Xavier
Becerra, Secretário de Saúde dos Estados Unidos, sustentou que “os estudos
sobre a origem da covid-19 devem ser transparentes e baseados na ciência e na
independência de especialistas”. Disse-o neste dia 25 de maio em discurso proferido
por videoconferência na assembleia anual da OMS (Organização Mundial de Saúde), no pressuposto de que “temos de entender melhor a pandemia para responder melhor às ameaças
futuras”.
Em
fevereiro, os EUA já tinham expressado a sua insatisfação com os resultados
preliminares das investigações realizadas no início do ano por especialistas
internacionais em Wuhan (China), que
procuraram explicações para a origem da pandemia e consideraram que as
autoridades chinesas tinham ocultado dados da missão da OMS.
Os
especialistas indicaram, após 4 semanas de trabalho (28 dias), que a hipótese mais provável da origem do novo
coronavírus seria a transmissão aos humanos por animais selvagens, através de
uma ou mais espécies que atuavam como intermediárias. Ao mesmo tempo,
descartaram, por menos provável, a hipótese de a origem estar em acidente de
laboratório, bem como no contágio por meio de alimentos congelados importados,
teoria veiculada pelos ‘media’ oficiais chineses.
Por outro
lado, contrariando o veto que a China opôs novamente, na assembleia anual, à
presença de Taiwan na OMS, Becerra pediu que seja aceite como observador,
aduzindo que “devemos fortalecer a
segurança sanitária e a preparação para pandemias para estarmos mais bem
preparados para a próxima crise sanitária global”, mas não mencionando a
hipótese de um tratado internacional a este respeito, como foi pedido pela UE e
por vários outros países.
Becerra
pediu o estabelecimento de mecanismos de financiamento sustentáveis para a OMS
e defendeu a melhoria da “capacidade de pesquisa e fabricação de terapias e
vacinas”, bem como a promoção da formação de funcionários de saúde.
***
As
declarações de Becerra em plena assembleia anual da OMS constituem uma reação
sustentada ao teor do relatório conjunto da
OMS e especialistas chineses (17 de cada lado, tendo o 1.º grupo
feito quarentena de 14 dias),
divulgado oficialmente no dia 30 de março do corrente ano e que chegou à
conclusão de que a transmissão do vírus SARS-CoV-2 para humanos a partir dum
animal intermediário é uma hipótese “provável a muito provável”.
Na
verdade, desde dezembro de 2019, o vírus SARS-CoV-2 tem causado a denominada
covid-19, doença infetocontagiosa – transmitida
por aquele novo coronavírus detetado no final de 2019, em Wuhan, uma cidade do
centro da China –,
que está na origem da pandemia que, segundo um
balanço feito pela agência francesa AFP
(France-Presse), provocou, pelo menos, 3.475.079 mortos no mundo, resultantes de mais de 167,1
milhões de casos de infeção.
Já
na véspera, as agências noticiosas AFP e AP (Associated Press) revelavam que, de acordo com o
relatório, a transmissão do vírus SARS-CoV-2 de morcegos para humanos
através doutro animal é o cenário mais provável para explicar o início do surto
pandémico, considerando extremamente improvável um incidente de laboratório.
Porém,
o relatório sublinha que, “perante a literatura sobre o papel dos
animais de criação como hospedeiros intermediários de doenças emergentes, é
necessário realizar outros levantamentos, inclusive numa maior extensão
geográfica” na China e noutros lugares.
Os
especialistas confirmaram as primeiras conclusões apresentadas a 9 de fevereiro
em Wuhan, cidade chinesa onde apareceu pela primeira vez o vírus, defenderam a
teoria geralmente aceite da transmissão natural do vírus dum animal
reservatório – provavelmente o morcego – para o homem, por meio doutro animal,
ainda não identificado, e recomendaram a continuação dos estudos com base
nessas três hipóteses, mas descartam a possibilidade de o vírus
ter sido transmitido a humanos devido a acidente de laboratório, bem como a contágio por alimentos congelados importados,
pista privilegiada pela China, que a considera possível.
A
missão sobre a origem da transmissão do vírus aos humanos, considerada
extremamente importante na tentativa de melhor combater uma possível próxima
epidemia, enfrentou dificuldades para realizar as investigações, já que a China
ficou muito relutante em deixar os cientistas viajarem para Wuhan.
Nas
suas descobertas, os investigadores disseram que estudos da cadeia de
abastecimento do mercado de Huanan (e outros em Wuhan) não permitiram encontrar “evidências
da presença de animais infetados, mas a análise da cadeia de abastecimento
forneceu informações” úteis para estudos de monitoração direcionados,
especialmente nas regiões vizinhas. E pediram que não se
negligenciassem “os produtos de origem animal de regiões fora do Sudeste
Asiático” e defenderam que os inquéritos futuros devem ser desenhados
“em áreas maiores e num maior número de países”.
É
de anotar que a divulgação do relatório foi adiada várias vezes, levantando
questões sobre se o lado chinês tentava distorcer as conclusões para evitar que
a culpa recaísse sobre a China. Não obstante, o relatório é amplamente baseado
na visita duma equipa de especialistas internacionais da OMS a Wuhan em meados
de janeiro e fevereiro deste ano.
***
Os
cientistas frisam que estudos de diferentes países sugerem que o SARS-CoV-2
pode ter circulado várias semanas antes de o primeiro caso ser detetado em
Wuhan. Por isso, a OMS quer nova investigação sobre hipótese de a pandemia ter
origem em laboratório, até porque, segundo julgam, a cidade de Wuhan e o
mercado de Huanan não podem ser considerados como ponto de origem da pandemia.
Com efeito, a investigação feita pelos especialistas indica que houve casos
iniciais que nada tinham a ver com o mercado Huanan, em Wuhan, e que agora se
sabe que, em dezembro de 2019, houve uma transmissão considerável do vírus na
comunidade que também não pode ser associada àquele lugar. Assim, estes dados “sugerem
que aquele mercado não foi a fonte do surto”.
O
local donde o SARS-CoV-2 se espalhou inicialmente permanece um mistério,
porque, apesar de o mercado não estar totalmente descartado, não há provas
suficientes de que a crise sanitária causada pela covid-19 tenha começado ali.
A este respeito, vinca o relatório:
“Neste momento, não se podem tirar
conclusões firmes sobre o papel do mercado de Huanan na origem do surto ou
sobre a forma como a infeção terá chegado ao mercado”.
E
os cientistas apontaram também que estudos de diferentes países sugerem que o
SARS-CoV-2 pode ter circulado várias semanas antes de o primeiro caso ser
detetado em Wuhan, o que pode sugerir “a possibilidade de uma circulação
ignorada em outros países”. Daí a importância de se conhecerem esses casos.
Assim, uma das narrativas mais comuns das autoridades chinesas é que o vírus
não se espalhou pelo mundo a partir de Wuhan, antes terá começado noutro lado.
Entretanto,
o Diretor-Geral da OMS quer uma nova investigação sobre a hipótese de a
pandemia de covid-19 ter sido causada por uma fuga dum laboratório na China,
criticando a falta de acesso a dados brutos. Com efeito, embora os
especialistas que estiveram na China, em janeiro e fevereiro, a investigar a
origem do coronavírus SARS-COV-2 tenham considerado tal hipótese como a menos
provável, o facto de a terem incluído no relatório “requer uma investigação
mais aprofundada, provavelmente com novas missões de cientistas
especializados”. Assim o defendeu Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante o
‘briefing’ que deu aos Estados-membros sobre o relatório aquando da sua
apresentação em Genebra.
A
hipótese de o vírus transmissor da covid-19 ter escapado de laboratório chinês
foi fortemente defendida pelos EUA, na administração de Trump, com base em
dados que disse ter recebido dos serviços de informação, possibilidade que a
China negou sempre.
Na verdade o
Governo de Donald Trump acusou o Instituto de Virologia de Wuhan, que faz
investigações sobre patógenos muito perigosos, de ter deixado o novo
coronavírus escapar, voluntariamente ou não. Ora, no relatório,
os especialistas indicam não terem estudado o caso de fuga voluntária, e
consideram extremamente improvável um acidente. Em todo o caso, é certo que a missão sobre as origens da transmissão do vírus aos humanos, considerada
extremamente importante na tentativa de melhor combater uma possível próxima
epidemia, enfrentou dificuldades para realizar as suas investigações, visto que
a China ficou muito relutante em deixar os cientistas viajarem para Wuhan.
Aliás,
Mike Pompeo, ex-Secretário de Estado dos EUA, reagiu às conclusões do relatório
afirmando que o documento “é uma farsa em linha” com a “campanha de
desinformação” do Partido Comunista Chinês e da OMS. Efetivamente, como
declarou através do Twitter, o Diretor-Geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus
“colaborou com o Presidente chinês, Xi Jinping, para ocultar a [forma
de] transmissão para
humanos num momento CRUCIAL”.
Assim, como sublinhou o Diretor-Geral da OMS, o
relatório “é um começo muito importante, mas não é a última palavra”. Na
verdade, Ghebreyesus frisou que os especialistas
internacionais “expressaram dificuldades de acesso a dados brutos” na sua
estada na China, rara crítica pública à forma como Pequim conduziu a
investigação conjunta. Por isso, disse esperar que “novos estudos em
conjunto sejam baseados numa partilha de dados mais ampla e rápida”.
Por
seu turno, Peter Ben Embarek, líder da missão de especialistas internacionais,
desvalorizou o assunto, na conferência de imprensa de apresentação do relatório,
vincando que a China, como outros países, não pode partilhar alguns dados por
razões de respeito pela privacidade.
A
administração Biden, que não reagiu ao relatório em março, fê-lo agora através
do Secretário da Saúde.
***
Na caixa de
comentários do DN, Álvaro Baptista reconhece que “não
sabemos ainda o que se passou em Wuhan nem a origem do vírus”. Porém, garante
que, ainda antes de novembro de 2019, houve eventos que nenhum órgão da
comunicação social dominante divulgou então:
-
A 18 de setembro de 2019 realizou-se “um exercício no aeroporto de Whuan
relacionado com a disseminação de um coronavírus”;
-
A 18 de outubro de 2019, ocorreu o Event201 (cuja anfitriã foi a
Bill&Melinda Foundation)
em que se realizou um exercício relacionado com uma pandemia de coronavírus:
“Event 201 simulates an outbreak of a novel
ZOONOTIC CORONAVIRUS transmitted from BATS to pigs to people that eventually
becomes efficiently transmissible from person to person, leading to a severe
pandemic”.
-
No mesmo dia, 18 de outubro de 2019, teve lugar a cerimónia inaugural dos VII
Jogos Militares Mundiais em Wuhan, havendo registo de participantes que deram
entrada nos hospitais locais com um quadro sintomatológico padrão.
E
conclui que “estes são apenas alguns grãos no areal das ‘coincidências’ em mais
uma história muito mal contada”.
***
Não admira, pois, que vá demorar “muito para se descobrir
a origem precisa da covid-19”, como confessou David Nabarro, enviado especial da OMS, assegurando que esta organização trabalha
com várias hipóteses sobre a origem da pandemia.
O enviado
especial da OMS para a covid-19, a 30 de março, admitiu que é “manifestamente
difícil” encontrar a origem do vírus que causou a pandemia, mas que se trabalha
com várias hipóteses e que esse trabalho leva tempo. Efetivamente, como referiu
à BBC Radio 4, “encontrar a origem de um vírus, quando se
tenta explicar de onde vem uma doença, é manifestamente difícil”. E,
antes de a OMS publicar oficialmente o seu relatório sobre a pandemia,
observou:
“Não sabemos a origem precisa do VIH (o
vírus que provoca a Sida), não sabemos a origem precisa do Ébola e vai demorar
muito para descobrir a origem precisa da covid-19”.
E o Diretor-Geral da OMS antecipava de véspera
que “todas as hipóteses estão sobre a mesa”.
É de lembrar
que, ainda neste dia 25, a
China detetou 15 casos de covid-19 nas últimas 24 horas, incluindo dois de
origem local, e os restantes oriundos do exterior, como anunciaram as
autoridades de saúde do país. Os casos
locais foram detetados na província de Anui, no leste da China; os outros 13
foram diagnosticados em viajantes provenientes do estrangeiro nas cidades de
Xangai (leste) e Tianjin (nordeste) e nas províncias de Shanxi (centro), Fujian (sudeste), Jiangsu (leste), Hunan (centro), Sichuan (centro) e Shaanxi (centro).
***
Enfim, o Secretário
da Saúde norte-americana pretende, como todos pretendemos, que a investigação
da origem da pandemia seja transparente na ciência e na independência de
especialistas. Mas não tenhamos ilusões, tanto mais que as dúvidas se mantêm,
porquanto o The Wall Street avançou,
no dia 24, que 3 investigadores chineses do Instituto de Virologia de Whuan
adoeceram em outubro de 2019, semeando mais dúvidas sobre a origem do vírus, o
que a China nega categoricamente.
A transparência
e a independência são muito difíceis na ciência como em qualquer ramo do
conhecimento e da atividade. Já Camões alertava no século XVI (vd Os
Lusíadas, VIII, 96-99):
Nas naus estar se deixa vagaroso, Até ver o que o tempo lhe descobre: Que não se fia já do cobiçoso Regedor corrompido e pouco nobre. Veja agora o juízo curioso Quanto no rico, assim como no pobre, Pode o vil interesse e sede inimiga Do dinheiro, que a tudo nos obriga. A Polidoro mata o rei Treício, Só por ficar senhor do grão tesouro; Entra, pelo fortíssimo edifício, Com a filha de Acriso a chuva d’ ouro; Pode tanto em Tarpeia avaro vício, Que, a troco do metal luzente e louro, Entrega aos inimigos a alta torre, Do qual quase afogada em pago morre. |
Este rende munidas fortalezas, Faz tredores e falsos os amigos: Este a mais nobres faz fazer vilezas, E entrega Capitães aos inimigos; Este corrompe virginais purezas, Sem temer de honra ou fama alguns perigos: Este deprava às vezes as ciências, Os juízos cegando e as consciências; Este interpreta mais que sutilmente. Os textos; este faz e desfaz leis; Este causa os perjúrios entre a gente, E mil vezes tiranos torna os Reis. Até os que só a Deus Onipotente Se dedicam, mil vezes ouvireis Que corrompe este encantador, e ilude; Mas não sem cor, contudo, de virtude. |
***
É o poder do
dinheiro, como é o poder político – que tudo tentam condicionar!
2021.05.25 – Louro de Carvalho
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