A 3.ª conferência do MEL (Movimento Europa e Liberdade), que ocorreu em Lisboa recentemente, recebeu Passos
Coelho com o entusiasmo usualmente manifestado perante os grandes líderes.
Porém, o antigo líder socialdemocrata – neste convénio supostamente das
direitas, mas que parece não o ser pela recusa de Rui Rio em situar-se à
direita, reclamando-se do centro político – mostrou-se decidido a manter-se
afastado da corrida à liderança do PSD, pelo menos no atual ciclo político,
pois o dele, se houver de surgir, não parece estar iminente. Assim, não é
crível que se apresente às eleições diretas, em janeiro próximo, para a
liderança do ainda maior partido da oposição, momento de reavaliação da
liderança de Rio.
Um pouco à semelhança do que dizia António José Seguro em tempos idos “qual é a pressa?”, embora sem se
despedir da política ativa e sem dizer “vou
andar por aí” (como Santana Lopes), Passos finca-se persistente na indisponibilidade, por sentir prematuro um
eventual regresso.
O ex-Primeiro-Ministro disse-o a algumas pessoas que lhe acenaram com a
ambição da disputa da presidência do partido, mas o próprio mantém a avaliação
de que é preciso dar lugar a gente mais nova, quiçá por julgar que não há
condições para a direita governar, com ele ousem ele, nos anos mais próximos. Sentindo-se
desejado pela sua família política, observou que “uma coisa é federar a
direita, outra é ter condições para governar” e que, não estando esgotado o ciclo
do PS, este terá que responder pela sua gestão da coisa pública, nada lucrando
os opositores em antecipar um desfecho, a menos que seja através do desgaste do
costismo, o que não é fácil. E, sem o dizer verbalmente, mostrou pela mímica a
insatisfação pelo desempenho de Rio, apesar de este haver desferido um ataque
direto e frontal ao Governo, que acusou de “não querer reformar o país”.
Entretanto, o ex-Primeiro-Ministro é cada vez mais apontado como o único homem
capaz fintar a esquerda, não vá acontecer que o Chega, de André Ventura, se consolide
como tendência para o segundo lugar no xadrez político-partidário. Por isso,
alguns defendem a reiteração da sua presença em eventos como o MEL. Consideram
que ele “tem o carisma dos líderes míticos”, que “acabam por ficar reféns do
próprio mito”. Só que dizem ter ele um antídoto para esse risco, como sair de
cena, voltar à vida pacata e ir reaparecendo. Assim, é errado querer
estabelecer-lhe prazos ou encarregá-lo de preencher um vazio. Mas, para os
observadores, ele quereria recuperar a governança para fazer o que deixou a
meio e mostrar a validade do seu programa reformista para o país, embora longe de
estar disponível para repetir a saga de 2015 de eleições ganhas e com a
obrigação de passar a pasta ao então dito maior partido da oposição. Por isso,
é crível que regresse apenas quando pressentir a consecução duma maioria
absoluta, o que não parecer assomar no horizonte.
Rui Rio assente que “é muito difícil uma maioria absoluta, sozinho é difícil,
temos de estar abertos”. E Passos, mesmo estando fora, quis vincar com a sua
permanência na ‘convenção das direitas’ que a via do PSD é por ali, sem medo de
se somar à direita.
Foi nesta linha de pensamento que todos queriam falar com Passos, dos
membros do Chega ao IL (Iniciativa Liberal), passando pelo CDS. O socialdemocrata Miguel Pinto Luz justificou esta
postura assim: foi a “orfandade” deixada na direita após a saída de Passos que
levou ao surgimento de forças como o Chega ou o IL. E sustentou que só uma
mudança de liderança no PSD resolveria parte do problema, mas com um “projeto
alternativo para o país”, enquanto Miguel Poiares Maduro defende: primeiro, um
“projeto de país”, não confundível com um “projeto de poder oportunista”, como
o do Chega (iliberal); e, depois,
a liderança.
Uma fonte socialdemocrata disse acreditar que Passos poria o partido com
32% e, somando com o resto da direita, faria os 45%, o que Marcelo terá dito
que era o que a direita precisava.
Contudo, até os órfãos do passismo se vão adaptando à ideia, no sentido de
terem de esperar pelo fim do ciclo do PS e mesmo da zanga de comadres no partido
do governo por via da luta sucessória. Porém, outros com José Miguel Júdice
pensam que a direita pode mesmo ficar a ver navios até 2027, pois, como dizem,
“Costa é mestre a beneficiar do seu
próprio demérito”.
Por sua vez, o CDS tem o centro no programa, mas abusa da crítica aos
socialdemocratas.
***
André Ventura avisou Rio de que, a haver
um Governo liderado pelo PSD, saído das próximas eleições legislativas, o Chega
não será “partido-muleta, como o CDS foi em tempos”, nem de protesto, como o BE
(Bloco de Esquerda), nem força partidária engolida pelo
PSD. E o líder diz:
“Se tivermos de mandar abaixo um Governo do
PSD, mandamos”.
Na moção que levará ao Congresso (este fim de semana) sob o título “Governar Portugal”, Ventura tem o partido como “parceiro
incontestável de Governo por direito e mérito próprios” e quer que ele “imponha
uma margem para ser um membro ativo de uma governação”, esperando que o Congresso
o valide, ou seja, conceda o mandato para fazer as negociações necessárias.
Quer, ao menos, 4 ministérios: Administração Interna, Defesa, Justiça e
Segurança Social. E garante:
“Se o Chega tiver 15% e o PSD se recusar a
conceder-nos esses 4 ministérios, não haverá Governo”.
Diz que Rio conhece genericamente estas condições, mas que no
Congresso apresentará este caderno de encargos para Rio ou para outro que venha
a ser eleito. E reconhece que o partido a que já pertenceu tem “gente
inteligente”. Todavia, o Congresso decidir-se-á ou só pelo apoio parlamentar ou
por negociações para condicionar um Governo com a presença do Chega.
Assim, face a duas hipóteses que o PSD venha a propor – participação
do Chega no Governo, mas sem Ventura ou o Chega limitar-se a dar apoio parlamentar
sem entrar no Governo – Ventura entende que a segunda deve ser recusada
liminarmente, sendo tal recusa inspirada na experiência nos Açores. O Chega e o
Iniciativa Liberal (IL) sustentam o Governo Regional de Bolieiro
(PSD/CDS/PPM) por acordos de incidência
parlamentar, mas Ventura já ameaçou fazer cair o Executivo pelo menos duas
vezes. E, dar apenas apoio parlamentar implica uma capacidade fraca de
influenciar a governação. Por isso, formula um recado interno:
“Se o Congresso entender que devemos apoiar
um Governo do PSD, seja em que circunstâncias for, há uma certeza: não será
comigo”.
Porém, o IL diz que não participará num Governo onde esteja o
Chega. E tal postura dependerá da força eleitoral dos liberais, sendo, para
Ventura, praticamente impossível PSD, CDS e IL formarem um Governo sem o Chega.
Ventura conta com a dramatização que o PSD faça num cenário
de finca-pé do Chega, prognosticando que “O PSD dirá que só não há um Governo
de direita porque o Chega não aceita as suas condições” e “vai procurar dizer
até ao fim que não tem nada a ver com o Chega”, acabando por concluir que precisa
dos votos do Chega. Ora, se não aceitarem então as condições do Chega, permitirão
ao PS a sua perpetuação no poder – diz.
Serão apresentadas “mais de 70 moções” ao Congresso no
horizonte das próximas eleições autárquicas, as primeiras que o partido
disputará. Com mais de 100 candidaturas apresentadas, o líder reconhece que o
partido está “muito aquém do que já deveria ter feito”. E, como não irá
concorrer aos 308 municípios, mas quer “aproximar-se das três centenas”, terá
de “acelerar o processo”, já que pretende tornar-se “a terceira força a nível
nacional” (superar o BE
e o PCP).
Preveem-se mudanças na cúpula do Chega. Embora não tenha
revelado quem sai e quem entra, o líder disse gostar que o Congresso valorize o
trabalho dos que vão sair e projete os que vão entrar e apelou a “uma transição
pacífica”.
O Congresso ocorre poucos dias depois de um estudo de opinião
ter indicado que metade dos portugueses estão dispostos a aceitar um líder
autoritário. Porém, Ventura disse não se ver como um líder autoritário, mas
como um líder capaz de tomar medidas difíceis. E, inferindo que estão fartos os
portugueses deste “modo de fazer política”, atirou:
“Estou disponível para ser esse líder por
entender que chegou o momento de dar um murro na mesa. Se isso é ser um líder
autoritário, então eu sou um líder autoritário.”.
***
Face ao que se passou no MEL
e o que se antevê no Congresso do Chega, percebe-se que a reeleita coordenadora
do BE (Catarina Martins), num misto de receio de
ascensão da direita e na reclamação dum lugar na condução da política do país,
reitere a insistência na disponibilidade para
negociar com o PS, pois não se esgotou a perspetiva de entendimento à esquerda
que permita viabilizar o próximo OE e evitar qualquer crise política. Trabalho,
saúde e sistema financeiro são as matérias principais do caderno de encargos BE,
e a líder até deixa um desafio a António Costa: “Porque não fazer um acordo sobre trabalho?”.
Em entrevista ao Expresso, revela
que na vida do BE houve períodos com e sem oposições internas. Regista a
unanimidade em torno da solução governativa com o PS, mas também a exigência de
mais reflexão face à mudança da vida política e à renitência do PS em ir adiante.
Reconhece que em todas as convenções há a crítica da “asfixia democrática”, mas sustenta que “só
partidos que permitem a pluralidade de opiniões tornam visíveis as críticas”.
Rejeita a crítica de que o BE ficou pelos
“corredores do poder” e deixou de lado a militância e os movimentos sociais,
observando que o Bloco “nunca teve
tanta interlocução com setores normalmente afastados da decisão política,
esquecidos ou distantes da esquerda”, sendo o setor da vigilância um dos
exemplos.
Tendo-lhe sido apontado que, no discurso de
encerramento da Convenção, fez mira à direita e ao “enamoramento” de Rui Rio
pela extrema-direita, retorquiu:
“Do ponto de
vista da disputa da governação, a direita não conta para nada. Não tem um
projeto para o país, nem capacidade eleitoral, mas há um problema: esta direita
incapaz decidiu apoiar projetos de política de ódio e dar-lhes visibilidade. E
isso é muito grave porque legitima discursos de ódio.”.
Diz que o BE responde à direita do ódio com
um projeto consequente que faça diferença na vida das pessoas, pois “o
desespero não pode tomar conta da sociedade, nem das pessoas que desesperam por
tratamento no SNS ou por resposta da Segurança Social” (ódio cresce
do desespero).
Questionada sobre se a esquerda falhou a essas pessoas, reage com a asserção de que o PS “não tem tido um projeto de esquerda forte”, embora
tenha dado algum oxigénio de esperança no período pós-troika, mas diz que “é
preciso muito mais”.
Acha natural que a direita tenha o Bloco como
alvo principal, pois “a extrema-direita
vive de atacar direitos as liberdades de parte da população para tirar
vantagens económicas”, sendo o BE quem mais defende direitos e liberdades e quem
mais denuncia os poderes económicos.
Embora considere que toda a esquerda é alvo da extrema-direita, sustenta
que só para o Bloco foram usados termos
tão radicais e inaceitáveis como o pedido de extermínio. Mas um tribunal – e
não o BE – já condenou o Chega por ultrapassagem dos limites em ataque racista
e de ódio.
Admite que, pela grande hipocrisia de tais partidos (com discurso
e prática a desdizer os estatutos), são
contraproducentes os pedidos de ilegalização, sendo mais úteis os processos
judiciais.
Desvaloriza a reunião do MEL, que não constituiu qualquer reagrupamento à direita, apenas fulminando o
auditório com discursos inacreditáveis e endeusando Passos Coelho – o que
mostra uma direita sem projeto para o país e com as sondagens a vaticinarem que
não será Governo, mesmo que toda junta.
Sobre o hipotético deslaçamento do projeto de esquerda, diz:
“O que conta é
o que queremos e conseguimos fazer pelo país. Os partidos não têm de pensar
todos o mesmo e continuamos a achar que há alguma capacidade de entendimento. O
PM considerou um dos maiores erros não ter reforçado os direitos laborais antes
da pandemia e reconheceu a precariedade como um dos maiores problemas. Então,
porque não fazer um acordo sobre trabalho?”.
Preferiu, na Convenção, a reabertura da porta que
o PS fechou, mantendo as mesmas
linhas de negociação, por exemplo o reforço dos profissionais do SNS, as formas
de reforço da Segurança Social, o combate à precariedade do trabalho, a
alteração do sistema financeiro. Mantém, pois, o BE “toda a
disponibilidade para continuar essas conversas” e acrescentar a da legislação
laboral, para a qual “o PS não demonstrou disponibilidade nenhuma”.
Disse que o BE não tem negociado com o PS desde o OE, pois o Governo tem estado muito concentrado
na presidência europeia, havendo que voltar à terra, mas tem-se encontrado com
o PM, nomeadamente sobre as questões da pandemia, sobre as quais tem havido
diálogo.
O Bloco está disposto a facilitar um novo
entendimento à esquerda, mas permanecendo fiel ao mandato de discutir o trabalho, a saúde e o sistema
financeiro. Entende que um OE (orçamento do
Estado), para ser viabilizado à esquerda, “tem
de determinar as condições do emprego e defender o SNS”, pois, “é inaceitável o discurso de que cabe à
esquerda aprovar o OE do PS”, mesmo que o PS não faça orçamento de esquerda
nem o negoceie com a esquerda.
Por fim, descarta qualquer cenário de crise
política, pois “uma esquerda firme em
matérias como o trabalho, o SNS ou o sistema financeiro pode conseguir
orçamentos com contributos importantes para o país”.
***
Um regresso de Passos Coelho será possível a médio prazo se Rio se
desgastar até ao limite e se Carlos Moedas tiver mau resultado nas autárquicas em
Lisboa. Se o resultado de Lisboa for muito bom, o jovem candidatar-se-á com
êxito à liderança do PSD e baralhará as contas. Resta saber se os
socialdemocratas são de centro e adeptos da socialdemocracia, como preconizava
Sá Carneiro, ou se hão de contar-se na direita menos social que a propalada por
Marcelo.
Ora, se um partido neoliberal pode fazer tremer o sossego do país, um
partido iliberal, embora nascido dum partido dito socialdemocrata, torna-se
altamente desestabilizador, quer pelo discurso racista, populista, xenófobo e
de ódio que desenvolve, quer pelas pastas que pretende sobraçar (Administração
Interna, Defesa, Justiça e Segurança Social), propícias à concretização do seu
ideário: ostracização dos bairros degradados e dificuldade em admissão de
estrangeiros, punição destemperada dos ilícitos, manipulação das forças
armadas, retirada de benefícios sociais.
Deus nos livre de qualquer radicalização que nos
torne irrespiráveis com em tempo de troika.
Porém, a esquerda dita moderada, ou oscilante
para a direita e para a esquerda, que nos governa construirá uma solução válida
e duradoura para o país ou vai mareando à vista, dando a asilo à corrupção e
quejandos, ao facilitismo e à mediocridade?
2021.05.28
– Louro de Carvalho
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