sexta-feira, 14 de maio de 2021

A arte paleocristã, duração, fases e caraterísticas

 

A arte paleocristã (dos primeiros 5 séculos) abrange as manifestações artísticas dos primeiros cristãos, que decorreram aproximadamente entre o ano 70 e o século V/VI da Era Cristã, no período de expansão do Cristianismo. A extraordinária dispersão geográfica desta arte forneceu-lhe grande diversidade regional, mas não impediu a subsistência de traços estruturais comuns: utilização dos modelos estilísticos da Roma clássica; uso de novas formas técnicas e estéticas oriundas das zonas periféricas do Império, sobretudo das províncias do Oriente; e subordinação ao novo espírito e temática do Cristianismo que às artes decorativas impôs uma iconografia retirada das Sagradas Escrituras e o sentido doutrinal e pastoral.

Com o esplendor da cultura pagã assumida e testemunhada pelo Império Romano, inicia-se e desenvolve-se o cristianismo, que assenta os fundamentos da sua evolução nos primeiros séculos, com a pregação dos apóstolos e a pregação e escrita dos padres apostólicos (coetâneos e discípulos dos apóstolos). E não se compreende a arte medieval sem ter presente as formas e critérios que se estabelecem em consequência da nova fé.

A arte paleocristã não origina a dissolução da arte romana, mas a implantação de novos critérios que fundamentam o novo período histórico. Por conseguinte, seleciona e toma do mundo romano (ocidental e oriental) múltiplos elementos para criar uma nova linguagem que se adapte e corresponda às exigências da fé cristã. Distinguem-se, cronologicamente, no desenvolvimento da arte paleocristã duas etapas, separadas pelo Édito de Tolerância, de 313. Porém, a segunda não termina com a queda do Império Romano do Ocidente em 476, pois, tanto no Oriente, que se funde com as formas iniciais do mundo bizantino, como no Ocidente, onde coexiste com a arte dos povos bárbaros, a arte paleocristã persiste como tal até ao início do século VII.

O nascimento de Jesus iniciou uma nova era e um novo modo de viver. Com o surgimento do novo reino espiritual, o poder romano, vendo-se extremamente abalado, iniciou um período de perseguição a Cristo e a quantos aceitaram a sua condição de Messias, aderiram à sua pessoa e seguiram os seus critérios. Esta perseguição marcou a 1.ª fase da arte paleocristã, a fase catacumbária (do século I ao século IV), que retira o nome das catacumbas, cemitérios subterrâneos em Roma, onde os primeiros cristãos secretamente celebravam o culto. Ainda hoje podemos visitar as catacumbas de Santa Priscila e Santa Domitila, nos arredores de Roma.

Os cristãos foram perseguidos durante 3 séculos, até em 313 o imperador Constantino legalizar o Cristianismo pelo Édito de Milão, dando início à 2.ª fase da arte paleocristã, a basilical.

Em 395, o imperador Teodósio dividiu o Império Romano pelos dois filhos: Honório e Arcádio. Para Honório ficou o Império Romano do Ocidente, tendo Roma como capital; e para Arcádio o Império Romano do Oriente, com a capital Constantinopla (antiga Bizâncio e atual Istambul).

O império Romano do Ocidente sofreu várias invasões, sobretudo de povos bárbaros, até que, em 476, foi completamente dominado. Já o Império Romano do Oriente (onde se desenvolveu a arte bizantina), apesar das dificuldades financeiras, dos ataques bárbaros e das pestes, manteve-se até 1453, quando Constantinopla, a capital, foi totalmente dominada pelos muçulmanos.

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A arquitetura

O preceito de inumar o cadáver do cristão, em vez de o incinerar, e a ideia de que a terra que recebe a sepultura é sagrada, pois abençoa e recebe em depósito o corpo que aguarda a ressurreição originou o aparecimento dos cemitérios cristãos.

A partir do século II, a catacumba, cemitério subterrâneo ou hipogeu apresenta a seguinte disposição: uma série de galerias subterrâneas de circulação, ambulatórios ou corredores (ambulacra), muito estreitos (que se cruzam e entrecruzam, em diferentes níveis, sobrepondo-se, constantemente, em extensões consideráveis de centenas de quilómetros) para aproveitar ao máximo o terreno, cujas paredes se destinam a receber várias filas de nichos na longitudinal. Estas galerias alargam-se de vez em quando e formam pequena câmara (cubiculum ou crypta) para reunir algumas sepulturas (sobretudo de família) e pequenos altares. Os corpos eram depositados em nichos retangulares (loculi), abertos na parede e sobrepostos em fila. Uma placa de mármore ou de pedra, com o nome do morto acompanhado de piedosa invocação, fechava a abertura. Nalguns casos, o cubiculum estava no final da galeria, com o assento para o Bispo (banco comprido, como presidência) o que indica que realizavam reuniões comunitárias. Os loculi maiores possuíam um arco (arcosolium), às vezes sobre colunas, contendo geralmente um sarcófago de mármore. Nas galerias superiores ficam os lucernários abertos para o exterior, que proporcionam, através da lucerna (claraboia), a luz e ventilação de que carecem as inferiores.

É claro, não são considerados obras de arquitetura os trabalhos, por vezes toscos, de sustentação de paredes e tetos ou ampliação de espaço, executados nas catacumbas. Nalgumas catacumbas, construíam-se criptas para deposição de ossos de mártires ou despojos de papas, muitas das quais no primeiro século do reconhecimento do Cristianismo. Nas catacumbas de Santa Priscila, existe a Capela Grega e, nas de São Calisto, a Cripta dos Papas, ambas de Roma. São pequenos recintos, com tetos abobadados ou planos sustentados por arcos e colunas, decorados de pinturas e com vestígios de escultura em estuque.

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As primeiras basílicas tiveram influência da casa romana e dos templos de culto oriental. Era a planta estruturada em três partes: pública, semipública e privada.  A pública consta do grande pátio com fonte no centro. O pátio tem à sua volta galerias a dar para o corpo do templo. Já a semipública é constituída pelo corpo da igreja, que pode constar de uma, três ou cinco naves, separadas por filas de colunas que suportam as arcadas. Como o templo está orientado, ou seja, tem a cabeceira ou presbitério para leste, encontra-se a norte uma nave destinada às mulheres e a outra a sul, onde se situam os homens, denominando-se, respetivamente, nave do evangelho e da epístola, porque na sua direção se dirigiam as correspondentes  leituras da Missa. Na nave central situa-se o coro menor, para cantores e clérigos menores.  A parte semipública é separada da privada por uma parede com portas, o septum, pelo que a nave transversal que está atrás (nave do cruzeiro) tem o nome de transeptum ou transepto. A parte privada é complexa e evoca nas suas formas o edifício funerário, pois tudo se relaciona com a câmara subterrânea onde se encontrava a relíquia, corpo ou lugar venerado que justificava a construção da basílica nesse local.

No século V surgem variantes das basílicas, sendo frequente um segundo piso sobre as naves laterais ou pela parte central, resolvendo-se o problema da iluminação do interior do edifício pela maior altura da nave central, que permite abrir amplas janelas por cima das naves laterais.

Do período inicial do reinado de Constantino são basílicas importantes como, em Roma, a desaparecida São Pedro, Santa Inês, San Lorenzo Extramuros e São João de Latrão, hoje em boa parte reconstruídas. Depois desse período, as comunidades cristãs do Oriente e do Ocidente empenham-se na busca e desenvolvimento dum tipo de templo cristão. Nesta etapa, que vai de 350 a 550, concretizam-se dois tipos diferentes de igreja: a de planta de cruz latina (derivado do tradicional tipo basilical); e a de planta de cruz grega (ou de plano central). O elemento fundamental é o triunfo da abóboda (sobretudo nos edifícios de plano central), sendo a cúpula o elemento essencial.

Na arquitetura basilical, a grande preocupação foi a procura duma tipologia para o templo cristão com duas funções: a de morada de Deus e recinto de culto; e a de local de encontro e reunião da comunidade dos fiéis – criando, pois, novas exigências funcionais e de espaço.

Assim, as primeiras igrejas da arte paleocristã obedecem a dois modelos principais: o de planta basilical, em cruz latina, com 3 ou 5 naves separadas por arcadas e/ou colunatas e cobertas por tetos de armação de madeira; e o de planta centrada, de influência helenística e oriental, com formas circulares, octogonais ou em cruz grega, e coberturas em cúpula e meias cúpulas. Em ambos os modelos sobressai a preocupação em destacar as linhas cruciformes (em forma de cruz), cuja simbologia se começara a definir. Batistérios (edifícios para a celebração do Batismo)mausoléus (túmulos) adotaram a planta centrada, com uma das portas orientada a leste e outra a poente, com enormes cúpulas sobre a sala central. As primitivas igrejas cristãs, exteriormente pobres e austeras, possuíam interiormente uma decoração pictórica a fresco ou em mosaicos de belas e cores vivas. O modelo mais caraterístico foi o de planta basilical de 3 naves, que se impôs como dominante a partir do século V, no Ocidente, influenciando a evolução artística até ao românico.

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A escultura

Como traços gerais observados nas criações catacumbárias, destacam-se o rudimentarismo da técnica e a pobreza de expressão.

São obras de inspiração popular, elementares de execução e ingénuas de sentimento, reveladoras das suas origens em artesãos e artistas improvisados ou autodidatas. Explica-se o facto por a difusão inicial do Cristianismo ter sido feita entre as camadas sociais inferiores do Império, homens e mulheres do povo, trabalhadores, escravos e bárbaros, sem os requintes de técnicas e expressão de artistas a serviço de classes superiores dominantes e ainda paganizadas. Só quando a nova crença começa a difundir-se entre as camadas sociais elevadas, capazes de mobilizar artistas profissionalmente formados e capazes de exprimir os ideais estéticos, se observa melhor nível técnico e expressivo, sobretudo no século anterior ao reconhecimento.

Porém, não há muitas esculturas nos primeiros tempos. Os cristãos, tomados de prevenção contra a estatuária, temerosos do pecado da idolatria, condenavam-na e denunciavam-na nos pagãos. As estátuas das divindades mitológicas, nuas, regulares e de belas formas que falavam aos sentidos, eram encarnações do mal aos olhos cristãos, sugestões do demónio, tentações da carne, a evitar e destruir. Nesta fase e principalmente depois do reconhecimento, os cristãos lançaram-se, num zelo fanático, à destruição de ídolos. Desapareceram, assim, numerosas obras de arte da antiguidade clássica greco-romana. Os crentes da religião ora perseguida procuravam salvá-las por todos os meios, enterrando-as por vezes e legando-no-las, embora sem intenção.

Quando se amortecem os extremismos doutrinários dos primeiros tempos e estão atenuados os perigos da idolatria, como as prevenções com o naturalismo sensualista da escultura pagã, surgem os escultores cristãos, mesmo nas catacumbas e durante as perseguições.

Esses artistas voltam-se para tipos humanos e temas ornamentais da escultura helenística pagã. O Cristianismo ainda não criara os seus tipos e a sua iconografia, valendo-se dos modelos existentes que jaziam no subconsciente coletivo e da experiência de artistas formados dentro das tradições greco-romanas. E os escultores aplicam-se, em especial, à execução de sarcófagos de mármore, imitando os modelos romanos. Efetivamente, na técnica e na expressão, os sarcófagos são pagãos, transposições dos baixos-relevos peculiares da decadência da escultura romana. As figuras são bem proporcionadas e realistas, tocadas de sentimento helenístico na representação de cenas do Velho e do Novo Testamento. Na face lateral, fica o medalhão ou o busto do morto, geralmente marido e mulher, numa reminiscência dos usos funerários etruscos. Apresentam naturalmente variações de técnica e de estilo através dos tempos.

Na categoria de escultura, podem ser mencionadas figurinhas em cerâmica de animais e pássaros simbólicos, a pomba, o peixe, o leão, a águia, o pavão, o cavalo, assim como lâmpadas funerárias, geralmente de barro. Há também numerosos vasos de cerâmica. Acreditava-se que tivesse contido sangue de mártires, por vestígios de coloração avermelhada. Numerosos autores os consideram, porém, recipientes de perfumes e óleos aromáticos.

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A pintura

Surgidas no meio cultural romano, as primeiras decorações pictóricas cristãs assumem as caraterísticas formais da arte do tempo. Basta comparar a decoração do cubículo do Belo Pastor das catacumbas de Domitila ou as da cripta de Lucina nas de São Calisto (ambas do início do século III) com as obras não cristãs coevas para sentir a identidade das técnicas: paredes e abóbodas, recobertas a branco cremoso, são compartimentadas por decoração linear em vermelho e verde muito esquemática, que define espaços regulares em cujo centro aparecem pequenas figuras com uma técnica nervosa. Salvo pela imperícia e natureza tosca (só a partir do Édito da Tolerância de 313 puderam ser obras de artistas notáveis), as primitivas pinturas cristãs estilisticamente não se diferenciam das outras romanas do tempo. E só a partir do século V se poderá falar dum código formal próprio e plenamente adaptado à sua própria religiosidade.

Além das caraterísticas pictóricas parecidas com as da pintura romana dos séculos III e IV, quiçá por precaução face às perseguições ou como meio mais adequado para penetrar nas consciências, os primeiros cristãos usaram motivos correntes na arte pagã, os quais, esvaziados do antigo conteúdo, adotaram uma nova simbologia. Assim, o tema das estações passou a símbolo da renovação da vida; Orfeu com os animais converteu-se em reflexo de Cristo como pastor de almas; e Cristo passou a ser figurado com os tributos de Apolo como luz do mundo.

Foi em finais do século II e início do III, talvez em conexão com relativa a tolerância, que, no reinado dos Severos e com o desenvolvimento de uma arte figurativa judaica, um pouco anterior, que também encontrou campo de ação nas catacumbas romanas e nas sinagogas, se começou a definir o universo de formas cristãs, abrangendo não só imagens simbólicas (Cristo como Bom Pastor, o monograma, o lábaro e o peixe, o Cordeiro eucarístico, o cálice, os pássaros picando a videira), bem como ciclos narrativos com cenas alusivas à salvação, tanto extraídas do Velho Testamento como do Novo, e para algumas das quais talvez pudessem utilizar-se como modelos as cenas da Bíblia ilustrada que, segundo parece, se realizavam em Alexandria já no século I.

Ao longo do século IV, o Cristianismo deixou de ser perseguido (Édito de Milão, de Constantino, 313) e converteu-se em religião oficial do Estado (Édito de Tessalónica, de Teodósio, 380), sendo que a oficialização teve consequências importantes nas artes, começando pela edificação de grande número de templos, como se disse – os mais significativos pagos pelo imperador –, mas, embora na arquitetura as consequências tenham sido imediatas e claras, no atinente à escultura ou à pintura as mudanças iriam ser bastante mais calmas e parece clara uma certa continuidade com os modelos do século III. Porém, nos finais do século IV, coincidindo com novo período de energia que o reinado de Teodósio propiciou à Igreja, as decorações dos templos aparecem bem definidas. Primeiro, um afã de riqueza leva a preferir o mosaico à pintura mural para recobrir as paredes dos templos. Depois, há um incremento de valores narrativos. Por fim, verifica-se o aumento da qualidade formal das representações. Quanto ao aspeto temático, devem recordar-se as representações de santos e mártires.

Desde os movimentos iniciais da propagação da nova fé, os cristãos defrontaram-se com o problema de criar a sua imaginária, em outras palavras, a representação de Deus e de Cristo, da Virgem e das cenas das Escrituras Sagradas, ao lado das verdades e dogmas da fé. De facto, era difícil representar, por exemplo, a Anunciação, a Natividade, o Batismo e a Eucaristia, conforme os sentimentos e as ideias dos cristãos. Estes problemas de simbologia e plástica foram solucionados, ao longo do tempo, pelos pintores catacumbários, entre sugestões e influências inevitáveis do mundo pagão.

As primeiras decorações catacumbárias, figurativas ou ornamentais, são ingénuas e simples. Tendem inicialmente ao simbólico e abstrato, revelam depois influências dos modelos greco-romanos, que estavam aos olhos de todos. Muitas vezes, são desenhos de incisão, executados a fresco sobre a camada de estuque, desaparecidos em grande parte ou visíveis hoje nos traços gerais. No desenho e no colorido, os autores são frustros, sem grande segurança técnica e poder de expressão. Com o tempo, adquirem maior destreza e melhores recursos de expressão. São sensíveis às influências da pintura romana erudita, particularmente a pompeiana de finalidades decorativas. Os pintores aplicam o claro-escuro, combinam com mais variedade as cores e proporcionam as figuras humanas. Surgem os primeiros mosaicos coloridos catacumbários, que mostram influências orientais e sugestões dos desenhos de manuscritos.

Os artistas usam símbolos variados. Há símbolos abstratos, como o círculo, que representa Cristo, por associação com o disco solar. O disco aposto na cruz simboliza a Crucificação, cena cuja representação foi evitada nos primeiros séculos (a cruz demorou a passar de símbolo de escravidão a troféu de glória). A simbologia cristã primitiva é muito rica, sendo que, ao lado dos abstratos, se multiplicam os símbolos figurativos. Os mais comuns são o peixe, a pomba com o ramo de oliveira no bico, o pavão, a âncora, o lírio, o cacho de uva, a espiga de trigo, entre outros. O peixe era Cristo, pois as inicias das palavras gregas Jesus Cristo de Deus Filho Salvador formam ichtus (peixe em grego). A pomba com o ramo de oliveira no bico alude ao episódio de Noé. O pavão simboliza a eternidade; a âncora, a salvação pela firmeza da fé e, às vezes, a cruz do Calvário; o lírio, a pureza; o cacho de uva, o sangue de Cristo; a espiga de trigo, a Eucaristia; e a serpente (que simboliza, entre pagãos, as energias da terra) passa, entre os cristãos, a símbolo do Mal.

Representam-se com especial preferência alguns episódios sagrados: Noé na arca, Abraão a preparar-se para sacrificar Isaac, Jonas vomitado pelo monstro marinho, Daniel na cova dos leões, os três jovens hebreus na fornalha, Susana e os velhos. São poucos os milagres de Cristo representados: a recuperação do cego, a cura do paralítico e a ressurreição de Lázaro.

A preferência dos pintores por esses temas é porque na Igreja de Antioquia, centro prestigioso do Cristianismo, rezava-se à cabeceira do moribundo uma oração, mais tarde conhecida e popularizada em Roma, em que se referiam os episódios que os pintores representavam com insistência nas catacumbas. Por outro lado, os pintores apoderaram-se de muitos símbolos da mitologia, conferindo-lhes significação cristã. Orfeu, por exemplo, com a sua lira aplacando as feras, passa a simbolizar Cristo a amainar, com a palavra divina, as paixões do mal. Ulisses, amarrado ao mastro da embarcação, resistindo às sereias, é a alma cristã, que resiste à tentação do pecado. Eros e Psiquê são símbolos da alma que se une a Deus pelo amor.

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O mosaico

O mosaico, muito utilizado pelos gregos e romanos, foi o material escolhido para o revestimento interno das basílicas, utilizando imagens do Velho e do Novo Testamento. Esse tratamento artístico também foi dado aos mausoléus e os sarcófagos feitos para os fiéis mais ricos e eram decorados com relevos usando imagens de passagens bíblicas.

Jesus Cristo era simbolizado por um círculo ou por um peixe, pois, como se disse, a palavra peixe, em grego ichtus, forma as iniciais da frase: “Jesus Cristo de Deus Filho Salvador”. Outra forma de simbolizá-Lo é o desenho do pastor com ovelhas, pois, “Jesus Cristo é o Belo Pastor” e também, o cordeiro, porque “Jesus Cristo é o Cordeiro de Deus”.

Ao longo do século V e em boa parte do século VI, Ravena converteu-se na capital artística da Itália graças às obras da família imperial e, sobretudo, ao programa do rei ostrogodo Teodorico (493-536) e às realizações bizantinas após a conquista da Itália pelos generais de Justiniano. Da primeira metade do século V são dois edifícios de plano central (a pia batismal da catedral dos Ortodoxos e do mausoléu de Gala Placídia, filha de Teodósio), cuja sobriedade exterior contrasta com o rico revestimento interno de mosaicos.

Na igreja Santo Apolinário in Classe, dedicada em 549, conserva-se a decoração da abside. Na parte inferior 12 cordeiros, símbolo dos apóstolos, caminham para o centro, onde a princípio se figurou o Cordeiro místico e depois (talvez por ali estar enterrado um santo) se representou Santo Apolinário, bispo e padroeiro de Ravena, em atitude de oração. Mais acima, numa paisagem sumária  de caráter decorativo, mais três cordeiros, símbolo das testemunhas da Transfiguração, contemplam a Cruz, alinhada sobre Santo Apolinário no eixo central.

Na cidade de Ravena, pode apreciar-se, pois, o Mausoléu de Gala Placídia e as igrejas de Santo Apolinário, o Novo, e a de São Vital, com riquíssimos mosaicos.

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Concluindo

A fase catacumbária corresponde ao período das perseguições aos cristãos, com maior ou menor intolerância e crueldade, da parte dos imperadores romanos. A perseguição desenvolvia-se em todo o Império, em algumas partes com mais brandura, especialmente em certas regiões da Ásia Menor, onde houve tolerância com a nova religião, que se misturava com velhos cultos pagãos, vindos dos egípcios e caldeus, sendo ali mais precoces as transformações da primitiva arte cristã. Ora, sendo uma religião perseguida, alvo da vigilância e repressão das autoridades, as práticas cristãs se faziam ocultamente.

Assim, na fase catacumbária, segundo alguns, não há propriamente arquitetura.

Pensou-se, durante muito tempo, que os fiéis se reuniam no interior das catacumbas para celebração do culto e só lá o praticavam. Porém, investigações arqueológicas permitem dizer que também faziam o culto dentro de residências, em Roma e outras cidades, à noite, sob o temor da prisão, tortura e morte.

Nos primeiros tempos, os cristãos eram sepultados nos cemitérios pagãos. Deixaram de o fazer porque adotaram a prática da inumação, contrária à incineração, usada pelos pagãos, e porque os pagãos consagravam os cemitérios às suas divindades. Nas residências, utilizavam salas, com altares improvisados, para o ofício divino, o ágape (ou banquete de amor), como se chamavam, de que resultou a cerimónia ritual da Missa. Algumas casas mais ricas chegaram a ter uma espécie de templo, com disposição e instalação adequadas.

As maiores e mais famosas catacumbas são as de Roma, ao longo das grandes e históricas vias imperiais, pois as leis romanas proibiam o sepultamento no interior dos recintos das cidades. Evocam a memória de santos e mártires, chamando-se São Pretextato, São Sebastião, São Calisto e Santa Domitila. Existiram também noutras cidades italianas, Nápoles, Siracusa, bem como na África do Norte e Ásia Menor. Serviam para culto, cemitérios, locais de reunião e refúgio em tempos de maiores perseguições. Em Roma, são hoje locais de visitação turística e peregrinação. Para a sua construção, escolhiam-se terrenos apropriados ou aproveitavam-se as escavações deixadas pela exploração das jazidas de pozzolana (rocha vulcânica porosa, que se triturava para obter uma espécie de cimento, usado no preparo da argamassa de construção). Transformadas em catacumbas, as galerias de pozzolana foram ampliadas e solidificadas. E os terrenos preferidos eram os de tufo, tufa granular, camadas do subsolo constituídas de sedimentos e depósitos de matérias pulverulentas, acumuladas pela água, que formam pedra compacta, porosa, utilizável em construção. A caprichosidade do traçado resulta da resistência ou impropriedade do subsolo que os “fossores(operários cavadores) iam encontrando. Nas pinturas catacumbárias aparecem ingénuas e tocantes homenagens a esses trabalhadores.

Depois do reconhecimento ou da paz oficial da Igreja, os cristãos abandonaram-nas como locais de sepultamento. Preferiam enterrar os mortos nos terrenos das igrejas e conventos ou em cemitérios públicos. Transformadas em locais de peregrinação entre os séculos IV e VII, receberam decorações, altares e criptas. Os peregrinos retiravam e levavam relíquias de santos e mártires em tamanha quantidade que as autoridades eclesiásticas proibiram tais práticas.

No século VII, caíram no esquecimento e, no resto da Idade Média, estiveram ignoradas. Em plena Renascença, sob emoção popular, principalmente quando ia no auge a luta contra a reforma de Lutero, foram redescobertas por acaso em 1578. Antonio Bosio, antiquário romano, estudou-as no livro “Roma Subterrânea”. No século XIX, os seus estudos foram ampliados por João Battista de Rossi (1822-1894), arqueólogo italiano que publicou obras fundamentais pela objetividade e segurança das informações. As demais catacumbas, em outras partes do mundo, inclusive catacumbas de cristãos heréticos e judeus, foram também objeto de investigações e estudos para melhor conhecimento das manifestações iniciais da arte cristã primitiva.

Já as basílicas constituíram os primeiros templos autónomos para o culto cristão, autonomia que se tornou o modo normal de vivência da liturgia cristã, embora com boas exceções.  

Nos primeiros séculos, os padres buscavam apoio para as verdades da fé nas profecias das sacerdotisas pagãs, como diz Raoul Rouaix, que aponta as sibilas da mitologia, pintadas por Michelangelo no teto da Capela Sistina (Vaticano) numa sobrevivência dessa tradição.

Enfim, além da apresentação dos motivos e festividades próprios, a Igreja cristianizou muitos do elementos que viu no paganismo e aproveitou as vias de implantação e difusão do Império… Não estaremos atualmente a paganizar e a mercadejar elementos e festividades cristãs?

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