Treze países da União Europeia (UE) instaram, neste dia 22, a
Comissão Europeia a “utilizar todos os instrumentos à sua disposição para
garantir o pleno respeito do direito europeu”, face a uma lei húngara
considerada “discriminatória para as pessoas LGBTQI”.
Este país é desde 2004 membro da UE, cuja Carta dos Direitos Fundamentais
proíbe qualquer discriminação com base na orientação sexual. E, antes do regresso
de Viktor Orban ao poder, em 2010, era um dos países mais progressistas da
região: a homossexualidade foi descriminalizada no início dos anos 1960 e a
união civil entre pessoas do mesmo sexo passou a ser reconhecida a partir de
1996.
Porém, no passado dia 15, a Hungria aprovou a lei que proíbe a promoção e a
representação, em espaços públicos, da homossexualidade junto dos menores de 18
anos, apesar da contestação dos últimos dias e da preocupação dos defensores
dos direitos das pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Transgénero). O diploma mereceu a aprovação de 157 deputados, incluindo os do partido
no poder, o Fidesz, durante uma sessão parlamentar transmitida ao vivo pela
televisão.
No dia 14, tal propósito legislativo foi contestado numa manifestação que
juntou mais de 5.000 pessoas em Budapeste e que foi convocada pela organização
humanitária Amnistia Internacional (AI), que referia em comunicado:
“Amanhã,
quando os deputados votarem, vão lembrar-se que estão a brincar com a vida das
pessoas à conta de campanhas políticas cruéis”.
Para a AI, que acusa a Hungria de “copiar modelos ditatoriais que vão
contra os valores europeus”, a lei constitui “grave restrição” à liberdade de
expressão e aos direitos das pessoas.
Por sua vez, um canal comercial de televisão, o RTL Klub Hungary,
sublinhava, no mesmo dia, que a aprovação da lei implica proibir os menores de
18 anos de verem filmes como “Bridget
Jones”, “Harry Potter” ou “Billy Eliot”, nos quais a
homossexualidade é mencionada, pelo que a promoção de tais filmes deve exibir a
indicação “para maiores de 18 anos”.
Além disso, anúncios, como um da Coca-Cola que mostra um casal de homens –
e que provocou, em 2019, apelos a boicotes à compra daquela bebida – deixam de
ter autorização para serem divulgados, tal como o livro “Um conto de fadas para toda a gente” – antologia de contos de fadas
com personagens como uma Cinderela de etnia cigana ou uma Branca de Neve
lésbica – que foi alvo, no outono de 2020, da ira do Primeiro-Ministro nacionalista,
Viktor Orban.
A legislação aprovada pelo Parlamento integra um conjunto de medidas de
proteção de menores que, segundo o Governo, visa combater a pedofilia e que
inclui a criação dum banco de dados de pessoas condenadas acessível ao público
ou o seu banimento de certas profissões.
Na verdade, o Parlamento húngaro já tinha proibido, em dezembro de 2020, a
adoção de crianças por casais do mesmo sexo e interditado o registo civil de
mudanças de sexo.
É nesta situação de exigência do respeito pela Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia (CDFUE) que supostamente se inscreve o
texto redigido por iniciativa da Bélgica e que foi assinado por mais 12 Estados-membros:
Holanda, Luxemburgo, França, Alemanha, Irlanda, Espanha, Dinamarca, Finlândia,
Suécia, Estónia, Letónia e Lituânia. Diz o texto expressamente:
“Expressamos a nossa profunda preocupação
quanto à adoção, pelo parlamento húngaro, de legislação discriminatória em
relação às pessoas LGBTQI (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, queers e
intersexuais) e que viola o direito à liberdade de expressão sob o pretexto de
proteger as crianças. (…) Instamos a Comissão Europeia,
enquanto guardiã dos tratados, a utilizar de imediato todos os instrumentos ao
seu dispor para garantir o pleno respeito do direito europeu, incluindo recorrer
ao Tribunal de Justiça da UE”.
A declaração dos 13, divulgada à imprensa, foi debatida, neste dia 22, à
tarde, no Luxemburgo, numa reunião dos ministros dos Assuntos Europeus dos 27.
Os países signatários frisam que o novo diploma húngaro “introduz uma proibição da representação e da
promoção de uma identidade de género diferente do sexo à nascença, da mudança
de sexo e da homossexualidade junto de pessoas com menos de 18 anos”, o
que, na sua ótica, constitui “uma forma flagrante de discriminação assente na
orientação sexual, na identidade e na expressão do género”, que obviamente
condenam. Com efeito, como sustentam, “a
inclusão, a dignidade humana e a igualdade são valores fundamentais da
nossa União Europeia, e não podemos transigir quanto a esses princípios. E sublinham:
“A estigmatização das pessoas LGBTQI constitui
uma violação manifesta do seu direito fundamental à dignidade, tal como
consagrado na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais e no direito
internacional”.
Segundo a chefe da diplomacia belga, Sophie Wilmès, trata-se de “um apelo
claro à ação”, pois, como declarou a governante, “a Europa dos valores
não é um menu à la carte” e “nós temos a obrigação de o dizer aos
nossos parceiros quando estamos profundamente convictos de que eles escolheram
o caminho errado”.
***
Portugal não assinou
carta sobre direitos LGBTQI na Hungria por “dever de neutralidade”.
A Secretária de Estado dos Assuntos Europeus Ana Paula Zacarias defendeu,
neste dia 22, que Portugal não subscreveu a carta assinada por 13
Estados-membros sobre os direitos LGBTQI na Hungria devido ao “dever de
neutralidade” que tem enquanto presidência do Conselho da UE:
“Não assinei o
documento porque assumimos atualmente a presidência e temos um dever de
neutralidade. Estava a decorrer ao mesmo tempo o debate no Conselho [os
Estados-membros debateram hoje o respeito pelo Estado de direito na Hungria e
na Polónia], e nós temos o papel de ‘mediador honesto” que tem um preço: o
preço é o de que não pudemos assinar o documento hoje.” – declarou.
A secretária de Estado dos Assuntos Europeus falava em conferência de
imprensa após ter presidido à última reunião do Conselho de Assuntos Gerais da
presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que decorreu
no Luxemburgo.
Não obstante, neste dia em que 13 países da UE endereçaram uma carta à
Comissão Europeia onde instam o executivo comunitário a “utilizar todos os
instrumentos à sua disposição para garantir o pleno respeito do direito europeu”,
face uma lei húngara considerada “discriminatória para as pessoas LGBT”, Ana
Paula Zacarias, vincou que a “posição de Portugal é muito clara no que se refere à tolerância, ao respeito
pela liberdade de expressão, e aos direitos das pessoas LGBTQI”, não havendo “absolutamente
nenhuma dúvida sobre a posição de Portugal nesta questão”. E disse que teria
assinado a carta se tivesse sido a título individual, reiterando que a
declaração não foi assinada por Portugal porque o país assume atualmente a
liderança do Conselho da UE.
A Secretária de Estado relembrou assim as palavras que pronunciou na manhã deste
dia 22, à entrada para o Conselho de Assuntos Gerais, onde referiu que “as
cores do arco-íris unem a diversidade”, em referência às críticas feitas pela
Hungria à autarquia de Munique por querer iluminar o seu estádio com as cores
associadas à comunidade LGBTQI. E sublinhou:
“Acho que a
declaração desta manhã foi muito clara relativamente à posição que temos sobre
este assunto”.
***
Entretanto, o município presidido por Dieter Reiter pretendia iluminar, no
dia 23, a Allianz Arena com as cores do arco-íris, símbolo associado à
comunidade LGBTQI, no embate entre alemães e húngaros, para a 3.ª jornada do
Grupo F, que integra também a seleção portuguesa, e hastear bandeiras
multicoloridas no recinto. A iniciativa visava manifestar apoio à comunidade
LGBTQI na Hungria, Estado-membro da UE que aprovou recentemente uma lei que
proíbe a divulgação de conteúdos sobre orientação sexual a menores de 18 anos.
Porém, a UEFA rejeitou tal projeto da cidade de Munique
referindo em comunicado:
“Pelos
seus estatutos, a UEFA é uma organização religiosa política e religiosamente
neutra”.
“Dado o contexto político deste pedido” – mensagem contra a
decisão do Parlamento húngaro –, “a UEFA deve recusá-lo”, rematou o organismo
presidido pelo esloveno Aleksander Ceferin.
A UEFA diz acreditar que “a discriminação só pode ser combatida
em estreita colaboração com os outros”, propondo que a cidade ilumine o estádio
com estas cores a 28 de junho, dia da parada do Christopher Street Day (CSD) ou entre 3 e 8 de julho, na semana da CSD em Munique.
***
É verdade que
o art.º 11.º da (CDFUE), no âmbito da “liberdade de expressão e de
informação”, estipula que “qualquer
pessoa tem direito à liberdade de expressão”, direito que “compreende a liberdade de opinião e a
liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver
ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras”.
O n.º 1 do art.º 21.º estabelece, no âmbito da “não discriminação”, estabelece que “é proibida a discriminação em razão,
designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, caraterísticas
genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras,
pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou
orientação sexual”.
E
o n.º 1 do art.º 52.º, no “âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios”,
estipula que “qualquer restrição ao
exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser
prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades”
e que, “na observância do princípio da
proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem
necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral
reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades
de terceiros”.
Sempre tive dúvidas sobre se a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são direitos absolutos ou que se sobreponham a outros direitos, liberdades e garantias. Mesmo assim, penso que o legislador húngaro exorbita em proibir a circulação de livros e filmes de referência LGBT, por acessíveis só a quem o quiser. Já se lhe reconhecerá o direito de, face ao art.º 52.º restringir a representação e a promoção da homossexualidade no espaço público (e fê-lo por lei), já que as legislações nacionais soem acautelar e até criminalizar a exibição sexual e a importunação sexual pública ou privada (se intempestiva) mesmo entre heterossexuais. Porém, não podem os poderes impedir ou limitar o acesso ao emprego ou permanência nele a quem quer que seja.
Penso,
sem invocar qualquer moralismo, que a UEFA agiu bem em não autorizar a iluminação
do estádio com as cores do arco-íris. Com efeito, embora os Estados não devam
proceder a discriminações, um evento desportivo congregador de tendências e
vontades não deve tomar partido – e aí saúda-se a neutralidade circunstancial da
presidência portuguesa da UE. O estádio pode ter as cores do clube habitualmente
anfitrião, do município, do país ou da UEFA. Por outro lado, o respeito pelos
grupos minoritários não lhes permite a sobreposição ao ver, sentir e pensar das
maiorias. E, enquanto a igualdade de género é conquista humana dos tempos,
inscrita nas constituições democráticas e na CDFUE (art.º 23.º), a identidade de género não tem
suporte inequívoco na ciência nem na CDFUE.
2021.06.22 – Louro de Carvalho
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