“Vós, crianças, sois as estrelas
vivas de esperança, uma esperança que há brilhar para toda a humanidade”
foi a proclamação do Cardeal Dom António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, a
partir do Santuário ao presidir à celebração simbólica na Capelinha das
Aparições que assinalou a peregrinação das Crianças, que este ano voltou a não
poder realizar-se por causa da pandemia.
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Para lá do
Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o 10 de junho, é
desde 1952, em termos eclesiais, em Portugal, o Dia do Anjo da Guarda de
Portugal, pois, crê-se que, tal como cada pessoa tem o seu anjo da guarda,
também cada nação tem o seu. E que a Igreja Católica nunca desligou o Anjo
Custódio do desígnio da Pátria provam-no vários fatores, entre os quais recordo
o que sucedia no Seminário de Nossa Senhora de Lurdes em Resende: no fim da missa
de 10 de junho, o organista executava o Hino Nacional e a Bandeira Nacional
estava içada em lugar condigno.
A crença em
seres inteligentes, não corporais, extraterrestres, é muito antiga em todos os
povos. Vem recolhida na Bíblia (vg Ex 23,20-23; Tb
3,16-17a; 12,22); e no
Evangelho (vg Mt 18,10) aparece
referência clara ao Anjo da Guarda de “cada pessoa” que cuida dela.
Todavia,
durante muito tempo não houve senão uma única festa dos cristãos aos Anjos: a
de 29 de setembro. Terá sido em Valência (Espanha) que surgiu, em 1411, a festa a Anjo Custódio da “Cidade”,
no seu conjunto, e muitas outras Cidades e Reinos vieram a imitá-la,
festejando o seu Anjo protetor. Em Portugal, Dom Manuel I e os bispos portugueses
solicitaram ao Papa Júlio II a autorização para a celebração desta festa e o Papa
Leão X instituiu, em 1504, a festa do “Anjo Custódio do Reino” cujo culto já era antigo entre nós e cuja celebração
foi inscrita no calendário litúrgico pra o 3.º domingo de julho, que atingiu
verdadeiro esplendor festivo nos séculos XVI, XVII e XVIII, sobretudo em Braga,
Coimbra e Évora.
Oficializada
a celebração, Dom Manuel I expediu alvarás às Câmaras Municipais para que esta
festa fosse celebrada com a maior solenidade, devendo concitar a participação
das autoridades e instituições das cidades e vilas, além de todo o povo. E,
segundo as Ordenações Manuelinas, a festa era equiparada à do Corpo de Deus, já
então a maior festa religiosa de Portugal, em que toda a nação afirmava
publicamente a fé na presença real de Cristo na Eucaristia.
Porém, a
devoção quase desapareceu no século XIX (mantendo-se em Braga com celebração
a 9 de junho), até que o
Anjo, antes das aparições de Nossa Senhora em Fátima em 1917, se fez visível
aos três pastorinhos, em 1916, apresentando-se como “Anjo de Portugal”, “Anjo da
Paz” e “Anjo da Eucaristia”. Em 1952, o Papa Venerável Pio XII, mandou
reinserir a festa no
Calendário Litúrgico português, mas com celebração a 10 de junho em associação
ao Dia de Portugal. E a reforma do calendário litúrgico, na sequência do Concílio
Vaticano II, manteve a celebração, mas deu-lhe a categoria de “memória”.
Assim, temos o Anjo de Portugal, Santo Anjo da Guarda de Portugal ou Anjo Custódio de Portugal e Anjo da Paz. Alguns associam-no à
lendária visão de Cristo e seus anjos (talvez São Miguel Arcanjo) na Batalha de Ourique, em 1139, que levou as
forças de Dom Afonso Henriques a tal vitória sobre os invasores
mouros que lhe deram a oportunidade de se autoproclamar rei de Portugal. O Anjo de Portugal será o único Anjo da Guarda
dum país com culto público oficializado e terá sido, até hoje, o único
Anjo da Guarda duma nação que se tornou visível no respetivo país, deixando uma
mensagem de profundidade e fazendo a pedagogia da mesma.
Nas
suas Memórias, a Irmã Lúcia conta que, entre abril e
outubro de 1916, aparecera um anjo aos três pastorinhos,
por três vezes, duas na Loca do Cabeço, nos Valinhos, e outra
junto ao poço do quintal de sua casa, o Poço do Arneiro, no lugar
de Aljustrel, em Fátima, convidando-os à oração e penitência e
afirmando ser o “Anjo da Paz, o Anjo de Portugal”. E, na 3.ª aparição, mandou-os adorar o Senhor e deu-lhes
a comunhão com o “preciosíssimo corpo, sangue alma e divindade de Jesus Cristo”,
como Ele declarou.
Mais este Anjo
da Eucaristia ensinou aos Pastorinhos duas orações, conhecidas por Orações
do Anjo, que entraram na piedade popular e são utilizadas sobretudo na
adoração eucarística.
Há várias representações
do Anjo Custódio de Portugal, nomeadamente as imagens do Mosteiro de Santa
Cruz de Coimbra; da charola do Convento de Cristo em Tomar; a
pintura da Igreja da Misericórdia e Évora; a iluminura do Livro de
Horas de Dom Manuel; e a que está no Museu Nacional Machado de
Castro, em Coimbra, atribuída a Diogo Pires, o Moço.
Há ainda quem
defenda que é a figura central do Painel do Infante e do Painel
do Arcebispo, que fazem parte dos Painéis de São Vicente de Fora, que
estão no Museu Nacional de Arte Antiga, obra que se julga do pintor
português Nuno Gonçalves entre 1470 e 1480.
***
No pressuposto
da ligação do Anjo de Portugal com Fátima e com as crianças, a quem a Virgem
falou, o Santuário de Fátima passou, em 1978, a acolher a Peregrinação Nacional
das Crianças, precisamente a 10 de junho, dia de Portugal e do seu Anjo.
Em 1977, celebravam-se os 60 anos das Aparições de Nossa Senhora
e, como “foi a crianças que a Virgem falou”, o Secretariado da Catequese do
Patriarcado de Lisboa, a Cruzada Eucarística, a Postulação dos Pastorinhos e o
Santuário, pensaram em realizar uma peregrinação de crianças a Fátima. Foi uma
peregrinação experimental. Mas a grande afluência de crianças e o resultado
final encorajaram a prosseguir. No ano seguinte, fez-se a que é considerada a
primeira peregrinação oficial de âmbito nacional. E, desde então, a dia 10 de
Junho de cada ano, por ser o Dia do Anjo de Portugal, que tanta relação tem com
Fátima e com as crianças, não mais se deixou de realizar a peregrinação, sempre
com grande afluência, não só de crianças mas também de muitos adultos, o que
faz dela uma das maiores peregrinações à Cova da Iria.
Desde sempre, os organizadores das peregrinações das crianças
viram na iniciativa um grande meio de evangelização e aproximação das crianças
a Deus, através da Mensagem de Nossa Senhora e dos Pastorinhos, também eles
crianças. A certa altura, a Peregrinação das Crianças passou a ser assumida,
exclusivamente, pelo Santuário. Não obstante, ao longo dos anos, a mesma preocupação
esteve sempre presente e foi-se tornando cada vez mais comprometedora para os organizadores.
Em lugar tão marcado pelo transcendente e pela ação do sobrenatural, fazer de
cada peregrinação, segundo a temática de cada ano, nos seus diversos momentos e
celebrações, uma grande catequese que possibilite às crianças um encontro com o
Sagrado, uma experiência de Deus, que as marque de um modo novo, são os
propósitos desta Peregrinação.
Não tem faltado empenho, alguma criatividade e o
investimento necessário, para que em cada peregrinação se atinjam estes
objetivos.
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Este ano, como no passado, porque
a pandemia desaconselha a concentração física das crianças e acompanhantes, Fátima
propôs às crianças a peregrinação pelo coração, caminhada espiritual pedagógica e lúdica até 10 de junho centrada na esperança
a que apela a mensagem de Fátima. Neste 2021, a proposta de caminhada
espiritual partiu do tema do presente ano pastoral: “Louvai o Senhor, que levanta os fracos”, centrando-se na esperança
a que apela a mensagem de Fátima, a partir das palavras que a Senhora deixou
a Lúcia na aparição de 13 de junho:
“E,
tu, sofres muito? Não desanimes. O meu imaculado coração será o teu refúgio e o
caminho que te conduzirá a Deus.”.
No pequeno
vídeo que lançou a Peregrinação das Crianças, os mais novos puderam e poderão
escutar Lúcia a narrar na 1.ª pessoa os acontecimentos de Fátima, como muitos
deles foram ocasião de sofrimento e ocasião para Deus mostrar o seu grande amor
por cada um dos Pastorinhos e por toda a humanidade, “um amor que jamais nos
abandona e que, por isso, se faz luz e esperança no meio da escuridão do
sofrimento”.
A par da
história de Fátima, a peregrinação propôs o jogo familiar de tabuleiro “Vitaminas de Esperança”, baseado em excertos
das “Memórias da Irmã Lúcia”, para
ajudar, neste tempo de pandemia, a crescer com Lúcia, Francisco e Jacinta na
esperança de Deus e a levá-la aos outros. Assim, em cada semana, de 15 de maio a
10 de junho, foram disponibilizados na página do Santuário, prontos a
descarregar e a imprimir (em
papel grosso ou cartolina tabuleiro e cartões), o tabuleiro do jogo em partes sucessivas (uma parte do tabuleiro por semana) e os materiais de “Vitaminas de Esperança”: folha de
instruções, peões, um dado, cartões das casas-desafio, estrelas da esperança e
uma folha com indicação para as casas Altos & Baixos.
O objetivo
desta caminhada espiritual, que culminou no dia 10 de junho, com a transmissão
em direto das celebrações da Peregrinação das Crianças através dos canais digitais
do Santuário de Fátima, foi, segundo a Comissão Organizadora da Peregrinação
das Crianças, “ajudar a tornar o coração
de cada criança mais belo e a levar esperança a todos nestes tempos tão
difíceis”.
***
Por conseguinte,
o Santuário de Fátima assinalou, a 10 de junho, de forma simbólica, o termo da
Peregrinação das Crianças que, devido à situação sanitária, ainda não puderam
reunir-se presencialmente neste dia, que acolhia milhares de crianças e jovens
no Recinto de Oração, acompanhados dos seus catequistas e das famílias. Presidiu
o susodito Cardeal que lembrou às 12 crianças, filhas dos funcionários do Santuário
de Fátima, que participaram na celebração e depositaram aos pés da imagem de
Nossa Senhora 12 estrelas de esperança, simbolizando o desejo de “mais fraternidade
e amizade entre todos”:
“Se não fosse a pandemia, a estas
horas o nosso recinto estava cheio de crianças e daqueles que os costumavam
acompanhar num ambiente de alegria, colorido e de festa. (…) A pandemia
obrigou-nos a fazer assim: vós representais todas as crianças da catequese que
queriam estar aqui. Por isso, saúdo em vós todas as crianças da
catequese, com muito carinho, muita estima e muita amizade, para que sejais
capazes de levar a esperança a toda a humanidade.”.
O Bispo de Leiria-Fátima, dirigindo-se a todas
as crianças, assegurou:
“Amiguitos e amiguitas, Nossa
Senhora conta convosco para tornar Portugal e o mundo mais fraterno e mais belo”.
E, frisando a
esperança e a paz como tónicas duma mensagem de que Fátima é herdeira, disse:
“A pandemia atingiu muita gente e
deixou muita dor, muito sofrimento, tristeza, desanimo e desalento em muitas
pessoas e famílias. Por isso, hoje precisamos de transmitir esperança uns aos
outros, aquela esperança que Nossa Senhora transmitiu aos Pastorinhos: não
desanimes porque Eu nunca te deixarei; o Meu Imaculado Coração, coração de mãe,
será o refúgio, o abrigo e o conforto, que conduzirá até Deus.”.
Ainda afirmou
na sua breve alocução e exortou:
“Pusestes as estrelas da esperança:
vós, crianças, sois essas estrelas, estrelas vivas de esperança; uma esperança
que há de brilhar nos vossos corações nos vossos olhos e nos vossos sorrisos,
através da oração (…) Peçamos a
Nossa Senhora que nos livre desta chaga que é pandemia; que nos torne todos
responsáveis uns pelos outros para que não voltemos atrás; que consigamos ser
capazes de cuidar uns dos outros, sobretudo os mais frágeis”.
Depois, fez
uma interpelação pedagógica:
“Estais a ver? Isto é levar a
esperança. Nossa Senhora convida-vos a levar esta esperança à família, à
escola, aos vizinhos e a pedir-lhes que todos se unam nesta esperança para que
ela seja transmitida a toda a gente.”.
Esta
celebração simbólica, transmitida em direto nos canais digitais do Santuário e
pela TV Canção Nova, integrou a recitação de um mistério do rosário e a
revelação da resposta-chave para a última casa do jogo da glória, intitulado “Vitaminas de Esperança”, que foi lançado
como desafio na habitual campanha de maio, que guiou as crianças por uma
peregrinação espiritual. E foi desvendada a chave de leitura do jogo de
tabuleiro que é a Paz, com a largada dum bando de pombas, em frente à Capelinha
das Aparições.
E face, a este
simbolismo, Dom António Marto comentou:
“As pombas lançadas voaram para
todas as partes, assim Nossa Senhora nos envia a levar esta esperança e esta
paz. Abramos o nosso coração à Senhora tão bonita e tão bela e como os
Pastorinhos, saibamos levar a esperança da paz.”.
A celebração
terminou com a apresentação dum vídeo com o hino da Peregrinação
cantado por um mega coro virtual. O hino “Oh!
Que Senhora tão bonita”, escrito e musicado para esta
Peregrinação, foi cantado por trinta coros infantis, de colégios católicos
e paroquiais de todo o país, que juntaram as suas vozes às da Schola Cantorum Pastorinhos de Fátima.
***
Na Missa, no
Recinto de Oração, que precedeu a celebração na Capelinha, o reitor do
Santuário lembrou as inúmeras crianças que neste dia “marcavam a paisagem
deste Santuário, mas devido à pandemia ainda não puderam vir este ano”. E,
logo no início da celebração, pediu:
“Rezemos para que possamos retomar a
normalidade aqui em Fátima”.
Na oração
dos fiéis, houve uma prece especial por “todas as crianças, para que, como os
Santos Francisco e Jacinta Marto e a serva de Deus Irmã Lúcia, tenham um
coração disponível para se oferecerem a Deus, cresçam na esperança e na alegria
e na vontade de a levarem aos outros”.
E, à homilia, o Padre Carlos Cabecinhas, referiu que “celebrar os Anjos é celebrar a Providência de Deus, que nunca
nos abandona”, pois “eles exortam-nos, como o Anjo da Paz exortou os Pastorinhos,
à confiança e a vencer o medo”. E prosseguiu em tom crítico:
“Nas nossas sociedades vive-se como
se Deus não existisse; vive-se sem contar com Deus, sem contar com a sua
vontade para configurar as nossas opções. É para o primado de Deus que o Anjo
nos alerta, como alertou os Pastorinhos, que souberam acolher a sua mensagem e,
hoje, ensinam-nos a dar essa centralidade na nossa vida através do seu exemplo.”
E concluiu
com uma referência ao país territorial e ao país da diáspora dizendo:
“Queremos pedir a sua proteção para
nós e para o país e também para todas as comunidades portuguesas espalhadas
pelo Mundo”.
***
E lá vai
Fátima em sintonia com Deus, a Virgem, o Anjo e o mundo!
2021.06.12 – Louro de Carvalho
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