quinta-feira, 6 de maio de 2021

É necessário precisar certos pontos da legislação sobre o teletrabalho

 

O contexto de pandemia levou à obrigatoriedade do teletrabalho nos casos em que as funções exercidas pelo trabalhador sejam compatíveis com o trabalho à distância e o trabalhador disponha de condições para tal. Não obstante, é de recordar que as regras ditadas neste contexto são excecionais, sendo que o Código do Trabalho (CT: artigos 165.º a 171.º) já contempla normas que abrangem o teletrabalho.

Para o CT, trata-se da “prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e comunicação”. Pode ser desempenhado por quem faz parte da empresa ou por quem acaba de ser admitido com esse regime, devendo haver, em ambos os casos, contrato de trabalho, que, se for escrito, prova que as partes acordaram nesse regime. Porém, a falta de documento não significa a inexistência de vínculo, podendo apenas dificultar a sua prova.

Habitualmente, este serviço é prestado a partir de casa, do que advêm questões de direito à privacidade, tempos de descanso e repouso. A entidade patronal não pode esperar que o teletrabalhador esteja disponível 24 horas por dia, 7 dias na semana, mas pode controlar a atividade e os instrumentos de trabalho do empregado, por exemplo, visitando a residência, entre as 9 e as 19 horas.

O teletrabalhador tem os mesmos direitos dos colegas que se deslocam à empresa: formação, promoções e progressão na carreira, limites do período normal de trabalho e reparação de danos por acidente de trabalho ou doença profissional. O empregador deve proporcionar formação adequada nas TIC (tecnologias de informação e comunicação) a usar na atividade e promover contactos regulares com a empresa e os colegas, para o funcionário não se sentir isolado. E, se o contrato for omisso quanto aos instrumentos de trabalho, presume-se que pertencem ao empregador, que assegura a instalação, manutenção e despesas, só podendo o trabalhador usá-los para trabalhar, a menos que a empresa autorize o contrário. No entanto, pode utilizar as TIC em reuniões fora do âmbito laboral, por exemplo, em comis­são de trabalhadores.

Em princípio, mantém-se o subsídio de alimentação, pois o trabalhador está ao serviço da entidade patronal e tem despesas com a alimentação. No entanto, deve ser tido em conta o que estipule o contrato de trabalho, eventuais instrumentos coletivos de trabalho ou até regras em vigor na empresa e que tenham sido aceites pelos trabalhadores. Assim, caso esteja estabelecido que o subsídio só é pago quando o trabalhador se desloca às instalações da empresa ou a outro local por esta determinado, é legítimo que o subsídio de alimentação deixe de ser pago. 

Já o subsídio de transporte, pela sua natureza, não será pago, por não haver deslocação e o trabalhador não ter de suportar qualquer despesa desta ordem.

Os trabalhadores que trabalhem a partir de casa continuam cobertos pelo seguro de acidentes de trabalho, pelo que, se o trabalhador sofrer um acidente no desempenho a da sua atividade em regime de trabalho remoto, deverá ser compensado pela seguradora, desde que a ocorrência seja enquadrável como acidente de trabalho. Para evitar constrangimentos, é recomendável que as entidades empregadoras formalizem junto da seguradora esse regime, indicando, em relação a todos os trabalhadores que se encontram abrangidos por esta situação: nome do trabalhador, período normal de trabalho (dias e horas autorizados), local de trabalho (morada onde é prestado) e o acordo da entidade patronal com o trabalhador.

É de recordar que acidente de trabalho é todo aquele que se verifique no local e tempo de trabalho; local de trabalho é aquele em que o trabalhador se encontra ou a que deva dirigir-se por força do seu trabalho e em que esteja sujeito ao controlo (direto ou indireto) do empregador; e tempo de trabalho é o do período normal de laboração, o que preceder o seu início em atos de preparação ou relacionados com ele, o que se lhe seguir em atos relacionados com ele e, ainda, as interrupções normais ou forçosas de trabalho. Assim, estando o trabalhador em casa, acidente que ocorra nestas circunstâncias poderá ser considerado um acidente de trabalho.

Quem trabalha em regime presencial pode chegar a acordo para que o teletrabalho tenha uma duração máxima inicial de 3 anos, a menos que a empresa esteja abrangida por um instrumento de regulamentação coletiva que defina prazo diferente. Nos primeiros 30 dias, as partes podem pôr fim a este tipo de trabalho. E, quando cessar este regime, o trabalhador retoma a prestação de trabalho nas instalações do empregador ou noutras acordadas entre as partes.

O trabalhador pode solicitar a passagem para este regime se tiver um filho com idade até três anos, desde que a entidade patronal disponha de meios para o teletrabalho. E há, ainda, uma situação extrema em que o teletrabalho pode ser imposto: desde que seja compatível com as suas funções, o trabalhador pode exigir esta opção quando é vítima de violência doméstica, apresentou queixa contra o agressor e teve de sair da casa – forma de evitar que o agressor, que provavelmente conhece o seu local habitual de trabalho, insista nas práticas violentas.

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O Parlamento, a pedido do Bloco de Esquerda (BE), a que se associaram os restantes partidos, debateu na generalidade, no dia 5 deste mês de maio, dez projetos de lei para regulamentar o teletrabalho, projetos convergentes em matérias como a necessidade de pagamento de despesas, mas divergentes nas soluções apresentadas para o assegurar. E os grupos parlamentares acordaram em que os diplomas baixassem à comissão sem votação, para serem trabalhados na especialidade. O debate antecipou as alterações à lei que o Governo assumiu querer introduzir, e que está a negociar em sede de Concertação Social, no quadro da discussão do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho.

O que mais divide os partidos, neste âmbito, são as matérias atinentes a despesas e direito a desligar ou a desconectar, mas são mais as que os unem. O PAN prometera não inviabilizar nenhuma iniciativa na generalidade e a Iniciativa Liberal (IL) acabou por apresentar também o seu projeto de lei. Há matérias que ainda dividem, mas são mais as que unem os partidos.

Mas se a maioria dos deputados faz alterações ao Código do Trabalho, o PS apresenta um projeto de lei que pretende ser legislação complementar à legislação laboral.

O PCP garantiu bater-se “pela aprovação das suas propostas, entendendo que estas são as que melhor respondem ao risco de fragilização de direitos dos trabalhadores em teletrabalho”. O partido rejeita o “endeusamento” do teletrabalho e promete “encontrar soluções que combatam oportunismos do patronato”.

O PS promete “diálogo em sede parlamentar”, destacando alguns aspetos do projeto de lei, como “o salário igual entre trabalhadores que estejam em trabalho remoto e em trabalho presencial”, mas remete para “a negociação coletiva a centralidade na definição da comparticipação de despesas aos trabalhadores em teletrabalho”.

Para o BE, a questão mais complexa será sempre a do pagamento das despesas adicionais com o teletrabalho, sendo esta “a grande clivagem que atravessa os projetos”, pois “o pagamento das despesas deve ser uma obrigação do empregador”, um “imperativo”, não só uma possibilidade. No atinente ao direito a desligar, o partido reconhece que há uma preocupação comum, mas as propostas vão em sentidos diversos e até perigosos”.

O teletrabalho por “acordo” é um dos pontos de consenso entre todas as propostas. O regime de teletrabalho nunca deverá ser imposto pelo empregador e terá de ser estipulado por acordo escrito. Outra norma com potencial de entendimento entre os partidos prende-se com a reversibilidade do regime de teletrabalho a pedido do trabalhador, ou seja, a possibilidade de retomar o trabalho presencial mediante aviso prévio. Os “horários” devem ficar definidos no contrato de teletrabalho ou no instrumento de negociação coletiva. O PCP, por exemplo, diz que não pode começar antes das 8 horas e terminar depois das 19, recusando que o teletrabalho seja uma extensão da empresa. E a recusa por parte das empresas tem de ser justificada por escrito.

Outro ponto com aproximação entre os partidos é a “privacidade”, ficando as empresas proibidas de espiarem os trabalhadores por qualquer meio digital. As visitas a casa para quem está em teletrabalho serão permitidas, nuns casos com aviso prévio, como defendem os projetos do PS, PEV e BE, não estipulando os outros uma antecedência, desde que dentro do horário. Por exemplo, o PCP diz que a visita pode ocorrer, mas só para manutenção, reparação ou instalação dos equipamentos e com a concordância do trabalhador e o controlo só pode ser feito na própria empresa. O PSD defende que, se o teletrabalho é prestado em casa, a visita pode ocorrer para verificar equipamento ou controlo da atividade laboral, mas não impõe o aviso prévio.

Mais um tema com potencial para reunir consensos parlamentares é o dos “acidentes de trabalho”. Os projetos de lei defendem que deve ser alargado o conceito de “local de trabalho” para que os acidentes de trabalho e doenças profissionais sejam cobertos pelos “seguros de acidentes de trabalho”. E não tem de ser necessariamente a casa do trabalhador, mas o local onde desempenha a atividade à distância. Todos os projetos de lei apontam no mesmo sentido.

Com consenso praticamente garantido está a “igualdade de tratamento” entre trabalhadores em regime de trabalho presencial e à distância. Tais direitos vão desde os subsídios – como o de alimentação –, à formação e progressão na carreira, segurança e saúde no trabalho, entre outros. Por exemplo, o PCP propõe que as empresas realizem exames de saúde de 3 em 3 meses. O PS introduz uma inovação face aos restantes partidos no que toca ao salário e à prestação de contas às empresas. No primeiro caso, os socialistas defendem que a retribuição deve ser equivalente à que “que auferiria em regime presencial, com a mesma categoria e função idêntica”, mas “pode ser total ou parcialmente determinada em função dos resultados da atividade ou do grau de realização de objetivos”, pré-definidos entre trabalhador e empregador. E acrescenta uma norma que permite ao empregador a exigência de “relatórios diários ou semanais simples e sucintos sobre os assuntos tratados na sua atividade e os respetivos resultados, mediante o preenchimento de formulário previamente definido”. O PCP e o PEV defendem que trabalho suplementar deve ser pago como acontece no regime presencial, sendo que só deve ser prestado quando a empresa o pede por escrito, servindo de registo.

O grande ponto de discórdia entre os partidos é o “pagamento de despesas”. Embora seja matéria assente o princípio geral de que deve ser a empresa a custear os acréscimos de despesa dos trabalhadores, a forma como tal compensação é feita e calculada pode revelar-se uma das questões mais difíceis de ultrapassar, com uns a definirem um valor certo e outros a deixarem a solução para a negociação coletiva ou o contrato individual. Assim, PCP, PEV e PAN defendem um valor definido à partida. No caso do PCP e do PAN, é um montante nunca inferior a 2,5% do indexante de apoios sociais (IAS), o que aos valores atuais daria 10,97 euros dia. O PEV propõe que seja, pelo menos, 1,5% do salário mínimo, ou seja, 9,97 euros por dia. O BE remete a definição concreta dos termos para a negociação, mas o pagamento das despesas por parte do empregador é imperativo, estando aberto à determinação dum montante fixo. Já o PS diz que as despesas têm de ser comprovadas pelo trabalhador e através de acordo com a empresa para pagar, incluindo equipamento comprado pelo funcionário e pode ter valor fixo e ajustável ao longo do tempo, mas remete para negociação coletiva essa matéria. E o PSD diz que deve ser determinado por negociação coletiva, podendo ter valor fixo.

Quanto ao “direito a desligar ou a desconectar”, todas as iniciativas defendem o direito ao descanso dos trabalhadores, até por causa da diretiva europeia, mas há detalhes que podem pôr em risco um consenso mais alargado. O BE defende, por exemplo, que o empregador tem o dever de não contactar o trabalhador fora do horário de trabalho estabelecido e, se o fizer de forma reiterada, deve ser considerado assédio laboral, sanção também defendida pela deputada não inscrita Cristina Rodrigues. O PS, por outro lado, refere que deve ficar definido no contrato o horário em que o trabalhador tem o direito de desligar as comunicações com a empresa, mas não impõe a proibição de contacto por parte dos patrões. O PCP não explicita o conceito de direito a desligar, limitando os contactos ao horário de trabalho definido no contrato de trabalho.

Sobre “quem pode pedir” o regime de teletrabalho, matéria com potencial para reunir consenso parlamentar, os projetos apresentados ainda estão longe desse ponto. Em termos gerais, alguns reconhecem esse direito a quem preencha determinados critérios e outros entendem como admissíveis os casos em que o pode requerer também quem preencha determinados requisitos. Apenas BE, PEV, PAN e a deputada não inscrita defendem que o teletrabalho é um direito dos pais com menores até aos 12 anos, com deficiência ou doença crónica e dos cuidadores não principais, sendo que o PAN e a deputada Cristina Rodrigues acrescentam os trabalhadores-estudantes. Porém, o consenso pode chegar por via da pressão da Diretiva Europeia, que refere:

Os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que os trabalhadores, com filhos até uma determinada idade, de pelo menos oito anos, e os cuidadores tenham o direito de solicitar regimes de trabalho flexíveis”.

As restantes iniciativas não fazem referência ao teletrabalho como direito dos trabalhadores. Já o PAN introduz uma norma que permite a alguns trabalhadores requererem o trabalho à distância, desde que cumpram alguns critérios, como viverem a mais de 50 quilómetros do local de trabalho ou aos trabalhadores que alterem a residência para o interior do país.

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É pertinente a atualização e clarificação das normas do teletrabalho ou trabalho à distância, seja a partir de casa, seja de outro lugar acordado entre empregador e funcionário. Não vejo a necessidade de estabelecer um tempo de contacto acrescido ao horário de trabalho, a não ser para funcionário com isenção de horário de trabalho, em situações verdadeiramente excecionais. Deve ser tida como sagrada a privacidade e proibido o controlo por meios desconhecidos do teletrabalhador. O pagamento de despesas adicionais não pode ficar ao critério exclusivo da concertação. E, como quer o BE, há que inserir estas normas no Código do Trabalho e estendê-las à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Chega de indefinição, de manter trabalho sem regras e de albergar trabalhadores sem direitos!

2021.05.06 – Louro de Carvalho 

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