O contexto de pandemia levou à
obrigatoriedade do teletrabalho nos casos em que as funções exercidas pelo
trabalhador sejam compatíveis com o trabalho à distância e o trabalhador disponha
de condições para tal. Não obstante, é de recordar que as regras ditadas neste
contexto são excecionais, sendo que o Código do Trabalho (CT: artigos 165.º a 171.º) já contempla normas que abrangem o
teletrabalho.
Para o CT, trata-se da “prestação
laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e
através do recurso a tecnologias de informação e comunicação”. Pode ser
desempenhado por quem faz parte da empresa ou por quem acaba de ser admitido
com esse regime, devendo haver, em ambos os casos, contrato de trabalho,
que, se for escrito, prova que as partes acordaram nesse regime. Porém, a falta
de documento não significa a inexistência de vínculo, podendo apenas dificultar
a sua prova.
Habitualmente, este serviço é prestado
a partir de casa, do que advêm questões de direito à privacidade, tempos de
descanso e repouso. A entidade patronal não pode esperar que o teletrabalhador
esteja disponível 24 horas por dia, 7 dias na semana, mas pode controlar a
atividade e os instrumentos de trabalho do empregado, por exemplo, visitando a
residência, entre as 9 e as 19 horas.
O teletrabalhador tem os mesmos
direitos dos colegas que se deslocam à empresa: formação, promoções e
progressão na carreira, limites do período normal de trabalho e reparação de
danos por acidente de trabalho ou doença profissional. O empregador deve proporcionar
formação adequada nas TIC (tecnologias
de informação e comunicação) a usar na atividade e promover contactos regulares com a empresa e os
colegas, para o funcionário não se sentir isolado. E, se o contrato for omisso quanto
aos instrumentos de trabalho, presume-se que pertencem ao empregador, que
assegura a instalação, manutenção e despesas, só podendo o trabalhador usá-los
para trabalhar, a menos que a empresa autorize o contrário. No entanto, pode
utilizar as TIC em reuniões fora do âmbito laboral, por exemplo, em comissão
de trabalhadores.
Em princípio, mantém-se o subsídio de
alimentação, pois o trabalhador está ao serviço da entidade patronal e tem
despesas com a alimentação. No entanto, deve ser tido em conta o que estipule o
contrato de trabalho, eventuais instrumentos coletivos de trabalho ou até regras
em vigor na empresa e que tenham sido aceites pelos trabalhadores. Assim, caso
esteja estabelecido que o subsídio só é pago quando o trabalhador se desloca às
instalações da empresa ou a outro local por esta determinado, é legítimo que o
subsídio de alimentação deixe de ser pago.
Já o subsídio de transporte, pela sua
natureza, não será pago, por não haver deslocação e o trabalhador não ter de
suportar qualquer despesa desta ordem.
Os trabalhadores que trabalhem a
partir de casa continuam cobertos pelo seguro de acidentes de trabalho, pelo
que, se o trabalhador sofrer um acidente no desempenho a da sua atividade em
regime de trabalho remoto, deverá ser compensado pela seguradora, desde que a
ocorrência seja enquadrável como acidente de trabalho. Para evitar
constrangimentos, é recomendável que as entidades empregadoras formalizem junto
da seguradora esse regime, indicando, em relação a todos os trabalhadores que
se encontram abrangidos por esta situação: nome do trabalhador, período normal
de trabalho (dias e horas
autorizados), local de
trabalho (morada onde é
prestado) e o acordo da entidade
patronal com o trabalhador.
É de recordar que acidente de
trabalho é todo aquele que se verifique no local e tempo de trabalho; local de
trabalho é aquele em que o trabalhador se encontra ou a que deva dirigir-se por
força do seu trabalho e em que esteja sujeito ao controlo (direto ou indireto) do empregador; e tempo de trabalho é
o do período normal de laboração, o que preceder o seu início em atos de
preparação ou relacionados com ele, o que se lhe seguir em atos relacionados com
ele e, ainda, as interrupções normais ou forçosas de trabalho. Assim, estando o
trabalhador em casa, acidente que ocorra nestas circunstâncias poderá ser
considerado um acidente de trabalho.
Quem trabalha em regime presencial
pode chegar a acordo para que o teletrabalho tenha uma duração máxima inicial
de 3 anos, a menos que a empresa esteja abrangida por um instrumento de
regulamentação coletiva que defina prazo diferente. Nos primeiros 30 dias, as
partes podem pôr fim a este tipo de trabalho. E, quando cessar este regime, o
trabalhador retoma a prestação de trabalho nas instalações do empregador ou
noutras acordadas entre as partes.
O trabalhador pode solicitar a
passagem para este regime se tiver um filho com idade até três anos, desde que
a entidade patronal disponha de meios para o teletrabalho. E há, ainda, uma situação
extrema em que o teletrabalho pode ser imposto: desde que seja compatível com
as suas funções, o trabalhador pode exigir esta opção quando é vítima de
violência doméstica, apresentou queixa contra o agressor e teve de sair da casa
– forma de evitar que o agressor, que provavelmente conhece o seu local
habitual de trabalho, insista nas práticas violentas.
***
O Parlamento, a pedido do Bloco de Esquerda (BE), a que se associaram os restantes partidos, debateu na generalidade, no dia
5 deste mês de maio, dez projetos de lei para regulamentar o teletrabalho,
projetos convergentes em matérias como a necessidade de pagamento de despesas,
mas divergentes nas soluções apresentadas para o assegurar. E os grupos
parlamentares acordaram em que os diplomas baixassem à comissão sem votação, para
serem trabalhados na especialidade. O debate antecipou as alterações à lei que
o Governo assumiu querer introduzir, e que está a negociar em sede de
Concertação Social, no quadro da discussão do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho.
O que mais divide os partidos,
neste âmbito, são as matérias atinentes a despesas e direito a desligar ou a desconectar,
mas são mais as que os unem. O PAN prometera não inviabilizar nenhuma
iniciativa na generalidade e a Iniciativa Liberal (IL) acabou por apresentar também o seu projeto de lei. Há
matérias que ainda dividem, mas são mais as que unem os partidos.
Mas se a
maioria dos deputados faz alterações ao Código do Trabalho, o PS apresenta um
projeto de lei que pretende ser legislação complementar à legislação laboral.
O PCP
garantiu bater-se “pela aprovação das suas propostas, entendendo que estas são
as que melhor respondem ao risco de fragilização de direitos dos trabalhadores
em teletrabalho”. O partido rejeita o “endeusamento” do teletrabalho e promete “encontrar
soluções que combatam oportunismos do patronato”.
O PS promete
“diálogo em sede parlamentar”, destacando alguns aspetos do projeto de lei,
como “o salário igual entre trabalhadores que estejam em trabalho remoto e em
trabalho presencial”, mas remete para “a negociação coletiva a centralidade na
definição da comparticipação de despesas aos trabalhadores em teletrabalho”.
Para o BE, a
questão mais complexa será sempre a do pagamento das despesas adicionais com o
teletrabalho, sendo esta “a grande clivagem que atravessa os projetos”, pois “o
pagamento das despesas deve ser uma obrigação do empregador”, um “imperativo”,
não só uma possibilidade. No atinente ao direito a desligar, o partido
reconhece que há uma preocupação comum, mas as propostas vão em sentidos diversos
e até perigosos”.
O teletrabalho
por “acordo”
é um dos pontos de consenso entre todas as propostas. O regime de teletrabalho
nunca deverá ser imposto pelo empregador e terá de ser estipulado por acordo
escrito. Outra norma com potencial de entendimento entre os partidos prende-se
com a reversibilidade do regime de teletrabalho a pedido do trabalhador, ou
seja, a possibilidade de retomar o trabalho presencial mediante aviso prévio.
Os “horários”
devem ficar definidos no contrato de teletrabalho ou no instrumento de
negociação coletiva. O PCP, por exemplo, diz que não pode começar antes das 8
horas e terminar depois das 19, recusando que o teletrabalho seja uma extensão
da empresa. E a recusa por parte das empresas tem de ser justificada por
escrito.
Outro ponto
com aproximação entre os partidos é a “privacidade”, ficando as empresas proibidas
de espiarem os trabalhadores por qualquer meio digital. As visitas a casa para
quem está em teletrabalho serão permitidas, nuns casos com aviso prévio, como defendem
os projetos do PS, PEV e BE, não estipulando os outros uma antecedência, desde
que dentro do horário. Por exemplo, o PCP diz que a visita pode ocorrer, mas só
para manutenção, reparação ou instalação dos equipamentos e com a concordância
do trabalhador e o controlo só pode ser feito na própria empresa. O PSD defende
que, se o teletrabalho é prestado em casa, a visita pode ocorrer para verificar
equipamento ou controlo da atividade laboral, mas não impõe o aviso prévio.
Mais um tema
com potencial para reunir consensos parlamentares é o dos “acidentes de trabalho”.
Os projetos de lei defendem que deve ser alargado o conceito de “local de
trabalho” para que os acidentes de trabalho e doenças profissionais sejam
cobertos pelos “seguros de acidentes de trabalho”. E não tem de ser
necessariamente a casa do trabalhador, mas o local onde desempenha a atividade
à distância. Todos os projetos de lei apontam no mesmo sentido.
Com consenso
praticamente garantido está a “igualdade de tratamento” entre
trabalhadores em regime de trabalho presencial e à distância. Tais direitos vão
desde os subsídios – como o de alimentação –, à formação e progressão na
carreira, segurança e saúde no trabalho, entre outros. Por exemplo, o PCP
propõe que as empresas realizem exames de saúde de 3 em 3 meses. O PS introduz
uma inovação face aos restantes partidos no que toca ao salário e à prestação
de contas às empresas. No primeiro caso, os socialistas defendem que a retribuição
deve ser equivalente à que “que auferiria em regime presencial, com a mesma
categoria e função idêntica”, mas “pode ser total ou parcialmente determinada
em função dos resultados da atividade ou do grau de realização de objetivos”,
pré-definidos entre trabalhador e empregador. E acrescenta uma norma que permite
ao empregador a exigência de “relatórios diários ou semanais simples e sucintos
sobre os assuntos tratados na sua atividade e os respetivos resultados,
mediante o preenchimento de formulário previamente definido”. O PCP e o PEV
defendem que trabalho suplementar deve ser pago como acontece no regime
presencial, sendo que só deve ser prestado quando a empresa o pede por escrito,
servindo de registo.
O grande
ponto de discórdia entre os partidos é o “pagamento de despesas”. Embora seja
matéria assente o princípio geral de que deve ser a empresa a custear os
acréscimos de despesa dos trabalhadores, a forma como tal compensação é feita e
calculada pode revelar-se uma das questões mais difíceis de ultrapassar, com
uns a definirem um valor certo e outros a deixarem a solução para a negociação
coletiva ou o contrato individual. Assim, PCP, PEV e PAN defendem um valor
definido à partida. No caso do PCP e do PAN, é um montante nunca inferior a
2,5% do indexante de apoios sociais (IAS), o que aos valores atuais daria 10,97 euros dia. O PEV propõe que seja,
pelo menos, 1,5% do salário mínimo, ou seja, 9,97 euros por dia. O BE remete a
definição concreta dos termos para a negociação, mas o pagamento das despesas
por parte do empregador é imperativo, estando aberto à determinação dum
montante fixo. Já o PS diz que as despesas têm de ser comprovadas pelo
trabalhador e através de acordo com a empresa para pagar, incluindo equipamento
comprado pelo funcionário e pode ter valor fixo e ajustável ao longo do tempo,
mas remete para negociação coletiva essa matéria. E o PSD diz que deve ser
determinado por negociação coletiva, podendo ter valor fixo.
Quanto ao “direito
a desligar ou a desconectar”, todas as iniciativas defendem o direito
ao descanso dos trabalhadores, até por causa da diretiva europeia, mas há
detalhes que podem pôr em risco um consenso mais alargado. O BE defende, por
exemplo, que o empregador tem o dever de não contactar o trabalhador fora do
horário de trabalho estabelecido e, se o fizer de forma reiterada, deve ser
considerado assédio laboral, sanção também defendida pela deputada não inscrita
Cristina Rodrigues. O PS, por outro lado, refere que deve ficar definido no
contrato o horário em que o trabalhador tem o direito de desligar as
comunicações com a empresa, mas não impõe a proibição de contacto por parte dos
patrões. O PCP não explicita o conceito de direito a desligar, limitando os
contactos ao horário de trabalho definido no contrato de trabalho.
Sobre “quem
pode pedir” o regime de teletrabalho, matéria com potencial para reunir
consenso parlamentar, os projetos apresentados ainda estão longe desse ponto. Em
termos gerais, alguns reconhecem esse direito a quem preencha determinados
critérios e outros entendem como admissíveis os casos em que o pode requerer
também quem preencha determinados requisitos. Apenas BE, PEV, PAN e a deputada
não inscrita defendem que o teletrabalho é um direito dos pais com menores até
aos 12 anos, com deficiência ou doença crónica e dos cuidadores não principais,
sendo que o PAN e a deputada Cristina Rodrigues acrescentam os
trabalhadores-estudantes. Porém, o consenso pode chegar por via da pressão da
Diretiva Europeia, que refere:
“Os Estados-membros devem tomar as
medidas necessárias para garantir que os trabalhadores, com filhos até uma
determinada idade, de pelo menos oito anos, e os cuidadores tenham o direito de
solicitar regimes de trabalho flexíveis”.
As restantes
iniciativas não fazem referência ao teletrabalho como direito dos trabalhadores.
Já o PAN introduz uma norma que permite a alguns trabalhadores requererem o
trabalho à distância, desde que cumpram alguns critérios, como viverem a mais
de 50 quilómetros do local de trabalho ou aos trabalhadores que alterem a
residência para o interior do país.
***
É
pertinente a atualização e clarificação das normas do teletrabalho ou trabalho
à distância, seja a partir de casa, seja de outro lugar acordado entre
empregador e funcionário. Não vejo a necessidade de estabelecer um tempo de
contacto acrescido ao horário de trabalho, a não ser para funcionário com isenção
de horário de trabalho, em situações verdadeiramente excecionais. Deve ser tida
como sagrada a privacidade e proibido o controlo por meios desconhecidos do
teletrabalhador. O pagamento de despesas adicionais não pode ficar ao critério exclusivo
da concertação. E, como quer o BE, há que inserir estas normas no Código do
Trabalho e estendê-las à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Chega
de indefinição, de manter trabalho sem regras e de albergar trabalhadores sem
direitos!
2021.05.06 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário