sábado, 12 de junho de 2021

Outro lado, o angélico, do 10 de junho

 

Vós, crianças, sois as estrelas vivas de esperança, uma esperança que há brilhar para toda a humanidade” foi a proclamação do Cardeal Dom António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, a partir do Santuário ao presidir à celebração simbólica na Capelinha das Aparições que assinalou a peregrinação das Crianças, que este ano voltou a não poder realizar-se por causa da pandemia.

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Para lá do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o 10 de junho, é desde 1952, em termos eclesiais, em Portugal, o Dia do Anjo da Guarda de Portugal, pois, crê-se que, tal como cada pessoa tem o seu anjo da guarda, também cada nação tem o seu. E que a Igreja Católica nunca desligou o Anjo Custódio do desígnio da Pátria provam-no vários fatores, entre os quais recordo o que sucedia no Seminário de Nossa Senhora de Lurdes em Resende: no fim da missa de 10 de junho, o organista executava o Hino Nacional e a Bandeira Nacional estava içada em lugar condigno.

A crença em seres inteligentes, não corporais, extraterrestres, é muito antiga em todos os povos. Vem recolhida na Bíblia (vg Ex 23,20-23; Tb 3,16-17a; 12,22); e no Evangelho (vg Mt 18,10) aparece referência clara ao Anjo da Guarda de “cada pessoa” que cuida dela.

Todavia, durante muito tempo não houve senão uma única festa dos cristãos aos Anjos: a de 29 de setembro. Terá sido em Valência (Espanha) que surgiu, em 1411, a festa a Anjo Custódio da “Cidade”, no seu conjunto, e muitas outras Cidades e Reinos vieram a imitá-la, festejando o seu Anjo protetor. Em Portugal, Dom Manuel I e os bispos portugueses solicitaram ao Papa Júlio II a autorização para a celebração desta festa e o Papa Leão X instituiu, em 1504, a festa do “Anjo Custódio do Reino” cujo culto já era antigo entre nós e cuja celebração foi inscrita no calendário litúrgico pra o 3.º domingo de julho, que atingiu verdadeiro esplendor festivo nos séculos XVI, XVII e XVIII, sobretudo em Braga, Coimbra e Évora.

Oficializada a celebração, Dom Manuel I expediu alvarás às Câmaras Municipais para que esta festa fosse celebrada com a maior solenidade, devendo concitar a participação das autoridades e instituições das cidades e vilas, além de todo o povo. E, segundo as Ordenações Manuelinas, a festa era equiparada à do Corpo de Deus, já então a maior festa religiosa de Portugal, em que toda a nação afirmava publicamente a fé na presença real de Cristo na Eucaristia.

Porém, a devoção quase desapareceu no século XIX (mantendo-se em Braga com celebração a 9 de junho), até que o Anjo, antes das aparições de Nossa Senhora em Fátima em 1917, se fez visível aos três pastorinhos, em 1916, apresentando-se como “Anjo de Portugal”, “Anjo da Paz” e “An­jo da Eu­caristia”. Em 1952, o Papa Venerável Pio XII, mandou reinserir a festa no Calendário Litúrgico português, mas com celebração a 10 de junho em associação ao Dia de Portugal. E a reforma do calendário litúrgico, na sequência do Concílio Vaticano II, manteve a celebração, mas deu-lhe a categoria de “memória”.   

Assim, temos o Anjo de Portugal, Santo Anjo da Guarda de Portugal ou Anjo Custódio de Portugal e Anjo da Paz. Alguns associam-no à lendária visão de Cristo e seus anjos (talvez São Miguel Arcanjo) na Batalha de Ourique, em 1139, que levou as forças de  Dom Afonso Henriques a tal vitória sobre os invasores mouros que lhe deram a oportunidade de se autoproclamar rei de Portugal. O Anjo de Portugal será o único Anjo da Guarda dum país com culto público oficializado e terá sido, até hoje, o único Anjo da Guarda duma nação que se tornou visível no respetivo país, deixando uma mensagem de profundidade e fazendo a pedagogia da mesma.

Nas suas Memórias, a Irmã Lúcia conta que, entre abril e outubro de 1916, aparecera um anjo aos três pastorinhos, por três vezes, duas na Loca do Cabeço, nos Valinhos, e outra junto ao poço do quintal de sua casa, o Poço do Arneiro, no lugar de Aljustrel, em Fátima, convidando-os à oração e penitência e afirmando ser o “Anjo da Paz, o Anjo de Portugal”. E, na 3.ª aparição, mandou-os adorar o Senhor e deu-lhes a comunhão com o “preciosíssimo corpo, sangue alma e divindade de Jesus Cristo”, como Ele declarou.

Mais este Anjo da Eucaristia ensinou aos Pastorinhos duas orações, conhecidas por Orações do Anjo, que entraram na piedade popular e são utilizadas sobretudo na adoração eucarística.

Há várias representações do Anjo Custódio de Portugal, nomeadamente as imagens do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra; da charola do Convento de Cristo em Tomar; a pintura da Igreja da Misericórdia e Évora; a iluminura do Livro de Horas de Dom Manuel; e a que está no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra, atribuída a Diogo Pires, o Moço.

Há ainda quem defenda que é a figura central do Painel do Infante e do Painel do Arcebispo, que fazem parte dos Painéis de São Vicente de Fora, que estão no Museu Nacional de Arte Antiga, obra que se julga do pintor português Nuno Gonçalves entre 1470 e 1480.

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No pressuposto da ligação do Anjo de Portugal com Fátima e com as crianças, a quem a Virgem falou, o Santuário de Fátima passou, em 1978, a acolher a Peregrinação Nacional das Crianças, precisamente a 10 de junho, dia de Portugal e do seu Anjo.   

Em 1977, celebravam-se os 60 anos das Aparições de Nossa Senhora e, como “foi a crianças que a Virgem falou”, o Secretariado da Catequese do Patriarcado de Lisboa, a Cruzada Eucarística, a Postulação dos Pastorinhos e o Santuário, pensaram em realizar uma peregrinação de crianças a Fátima. Foi uma peregrinação experimental. Mas a grande afluência de crianças e o resultado final encorajaram a prosseguir. No ano seguinte, fez-se a que é considerada a primeira peregrinação oficial de âmbito nacional. E, desde então, a dia 10 de Junho de cada ano, por ser o Dia do Anjo de Portugal, que tanta relação tem com Fátima e com as crianças, não mais se deixou de realizar a peregrinação, sempre com grande afluência, não só de crianças mas também de muitos adultos, o que faz dela uma das maiores peregrinações à Cova da Iria.

Desde sempre, os organizadores das peregrinações das crianças viram na iniciativa um grande meio de evangelização e aproximação das crianças a Deus, através da Mensagem de Nossa Senhora e dos Pastorinhos, também eles crianças. A certa altura, a Peregrinação das Crianças passou a ser assumida, exclusivamente, pelo Santuário. Não obstante, ao longo dos anos, a mesma preocupação esteve sempre presente e foi-se tornando cada vez mais comprometedora para os organizadores. Em lugar tão marcado pelo transcendente e pela ação do sobrenatural, fazer de cada peregrinação, segundo a temática de cada ano, nos seus diversos momentos e celebrações, uma grande catequese que possibilite às crianças um encontro com o Sagrado, uma experiência de Deus, que as marque de um modo novo, são os propósitos desta Peregrinação.
Não tem faltado empenho, alguma criatividade e o investimento necessário, para que em cada peregrinação se atinjam estes objetivos.

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Este ano, como no passado, porque a pandemia desaconselha a concentração física das crianças e acompanhantes, Fátima propôs às crianças a peregrinação pelo coração, caminhada espiritual pedagógica e lúdica até 10 de junho centrada na esperança a que apela a mensagem de Fátima. Neste 2021, a proposta de caminhada espiritual partiu do tema do presente ano pastoral: “Louvai o Senhor, que levanta os fracos”, centrando-se na esperança a que apela a mensagem de Fátima, a partir das palavras que a Senhora deixou a Lúcia na aparição de 13 de junho:

E, tu, sofres muito? Não desanimes. O meu imaculado coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá a Deus.”.

No pequeno vídeo que lançou a Peregrinação das Crianças, os mais novos puderam e poderão escutar Lúcia a narrar na 1.ª pessoa os acontecimentos de Fátima, como muitos deles foram ocasião de sofrimento e ocasião para Deus mostrar o seu grande amor por cada um dos Pastorinhos e por toda a humanidade, “um amor que jamais nos abandona e que, por isso, se faz luz e esperança no meio da escuridão do sofrimento”.

A par da história de Fátima, a peregrinação propôs o jogo familiar de tabuleiro “Vitaminas de Esperança”, baseado em excertos das “Memórias da Irmã Lúcia”, para ajudar, neste tempo de pandemia, a crescer com Lúcia, Francisco e Jacinta na esperança de Deus e a levá-la aos outros. Assim, em cada semana, de 15 de maio a 10 de junho, foram disponibilizados na página do Santuário, prontos a descarregar e a imprimir (em papel grosso ou cartolina tabuleiro e cartões), o tabuleiro do jogo em partes sucessivas (uma parte do tabuleiro por semana) e os materiais de “Vitaminas de Esperança”: folha de instruções, peões, um dado, cartões das casas-desafio, estrelas da esperança e uma folha com indicação para as casas Altos & Baixos.  

O objetivo desta caminhada espiritual, que culminou no dia 10 de junho, com a transmissão em direto das celebrações da Peregrinação das Crianças através dos canais digitais do Santuário de Fátima, foi, segundo a Comissão Organizadora da Peregrinação das Crianças, “ajudar a tornar o coração de cada criança mais belo e a levar esperança a todos nestes tempos tão difíceis”.

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Por conseguinte, o Santuário de Fátima assinalou, a 10 de junho, de forma simbólica, o termo da Peregrinação das Crianças que, devido à situação sanitária, ainda não puderam reunir-se presencialmente neste dia, que acolhia milhares de crianças e jovens no Recinto de Oração, acompanhados dos seus catequistas e das famílias. Presidiu o susodito Cardeal que lembrou às 12 crianças, filhas dos funcionários do Santuário de Fátima, que participaram na celebração e depositaram aos pés da imagem de Nossa Senhora 12 estrelas de esperança, simbolizando o desejo de “mais fraternidade e amizade entre todos”:

Se não fosse a pandemia, a estas horas o nosso recinto estava cheio de crianças e daqueles que os costumavam acompanhar num ambiente de alegria, colorido e de festa. (…) A pandemia obrigou-nos a fazer assim: vós representais todas as crianças da catequese que queriam estar aqui. Por isso,  saúdo em vós todas as crianças da catequese, com muito carinho, muita estima e muita amizade, para que sejais capazes de levar a esperança a toda a humanidade.”.

O Bispo de Leiria-Fátima, dirigindo-se a todas as crianças, assegurou:

Amiguitos e amiguitas, Nossa Senhora conta convosco para tornar Portugal e o mundo mais fraterno e mais belo”.

E, frisando a esperança e a paz como tónicas duma mensagem de que Fátima é herdeira, disse:

A pandemia atingiu muita gente e deixou muita dor, muito sofrimento, tristeza, desanimo e desalento em muitas pessoas e famílias. Por isso, hoje precisamos de transmitir esperança uns aos outros, aquela esperança que Nossa Senhora transmitiu aos Pastorinhos: não desanimes porque Eu nunca te deixarei; o Meu Imaculado Coração, coração de mãe, será o refúgio, o abrigo e o conforto, que conduzirá até Deus.”.

Ainda afirmou na sua breve alocução e exortou:

Pusestes as estrelas da esperança: vós, crianças, sois essas estrelas, estrelas vivas de esperança; uma esperança que há de brilhar nos vossos corações nos vossos olhos e nos vossos sorrisos, através da oração (…) Peçamos a Nossa Senhora que nos livre desta chaga que é pandemia; que nos torne todos responsáveis uns pelos outros para que não voltemos atrás; que consigamos ser capazes de cuidar uns dos outros, sobretudo os mais frágeis”.

Depois, fez uma interpelação pedagógica:

Estais a ver? Isto é levar a esperança. Nossa Senhora convida-vos a levar esta esperança à família, à escola, aos vizinhos e a pedir-lhes que todos se unam nesta esperança para que ela seja transmitida a toda a gente.”.

Esta celebração simbólica, transmitida em direto nos canais digitais do Santuário e pela TV Canção Nova, integrou a recitação de um mistério do rosário e a revelação da resposta-chave para a última casa do jogo da glória, intitulado “Vitaminas de Esperança”, que foi lançado como desafio na habitual campanha de maio, que guiou as crianças por uma peregrinação espiritual. E foi desvendada a chave de leitura do jogo de tabuleiro que é a Paz, com a largada dum bando de pombas, em frente à Capelinha das Aparições.

E face, a este simbolismo, Dom António Marto comentou:

As pombas lançadas voaram para todas as partes, assim Nossa Senhora nos envia a levar esta esperança e esta paz. Abramos o nosso coração à Senhora tão bonita e tão bela e como os Pastorinhos, saibamos levar a esperança da paz.”.

A celebração terminou com a apresentação dum vídeo com o hino da Peregrinação cantado por um mega coro virtual. O hino “Oh! Que Senhora tão  bonita”, escrito e musicado para esta Peregrinação, foi cantado por trinta coros infantis, de colégios católicos e paroquiais de todo o país, que juntaram as suas vozes às da Schola Cantorum Pastorinhos de Fátima.

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Na Missa, no Recinto de Oração, que precedeu a celebração na Capelinha, o reitor do Santuário lembrou as inúmeras crianças que neste dia “marcavam a paisagem deste Santuário, mas devido à pandemia ainda não puderam vir este ano”. E, logo no início da celebração, pediu:

Rezemos para que possamos retomar a normalidade aqui em Fátima”.  

Na oração dos fiéis, houve uma prece especial por “todas as crianças, para que, como os Santos Francisco e Jacinta Marto e a serva de Deus Irmã Lúcia, tenham um coração disponível para se oferecerem a Deus, cresçam na esperança e na alegria e na vontade de a levarem aos outros”.

E, à homilia, o Padre Carlos Cabecinhas, referiu que “celebrar os Anjos é celebrar a Providência de Deus, que nunca nos abandona”, pois “eles exortam-nos, como o Anjo da Paz exortou os Pastorinhos, à confiança e a vencer o medo”. E prosseguiu em tom crítico:

Nas nossas sociedades vive-se como se Deus não existisse; vive-se sem contar com Deus, sem contar com a sua vontade para configurar as nossas opções. É para o primado de Deus que o Anjo nos alerta, como alertou os Pastorinhos, que souberam acolher a sua mensagem e, hoje, ensinam-nos a dar essa centralidade na nossa vida através do seu exemplo.

E concluiu com uma referência ao país territorial e ao país da diáspora dizendo:

Queremos pedir a sua proteção para nós e para o país e também para todas as comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo”.

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E lá vai Fátima em sintonia com Deus, a Virgem, o Anjo e o mundo!

2021.06.12 – Louro de Carvalho

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