quarta-feira, 2 de junho de 2021

Nos 330 anos do nascimento do responsável pela barroquização do Porto

 

A Torre dos Clérigos celebra, neste dia 2 de junho, o 330.º ano do nascimento de Nicolau Nasoni, o artista nascido em San Giovanni Valdarno de Sopra, na região italiana da toscana, em 1691, que nasceu em San Giovanni Valdarno de Sopra, na região italiana da toscana, em 1691, e “muito influenciou a arquitetura barroca portuguesa”.

Associada a esta data e antecedendo-a, a direção da Irmandade dos Clérigos homenageou, a 31 de maio, Dom Américo Aguiar, Bispo titular de Dagno e auxiliar do Patriarcado de Lisboa, “por todo o trabalho desenvolvido” – nomeadamente as “premiadas obras de conservação” e devolução da “igreja e Torre dos Clérigos aos portuenses, aos portugueses e ao mundo” – entre 2011 e 2021, como presidente desta instituição, numa cerimónia realizada na cidade do Porto, que também assinala os 290 anos da aprovação da igreja dos Clérigos (dezembro de 1731).

A cerimónia contou com a presença do Bispo do Porto, Dom Manuel Linda, do Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Rui Moreira, do Presidente da Assembleia Municipal do Porto, Dr. Miguel Pereira Leite, do Presidente da Entidade Regional do Turismo do Porto e Norte, Dr. Luis Pedro Martins, da Diretora Regional de Cultura do Norte, Dra. Laura Castro, do Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, Dr. António Tavares, bem como demais personalidades civis, militares e religiosas.

A Irmandade dos Clérigos recorda que o prelado foi eleito presidente desta instituição a 21 de fevereiro de 2011 (a quase 240 anos da aprovação da igreja), tendo sido assinado na sua presidência o contrato para o início das obras de conservação e restauro do complexo dos Clérigos, em 2013, ano da passagem dos 250 anos da construção da Torre dos Clérigos. E os Clérigos reabriram no dia 12 de dezembro de 2014, “oferecendo mais cultura à cidade e a todos os seus visitantes”.

Dom Américo Manuel Alves Aguiar, nascido em Leça do Balio (Matosinhos), a 12 de dezembro de 1973, desempenhou o múnus de pároco de São Pedro de Azevedo (Campanhã) de 2001 e 2002, foi notário da Cúria Diocesana do Porto entre 2001 e 2004, chefe do gabinete de informação e comunicação da Diocese do Porto entre 2002 e 2015, Vigário Geral e chefe de gabinete dos bispos Dom Armindo Lopes Coelho, Dom Manuel Clemente e Dom António Francisco dos Santos e exerceu as funções de capelão-mor da Misericórdia do Porto. Foi também pároco da Sé entre 2014 e 2015  e foi nomeado cónego do Cabido da Sé do Porto em 2017. De 2011 até 21 de fevereiro do corrente ano presidiu à direção da Irmandade dos Clérigos e assumiu, em 2016  a presidência do Conselho de Gerência do Grupo Renascença Multimédia, além de desempenhar as funções de diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, organismo da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) e integrar a organização da JMJ (Jornada Mundial da Juventude na cidade de Lisboa), em 2023, como responsável pela vertente organizacional.

Foi nomeado Bispo auxiliar de Lisboa, a 1 de março de 2019, com o título de Dagno, havendo a ordenação episcopal tido lugar na Igreja da Trindade (Porto), a 31 de março de 2019.

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De Nicolau Nasoni escreveu Lucas Brandão um precioso texto, a 19 de agosto de 2020, sob o título “As memórias e honras erguidas por Nicolau Nasoni”, em que o denomina de “o principal responsável pela ‘barroquização’ da cidade do Porto” e “um dos imigrantes mais influentes em Portugal, em especial na cidade do Porto”, enfatizando os monumentos e edifícios que erigiu no Norte do país, em que pontificam o barroco e o rococó e polvilham de ouro e pedra uma região muito marcada então pela ruralidade e estribada na atividade comercial.

Nasoni espelhou as pretensões e posições sociais e religiosas das gentes nortenhas criando entre elas “um novo polo de grande virtude arquitetónica e artística no país”, mas, simultaneamente, de modo personalizado, apreendeu e interpretou a identidade do Porto e evoluiu com ela.

Niccolò Nasoni nasceu em San Giovanni Valdarno, no grão-ducado italiano da Toscana (atual região de Florença), a 2 de junho de 1691. Antes de se relacionar com o Porto, era íntimo do avô, empregado numa casa de fidalgos com relações com a cidade. O mais velho de 8 irmãos viveu e estudou em Siena, sobretudo pintura e artes decorativas, no ateliê dos arquitetos  Franchini e Vicenzo Ferrati, de quem herdou o gosto pela construção, e sob a orientação do pintor Giuseppe Nicola Nasini. Aos 21 anos, foi-lhe entregue a construção do catafalco da catedral de Siena para as exéquias de Fernando III de Médici. Entretanto, entrou na Accademia dei Rozzi, onde contactou com a realidade criativa tendo recebido a alcunha de “piangollegio” (rezingão) e a influência do arquiteto e pintor Pietro de Cortona e do versátil artista Bernardo Buontalenti.

Com 26 anos, em 1715, foi-lhe confiada a execução dos trabalhos preparativos para a receção do novo arcebispo na cidade e da decoração dum carro alegórico que desfilou nas ruas aquando da eleição dum novo grão-mestre da Ordem de Malta. Ambas as tarefas tiveram enorme sucesso apesar da exiguidade de tempo que lhe concederam para os trabalhos, pelo que foi largamente felicitado, quer pela riqueza decorativa, quer pela técnica construtiva. Esse crescente interesse pelo seu trabalho levou-o a mudar-se para Roma, onde se estabeleceu como pintor, e, a seguir, para Malta, onde se aventurou na arquitetura. Porém, foi como pintor decorativo que continuou a singrar na pintura decorativa e complementar, como no Palazzo Spinola. Em Malta, pintou parte do teto no palácio de Valeta, dirigindo o trabalho ao grão-mestre Dom António Manuel de Vilhena, que o levou a aprofundar contactos com outras personagens ligadas à Igreja Católica, como Frei Roque de Távora e Noronha, irmão de Dom Jerónimo Távora e Noronha, deão da Sé Catedral do Porto, personalidade providencial para que viajasse até esta cidade para trabalhar, em novembro de 1725, em pintura no monumento, mas respeitando o vigente manuelino. 

A românica Sé Catedral encontrava-se em reformulação, o que azou a introdução do barroco e do rococó pelo artista italiano e subsequente extensão a toda a terra lusa. Com efeito, a partir da urbe portuense, o novo estilo foi contagiando outras igrejas e empreitadas dúrio-transmontanas.

Em função da pintura, Nasoni introduziu conceitos barrocos, como a “quadratura, em que a noção de profundidade é distorcida nas cúpulas falsas. E estes trabalhos, que perduraram por algum tempo, tiveram a cooperação dos arquitetos lusos Miguel Francisco da SilvaAntónio Pereira para suporte do projeto com vários azulejos tipicamente portugueses. Além da decoração do edifício, o ilustre imigrante preparou a nova fachada do templo em galilé (cobertura sobre o acesso principal), bem como o Chafariz de São Miguel, a ladear a Sé, e o Paço Episcopal.

Em 1729, ou seja, 4 anos após a sua primeira incumbência na cidade, casou com D. Isabel Castriotto Riccardi, fidalga de origem napolitana, matrimónio que durou pouco tempo, já que Isabel faleceu por complicações no parto de José, o único filho de ambos, cujo padrinho, fidalgo portuense, motivaria o relançamento anímico do artista pelo convite para construir a habitação e jardim da Quinta da Prelada e levando-o fazer o retábulo na Igreja de Santo Ildefonso e a edificar a Igreja de São João Novo e a Quinta de Ramalde (esta com motivos neogóticos).

Logo a seguir e por intermédio do compadre, teve pela frente o seu maior desafio profissional, com que se ocupou por três décadas: a Igreja dos Clérigos, construção que não lhe deu qualquer rendimento, mas lhe perpetuou o legado na Invicta, pois a sua construção e ornamentação granítica mostram uma irregularidade de formas que atinge o auge no exagero quase maneirista, sendo também o rococó uma das suas principais premissas adornando o interior do templo com as eventuais conchas. No confronto do ondulado com o saliente, ressalta a quantidade de janelas que proliferam em toda a égide da torre. Uma única nave é uma peculiaridade da obra, edificada numa zona de inclinação topográfica e que se tornou única pela singularidade e pelas formas inconstantes e errantes, a conotar a riqueza e poderio da Igreja Católica, então bafejada com os laivos protestantes e interrogadores da divina proveniência.

Nasoni voltou a casar, desta vez com a portuguesa Antónia Mascarenhas Malafaia, com quem teve 5 filhos (Margarida, Ana, António, Jerónimo e Francisco), o que lhe permitiu juntar a estabilidade pessoal à profissional, cada vez com mais fôlego, e espalhar “fragrâncias do Renascimento italiano” (diz Lucas Brandão) pelos seus trabalhos: monumentos, pinturas e peças de ourivesaria.

O mecenato seria importante no que era um percurso reconhecido e solicitado por toda a região norte. À Igreja e Torre dos Clérigos, juntou-se a Igreja do Senhor Bom Jesus, em Matosinhos, composta por 3 naves e por duas torres sineiras e que esplende em ouro no interior, com diversos e côncavos retábulos de talha dourada, especialidade de Nasoni na decoração da madeira. Também o Palácio do Freixo foi potenciado tanto pela inclinação do terreno como pela localização ribeirinha, sendo ornado por detalhes aquáticos, caraterística do barroco, para lá da plenitude de fachadas – tudo a culminar da linha arquitetónica do artista, que se entregou, profundamente influenciado pelas suas origens toscanas e pelas noções romanas, às volumetrias estáveis e sólidas e às linhas onduladas e instáveis para complementar o seu barroco de proa por terras lusas, de forte pendor decorativo e dourado, servindo de referência aos sucessores.

Acresce a tudo isto a fachada da Igreja da Misericórdia, o chafariz e o escadório do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios (Lamego), a reconstrução da Igreja Matriz de Santa Marinha (Vila Nova de Gaia) e a parte central do Palácio de Mateus (freguesia de Mateus, Vila Real), edifício rodeado de espaços verdes e complementado pela diversidade de torres, além dum corpo requintado por uma série de pormenores embelezadores. Isto, para lá da Capela da Quinta da Conceição (Leça da Palmeira) e do palácio da Quinta da Bonjoia (Porto), entre várias outras obras. Outros projetos incluíram a planificação da Casa do Despacho da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, e elaboração de duas plantas para reformulação da Cadeia e Tribunal da Relação, além do desenho de lavatórios de sacristia e outros pequenos trabalhos nas igrejas onde intervinha.

O etéreo assume especial relevo no seu trabalho, capturando os ideais e instintos barrocos para, à boa laia maneirista, transportar ilusões sensoriais para quem contacta com ele. Assim, a presença de vários anjos, apoiada no uso da prata, capta a metafísica e é bem-sucedida na exploração da crença do artista, que se juntaria à Irmandade dos Clérigos pouco depois. Na verdade, tendo falecido depauperado a 30 de agosto de 1773, foi sepultado na cripta da “sua” Igreja dos Clérigos, obra-prima do Barroco nortenho.

Na linha de sucessão, deixou vários pupilos na arte da pintura etérea e da boa esquematização, contando-se, entre eles, José de Figueiredo Seixas.

Como refere Brandão, “Nasoni foi o principal responsável pela ‘barroquização’ da cidade do Porto, tornando-a mais barroca que todas as outras do país”. Porém, sublinha que o trabalho do artista plurifacetado envolveu e contagiou o resto da região Norte, para lá dos que, interessados pelos motivos estéticos importados de Itália, vieram de sul para aprender com o toscano. A opulência e imponência de que se reveste o seu legado patrimonial resultam das enormes quantidades de ouro que recheiam a riqueza histórica portuense. Os contemporâneos seriam influenciados em larga medida pelo seu trabalho escultório em madeira, azando subsequentes tentativas de transmitir estruturas vigorosas e imponentes. Foi com este excelso arquiteto da Toscânia que o Porto se reergueu e se fez destino de ano para ano.

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Em síntese…

Discípulo do pintor Nasini e dos arquitetos Franchini e Ferrati, Nasoni iniciou a sua carreira artística na cidade de Siena. A sua formação como pintor concretiza-se com encomendas de arte efémera, nomeadamente na construção e decoração de arcos de triunfo, carros alegóricos, etc.

Após a estada em Siena, demandou a cidade de Roma, mas a próxima etapa de considerável duração foi a Ilha de Malta. Em 1723 encontrava-se ao serviço do grão-mestre Frei António Manuel de Vilhena, a pintar algumas dependências do Palácio dos Grãos-Mestres em La Valetta. Aí estabelece ligação com Frei Roque de Távora e Noronha, já mencionado, logrando ser contratado para uma empreitada nas obras de renovação da Sé Catedral portuense, do que resultou, em 1725, o estabelecimento definitivo do toscano na Cidade Invicta.

Na pintura portuguesa setecentista, Nasoni sobressai como pintor ilusionista dominando as técnicas do trompe l'oeil e da perspetiva, conferindo profundidade cenográfica a superfícies planas. Após a Sé do Porto, onde pinta a têmpera, encarrega-se da pintura das abóbadas da Sé de Lamego, em 1737, e celebra contratos para efetivar pinturas nas igrejas da Ordem Terceira de São Francisco do Porto, de São Pedro de Tarouca e os tetos do Palácio do Freixo, no Porto.

Como arquiteto, marcou o barroco setecentista na cidade do Porto e seu termo. A sua primeira e emblemática obra foi a igreja, enfermaria e torre dos Clérigos, cujo projeto foi apresentado em 1731 e cuja construção se iniciou em 1732 – a obra-prima do barroco portuense.

Entre 1743 e 1749, Nasoni encontra-se à frente das obras de remodelação da fachada da Igreja do Senhor Bom Jesus matosinhense, reedificando em 1745 a Igreja de Santa Marinha, em Vila Nova de Gaia, e está ainda ativo em 1749 na reconstrução da Igreja da Misericórdia do Porto.

O labor do artista toscano estendeu-se à arquitetura civil. O historiador Robert Smith atribui-lhe a autoria do risco da Quinta do Ramalde, Quinta do Viso, Quinta da Prelada, Santa Cruz do Bispo e Palácio do Freixo. Provavelmente, embora a documentação seja omissa a tal respeito, terá sido o autor do Solar de Mateus, palácio da freguesia de Mateus, arredores de Vila Real.

O estilo arquitetónico de Nasoni inscreve-se no universo dum barroco de aparato e cenográfico, influência da arquitetura italiana da Toscânia e de Roma. De volumetrias sólidas, linhas túrgidas e movimentadas, este barroco decorativista criou escola no Norte de Portugal, influenciando decisivamente os artistas portugueses coetâneos.

E, além da vertente de pintor-arquiteto, o portuense de adoção idealizou diversos desenhos para peças de ourivesaria, modelos de escultura, bem como ornatos e retábulos em talha dourada, influenciando também assim os artistas do barroco português.

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Enfim, uma forte mais-valia no panorama das artes portuguesas e no enditamento do nosso património artístico e cultural.

2021.06.02 – Louro de Carvalho

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