A arte paleocristã (dos
primeiros 5 séculos) abrange as manifestações artísticas dos primeiros
cristãos, que decorreram aproximadamente entre o ano 70 e o século V/VI da Era Cristã, no período
de expansão do Cristianismo. A extraordinária dispersão geográfica desta arte
forneceu-lhe grande diversidade regional, mas não impediu a subsistência
de traços estruturais comuns:
utilização dos modelos estilísticos da Roma clássica; uso de novas formas
técnicas e estéticas oriundas das zonas periféricas do Império, sobretudo das
províncias do Oriente; e subordinação ao novo espírito e temática do
Cristianismo que às artes decorativas impôs uma iconografia retirada das Sagradas
Escrituras e o sentido doutrinal e pastoral.
Com o esplendor da cultura pagã assumida e testemunhada pelo
Império Romano, inicia-se e desenvolve-se o cristianismo, que assenta os
fundamentos da sua evolução nos primeiros séculos, com a pregação dos apóstolos
e a pregação e escrita dos padres apostólicos (coetâneos e discípulos dos apóstolos). E não se compreende a arte medieval
sem ter presente as formas e critérios que se estabelecem em consequência da
nova fé.
A arte paleocristã não origina a dissolução da arte romana,
mas a implantação de novos critérios que fundamentam o novo período histórico.
Por conseguinte, seleciona e toma do mundo romano (ocidental e oriental) múltiplos elementos para criar uma
nova linguagem que se adapte e corresponda às exigências da fé cristã. Distinguem-se,
cronologicamente, no desenvolvimento da arte paleocristã duas etapas, separadas
pelo Édito de Tolerância, de 313. Porém, a segunda não termina com a queda do
Império Romano do Ocidente em 476, pois, tanto no Oriente, que se funde com as
formas iniciais do mundo bizantino, como no Ocidente, onde coexiste com a arte
dos povos bárbaros, a arte paleocristã persiste como tal até ao início do
século VII.
O nascimento de Jesus iniciou uma nova era e um novo modo de
viver. Com o surgimento do novo reino espiritual, o poder romano, vendo-se
extremamente abalado, iniciou um período de perseguição a Cristo e a quantos aceitaram
a sua condição de Messias, aderiram à sua pessoa e seguiram os seus critérios.
Esta perseguição marcou a 1.ª fase da arte paleocristã, a fase catacumbária (do século I ao século IV), que retira o nome das catacumbas,
cemitérios subterrâneos em Roma, onde os primeiros cristãos secretamente
celebravam o culto. Ainda hoje podemos visitar as catacumbas de Santa Priscila
e Santa Domitila, nos arredores de Roma.
Os cristãos foram perseguidos durante 3 séculos, até em 313 o
imperador Constantino legalizar o Cristianismo pelo Édito de Milão, dando
início à 2.ª fase da arte paleocristã, a basilical.
Em 395, o imperador Teodósio dividiu o Império Romano pelos
dois filhos: Honório e Arcádio. Para Honório ficou o Império Romano do
Ocidente, tendo Roma como capital; e para Arcádio o Império Romano do Oriente,
com a capital Constantinopla (antiga Bizâncio e atual Istambul).
O império Romano do Ocidente sofreu várias invasões,
sobretudo de povos bárbaros, até que, em 476, foi completamente dominado. Já o
Império Romano do Oriente (onde
se desenvolveu a arte bizantina), apesar das dificuldades financeiras, dos ataques bárbaros e
das pestes, manteve-se até 1453, quando Constantinopla, a capital, foi
totalmente dominada pelos muçulmanos.
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A arquitetura
O preceito de inumar o cadáver do cristão, em vez de o
incinerar, e a ideia de que a terra que recebe a sepultura é sagrada, pois
abençoa e recebe em depósito o corpo que aguarda a ressurreição originou o
aparecimento dos cemitérios cristãos.
A partir do século II, a catacumba, cemitério subterrâneo ou
hipogeu apresenta a seguinte disposição: uma série de galerias subterrâneas de
circulação, ambulatórios ou corredores (ambulacra), muito estreitos (que se cruzam e entrecruzam, em diferentes níveis,
sobrepondo-se, constantemente, em extensões consideráveis de centenas de quilómetros) para aproveitar ao máximo o terreno,
cujas paredes se destinam a receber várias filas de nichos na longitudinal.
Estas galerias alargam-se de vez em quando e formam pequena câmara (cubiculum ou crypta) para reunir algumas sepulturas (sobretudo de família) e pequenos altares. Os corpos eram
depositados em nichos retangulares (loculi), abertos na parede e sobrepostos em
fila. Uma placa de mármore ou de pedra, com o nome do morto acompanhado de
piedosa invocação, fechava a abertura. Nalguns casos, o cubiculum estava no final da galeria, com o
assento para o Bispo (banco
comprido, como presidência) o que indica que realizavam reuniões comunitárias. Os loculi maiores possuíam um arco (arcosolium), às vezes sobre colunas, contendo
geralmente um sarcófago de mármore. Nas galerias superiores ficam os
lucernários abertos para o exterior, que proporcionam, através da lucerna (claraboia), a luz e ventilação de que carecem as inferiores.
É claro, não
são considerados obras de arquitetura os trabalhos, por vezes toscos, de
sustentação de paredes e tetos ou ampliação de espaço, executados nas
catacumbas. Nalgumas catacumbas, construíam-se criptas para deposição de ossos
de mártires ou despojos de papas, muitas das quais no primeiro século do
reconhecimento do Cristianismo. Nas catacumbas de Santa Priscila, existe a
Capela Grega e, nas de São Calisto, a Cripta dos Papas, ambas de Roma. São
pequenos recintos, com tetos abobadados ou planos sustentados por arcos e
colunas, decorados de pinturas e com vestígios de escultura em estuque.
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As primeiras basílicas tiveram influência da casa romana e
dos templos de culto oriental. Era a planta estruturada em três partes:
pública, semipública e privada. A pública consta do grande pátio com
fonte no centro. O pátio tem à sua volta galerias a dar para o corpo do templo.
Já a semipública é constituída pelo corpo da igreja, que pode constar de uma,
três ou cinco naves, separadas por filas de colunas que suportam as arcadas.
Como o templo está orientado, ou seja, tem a cabeceira ou presbitério para
leste, encontra-se a norte uma nave destinada às mulheres e a outra a sul, onde
se situam os homens, denominando-se, respetivamente, nave do evangelho e da
epístola, porque na sua direção se dirigiam as correspondentes leituras
da Missa. Na nave central situa-se o coro menor, para cantores e clérigos
menores. A parte semipública é separada da privada por uma parede com
portas, o septum, pelo que a nave
transversal que está atrás (nave do cruzeiro)
tem o nome de transeptum ou transepto. A
parte privada é complexa e evoca nas suas formas o edifício funerário, pois
tudo se relaciona com a câmara subterrânea onde se encontrava a relíquia, corpo
ou lugar venerado que justificava a construção da basílica nesse local.
No século V surgem variantes das basílicas, sendo frequente
um segundo piso sobre as naves laterais ou pela parte central, resolvendo-se o
problema da iluminação do interior do edifício pela maior altura da nave
central, que permite abrir amplas janelas por cima das naves laterais.
Do período inicial do reinado de Constantino são basílicas
importantes como, em Roma, a desaparecida São Pedro, Santa Inês, San Lorenzo
Extramuros e São João de Latrão, hoje em boa parte reconstruídas. Depois desse
período, as comunidades cristãs do Oriente e do Ocidente empenham-se na busca e
desenvolvimento dum tipo de templo cristão. Nesta etapa, que vai de 350 a 550,
concretizam-se dois tipos diferentes de igreja: a de planta de cruz latina (derivado do tradicional tipo
basilical); e a de
planta de cruz grega (ou
de plano central). O
elemento fundamental é o triunfo da abóboda (sobretudo nos edifícios de plano central), sendo a cúpula o elemento
essencial.
Na arquitetura basilical, a grande
preocupação foi a procura duma tipologia para o templo cristão com duas funções: a de morada de Deus e recinto de culto; e a de local de
encontro e reunião da comunidade dos fiéis – criando, pois, novas exigências
funcionais e de espaço.
Assim, as
primeiras igrejas da
arte paleocristã obedecem a dois modelos principais:
o de planta basilical, em
cruz latina, com 3 ou 5 naves separadas por arcadas e/ou colunatas e cobertas
por tetos de armação de madeira; e o de planta centrada, de influência helenística e oriental, com formas
circulares, octogonais ou em cruz grega, e coberturas em cúpula e meias
cúpulas. Em ambos os modelos sobressai a preocupação em destacar as linhas
cruciformes (em forma de cruz), cuja
simbologia se começara a definir. Batistérios
(edifícios para
a celebração do Batismo) e mausoléus (túmulos) adotaram a planta centrada, com uma das portas
orientada a leste e outra a poente, com enormes cúpulas sobre a sala central. As
primitivas igrejas cristãs, exteriormente pobres
e austeras, possuíam interiormente uma
decoração pictórica a fresco ou em mosaicos de belas e cores vivas. O modelo mais caraterístico foi o
de planta basilical de 3 naves,
que se impôs como dominante a partir do século V, no Ocidente, influenciando a
evolução artística até ao românico.
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A escultura
Como traços
gerais observados nas criações catacumbárias, destacam-se o rudimentarismo da
técnica e a pobreza de expressão.
São obras de
inspiração popular, elementares de execução e ingénuas de sentimento, reveladoras
das suas origens em artesãos e artistas improvisados ou autodidatas. Explica-se
o facto por a difusão inicial do Cristianismo ter sido feita entre as camadas
sociais inferiores do Império, homens e mulheres do povo, trabalhadores,
escravos e bárbaros, sem os requintes de técnicas e expressão de artistas a
serviço de classes superiores dominantes e ainda paganizadas. Só quando a nova
crença começa a difundir-se entre as camadas sociais elevadas, capazes de
mobilizar artistas profissionalmente formados e capazes de exprimir os ideais
estéticos, se observa melhor nível técnico e expressivo, sobretudo no século
anterior ao reconhecimento.
Porém, não
há muitas esculturas nos primeiros tempos. Os cristãos, tomados de prevenção
contra a estatuária, temerosos do pecado da idolatria, condenavam-na e denunciavam-na
nos pagãos. As estátuas das divindades mitológicas, nuas, regulares e de belas formas
que falavam aos sentidos, eram encarnações do mal aos olhos cristãos, sugestões
do demónio, tentações da carne, a evitar e destruir. Nesta fase e
principalmente depois do reconhecimento, os cristãos lançaram-se, num zelo
fanático, à destruição de ídolos. Desapareceram, assim, numerosas obras de arte
da antiguidade clássica greco-romana. Os crentes da religião ora perseguida
procuravam salvá-las por todos os meios, enterrando-as por vezes e legando-no-las,
embora sem intenção.
Quando se
amortecem os extremismos doutrinários dos primeiros tempos e estão atenuados os
perigos da idolatria, como as prevenções com o naturalismo sensualista da
escultura pagã, surgem os escultores cristãos, mesmo nas catacumbas e durante
as perseguições.
Esses
artistas voltam-se para tipos humanos e temas ornamentais da escultura
helenística pagã. O Cristianismo ainda não criara os seus tipos e a sua
iconografia, valendo-se dos modelos existentes que jaziam no subconsciente
coletivo e da experiência de artistas formados dentro das tradições
greco-romanas. E os escultores aplicam-se, em especial, à execução de sarcófagos
de mármore, imitando os modelos romanos. Efetivamente, na técnica e na
expressão, os sarcófagos são pagãos, transposições dos baixos-relevos
peculiares da decadência da escultura romana. As figuras são bem proporcionadas
e realistas, tocadas de sentimento helenístico na representação de cenas do
Velho e do Novo Testamento. Na face lateral, fica o medalhão ou o busto do
morto, geralmente marido e mulher, numa reminiscência dos usos funerários
etruscos. Apresentam naturalmente variações de técnica e de estilo através dos
tempos.
Na categoria
de escultura, podem ser mencionadas figurinhas em cerâmica de animais e
pássaros simbólicos, a pomba, o peixe, o leão, a águia, o pavão, o cavalo,
assim como lâmpadas funerárias, geralmente de barro. Há também numerosos vasos
de cerâmica. Acreditava-se que tivesse contido sangue de mártires, por
vestígios de coloração avermelhada. Numerosos autores os consideram, porém,
recipientes de perfumes e óleos aromáticos.
***
A pintura
Surgidas no meio cultural romano, as primeiras decorações pictóricas
cristãs assumem as caraterísticas formais da arte do tempo. Basta comparar a
decoração do cubículo do Belo Pastor das catacumbas de Domitila ou as da cripta
de Lucina nas de São Calisto (ambas do início do século III) com as obras não cristãs coevas para sentir a identidade
das técnicas: paredes e abóbodas, recobertas a branco cremoso, são
compartimentadas por decoração linear em vermelho e verde muito esquemática,
que define espaços regulares em cujo centro aparecem pequenas figuras com uma
técnica nervosa. Salvo pela imperícia e natureza tosca (só a partir do Édito da Tolerância de 313 puderam ser obras de artistas notáveis), as primitivas pinturas cristãs estilisticamente
não se diferenciam das outras romanas do tempo. E só a partir do século V se
poderá falar dum código formal próprio e plenamente adaptado à sua própria
religiosidade.
Além das caraterísticas pictóricas parecidas com as da
pintura romana dos séculos III e IV, quiçá por precaução face às perseguições
ou como meio mais adequado para penetrar nas consciências, os primeiros
cristãos usaram motivos correntes na arte pagã, os quais, esvaziados do antigo
conteúdo, adotaram uma nova simbologia. Assim, o tema das estações passou a símbolo
da renovação da vida; Orfeu com os animais converteu-se em reflexo de Cristo
como pastor de almas; e Cristo passou a ser figurado com os tributos de Apolo
como luz do mundo.
Foi em finais do século II e início do III, talvez em conexão
com relativa a tolerância, que, no reinado dos Severos e com o desenvolvimento
de uma arte figurativa judaica, um pouco anterior, que também encontrou campo
de ação nas catacumbas romanas e nas sinagogas, se começou a definir o universo
de formas cristãs, abrangendo não só imagens simbólicas (Cristo como Bom Pastor, o monograma,
o lábaro e o peixe, o Cordeiro eucarístico, o cálice, os pássaros picando a
videira), bem como
ciclos narrativos com cenas alusivas à salvação, tanto extraídas do Velho
Testamento como do Novo, e para algumas das quais talvez pudessem utilizar-se
como modelos as cenas da Bíblia ilustrada que, segundo parece, se realizavam em
Alexandria já no século I.
Ao longo do século IV, o Cristianismo deixou de ser
perseguido (Édito de
Milão, de Constantino, 313) e converteu-se em religião oficial do Estado (Édito de Tessalónica, de Teodósio, 380), sendo que a oficialização teve
consequências importantes nas artes, começando pela edificação de grande número
de templos, como se disse – os mais significativos pagos pelo imperador –, mas,
embora na arquitetura as consequências tenham sido imediatas e claras, no
atinente à escultura ou à pintura as mudanças iriam ser bastante mais calmas e
parece clara uma certa continuidade com os modelos do século III. Porém, nos finais
do século IV, coincidindo com novo período de energia que o reinado de Teodósio
propiciou à Igreja, as decorações dos templos aparecem bem definidas. Primeiro,
um afã de riqueza leva a preferir o mosaico à pintura mural para recobrir as
paredes dos templos. Depois, há um incremento de valores narrativos. Por fim,
verifica-se o aumento da qualidade formal das representações. Quanto ao aspeto
temático, devem recordar-se as representações de santos e mártires.
Desde os
movimentos iniciais da propagação da nova fé, os cristãos defrontaram-se com o
problema de criar a sua imaginária, em outras palavras, a representação de Deus
e de Cristo, da Virgem e das cenas das Escrituras Sagradas, ao lado das
verdades e dogmas da fé. De facto, era difícil representar, por exemplo, a
Anunciação, a Natividade, o Batismo e a Eucaristia, conforme os sentimentos e
as ideias dos cristãos. Estes problemas de simbologia e plástica foram solucionados,
ao longo do tempo, pelos pintores catacumbários, entre sugestões e influências
inevitáveis do mundo pagão.
As primeiras
decorações catacumbárias, figurativas ou ornamentais, são ingénuas e simples.
Tendem inicialmente ao simbólico e abstrato, revelam depois influências dos
modelos greco-romanos, que estavam aos olhos de todos. Muitas vezes, são
desenhos de incisão, executados a fresco sobre a camada de estuque,
desaparecidos em grande parte ou visíveis hoje nos traços gerais. No desenho e
no colorido, os autores são frustros, sem grande segurança técnica e poder de
expressão. Com o tempo, adquirem maior destreza e melhores recursos de
expressão. São sensíveis às influências da pintura romana erudita,
particularmente a pompeiana de finalidades decorativas. Os pintores aplicam o claro-escuro,
combinam com mais variedade as cores e proporcionam as figuras humanas. Surgem
os primeiros mosaicos coloridos catacumbários, que mostram influências
orientais e sugestões dos desenhos de manuscritos.
Os artistas
usam símbolos variados. Há símbolos abstratos, como o círculo, que representa
Cristo, por associação com o disco solar. O disco aposto na cruz simboliza a
Crucificação, cena cuja representação foi evitada nos primeiros séculos (a cruz
demorou a passar de símbolo de escravidão a troféu de glória). A simbologia cristã primitiva é muito rica, sendo que,
ao lado dos abstratos, se multiplicam os símbolos figurativos. Os mais comuns
são o peixe, a pomba com o ramo de oliveira no bico, o pavão, a âncora, o
lírio, o cacho de uva, a espiga de trigo, entre outros. O peixe era Cristo,
pois as inicias das palavras gregas Jesus Cristo de Deus Filho Salvador formam ichtus (peixe em grego). A pomba com o ramo de oliveira no bico alude ao
episódio de Noé. O pavão simboliza a eternidade; a âncora, a salvação pela
firmeza da fé e, às vezes, a cruz do Calvário; o lírio, a pureza; o cacho de
uva, o sangue de Cristo; a espiga de trigo, a Eucaristia; e a serpente (que simboliza,
entre pagãos, as energias da terra) passa,
entre os cristãos, a símbolo do Mal.
Representam-se
com especial preferência alguns episódios sagrados: Noé na arca, Abraão a
preparar-se para sacrificar Isaac, Jonas vomitado pelo monstro marinho, Daniel
na cova dos leões, os três jovens hebreus na fornalha, Susana e os velhos. São
poucos os milagres de Cristo representados: a recuperação do cego, a cura do
paralítico e a ressurreição de Lázaro.
A preferência
dos pintores por esses temas é porque na Igreja de Antioquia, centro prestigioso
do Cristianismo, rezava-se à cabeceira do moribundo uma oração, mais tarde
conhecida e popularizada em Roma, em que se referiam os episódios que os
pintores representavam com insistência nas catacumbas. Por outro lado, os
pintores apoderaram-se de muitos símbolos da mitologia, conferindo-lhes
significação cristã. Orfeu, por exemplo, com a sua lira aplacando as feras,
passa a simbolizar Cristo a amainar, com a palavra divina, as paixões do mal.
Ulisses, amarrado ao mastro da embarcação, resistindo às sereias, é a alma
cristã, que resiste à tentação do pecado. Eros
e Psiquê são símbolos da alma que se
une a Deus pelo amor.
***
O mosaico
O mosaico, muito utilizado pelos gregos e romanos, foi o
material escolhido para o revestimento interno das basílicas, utilizando
imagens do Velho e do Novo Testamento. Esse tratamento artístico também foi
dado aos mausoléus e os sarcófagos feitos para os fiéis mais ricos e eram
decorados com relevos usando imagens de passagens bíblicas.
Jesus Cristo era simbolizado por um círculo ou por um peixe,
pois, como se disse, a palavra peixe, em grego ichtus,
forma as iniciais da frase: “Jesus Cristo de Deus Filho Salvador”. Outra forma
de simbolizá-Lo é o desenho do pastor com ovelhas, pois, “Jesus Cristo é o Belo
Pastor” e também, o cordeiro, porque “Jesus Cristo é o Cordeiro de Deus”.
Ao longo do século V e em boa parte do século VI, Ravena
converteu-se na capital artística da Itália graças às obras da família imperial
e, sobretudo, ao programa do rei ostrogodo Teodorico (493-536) e às realizações bizantinas após a
conquista da Itália pelos generais de Justiniano. Da primeira metade do século
V são dois edifícios de plano central (a pia batismal da catedral dos Ortodoxos e do mausoléu de
Gala Placídia, filha de Teodósio), cuja sobriedade exterior contrasta com o rico revestimento
interno de mosaicos.
Na igreja Santo Apolinário in Classe, dedicada em 549,
conserva-se a decoração da abside. Na parte inferior 12 cordeiros, símbolo dos
apóstolos, caminham para o centro, onde a princípio se figurou o Cordeiro
místico e depois (talvez
por ali estar enterrado um santo) se representou Santo Apolinário, bispo e padroeiro de
Ravena, em atitude de oração. Mais acima, numa paisagem sumária de
caráter decorativo, mais três cordeiros, símbolo das testemunhas da
Transfiguração, contemplam a Cruz, alinhada sobre Santo Apolinário no eixo
central.
Na cidade de Ravena, pode apreciar-se, pois, o Mausoléu de
Gala Placídia e as igrejas de Santo Apolinário, o Novo, e a de São Vital, com riquíssimos
mosaicos.
***
Concluindo
A fase catacumbária
corresponde ao período das perseguições aos cristãos, com maior ou menor
intolerância e crueldade, da parte dos imperadores romanos. A perseguição
desenvolvia-se em todo o Império, em algumas partes com mais brandura,
especialmente em certas regiões da Ásia Menor, onde houve tolerância com a nova
religião, que se misturava com velhos cultos pagãos, vindos dos egípcios e
caldeus, sendo ali mais precoces as transformações da primitiva arte cristã. Ora,
sendo uma religião perseguida, alvo da vigilância e repressão das autoridades,
as práticas cristãs se faziam ocultamente.
Assim, na
fase catacumbária, segundo alguns, não há propriamente arquitetura.
Pensou-se,
durante muito tempo, que os fiéis se reuniam no interior das catacumbas para celebração
do culto e só lá o praticavam. Porém, investigações arqueológicas permitem
dizer que também faziam o culto dentro de residências, em Roma e outras
cidades, à noite, sob o temor da prisão, tortura e morte.
Nos
primeiros tempos, os cristãos eram sepultados nos cemitérios pagãos. Deixaram
de o fazer porque adotaram a prática da inumação, contrária à incineração,
usada pelos pagãos, e porque os pagãos consagravam os cemitérios às suas
divindades. Nas residências, utilizavam salas, com altares improvisados, para o
ofício divino, o ágape (ou banquete de amor), como se chamavam, de que resultou a cerimónia ritual da Missa. Algumas
casas mais ricas chegaram a ter uma espécie de templo, com disposição e
instalação adequadas.
As maiores e
mais famosas catacumbas são as de Roma, ao longo das grandes e históricas vias
imperiais, pois as leis romanas proibiam o sepultamento no interior dos recintos
das cidades. Evocam a memória de santos e mártires, chamando-se São Pretextato,
São Sebastião, São Calisto e Santa Domitila. Existiram também noutras cidades
italianas, Nápoles, Siracusa, bem como na África do Norte e Ásia Menor. Serviam
para culto, cemitérios, locais de reunião e refúgio em tempos de maiores
perseguições. Em Roma, são hoje locais de visitação turística e peregrinação. Para
a sua construção, escolhiam-se terrenos apropriados ou aproveitavam-se as
escavações deixadas pela exploração das jazidas de pozzolana (rocha
vulcânica porosa, que se triturava para obter uma espécie de cimento, usado no
preparo da argamassa de construção).
Transformadas em catacumbas, as galerias de pozzolana foram ampliadas e solidificadas.
E os terrenos preferidos eram os de tufo, tufa granular, camadas do subsolo
constituídas de sedimentos e depósitos de matérias pulverulentas, acumuladas
pela água, que formam pedra compacta, porosa, utilizável em construção. A
caprichosidade do traçado resulta da resistência ou impropriedade do subsolo que
os “fossores” (operários cavadores) iam
encontrando. Nas pinturas catacumbárias aparecem ingénuas e tocantes homenagens
a esses trabalhadores.
Depois do
reconhecimento ou da paz oficial da Igreja, os cristãos abandonaram-nas como
locais de sepultamento. Preferiam enterrar os mortos nos terrenos das igrejas e
conventos ou em cemitérios públicos. Transformadas em locais de peregrinação entre
os séculos IV e VII, receberam decorações, altares e criptas. Os peregrinos
retiravam e levavam relíquias de santos e mártires em tamanha quantidade que as
autoridades eclesiásticas proibiram tais práticas.
No século VII,
caíram no esquecimento e, no resto da Idade Média, estiveram ignoradas. Em
plena Renascença, sob emoção popular, principalmente quando ia no auge a luta
contra a reforma de Lutero, foram redescobertas por acaso em 1578. Antonio
Bosio, antiquário romano, estudou-as no livro “Roma Subterrânea”. No século XIX, os seus estudos foram ampliados
por João Battista de Rossi (1822-1894), arqueólogo
italiano que publicou obras fundamentais pela objetividade e segurança das
informações. As demais catacumbas, em outras partes do mundo, inclusive
catacumbas de cristãos heréticos e judeus, foram também objeto de investigações
e estudos para melhor conhecimento das manifestações iniciais da arte cristã
primitiva.
Já as
basílicas constituíram os primeiros templos autónomos para o culto cristão, autonomia
que se tornou o modo normal de vivência da liturgia cristã, embora com boas
exceções.
Nos
primeiros séculos, os padres buscavam apoio para as verdades da fé nas
profecias das sacerdotisas pagãs, como diz Raoul Rouaix, que aponta as sibilas
da mitologia, pintadas por Michelangelo no teto da Capela Sistina (Vaticano) numa sobrevivência dessa tradição.
Enfim, além
da apresentação dos motivos e festividades próprios, a Igreja cristianizou
muitos do elementos que viu no paganismo e aproveitou as vias de implantação e
difusão do Império… Não estaremos atualmente a paganizar e a mercadejar elementos
e festividades cristãs?
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