Ursula von der Leyen, presidente da
Comissão Europeia, esteve em Lisboa, neste dia 16, para anunciar formalmente a
aprovação do PRR (Plano
de Recuperação e Resiliência) de
Portugal, aliás, na sequência duma nota da Comissão que referia que a
presidente viria “entregar pessoalmente ao Primeiro-Ministro
o resultado da análise da Comissão Europeia e respetiva recomendação ao
Conselho sobre a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal no
âmbito do ‘Next Generation EU’, o plano de recuperação da União Europeia” (UE).
A presidente
do executivo de Bruxelas chegou pelas 11,30 horas ao Centro Ciência Viva, no
Pavilhão do Conhecimento, um dos projetos a financiar através do PRR, e, após
visita ao centro, reuniu-se com António Costa, após o que os dois, pelas 13,15
horas, deram uma conferência de imprensa conjunta.
De Lisboa,
Ursula von der Leyen seguiu para Espanha e, depois, seguirá para a Grécia e
Dinamarca, onde estará no dia 17, e Luxemburgo, no dia 18.
Portugal, o
primeiro Estado-membro a entregar formalmente em Bruxelas (a 22 de abril) o PRR – que prevê projetos de 16,6
mil milhões de euros, dos quais 13,9 mil milhões virão sob a forma de
subvenções a fundo perdido –, espera que seja possível a adoção dos primeiros
planos pelo Conselho ainda durante a sua presidência, que termina no final do
corrente mês.
O
pré-financiamento de 13% do total atribuído a cada Estado-membro será
disponibilizado aos governos nacionais após a aprovação dos seus planos pelo Ecofin
(Conselho de Ministros
das Finanças da UE). Ora,
o próximo Ecofin realiza-se no dia 18 e a presidência portuguesa já deu conta
da sua disponibilidade para organizar um outro, extraordinário, no final de
junho, se tal for necessário para a adoção do primeiro pacote de planos.
A Comissão considera que o PRR de Portugal
é “ambicioso e robusto”, respeita os objetivos das transições climática e
digital e tem mecanismos de controlo fortes, como consta de um
parecer técnico elaborado pelos serviços de Bruxelas e que servirá de base à
recomendação ao Conselho Europeu para a aprovação do PRR português, o primeiro
que foi submetido à Comissão, mais precisamente no passado dia 22 de abril. E fonte
diplomática adiantou à Lusa que a
análise ao programa evidencia “uma visão estratégica consistente ao longo do
plano”, incluindo “um ambicioso pacote
de reformas e de investimentos para fazer face às vulnerabilidades do país
perante choques externos e para reforçar a sua resiliência económica,
institucional e social”. Na verdade, num texto de
síntese de apreciação técnica de Bruxelas a que a Lusa teve acesso, lê-se:
“As
reformas que eliminam constrangimentos institucionais e promovem a
concorrência, juntamente com investimentos significativos em políticas ativas
no mercado de trabalho, investigação, inovação e digitalização, visam as causas
profundas dos desafios identificados e espera-se que impulsionem a
competitividade e produtividade do país”.
Em linhais
gerais, os serviços da Comissão entendem que o PRR, se for bem concretizado,
poderá contribuir para aumentar o potencial produtivo do país nos próximos
anos, pois, segundo Bruxelas, as vertentes conexas com a coesão económica, a
produtividade e a competitividade “são diretamente abrangidas por quase todas
as componentes do plano, abordando vários desafios inter-relacionados” e são
introduzidos investimentos significativos “para impulsionar a pesquisa e a
inovação”. Mais: o parecer técnico de síntese da Comissão adianta que as
reformas propostas “eliminam os constrangimentos institucionais e promovem a
concorrência, juntamente com investimentos significativos em políticas ativas
do mercado de trabalho, investigação, inovação e digitalização”. Por isso, a
Comissão acredita que o PRR pode aumentar a coesão social e territorial e
assegurar o cumprimento das metas em matérias de transição climática e digital.
E diz o texto:
“Espera-se
que as reformas e os investimentos deem um contributo significativo para o
avanço dos objetivos de descarbonização e transição energética de Portugal,
conforme definidos no Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) e no
Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Espera-se ainda que a implementação
dessas medidas propostas tenha um impacto duradouro ao contribuir para a transição
verde e para o aumento da biodiversidade e da proteção ambiental.”.
A nível da
transição digital, Bruxelas aponta que, “no total, 14 componentes contêm
medidas que contribuem para o objetivo com uma abordagem ampla e transversal” e
salienta que “estão planeadas reformas e investimentos significativos nas áreas
da digitalização de empresas e no fornecimento de competências digitais”.
Recorda-se
que “o plano foi sujeito a um amplo debate, consultas públicas formais e
seminários temáticos com a presença de membros do Governo”, bem como a diálogo com
a Comissão e que “as disposições propostas no PRR e as medidas adicionais contidas
na presente decisão são adequadas (Rating A) para prevenir, detetar e corrigir a corrupção, fraude e conflitos de
interesses na utilização dos fundos disponibilizados”. Espera-se, pois, que as
disposições evitem eficazmente o duplo financiamento ao abrigo deste
regulamento e de outros programas da UE, já que “o sistema de controlo interno
descrito no plano é baseado em processos e estruturas robustas e identifica
claramente os intervenientes”.
Tendo a presidente da Comissão Europeia anunciado
formalmente a aprovação do PRR e dito que o nosso país foi um “exemplo” e que
“o sucesso
de Portugal é o sucesso da União Europeia”, declarações que mereceram o
sorriso do Primeiro-Ministro,
este saudou a decisão do executivo comunitário, disse que, “depois de termos
sido os primeiros, queremos ser também os melhores” e sublinhou que “hoje
é o dia em que a esperança se converte em confiança”.
Costa evidenciou a importância da emissão de dívida que foi levada a
cabo no dia 15 para financiar o ‘pacote’ de recuperação. E, antes de
agradecer a todos os envolvidos na realização do PRR, em particular a António
Costa e Silva, responsável pela sua elaboração, disse:
“Hoje é o
dia em que a esperança se converte em confiança, na certeza de que, sim, vai
ser possível lançar de forma ambiciosa e robusta a recuperação económica em
toda a UE (…) Agora, é tempo de agir internamente. (…). Este não é um plano só para responder à
dor desta crise, é um plano para nos permitir ir mais rápido e mais além na
convergência com a UE. (…). Depois de termos sido os primeiros, queremos ser também os melhores.”.
***
Para um
acompanhamento pragmático do PRR, António Costa antecipava, nos fins de maio, que
não se pode sair desta crise com a legislação de trabalho que tínhamos quando a
crise começou. Disse-o na Figueira da Foz, numa sessão de apresentação da sua
moção de orientação política ao Congresso do PS, que se realiza em 10 e 11 de
julho.
No
discurso perante algumas dezenas de militantes do PS, António Costa frisou que
a crise decorrente da pandemia “deixou bem patente o grau de desregulação que
existe hoje nas relações de trabalho”, nomeadamente a hiperprecariedade e os
baixos salários, que expuseram particularmente muitas pessoas a “uma enorme
fragilidade”. E o líder do PS observou:
“Hoje
não se trata só de fazer a conciliação entre a vida familiar, pessoal e
profissional. Não se trata só de continuar a trajetória de aumento dos
rendimentos. Trata-se de assegurar trabalho digno e com direitos para todos aqueles
que trabalham, qualquer que seja a sua atividade.”.
Obviamente
a oposição, nomeadamente o PSD zurziu dura crítica a este propósito.
E Mário
Centeno não ficou atrás: usou o boletim económico de junho do BdP (Banco de Portugal) para revelar o seu “programa
económico” de modo a “garantir a solidez da recuperação”: das moratórias à lei
laboral, passando até pelo SNS. Na conferência de imprensa do boletim económico
de junho – em que reviu em forte alta o crescimento do PIB para 4,8% em 2021 e
5,6% em 2022 –, o governador do BdP apresentou a sua estratégia para
“garantir a solidez da recuperação” económica, que não consta do boletim em si.
Da legislação laboral ao sistema financeiro, passando pelas contas públicas,
estabilidade fiscal, SNS, PRR, entre outros temas.
Centeno
deixou claras as suas posições, apesar de não aprofundar os temas, norteando o
seu “programa” na “aposta nas empresas e nos trabalhadores”. Começando na
legislação laboral, Centeno, que é especializado em mercado de trabalho, disse
que as “alterações”
à lei laboral não beneficiarão a recuperação, e sustentou que o foco deve estar
na criação de emprego e na “transição segura” entre postos de trabalho.
O aviso chega semanas depois de António Costa, na moção com que se recandidatou
a secretário-geral, ter defendido que o PS “deve assumir a revisão da
legislação laboral”, algo que é exigido pela esquerda desde 2016.
Também
a saída das moratórias, cuja vigência termina em setembro, mas que podem
ser parcialmente prolongadas para determinados setores, merece reparos por parte
do ex-Ministro das Finanças, pois é preciso apoiar as empresas nesse processo,
mas sem aumentar a dívida e “sem criar pressão na despesa pública no futuro”.
E, referindo que as empresas também têm de fazer um esforço de recapitalização,
Centeno advertiu que “não se pode pedir ao Estado que faça apenas e que as
empresas não tenham também esse contributo”. Assim, a receita passa por um apoio que deve
ser dado “de forma temporária, mas com impacto imediato e simples”,
incentivando à capitalização e envolvendo o setor bancário. O Governo e o Banco
de Fomento estão a trabalhar nesse mecanismo de quase capital, que deverá ser
revelado em breve.
Para
as empresas que, mesmo assim, estejam perto da falência, Centeno recomendou maior
simplificação dos mecanismos de recuperação empresarial, maior eficácia do PER (Processo Especial de Revitalização) e um “novo regime de insolvência” para as empresas
que sejam inviáveis.
Além das recomendações direcionadas para o Ministério do Trabalho e para o da Economia, Mário Centeno deixa indicações ao seu sucessor na pasta das Finanças, a começar pela gestão das finanças públicas nos próximos anos, assegurando que, desde logo, é preciso “retomar a trajetória de redução da dívida pública em percentagem do PIB e é importante retomar o equilíbrio das contas públicas atingido em 2019”, alcançado pelo próprio Centeno.
Para atingir tais objetivos, o governador do BdP recomenda “contenção na despesa corrente” e estabilidade fiscal acompanhada de “redução gradual da componente estrutural dos impostos”, alerta para a necessidade de não se assumirem “riscos contingentes que limitem a atuação da política orçamental no futuro” e avisa que “a ideia de que as garantias do Estado podem ser as PPP [parcerias público-privadas] do futuro deve ter sida em conta” (em referência a uma medida que implementou no início da crise pandémica). E, uma vez que “os apoios do Estado que perduram no tempo levam a perdas para o Estado que perduram no tempo”, entende que se deve “preservar a capacidade de intervenção futura”.
Centeno deixa ainda um aviso sobre um tema que assombrou o seu mandato como Ministro das Finanças: a execução do investimento público, que ficou significativamente aquém do planeado. Diz que “existem limites físicos à execução do investimento que devem estar presentes sob pena das taxas de execução dos programas de investimento – muito ambiciosas e importantes para o país – serem baixas". E considera necessário dar prioridade ao PRR, que terá uma “dimensão muito relevante na aceleração do investimento”, sendo que é preciso ter “expectativas ajustadas e realistas”. Mas o investimento público “deve ser planeado, financiado e executado de forma responsável”, se o não for, “cria responsabilidades futuras que as economias não rentabilizam”.
Quanto ao SNS, Centeno sustenta que é preciso “criar mecanismos de responsabilização sobre a gestão”, implementar a “gestão centralizada das urgências hospitalares” e aumentar a “eficiência de recursos humanos e materiais”. Foi ele que, enquanto Ministro das Finanças criou a estrutura de missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde, mas os problemas mantêm-se. Questionado sobre o porquê de o banco central se pronunciar sobre o SNS, justificou-se com a “centralidade desta temática na sociedade portuguesa” e deu um exemplo do problema: basta “contrastar” as urgências do Porto e de Lisboa para perceber que “diferentes modelos dão resultados diferentes”.
E o governador do BdP não esqueceu a sua atual área de intervenção: a supervisão financeira, apesar de os maiores bancos serem acompanhados de perto pelo BCE (Banco Central Europeu). A este respeito, disse que a “credibilidade e a estabilidade financeira” são “condição necessária para que a recuperação aconteça” e que, para tal, é preciso “cumprir compromissos”. Assumiu, pois, que a supervisão tem de ser “mais exigente” e que os riscos têm de ser reduzidos do balanço dos bancos, nomeadamente pela redução do crédito malparado, sendo que acredita haver instituições capitalizadas e com liquidez e rentabilidades suficientes para fazer esse processo. Além disso, notou a importância da “previsibilidade no enquadramento da atividade financeira” – não “alterações constantes” – e da “eficiência crescente do mercado financeiro”.
Enfim, num boletim económico com tom otimista, dado que revê significativamente em alta o crescimento da economia, o governador do BdP deixou avisos a todos os agentes económicos:
“Não nos podemos iludir: nas recessões muito profundas, mesmo quando a recuperação é muito rápida (há muito poucos episódios como este), o percurso da última fase das recuperações é sempre mais difícil”.
Centeno referiu que “isto acontece por uma razão essencial”, a ocorrência dos “fenómenos de reafetação de recursos de forma mais intensa”, o que “nesta crise ainda praticamente não aconteceu”. Com efeito, a crise é temporária e os apoios públicos foram dirigidos à preservação da estrutura produtiva preexistente, mas, para a economia poder ultrapassar o nível de atividade anterior, é inevitável que aconteça fenómenos de reafetação de recursos na economia”.
***
Enfim, em que ficamos? Vamos qualificar as profissões, promover o emprego e o trabalho digno, contra salários de miséria, precariedade dilatada no tempo, exploração, assédio moral e outros…? É que promover o emprego e dar uma côdea ao trabalhador não dá para sobreviver sequer. É preciso mesmo alterar a legislação laboral, mas não para a deixar mais miserável, e aumentar a fiscalização das condições de trabalho.
Perante um PRR, que afinal parece ser bom, após tanta bordoada que levou, impõe-se a capacidade de execução física e financeira estribada em projetos úteis, coerentes, sólidos e bem assentes na abordagem sistémica, de forma a transmutar realmente o país.
E, perante aquela vastidão de recomendações de Centeno, pergunto-me: Passaremos da ditadura do Ministério das Finanças para a ditadura do Banco de Portugal? Ficará o Governo promovido a uma faustosa delegação do Banco Central? Abrenuntio!
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