terça-feira, 22 de junho de 2021

Países da UE exigem que a Comissão faça Hungria respeitar direitos LGBT

 

Treze países da União Europeia (UE) instaram, neste dia 22, a Comissão Europeia a “utilizar todos os instrumentos à sua disposição para garantir o pleno respeito do direito europeu”, face a uma lei húngara considerada “discriminatória para as pessoas LGBTQI”.

Este país é desde 2004 membro da UE, cuja Carta dos Direitos Fundamentais proíbe qualquer discriminação com base na orientação sexual. E, antes do regresso de Viktor Orban ao poder, em 2010, era um dos países mais progressistas da região: a homossexualidade foi descriminalizada no início dos anos 1960 e a união civil entre pessoas do mesmo sexo passou a ser reconhecida a partir de 1996.

Porém, no passado dia 15, a Hungria aprovou a lei que proíbe a promoção e a representação, em espaços públicos, da homossexualidade junto dos menores de 18 anos, apesar da contestação dos últimos dias e da preocupação dos defensores dos direitos das pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero). O diploma mereceu a aprovação de 157 deputados, incluindo os do partido no poder, o Fidesz, durante uma sessão parlamentar transmitida ao vivo pela televisão.

No dia 14, tal propósito legislativo foi contestado numa manifestação que juntou mais de 5.000 pessoas em Budapeste e que foi convocada pela organização humanitária Amnistia Internacional (AI), que referia em comunicado:

Amanhã, quando os deputados votarem, vão lembrar-se que estão a brincar com a vida das pessoas à conta de campanhas políticas cruéis”.

Para a AI, que acusa a Hungria de “copiar modelos ditatoriais que vão contra os valores europeus”, a lei constitui “grave restrição” à liberdade de expressão e aos direitos das pessoas.

Por sua vez, um canal comercial de televisão, o RTL Klub Hungary, sublinhava, no mesmo dia, que a aprovação da lei implica proibir os menores de 18 anos de verem filmes como “Bridget Jones”, “Harry Potter” ou “Billy Eliot”, nos quais a homossexualidade é mencionada, pelo que a promoção de tais filmes deve exibir a indicação “para maiores de 18 anos”.

Além disso, anúncios, como um da Coca-Cola que mostra um casal de homens – e que provocou, em 2019, apelos a boicotes à compra daquela bebida – deixam de ter autorização para serem divulgados, tal como o livro “Um conto de fadas para toda a gente” – antologia de contos de fadas com personagens como uma Cinderela de etnia cigana ou uma Branca de Neve lésbica – que foi alvo, no outono de 2020, da ira do Primeiro-Ministro nacionalista, Viktor Orban.

A legislação aprovada pelo Parlamento integra um conjunto de medidas de proteção de menores que, segundo o Governo, visa combater a pedofilia e que inclui a criação dum banco de dados de pessoas condenadas acessível ao público ou o seu banimento de certas profissões.

Na verdade, o Parlamento húngaro já tinha proibido, em dezembro de 2020, a adoção de crianças por casais do mesmo sexo e interditado o registo civil de mudanças de sexo.

É nesta situação de exigência do respeito pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) que supostamente se inscreve o texto redigido por iniciativa da Bélgica e que foi assinado por mais 12 Estados-membros: Holanda, Luxemburgo, França, Alemanha, Irlanda, Espanha, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Estónia, Letónia e Lituânia. Diz o texto expressamente:

Expressamos a nossa profunda preocupação quanto à adoção, pelo parlamento húngaro, de legislação discriminatória em relação às pessoas LGBTQI (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, queers e intersexuais) e que viola o direito à liberdade de expressão sob o pretexto de proteger as crianças. (…) Instamos a Comissão Europeia, enquanto guardiã dos tratados, a utilizar de imediato todos os instrumentos ao seu dispor para garantir o pleno respeito do direito europeu, incluindo recorrer ao Tribunal de Justiça da UE”.

A declaração dos 13, divulgada à imprensa, foi debatida, neste dia 22, à tarde, no Luxemburgo, numa reunião dos ministros dos Assuntos Europeus dos 27.

Os países signatários frisam que o novo diploma húngaro “introduz uma proibição da representação e da promoção de uma identidade de género diferente do sexo à nascença, da mudança de sexo e da homossexualidade junto de pessoas com menos de 18 anos”, o que, na sua ótica, constitui “uma forma flagrante de discriminação assente na orientação sexual, na identidade e na expressão do género”, que obviamente condenam. Com efeito, como sustentam, “a inclusão, a dignidade humana e a igualdade são valores fundamentais da nossa União Europeia, e não podemos transigir quanto a esses princípios. E sublinham:

A estigmatização das pessoas LGBTQI constitui uma violação manifesta do seu direito fundamental à dignidade, tal como consagrado na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais e no direito internacional.

Segundo a chefe da diplomacia belga, Sophie Wilmès, trata-se de “um apelo claro à ação”, pois, como declarou a governante, “a Europa dos valores não é um menu à la carte” e “nós temos a obrigação de o dizer aos nossos parceiros quando estamos profundamente convictos de que eles escolheram o caminho errado”.

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Portugal não assinou carta sobre direitos LGBTQI na Hungria por “dever de neutralidade”.

A Secretária de Estado dos Assuntos Europeus Ana Paula Zacarias defendeu, neste dia 22, que Portugal não subscreveu a carta assinada por 13 Estados-membros sobre os direitos LGBTQI na Hungria devido ao “dever de neutralidade” que tem enquanto presidência do Conselho da UE:

Não assinei o documento porque assumimos atualmente a presidência e temos um dever de neutralidade. Estava a decorrer ao mesmo tempo o debate no Conselho [os Estados-membros debateram hoje o respeito pelo Estado de direito na Hungria e na Polónia], e nós temos o papel de ‘mediador honesto” que tem um preço: o preço é o de que não pudemos assinar o documento hoje.” – declarou.

A secretária de Estado dos Assuntos Europeus falava em conferência de imprensa após ter presidido à última reunião do Conselho de Assuntos Gerais da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que decorreu no Luxemburgo.

Não obstante, neste dia em que 13 países da UE endereçaram uma carta à Comissão Europeia onde instam o executivo comunitário a “utilizar todos os instrumentos à sua disposição para garantir o pleno respeito do direito europeu”, face uma lei húngara considerada “discriminatória para as pessoas LGBT”, Ana Paula Zacarias, vincou que a “posição de Portugal é muito clara no que se refere à tolerância, ao respeito pela liberdade de expressão, e aos direitos das pessoas LGBTQI”, não havendo “absolutamente nenhuma dúvida sobre a posição de Portugal nesta questão”. E disse que teria assinado a carta se tivesse sido a título individual, reiterando que a declaração não foi assinada por Portugal porque o país assume atualmente a liderança do Conselho da UE.

A Secretária de Estado relembrou assim as palavras que pronunciou na manhã deste dia 22, à entrada para o Conselho de Assuntos Gerais, onde referiu que “as cores do arco-íris unem a diversidade”, em referência às críticas feitas pela Hungria à autarquia de Munique por querer iluminar o seu estádio com as cores associadas à comunidade LGBTQI. E sublinhou:

Acho que a declaração desta manhã foi muito clara relativamente à posição que temos sobre este assunto.

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Entretanto, o município presidido por Dieter Reiter pretendia iluminar, no dia 23, a Allianz Arena com as cores do arco-íris, símbolo associado à comunidade LGBTQI, no embate entre alemães e húngaros, para a 3.ª jornada do Grupo F, que integra também a seleção portuguesa, e hastear bandeiras multicoloridas no recinto. A iniciativa visava manifestar apoio à comunidade LGBTQI na Hungria, Estado-membro da UE que aprovou recentemente uma lei que proíbe a divulgação de conteúdos sobre orientação sexual a menores de 18 anos.

Porém, a UEFA rejeitou tal projeto da cidade de Munique referindo em comunicado:

Pelos seus estatutos, a UEFA é uma organização religiosa política e religiosamente neutra”.

“Dado o contexto político deste pedido” – mensagem contra a decisão do Parlamento húngaro –, “a UEFA deve recusá-lo”, rematou o organismo presidido pelo esloveno Aleksander Ceferin.

A UEFA diz acreditar que “a discriminação só pode ser combatida em estreita colaboração com os outros”, propondo que a cidade ilumine o estádio com estas cores a 28 de junho, dia da parada do Christopher Street Day (CSD) ou entre 3 e 8 de julho, na semana da CSD em Munique.

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É verdade que o art.º 11.º da (CDFUE), no âmbito da “liberdade de expressão e de informação”, estipula que “qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão”, direito que “compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras”.

O n.º 1 do art.º 21.º estabelece, no âmbito da “não discriminação”, estabelece que “é proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, caraterísticas genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual”.

E o n.º 1 do art.º 52.º, no “âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios”, estipula que “qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades” e que, “na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros”.

Sempre tive dúvidas sobre se a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são direitos absolutos ou que se sobreponham a outros direitos, liberdades e garantias. Mesmo assim, penso que o legislador húngaro exorbita em proibir a circulação de livros e filmes de referência LGBT, por acessíveis só a quem o quiser. Já se lhe reconhecerá o direito de, face ao art.º 52.º restringir a representação e a promoção da homossexualidade no espaço público (e fê-lo por lei), já que as legislações nacionais soem acautelar e até criminalizar a exibição sexual e a importunação sexual pública ou privada (se intempestiva) mesmo entre heterossexuais. Porém, não podem os poderes impedir ou limitar o acesso ao emprego ou permanência nele a quem quer que seja.

Penso, sem invocar qualquer moralismo, que a UEFA agiu bem em não autorizar a iluminação do estádio com as cores do arco-íris. Com efeito, embora os Estados não devam proceder a discriminações, um evento desportivo congregador de tendências e vontades não deve tomar partido – e aí saúda-se a neutralidade circunstancial da presidência portuguesa da UE. O estádio pode ter as cores do clube habitualmente anfitrião, do município, do país ou da UEFA. Por outro lado, o respeito pelos grupos minoritários não lhes permite a sobreposição ao ver, sentir e pensar das maiorias. E, enquanto a igualdade de género é conquista humana dos tempos, inscrita nas constituições democráticas e na CDFUE (art.º 23.º), a identidade de género não tem suporte inequívoco na ciência nem na CDFUE.

2021.06.22 – Louro de Carvalho

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