A Torre dos Clérigos celebra, neste dia 2 de junho, o 330.º
ano do nascimento de Nicolau Nasoni, o artista nascido em San Giovanni Valdarno
de Sopra, na região italiana da toscana, em 1691, que nasceu em San Giovanni
Valdarno de Sopra, na região italiana da toscana, em 1691, e “muito influenciou
a arquitetura barroca portuguesa”.
Associada a esta data e antecedendo-a, a direção da
Irmandade dos Clérigos homenageou, a 31 de maio, Dom Américo Aguiar,
Bispo titular de Dagno e auxiliar do Patriarcado de Lisboa, “por todo o
trabalho desenvolvido” – nomeadamente as “premiadas obras de conservação” e
devolução da “igreja e Torre dos Clérigos aos portuenses, aos portugueses e ao
mundo” – entre 2011 e 2021, como presidente desta instituição, numa cerimónia
realizada na cidade do Porto, que também assinala os 290 anos da aprovação da
igreja dos Clérigos (dezembro
de 1731).
A cerimónia contou com a presença do Bispo do Porto, Dom
Manuel Linda, do Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Rui Moreira, do
Presidente da Assembleia Municipal do Porto, Dr. Miguel Pereira Leite, do
Presidente da Entidade Regional do Turismo do Porto e Norte, Dr. Luis
Pedro Martins, da Diretora Regional de Cultura do Norte, Dra. Laura Castro, do
Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, Dr. António Tavares, bem como
demais personalidades civis, militares e religiosas.
A Irmandade dos Clérigos recorda que o prelado foi eleito
presidente desta instituição a 21 de fevereiro de 2011 (a quase 240 anos da aprovação da
igreja), tendo sido
assinado na sua presidência o contrato para o início das obras de conservação e
restauro do complexo dos Clérigos, em 2013, ano da passagem dos 250 anos da
construção da Torre dos Clérigos. E os Clérigos reabriram no dia 12 de dezembro
de 2014, “oferecendo mais cultura à cidade e a todos os seus visitantes”.
Dom Américo Manuel Alves Aguiar, nascido em Leça do Balio (Matosinhos), a 12 de dezembro de 1973, desempenhou o múnus de
pároco de São Pedro de Azevedo (Campanhã) de 2001 e 2002,
foi notário da Cúria Diocesana do Porto entre 2001 e 2004, chefe
do gabinete de informação e comunicação da Diocese do Porto entre 2002 e 2015,
Vigário Geral e chefe de gabinete dos bispos Dom Armindo Lopes Coelho, Dom
Manuel Clemente e Dom António Francisco dos Santos e exerceu as
funções de capelão-mor da Misericórdia do Porto. Foi também pároco da Sé
entre 2014 e 2015 e foi
nomeado cónego do Cabido da Sé do Porto em 2017. De 2011 até 21 de
fevereiro do corrente ano presidiu à direção da Irmandade dos Clérigos e assumiu,
em 2016 a presidência do Conselho de Gerência do Grupo Renascença Multimédia, além de
desempenhar as funções de diretor do Secretariado Nacional das Comunicações
Sociais, organismo da CEP (Conferência
Episcopal Portuguesa) e
integrar a organização da JMJ (Jornada Mundial da Juventude na cidade de Lisboa), em 2023, como responsável pela
vertente organizacional.
Foi nomeado Bispo
auxiliar de Lisboa, a 1 de março de 2019, com o título de Dagno, havendo a
ordenação episcopal tido lugar na Igreja da Trindade (Porto), a 31 de março de 2019.
***
De Nicolau Nasoni escreveu Lucas
Brandão um precioso texto, a 19 de agosto de 2020, sob
o título “As memórias e honras erguidas
por Nicolau Nasoni”, em
que o denomina de “o principal responsável pela ‘barroquização’ da cidade do
Porto” e “um dos
imigrantes mais influentes em Portugal, em especial na cidade do Porto”,
enfatizando os monumentos e edifícios que erigiu no Norte do país, em que
pontificam o barroco e o rococó e polvilham de ouro e pedra uma região muito
marcada então pela ruralidade e estribada na atividade comercial.
Nasoni espelhou as pretensões e posições sociais e
religiosas das gentes nortenhas criando entre elas “um novo polo de grande virtude
arquitetónica e artística no país”, mas, simultaneamente, de modo personalizado,
apreendeu e interpretou a identidade do Porto e evoluiu com ela.
Niccolò Nasoni nasceu em San Giovanni Valdarno, no
grão-ducado italiano da Toscana (atual região de Florença), a 2 de junho de 1691. Antes de se relacionar com o
Porto, era íntimo do avô, empregado numa casa de fidalgos com relações com a
cidade. O mais velho de 8 irmãos viveu e estudou em Siena, sobretudo pintura e
artes decorativas, no ateliê dos arquitetos Franchini e Vicenzo
Ferrati, de quem herdou o gosto pela
construção, e sob a orientação do pintor Giuseppe
Nicola Nasini. Aos 21 anos, foi-lhe entregue a construção do catafalco
da catedral de Siena para as exéquias de Fernando
III de Médici. Entretanto, entrou na Accademia
dei Rozzi, onde contactou com a realidade criativa tendo recebido a
alcunha de “piangollegio” (rezingão) e a
influência do arquiteto e pintor Pietro
de Cortona e do versátil artista Bernardo
Buontalenti.
Com 26 anos, em 1715, foi-lhe confiada a execução dos
trabalhos preparativos para a receção do novo arcebispo na cidade e da
decoração dum carro alegórico que desfilou nas ruas aquando da eleição dum novo
grão-mestre da Ordem de Malta. Ambas as tarefas tiveram enorme sucesso apesar da
exiguidade de tempo que lhe concederam para os trabalhos, pelo que foi
largamente felicitado, quer pela riqueza decorativa, quer pela técnica
construtiva. Esse crescente interesse pelo seu trabalho levou-o a mudar-se para
Roma, onde se estabeleceu como pintor, e, a seguir, para Malta, onde se
aventurou na arquitetura. Porém, foi como pintor decorativo que continuou a
singrar na pintura decorativa e complementar, como no Palazzo Spinola. Em Malta, pintou
parte do teto no palácio de Valeta, dirigindo o trabalho ao grão-mestre Dom António Manuel de Vilhena,
que o levou a aprofundar contactos com outras personagens ligadas à Igreja
Católica, como Frei Roque de Távora e Noronha, irmão de Dom Jerónimo Távora e Noronha,
deão da Sé Catedral do Porto, personalidade providencial para que viajasse até
esta cidade para trabalhar, em novembro de 1725, em pintura no monumento, mas
respeitando o vigente manuelino.
A românica Sé Catedral encontrava-se em
reformulação, o que azou a introdução do barroco e do rococó pelo artista
italiano e subsequente extensão a toda a terra lusa. Com efeito, a partir da
urbe portuense, o novo estilo foi contagiando outras igrejas e empreitadas dúrio-transmontanas.
Em função da pintura, Nasoni introduziu conceitos
barrocos, como a “quadratura”,
em que a noção de profundidade é distorcida nas cúpulas falsas. E estes
trabalhos, que perduraram por algum tempo, tiveram a cooperação dos arquitetos
lusos Miguel Francisco da Silva e António Pereira para suporte do
projeto com vários azulejos tipicamente portugueses. Além da decoração do
edifício, o ilustre imigrante preparou a nova fachada do templo em galilé (cobertura
sobre o acesso principal), bem como o Chafariz de São Miguel, a ladear
a Sé, e o Paço Episcopal.
Em 1729, ou seja, 4 anos após a sua primeira
incumbência na cidade, casou com D.
Isabel Castriotto Riccardi, fidalga de origem napolitana, matrimónio que
durou pouco tempo, já que Isabel faleceu por complicações no parto de José, o
único filho de ambos, cujo padrinho, fidalgo portuense, motivaria o
relançamento anímico do artista pelo convite para construir a habitação e
jardim da Quinta da Prelada e levando-o
fazer o retábulo na Igreja de Santo
Ildefonso e a edificar a Igreja
de São João Novo e a Quinta
de Ramalde (esta com motivos neogóticos).
Logo a seguir e por intermédio do compadre, teve pela
frente o seu maior desafio profissional, com que se ocupou por três décadas: a Igreja dos Clérigos,
construção que não lhe deu qualquer rendimento, mas lhe perpetuou o legado na
Invicta, pois a sua construção e ornamentação granítica mostram uma irregularidade
de formas que atinge o auge no exagero quase maneirista, sendo também o rococó
uma das suas principais premissas adornando o interior do templo com as eventuais
conchas. No confronto do ondulado com o saliente, ressalta a quantidade de
janelas que proliferam em toda a égide da torre. Uma única nave é uma
peculiaridade da obra, edificada numa zona de inclinação topográfica e que se
tornou única pela singularidade e pelas formas inconstantes e errantes, a
conotar a riqueza e poderio da Igreja Católica, então bafejada com os laivos
protestantes e interrogadores da divina proveniência.
Nasoni voltou a casar, desta vez com a portuguesa Antónia Mascarenhas Malafaia, com
quem teve 5 filhos (Margarida, Ana, António, Jerónimo e Francisco), o que lhe permitiu juntar a estabilidade pessoal à
profissional, cada vez com mais fôlego, e espalhar “fragrâncias do Renascimento
italiano” (diz Lucas Brandão) pelos seus
trabalhos: monumentos, pinturas e peças de ourivesaria.
O mecenato seria importante no que era um percurso
reconhecido e solicitado por toda a região norte. À Igreja e Torre dos
Clérigos, juntou-se a Igreja do
Senhor Bom Jesus, em Matosinhos, composta por 3 naves e por duas torres
sineiras e que esplende em ouro no interior, com diversos e côncavos retábulos
de talha dourada, especialidade de Nasoni na decoração da madeira. Também
o Palácio do Freixo foi
potenciado tanto pela inclinação do terreno como pela localização ribeirinha,
sendo ornado por detalhes aquáticos, caraterística do barroco, para lá da plenitude
de fachadas – tudo a culminar da linha arquitetónica do artista, que se
entregou, profundamente influenciado pelas suas origens toscanas e pelas noções
romanas, às volumetrias estáveis e sólidas e às linhas onduladas e instáveis para
complementar o seu barroco de proa por terras lusas, de forte pendor decorativo
e dourado, servindo de referência aos sucessores.
Acresce a tudo isto a fachada da Igreja da Misericórdia, o
chafariz e o escadório do Santuário
de Nossa Senhora dos Remédios (Lamego), a reconstrução da Igreja
Matriz de Santa Marinha (Vila Nova de Gaia) e a parte central do Palácio
de Mateus (freguesia de Mateus, Vila Real), edifício rodeado de espaços verdes e complementado
pela diversidade de torres, além dum corpo requintado por uma série de pormenores
embelezadores. Isto, para lá da Capela
da Quinta da Conceição (Leça da Palmeira) e do palácio da Quinta da Bonjoia
(Porto), entre várias outras obras. Outros projetos incluíram
a planificação da Casa do Despacho da Venerável
Ordem Terceira de São Francisco, e elaboração de duas plantas para reformulação
da Cadeia e Tribunal da Relação,
além do desenho de lavatórios de sacristia e outros pequenos trabalhos nas
igrejas onde intervinha.
O etéreo assume especial relevo no seu trabalho,
capturando os ideais e instintos barrocos para, à boa laia maneirista,
transportar ilusões sensoriais para quem contacta com ele. Assim, a presença de
vários anjos, apoiada no uso da prata, capta a metafísica e é bem-sucedida na
exploração da crença do artista, que se juntaria à Irmandade dos Clérigos pouco depois. Na
verdade, tendo falecido depauperado a 30 de agosto de 1773, foi sepultado na
cripta da “sua” Igreja dos Clérigos, obra-prima
do Barroco nortenho.
Na linha de sucessão, deixou vários pupilos na arte da
pintura etérea e da boa esquematização, contando-se, entre eles, José de Figueiredo Seixas.
Como refere Brandão, “Nasoni foi o principal
responsável pela ‘barroquização’ da cidade do Porto, tornando-a mais barroca
que todas as outras do país”. Porém, sublinha que o trabalho do artista
plurifacetado envolveu e contagiou o resto da região Norte, para lá dos que,
interessados pelos motivos estéticos importados de Itália, vieram de sul para
aprender com o toscano. A opulência e imponência de que se reveste o seu legado
patrimonial resultam das enormes quantidades de ouro que recheiam a riqueza
histórica portuense. Os contemporâneos seriam influenciados em larga medida
pelo seu trabalho escultório em madeira, azando subsequentes tentativas de
transmitir estruturas vigorosas e imponentes. Foi com este excelso arquiteto da
Toscânia que o Porto se reergueu e se fez destino de ano para ano.
***
Em síntese…
Discípulo do pintor Nasini e dos arquitetos
Franchini e Ferrati, Nasoni iniciou a sua carreira artística na cidade de
Siena. A sua formação como pintor concretiza-se com encomendas de arte efémera,
nomeadamente na construção e decoração de arcos de triunfo, carros alegóricos,
etc.
Após a estada em Siena, demandou a
cidade de Roma, mas a próxima etapa de considerável duração foi a Ilha de
Malta. Em 1723 encontrava-se ao serviço do grão-mestre Frei António Manuel de
Vilhena, a pintar algumas dependências do Palácio dos Grãos-Mestres em La Valetta.
Aí estabelece ligação com Frei Roque de Távora e Noronha, já mencionado, logrando
ser contratado para uma empreitada nas obras de renovação da Sé Catedral
portuense, do que resultou, em 1725, o estabelecimento definitivo do toscano na
Cidade Invicta.
Na pintura portuguesa setecentista, Nasoni
sobressai como pintor ilusionista dominando as técnicas do trompe l'oeil e da perspetiva, conferindo
profundidade cenográfica a superfícies planas. Após a Sé do Porto, onde pinta a
têmpera, encarrega-se da pintura das abóbadas da Sé de Lamego, em 1737, e
celebra contratos para efetivar pinturas nas igrejas da Ordem Terceira de São
Francisco do Porto, de São Pedro de Tarouca e os tetos do Palácio do
Freixo, no Porto.
Como arquiteto, marcou o barroco setecentista
na cidade do Porto e seu termo. A sua primeira e emblemática obra foi
a igreja, enfermaria e torre dos Clérigos, cujo projeto foi apresentado em
1731 e cuja construção se iniciou em 1732 – a obra-prima do barroco portuense.
Entre 1743 e 1749, Nasoni encontra-se à
frente das obras de remodelação da fachada da Igreja do Senhor Bom
Jesus matosinhense, reedificando em 1745 a Igreja de Santa Marinha,
em Vila Nova de Gaia, e está ainda ativo em 1749 na reconstrução
da Igreja da Misericórdia do Porto.
O labor do artista toscano estendeu-se à
arquitetura civil. O historiador Robert Smith atribui-lhe a autoria do risco da
Quinta do Ramalde, Quinta do Viso, Quinta da Prelada, Santa Cruz do Bispo
e Palácio do Freixo. Provavelmente, embora a documentação seja omissa a
tal respeito, terá sido o autor do Solar de Mateus, palácio da freguesia de
Mateus, arredores de Vila Real.
O estilo arquitetónico de Nasoni inscreve-se
no universo dum barroco de aparato e cenográfico, influência da
arquitetura italiana da Toscânia e de Roma. De volumetrias sólidas, linhas
túrgidas e movimentadas, este barroco decorativista criou escola no
Norte de Portugal, influenciando decisivamente os artistas portugueses
coetâneos.
E, além da vertente de pintor-arquiteto, o
portuense de adoção idealizou diversos desenhos para peças de ourivesaria,
modelos de escultura, bem como ornatos e retábulos em talha dourada,
influenciando também assim os artistas do barroco português.
***
Enfim, uma forte mais-valia no panorama das
artes portuguesas e no enditamento do nosso património artístico e cultural.
2021.06.02 – Louro de Carvalho
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