É uma candente
verificação de Américo Monteiro, coordenador nacional
da LOC/MTC (Liga Operária
Católica / Movimento dos Trabalhadores
Cristãos) em entrevista à Renascença e à Ecclesia
neste dia 1.º de maio de 2021, Dia
Mundial do Trabalhador, marcado pela 4.ª fase do desconfinamento no
contexto da pandemia de covid-19, saídos que estamos do estado de emergência
sucessivamente declarado, mas não da situação de calamidade que lhe deu origem.
Eleito coordenador nacional
da LOC/MTC em junho de 2019, defende que a situação de
pandemia, que não esperava encontrar, mostra que os trabalhadores precisam de
organizações como a LOC nestas circunstâncias.
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Começa por comentar a
mensagem do Movimento Mundial dos Trabalhadores Cristãos (MMTC) para o 1.º de maio que tem a pandemia como pano de
fundo assinalando o retrocesso ao nível dos direitos fundamentais dos
trabalhadores, com o aumento do desemprego e da precariedade, a perda de
benefícios sociais e a falta de habitação digna – o que afeta as
famílias.
Confrontado com a questão
se a pandemia agravou os problemas que já antes eram uma grande preocupação
muito grande, sustenta que “a pandemia é o nosso
grande problema e o nosso grande tema” por marcar a vida de todos. E o mais
grave é que, “em termos dos trabalhadores e das condições de trabalho, estamos
em decréscimo, em perda”. E especifica:
“As próprias
relações nas empresas projetam esse receio e medo: não sabemos se vamos ter
trabalho, por certo vamos ter de reduzir postos de trabalho; nas mercadorias,
os preços alteraram-se e vamos ter de ver a questão dos salários, houve quem
perdesse mesmo salários com esta situação, e isso repercute-se na vida dos
trabalhadores”.
Além disso, aponta que, mais do que aquilo que já passou, “é o receio do
que nos espera”, pois, como se está a verificar, torna-se cada vez mais difícil a luta pelos direitos dos
trabalhadores por via do isolamento que a situação lhes está a causar, com
visíveis consequências na vida das pessoas e das famílias, pois “o país
tem uma percentagem muito alta de micro, pequenas e médias empresas – sendo que
medidas atenuantes como o ‘layoff’ e outros apoios se revelaram insuficientes. Ademais,
segundo o entrevistado, divisam-se problemas mais graves a curto e médio prazo,
pois, se alguns setores saíram de forma equilibrada, outros terão problemas, por
virem a circular menos os produtos, passando os negócios a ser produzidos mais
localmente. E a nossa dependência da exportação, turismo e pequenos negócios
de hotelaria e restauração leva-nos a perspetivas que “não são boas”, ou seja,
ao receio de que as repercussões da mudança de hábitos tenham “nessa área de
negócio e nos empregos dos trabalhadores”.
Apesar de o desemprego ser
a parte mais visível da crise resultante da pandemia, sabe-se que um quinto de
portugueses vive na pobreza, mesmo tendo muitos deles trabalho. Por isso,
Américo Monteiro considera urgente a revalorização salarial “e que não se compreende que não seja feita com mais
frequência”. E observa que “há entraves na negociação coletiva”, dando razão às
queixas dos sindicatos por não se conseguir “a negociação contratual em
condições iguais”, mercê das “defesas do lado das empresas”.
Refere que o salário mínimo tem crescido a um ritmo razoável em comparação
com o nível que teve em determinado tempo, mas que “a contratação coletiva e a
qualificação dos profissionais não avançam ao mesmo nível”, pelo que “o salário
mínimo atinge cada vez mais trabalhadores, mais grupos de qualificação
superiores”, levando à desmotivação do trabalhador e levantando a questão “como é que um trabalhador com o salário
mínimo, às vezes com dependentes na família a seu cargo, vai conseguir ter uma
vida digna e equilibrada em termos de rendimentos que consegue auferir”.
Mais sustenta que as empresas deveriam perceber que prejudicam o próprio
negócio, quando “os trabalhadores não estão satisfeitos”. Sendo admissível que
uma pessoa entre a auferir o salário mínimo nacional, ela deve seguir um
percurso de qualificação e aumentar o seu rendimento. Ora, há pessoas que, na
empresa, “terminam o seu percurso profissional de 40 anos de trabalho sempre a
ganhar o salário mínimo nacional, ou muito próximo” – diz o coordenador da LOC,
dando o exemplo das costureiras e de outros setores industriais semelhantes em
que o salário não dá para fazer face aos encargos familiares.
Em contraponto à palavra de
ordem que, tantas vezes, é “salvar” os postos de trabalho, o responsável pelo
referido organismo da Ação Católica advoga “a melhoria das condições para a contratação coletiva, em que grupos
diferentes de qualificação podem ter salários um bocadinho melhorados”, como é
próprio do nosso sistema de organização de trabalho. Como isso não está a
acontecer, o salário mínimo nacional é atualizado, mas a não evolução dos
outros salários “tem consequências graves para os trabalhadores e para as suas
famílias”.
Diz que a precariedade se visualizou melhor com a vinda da crise sanitária e
económica, pois, em várias áreas, muitos trabalhadores tiveram de ir para casa
sem qualquer apoio, “porque não tinham trabalho fixo com direitos”. As
alternativas criadas não resolveram o essencial, porque se trata de valores
irrisórios face aos encargos. E são problemas graves já existentes, os dos trabalhadores
sem direitos, mas que a pandemia pôs a descoberto.
Considerando que “é preciso agir”, sublinha que o Estado tentou legalizar
muitos dos precários que tem (não se compreende que o Estado também os tenha e os
tenha em grande quantidade), mas que apenas
se resolveu reduzida parte do problema que existia (muitas
empresas livraram-se os precários, digo eu). E exprimiu a sua preocupação com algumas medidas tomadas, como sucedeu no
setor da saúde: cada vez que o pico da pandemia decresce há trabalhadores dispensados
por já não serem necessários “com tanta premência”. Ora, sustenta que “é
preciso encontrar uma solução para isso”, pois a crise mostrou que” o setor público da saúde é uma área
fundamental para um país equilibrado quando é preciso assistir a sua população,
nomeadamente os mais carenciados”.
Por outro lado, lamenta que
diferentes governos tenham
desinvestido nesta área, havendo encerrado Centros de Saúde (ou serviços
similares, digo eu) em zonas
mais remotas do país, sendo necessário “repensar isso tudo” e “organizarmo-nos
de outra forma”.
Quanto ao teletrabalho, recurso de que se lançou mão em tempo de pandemia,
nalguns casos com a marca da obrigatoriedade, lembrou que, no passado 7 de
outubro, Dia do Trabalho Digno, a
LOC/MTC promoveu uma videoconferência, em que vários técnicos abordaram o tema,
dizendo que “pode haver teletrabalho, mas
tem de ser trabalho digno”. A questão não é o ser contra o
teletrabalho, mas exigir que haja condições dignas, que não sobrecarregue o
trabalhador e que não crie complicações à sua vida.
Reconhece que tais condições ainda não estão asseguradas, sendo que noutros
países tem havido uma evolução mais rápida que em Portugal, onde estão agora a
ser apresentadas propostas legislativas para organizar alguns dos aspetos do
teletrabalho. Teme que “estejamos focados naquilo que causa despesa ao
trabalhador, nas condições de trabalho físicas, em casa”, quando o problema do
teletrabalho é muito mais que isso: “a falta de sociabilidade, a questão de se
levar os problemas do trabalho para casa e também as condições físicas e
psíquicas do trabalhador”. E sugere a indicação “não mais do que 6 horas de trabalho à frente do ecrã em sua casa”, especialmente
porque “fomos obrigados a ir para casa”. Porém, quando já não for obrigatório
ir para casa trabalhar, podem melhorar-se “as relações de trabalho, de
negociação e de condições”, uma vez que “a condição física, a saúde e a
segurança no trabalho” pioraram com as pessoas a trabalhar em casa porque,
“limitaram muito mais o seu espaço de ação física”, fator que não esteve nem
está em equação, tendo-se privilegiado a vertente económica, que é importante,
mas que não resolve “o essencial destas questões do teletrabalho”.
Concorda com a obrigatoriedade
do teletrabalho até ao fim do ano determinada pelo Governo nos concelhos onde a
pandemia assim o exija, por se tratar do combate à pandemia. Com efeito, há pessoas muito satisfeitas com a opção de trabalhar
a partir de casa, mesmo que as condições não sejam as melhores, por lhes dar
uma segurança com que não contavam antes; e, em contraste, há pessoas a quem trabalhar
a partir de casa dá grande transtorno por não terem condições, pois,
simultaneamente, têm de cuidar dos filhos.
Defende que há muitas coisas a discutir e aprofundar, como a questão da
privacidade, ou seja, saber até onde pode ir “a intromissão” da empresa ou da
entidade contratante e se o trabalhador se pode defender, se tem o direito a
desligar do trabalho. A este respeito, confessa:
“Eu
vejo, nas minhas responsabilidades profissionais, com um pequeno descuido
e lá estamos a ligar às pessoas fora de horas. Temos de nos consciencializar de
que isso não é correto. É uma exigência para quem tem negócios, para empregadores
e também para o trabalhador. E quando o trabalhador não tem condições para o
exigir, temos de as criar.”.
Em relação ao “Livro
Verde sobre o Futuro do Trabalho”, que propõe que trabalhadores em layoff
ou de empresas em crise possam ser colocados temporariamente noutras com falta
de pessoal, frisa o hábito de se “culpar o
trabalhador pela sua situação”:
“Culpamos os
pobres porque são pobres, os trabalhadores porque não são trabalhadores, com as
suas funções, e acusados de subsídio-dependentes”.
Acha que o livro está um pouco aquém do necessário, até porque o tempo
dado para reflexão foi escasso. Assim, receia que abra portas que não valorizam
“o trabalho e os trabalhadores”, nem lhes dão “melhores condições de vida, de
rendimento, de motivação”. Por isso, entende que se põe com premência a
continuidade da reflexão sobre o que se quis dar por concluído, indo ao fundo
questões. Não sendo este o primeiro Livro Verde sobre o trabalho, “não sabemos
se irá dar num Livro Branco, para se aplicar ou não”, pois, “ainda há muito a
discutir e devíamos ter esse tempo para mais gente se pronunciar sobre o
assunto e fazer propostas” – diz observando que o livro está muito vago no
âmbito da “defesa dos direitos dos trabalhadores”
e do que é “um trabalho digno e protegido”.
Relativamente à Cimeira Social
Europeia, no Porto, diz ter “o
privilégio de saber como é que as coisas estão a ser organizadas”, não tendo as
confederações sindicais nacionais direito à palavra, mas sendo representadas
pela respetiva Confederação Europeia com tempos de discussão apertados. Ora, se
a cimeira fosse só para servir a imagem da UE, seria escasso – diz e
vinca:
“Vão sair
algumas medidas que não serão para piorar a vida dos trabalhadores. Mas,
sabemos que esta questão social europeia vem para contrapor à questão de ser
uma união só a pensar no económico. E sabemos que dentro dessa União Europeia
há muitos lobbies, a puxar cada um para o seu lado. Este, do social, tem hoje
um pouco mais de influência e poderão sair medidas interessantes. Mas a União
Europeia continua a ter muito de imagem, que depois não se repercute na
reflexão e participação que era necessária dentro da própria UE.”.
Receia o ‘show off, embora surjam medidas interessantes, mas não como é
necessário ao nível da migração, condições do trabalho, vários setores das
diferentes sociedades europeias afastados ou impedidos de chegar a bolo que devia
ser bem dividido por todos. Porém, diz, surgirão medidas importantes para
a UE que somos e para a Europa social que defendemos.
Sobre a coordenação da LOC
face à crise sanitária e económico-social, entende que “nunca os
trabalhadores precisaram tanto de organizações como a LOC/MTC e outras que
são fundamentais para uma sociedade participativa, cidadã e, no nosso caso, uma
sociedade que vai buscar as preocupações do mundo e as reflete a partir dos
valores católicos e da própria Igreja”. Confessa
que, ao assumir a função de coordenador, estava longe de contar com uma coisa
destas, que nos deixou “todos muito mais isolados” sendo que alguns podem não
resistir.
Refere que, durante o mês de abril, reuniram com as direções diocesanas,
faltando apenas três dioceses, e aperceberam-se da realidade das dioceses em
termos laborais e dos dirigentes, militantes e grupos da LOC/MTC.
Considera que se viveram “situações muito complicadas”. Na verdade,
um movimento como este “vive da proximidade, do afeto, do encontro para revisão
de vida”. É certo que se evoluiu para lá do que se imaginava “nas ligações pela
internet, videoconferências em diferentes sistemas”. Porém, como vinca, isso
não resolve o problema afetivo, a proximidade, o dar as mãos, o rezar juntos “para
sermos mais fortes no que é preciso fazer”. Depois, movimentos como este
“sofrem um grande problema até em termos económicos”. E explica:
“Todo o tipo de
atividades que costumávamos realizar para a participação das pessoas,
comunidades e paróquias, que davam pequenos contributos, nomeadamente no mês de
maio, o mês da solidariedade, não podemos solicitar esse apoio e organizar
atividades de formação e comunhão, onde as pessoas deixavam pequenos
contributos financeiros que, apesar de muito pequenos, davam para irmos
existindo com melhores condições”.
No âmbito da vivência deste
1.º de maio e da oportunidade para os trabalhadores afirmarem os seus direitos,
revela que “estamos um
bocadinho melhor do que há um ano”. Os trabalhadores do LOC integram-se “nas
festas, nas manifestações e concentrações dos trabalhadores, sem distinção, que
se organizam pelo país”, pois trata-se de “um tempo de festa, de desafio e de
consciencialização daquilo porque ainda falta lutar”. E o apelo que o movimento
faz às pessoas “é que, quem se sentir bem, pode participar com todos os
cuidados e manifestar, dessa forma, aquilo que é importante, que é lutar pelos
trabalhadores”, sem que se forcem a si próprios, pois “cada um tem de ter a sua
consciência, sem atacar aqueles que o fazem”: é um direito e, “mesmo que alguns
corram algum risco, é conscientemente que o fazem”.
Por fim, observa que “os tempos do mundo do trabalho são complicados”
e chama a atenção para o facto de que, “se os trabalhadores não manifestam esta
solidariedade e disponibilidade para defender o que é importante defender”, correm
o risco de se verem numa situação em que muitos se aproveitam da situação que
vivemos “para explorarem mais profundamente o trabalhador”. Por outro
lado, assinala a necessidade de se prestar atenção a questões prementes como “o
ambiente, os ecossistemas, o cuidar das nossas águas, as energias alternativas…”.
E entende que “os trabalhadores têm de pensar nessas coisas para que as suas
empresas evoluam e o futuro seja mais garantido do que aquilo que todos
receamos em relação ao clima” – tudo em consonância com os repetidos alertas do
Papa Francisco.
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Temas pertinentes que postulam premente atenção, reflexão consistente ação consequente!
2021.05.01 – Louro de Carvalho
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