaso de alguns fogos, nalgumas
malandrices da natureza e aceitamos os incêndios florestais como um capricho do
destino.
É
certo que, graças a Deus, não estamos a regressar aos tempos em que 60% da
população vivia subsistindo miseravelmente nos escaninhos do interior do país,
mas também não respondemos com uma vontade política-económica forte de
reordenamento sadio da floresta pela via do emparcelamento em zonas de pequena
propriedade, sob a coordenação do Estado e em regime cooperativo e auferição de
renda consoante a dimensão do terreno e o respetivo rendimento quando a ele
houvesse lugar, bem como do uso da maquinaria para a rendibilização agrícola.
As monoculturas em extensão são um perigo e o trabalho
dos bombeiros tem de ser repensado, porque não tem funcionado, leva-os, sim, à
exaustão. Talvez devesse ser articulado entre bombeiros, militares da GNR e das
Forças Armadas e sob sugestão de quem conhece o terreno.
Fala-se de
Pedrógão em junho de 2017, como se tivesse sido o único. Ora, a 17 de junho, em
90km, houve mais dois grandes incêndios que demoraram quase uma semana apagar, embora
felizmente não tenham provocado vítimas mortais: o de Góis e o de Castanheira
de Pera. Todos com ignição quase em simultâneo no início de uma tarde de muito
calor. E, em outubro do mesmo ano, tivemos os mesmos terroristas que em 6 horas
provocaram mais de 400 ignições, quase em simultâneo nos distritos de Leira,
Coimbra, Aveiro, Viseu, Braga e Porto. Deste só se fala praticamente para
justificar a saída da ministra da tutela!
Ora, este
ano, estando a iniciar o verão, é de recordar que já tivemos, mesmo em dias de
chuvas, grandes incêndios, uma média de 50 a 100 incêndios por dia e, destes,
25% ocorreram durante a madrugada. São imensos os focos de incêndios entre as 1
e as 5 da manhã. É um problema de criminosos que trabalham por capricho ou a
soldo de alguém.
Assim, “os
alertas vermelhos” são uma vergonha, pois, se não houver isqueiro ou fósforo, não
há fogo. E quem prega fogo geralmente sabe muito bem o que está a fazer: não se
trata de alcoólicos ou atrasados mentais, mas de pessoas com imensos
conhecimentos de geomorfologia e climatologia e que dominam o conhecimento dos
ventos e de teores da humidade no solo e no ar. Sabem em que vertente devem pôr
o fogo, a que distância e os danos a causar. É eloquente o exemplo da América,
que apesar de toda a tecnologia e meios de que dispõe, incluindo B747, regista
enormes catástrofes que a têm vitimado com cidades inteiras devoradas pelo
fogo.
E, já que se
fala tanto em ambiente e educação ambiental, porque não se introduzem nalgumas
disciplinas em que isso possa ter cabimento, nas escolas do 3.º ciclo e do
ensino secundário, módulos de prevenção de incêndios florestais, combate aos
mesmos e defesa da floresta? E porque não se generalizam as ações de formação para
adulto? Quando se cumprirá a profecia do Ministro da Administração Interna aquando
da morte de 14 bombeiros em Armamar, num incêndio florestal a 8 de setembro de
1985: “Isto não pode voltar a acontecer!”?
De facto,
aqueles 14 não voltaram a morrer…
2021.06.21 – Louro de Carvalho
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