quarta-feira, 16 de junho de 2021

PRR português é “ambicioso” e tem mecanismos de controlo, mas…

 

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, esteve em Lisboa, neste dia 16, para anunciar formalmente a aprovação do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) de Portugal, aliás, na sequência duma nota da Comissão que referia que a presidente viria “entregar pessoalmente ao Primeiro-Ministro o resultado da análise da Comissão Europeia e respetiva recomendação ao Conselho sobre a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal no âmbito do ‘Next Generation EU’, o plano de recuperação da União Europeia” (UE).

A presidente do executivo de Bruxelas chegou pelas 11,30 horas ao Centro Ciência Viva, no Pavilhão do Conhecimento, um dos projetos a financiar através do PRR, e, após visita ao centro, reuniu-se com António Costa, após o que os dois, pelas 13,15 horas, deram uma conferência de imprensa conjunta.

De Lisboa, Ursula von der Leyen seguiu para Espanha e, depois, seguirá para a Grécia e Dinamarca, onde estará no dia 17, e Luxemburgo, no dia 18.

Portugal, o primeiro Estado-membro a entregar formalmente em Bruxelas (a 22 de abril) o PRR – que prevê projetos de 16,6 mil milhões de euros, dos quais 13,9 mil milhões virão sob a forma de subvenções a fundo perdido –, espera que seja possível a adoção dos primeiros planos pelo Conselho ainda durante a sua presidência, que termina no final do corrente mês.

O pré-financiamento de 13% do total atribuído a cada Estado-membro será disponibilizado aos governos nacionais após a aprovação dos seus planos pelo Ecofin (Conselho de Ministros das Finanças da UE). Ora, o próximo Ecofin realiza-se no dia 18 e a presidência portuguesa já deu conta da sua disponibilidade para organizar um outro, extraordinário, no final de junho, se tal for necessário para a adoção do primeiro pacote de planos.

A Comissão considera que o PRR de Portugal é “ambicioso e robusto”, respeita os objetivos das transições climática e digital e tem mecanismos de controlo fortes, como consta de um parecer técnico elaborado pelos serviços de Bruxelas e que servirá de base à recomendação ao Conselho Europeu para a aprovação do PRR português, o primeiro que foi submetido à Comissão, mais precisamente no passado dia 22 de abril. E fonte diplomática adiantou à Lusa que a análise ao programa evidencia “uma visão estratégica consistente ao longo do plano”, incluindo “um ambicioso pacote de reformas e de investimentos para fazer face às vulnerabilidades do país perante choques externos e para reforçar a sua resiliência económica, institucional e social”. Na verdade, num texto de síntese de apreciação técnica de Bruxelas a que a Lusa teve acesso, lê-se:

As reformas que eliminam constrangimentos institucionais e promovem a concorrência, juntamente com investimentos significativos em políticas ativas no mercado de trabalho, investigação, inovação e digitalização, visam as causas profundas dos desafios identificados e espera-se que impulsionem a competitividade e produtividade do país”.

Em linhais gerais, os serviços da Comissão entendem que o PRR, se for bem concretizado, poderá contribuir para aumentar o potencial produtivo do país nos próximos anos, pois, segundo Bruxelas, as vertentes conexas com a coesão económica, a produtividade e a competitividade “são diretamente abrangidas por quase todas as componentes do plano, abordando vários desafios inter-relacionados” e são introduzidos investimentos significativos “para impulsionar a pesquisa e a inovação”. Mais: o parecer técnico de síntese da Comissão adianta que as reformas propostas “eliminam os constrangimentos institucionais e promovem a concorrência, juntamente com investimentos significativos em políticas ativas do mercado de trabalho, investigação, inovação e digitalização”. Por isso, a Comissão acredita que o PRR pode aumentar a coesão social e territorial e assegurar o cumprimento das metas em matérias de transição climática e digital. E diz o texto:

Espera-se que as reformas e os investimentos deem um contributo significativo para o avanço dos objetivos de descarbonização e transição energética de Portugal, conforme definidos no Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) e no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Espera-se ainda que a implementação dessas medidas propostas tenha um impacto duradouro ao contribuir para a transição verde e para o aumento da biodiversidade e da proteção ambiental.”.

A nível da transição digital, Bruxelas aponta que, “no total, 14 componentes contêm medidas que contribuem para o objetivo com uma abordagem ampla e transversal” e salienta que “estão planeadas reformas e investimentos significativos nas áreas da digitalização de empresas e no fornecimento de competências digitais”.

Recorda-se que “o plano foi sujeito a um amplo debate, consultas públicas formais e seminários temáticos com a presença de membros do Governo”, bem como a diálogo com a Comissão e que “as disposições propostas no PRR e as medidas adicionais contidas na presente decisão são adequadas (Rating A) para prevenir, detetar e corrigir a corrupção, fraude e conflitos de interesses na utilização dos fundos disponibilizados”. Espera-se, pois, que as disposições evitem eficazmente o duplo financiamento ao abrigo deste regulamento e de outros programas da UE, já que “o sistema de controlo interno descrito no plano é baseado em processos e estruturas robustas e identifica claramente os intervenientes”.

Tendo a presidente da Comissão Europeia anunciado formalmente a aprovação do PRR e dito que o nosso país foi um “exemplo” e que “o sucesso de Portugal é o sucesso da União Europeia”, declarações que mereceram o sorriso do Primeiro-Ministro, este saudou a decisão do executivo comunitário, disse que, “depois de termos sido os primeiros, queremos ser também os melhores” e sublinhou que “hoje é o dia em que a esperança se converte em confiança”

Costa evidenciou a importância da emissão de dívida que foi levada a cabo no dia 15 para financiar o ‘pacote’ de recuperação. E, antes de agradecer a todos os envolvidos na realização do PRR, em particular a António Costa e Silva, responsável pela sua elaboração, disse:

Hoje é o dia em que a esperança se converte em confiança, na certeza de que, sim, vai ser possível lançar de forma ambiciosa e robusta a recuperação económica em toda a UE (…) Agora, é tempo de agir internamente. (…). Este não é um plano só para responder à dor desta crise, é um plano para nos permitir ir mais rápido e mais além na convergência com a UE. (…). Depois de termos sido os primeiros, queremos ser também os melhores.”. 

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Para um acompanhamento pragmático do PRR, António Costa antecipava, nos fins de maio, que não se pode sair desta crise com a legislação de trabalho que tínhamos quando a crise começou. Disse-o na Figueira da Foz, numa sessão de apresentação da sua moção de orientação política ao Congresso do PS, que se realiza em 10 e 11 de julho.

No discurso perante algumas dezenas de militantes do PS, António Costa frisou que a crise decorrente da pandemia “deixou bem patente o grau de desregulação que existe hoje nas relações de trabalho”, nomeadamente a hiperprecariedade e os baixos salários, que expuseram particularmente muitas pessoas a “uma enorme fragilidade”. E o líder do PS observou:

Hoje não se trata só de fazer a conciliação entre a vida familiar, pessoal e profissional. Não se trata só de continuar a trajetória de aumento dos rendimentos. Trata-se de assegurar trabalho digno e com direitos para todos aqueles que trabalham, qualquer que seja a sua atividade.”.

Obviamente a oposição, nomeadamente o PSD zurziu dura crítica a este propósito.

E Mário Centeno não ficou atrás: usou o boletim económico de junho do BdP (Banco de Portugal) para revelar o seu “programa económico” de modo a “garantir a solidez da recuperação”: das moratórias à lei laboral, passando até pelo SNS. Na conferência de imprensa do boletim económico de junho – em que reviu em forte alta o crescimento do PIB para 4,8% em 2021 e 5,6% em 2022 –, o governador do BdP apresentou a sua estratégia para “garantir a solidez da recuperação” económica, que não consta do boletim em si. Da legislação laboral ao sistema financeiro, passando pelas contas públicas, estabilidade fiscal, SNS, PRR, entre outros temas.

Centeno deixou claras as suas posições, apesar de não aprofundar os temas, norteando o seu “programa” na “aposta nas empresas e nos trabalhadores”. Começando na legislação laboral, Centeno, que é especializado em mercado de trabalho, disse que as “alterações” à lei laboral não beneficiarão a recuperação, e sustentou que o foco deve estar na criação de emprego e na “transição segura” entre postos de trabalho. O aviso chega semanas depois de António Costa, na moção com que se recandidatou a secretário-geral, ter defendido que o PS “deve assumir a revisão da legislação laboral”, algo que é exigido pela esquerda desde 2016.

Também a saída das moratórias, cuja vigência termina em setembro,  mas que podem ser parcialmente prolongadas para determinados setores, merece reparos por parte do ex-Ministro das Finanças, pois é preciso apoiar as empresas nesse processo, mas sem aumentar a dívida e “sem criar pressão na despesa pública no futuro”. E, referindo que as empresas também têm de fazer um esforço de recapitalização, Centeno advertiu que “não se pode pedir ao Estado que faça apenas e que as empresas não tenham também esse contributo”. Assim, a receita passa por um apoio que deve ser dado “de forma temporária, mas com impacto imediato e simples”, incentivando à capitalização e envolvendo o setor bancário. O Governo e o Banco de Fomento estão a trabalhar nesse mecanismo de quase capital, que deverá ser revelado em breve.

Para as empresas que, mesmo assim, estejam perto da falência, Centeno recomendou maior simplificação dos mecanismos de recuperação empresarial, maior eficácia do PER (Processo Especial de Revitalização) e um “novo regime de insolvência” para as empresas que sejam inviáveis.

Além das recomendações direcionadas para o Ministério do Trabalho e para o da Economia, Mário Centeno deixa indicações ao seu sucessor na pasta das Finanças, a começar pela gestão das finanças públicas nos próximos anos, assegurando que, desde logo, é preciso “retomar a trajetória de redução da dívida pública em percentagem do PIB e é importante retomar o equilíbrio das contas públicas atingido em 2019”, alcançado pelo próprio Centeno.

Para atingir tais objetivos, o governador do BdP recomenda “contenção na despesa corrente” e estabilidade fiscal acompanhada de “redução gradual da componente estrutural dos impostos”, alerta para a necessidade de não se assumirem “riscos contingentes que limitem a atuação da política orçamental no futuro” e avisa que “a ideia de que as garantias do Estado podem ser as PPP [parcerias público-privadas] do futuro deve ter sida em conta(em referência a uma medida que implementou no início da crise pandémica)E, uma vez que “os apoios do Estado que perduram no tempo levam a perdas para o Estado que perduram no tempo”, entende que se deve “preservar a capacidade de intervenção futura”.

Centeno deixa ainda um aviso sobre um tema que assombrou o seu mandato como Ministro das Finanças: a execução do investimento público, que ficou significativamente aquém do planeado. Diz que “existem limites físicos à execução do investimento que devem estar presentes sob pena das taxas de execução dos programas de investimento – muito ambiciosas e importantes para o país – serem baixas". E considera necessário dar prioridade ao PRR, que terá uma “dimensão muito relevante na aceleração do investimento”, sendo que é preciso ter “expectativas ajustadas e realistas”. Mas o investimento público “deve ser planeado, financiado e executado de forma responsável”, se o não for, “cria responsabilidades futuras que as economias não rentabilizam”.

Quanto ao SNS, Centeno sustenta que é preciso “criar mecanismos de responsabilização sobre a gestão”, implementar a “gestão centralizada das urgências hospitalares” e aumentar a “eficiência de recursos humanos e materiais”. Foi ele que, enquanto Ministro das Finanças criou a estrutura de missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde, mas os problemas mantêm-se. Questionado sobre o porquê de o banco central se pronunciar sobre o SNS, justificou-se com a “centralidade desta temática na sociedade portuguesa” e deu um exemplo do problema: basta “contrastar” as urgências do Porto e de Lisboa para perceber que “diferentes modelos dão resultados diferentes”.

E o governador do BdP não esqueceu a sua atual área de intervenção: a supervisão financeira, apesar de os maiores bancos serem acompanhados de perto pelo BCE (Banco Central Europeu). A este respeito, disse que a “credibilidade e a estabilidade financeira” são “condição necessária para que a recuperação aconteça” e que, para tal, é preciso “cumprir compromissos”. Assumiu, pois, que a supervisão tem de ser “mais exigente” e que os riscos têm de ser reduzidos do balanço dos bancos, nomeadamente pela redução do crédito malparado, sendo que acredita haver instituições capitalizadas e com liquidez e rentabilidades suficientes para fazer esse processo. Além disso, notou a importância da “previsibilidade no enquadramento da atividade financeira” – não “alterações constantes” – e da “eficiência crescente do mercado financeiro”.

Enfim, num boletim económico com tom otimista, dado que revê significativamente em alta o crescimento da economia, o governador do BdP deixou avisos a todos os agentes económicos:

Não nos podemos iludir: nas recessões muito profundas, mesmo quando a recuperação é muito rápida (há muito poucos episódios como este), o percurso da última fase das recuperações é sempre mais difícil”.

Centeno referiu que “isto acontece por uma razão essencial”, a ocorrência dos “fenómenos de reafetação de recursos de forma mais intensa”, o que “nesta crise ainda praticamente não aconteceu”. Com efeito, a crise é temporária e os apoios públicos foram dirigidos à preservação da estrutura produtiva preexistente, mas, para a economia poder ultrapassar o nível de atividade anterior, é inevitável que aconteça fenómenos de reafetação de recursos na economia”.

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Enfim, em que ficamos? Vamos qualificar as profissões, promover o emprego e o trabalho digno, contra salários de miséria, precariedade dilatada no tempo, exploração, assédio moral e outros…? É que promover o emprego e dar uma côdea ao trabalhador não dá para sobreviver sequer. É preciso mesmo alterar a legislação laboral, mas não para a deixar mais miserável, e aumentar a fiscalização das condições de trabalho.

Perante um PRR, que afinal parece ser bom, após tanta bordoada que levou, impõe-se a capacidade de execução física e financeira estribada em projetos úteis, coerentes, sólidos e bem assentes na abordagem sistémica, de forma a transmutar realmente o país.

E, perante aquela vastidão de recomendações de Centeno, pergunto-me: Passaremos da ditadura do Ministério das Finanças para a ditadura do Banco de Portugal? Ficará o Governo promovido a uma faustosa delegação do Banco Central? Abrenuntio!   

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