terça-feira, 25 de maio de 2021

EUA pedem investigação transparente sobre origem do novo coronavírus

 

Xavier Becerra, Secretário de Saúde dos Estados Unidos, sustentou que “os estudos sobre a origem da covid-19 devem ser transparentes e baseados na ciência e na independência de especialistas”. Disse-o neste dia 25 de maio em discurso proferido por videoconferência na assembleia anual da OMS (Organização Mundial de Saúde), no pressuposto de que “temos de entender melhor a pandemia para responder melhor às ameaças futuras”.

Em fevereiro, os EUA já tinham expressado a sua insatisfação com os resultados preliminares das investigações realizadas no início do ano por especialistas internacionais em Wuhan (China), que procuraram explicações para a origem da pandemia e consideraram que as autoridades chinesas tinham ocultado dados da missão da OMS.

Os especialistas indicaram, após 4 semanas de trabalho (28 dias), que a hipótese mais provável da origem do novo coronavírus seria a transmissão aos humanos por animais selvagens, através de uma ou mais espécies que atuavam como intermediárias. Ao mesmo tempo, descartaram, por menos provável, a hipótese de a origem estar em acidente de laboratório, bem como no contágio por meio de alimentos congelados importados, teoria veiculada pelos ‘media’ oficiais chineses.

Por outro lado, contrariando o veto que a China opôs novamente, na assembleia anual, à presença de Taiwan na OMS, Becerra pediu que seja aceite como observador, aduzindo que “devemos fortalecer a segurança sanitária e a preparação para pandemias para estarmos mais bem preparados para a próxima crise sanitária global”, mas não mencionando a hipótese de um tratado internacional a este respeito, como foi pedido pela UE e por vários outros países.

Becerra pediu o estabelecimento de mecanismos de financiamento sustentáveis para a OMS e defendeu a melhoria da “capacidade de pesquisa e fabricação de terapias e vacinas”, bem como a promoção da formação de funcionários de saúde.

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As declarações de Becerra em plena assembleia anual da OMS constituem uma reação sustentada ao teor do relatório conjunto da OMS e especialistas chineses (17 de cada lado, tendo o 1.º grupo feito quarentena de 14 dias), divulgado oficialmente no dia 30 de março do corrente ano e que chegou à conclusão de que a transmissão do vírus SARS-CoV-2 para humanos a partir dum animal intermediário é uma hipótese “provável a muito provável”.

Na verdade, desde dezembro de 2019, o vírus SARS-CoV-2 tem causado a denominada covid-19, doença infetocontagiosa – transmitida por aquele novo coronavírus detetado no final de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China –, que está na origem da pandemia que, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP (France-Presse), provocou, pelo menos, 3.475.079 mortos no mundo, resultantes de mais de 167,1 milhões de casos de infeção.

Já na véspera, as agências noticiosas AFP e AP (Associated Press) revelavam que, de acordo com o relatório, a transmissão do vírus SARS-CoV-2 de morcegos para humanos através doutro animal é o cenário mais provável para explicar o início do surto pandémico, considerando extremamente improvável um incidente de laboratório.

Porém, o relatório sublinha que, “perante a literatura sobre o papel dos animais de criação como hospedeiros intermediários de doenças emergentes, é necessário realizar outros levantamentos, inclusive numa maior extensão geográfica” na China e noutros lugares.

Os especialistas confirmaram as primeiras conclusões apresentadas a 9 de fevereiro em Wuhan, cidade chinesa onde apareceu pela primeira vez o vírus, defenderam a teoria geralmente aceite da transmissão natural do vírus dum animal reservatório – provavelmente o morcego – para o homem, por meio doutro animal, ainda não identificado, e recomendaram a continuação dos estudos com base nessas três hipóteses, mas descartam a possibilidade de o vírus ter sido transmitido a humanos devido a acidente de laboratório, bem como a contágio por alimentos congelados importados, pista privilegiada pela China, que a considera possível.

A missão sobre a origem da transmissão do vírus aos humanos, considerada extremamente importante na tentativa de melhor combater uma possível próxima epidemia, enfrentou dificuldades para realizar as investigações, já que a China ficou muito relutante em deixar os cientistas viajarem para Wuhan.

Nas suas descobertas, os investigadores disseram que estudos da cadeia de abastecimento do mercado de Huanan (e outros em Wuhan) não permitiram encontrar “evidências da presença de animais infetados, mas a análise da cadeia de abastecimento forneceu informações” úteis para estudos de monitoração direcionados, especialmente nas regiões vizinhas. E pediram que não se negligenciassem “os produtos de origem animal de regiões fora do Sudeste Asiático” e defenderam que os inquéritos futuros devem ser desenhados “em áreas maiores e num maior número de países”.

É de anotar que a divulgação do relatório foi adiada várias vezes, levantando questões sobre se o lado chinês tentava distorcer as conclusões para evitar que a culpa recaísse sobre a China. Não obstante, o relatório é amplamente baseado na visita duma equipa de especialistas internacionais da OMS a Wuhan em meados de janeiro e fevereiro deste ano.

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Os cientistas frisam que estudos de diferentes países sugerem que o SARS-CoV-2 pode ter circulado várias semanas antes de o primeiro caso ser detetado em Wuhan. Por isso, a OMS quer nova investigação sobre hipótese de a pandemia ter origem em laboratório, até porque, segundo julgam, a cidade de Wuhan e o mercado de Huanan não podem ser considerados como ponto de origem da pandemia. Com efeito, a investigação feita pelos especialistas indica que houve casos iniciais que nada tinham a ver com o mercado Huanan, em Wuhan, e que agora se sabe que, em dezembro de 2019, houve uma transmissão considerável do vírus na comunidade que também não pode ser associada àquele lugar. Assim, estes dados “sugerem que aquele mercado não foi a fonte do surto”.

O local donde o SARS-CoV-2 se espalhou inicialmente permanece um mistério, porque, apesar de o mercado não estar totalmente descartado, não há provas suficientes de que a crise sanitária causada pela covid-19 tenha começado ali. A este respeito, vinca o relatório:

“Neste momento, não se podem tirar conclusões firmes sobre o papel do mercado de Huanan na origem do surto ou sobre a forma como a infeção terá chegado ao mercado”.

E os cientistas apontaram também que estudos de diferentes países sugerem que o SARS-CoV-2 pode ter circulado várias semanas antes de o primeiro caso ser detetado em Wuhan, o que pode sugerir “a possibilidade de uma circulação ignorada em outros países”. Daí a importância de se conhecerem esses casos. Assim, uma das narrativas mais comuns das autoridades chinesas é que o vírus não se espalhou pelo mundo a partir de Wuhan, antes terá começado noutro lado.

Entretanto, o Diretor-Geral da OMS quer uma nova investigação sobre a hipótese de a pandemia de covid-19 ter sido causada por uma fuga dum laboratório na China, criticando a falta de acesso a dados brutos. Com efeito, embora os especialistas que estiveram na China, em janeiro e fevereiro, a investigar a origem do coronavírus SARS-COV-2 tenham considerado tal hipótese como a menos provável, o facto de a terem incluído no relatório “requer uma investigação mais aprofundada, provavelmente com novas missões de cientistas especializados”. Assim o defendeu Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante o ‘briefing’ que deu aos Estados-membros sobre o relatório aquando da sua apresentação em Genebra.

A hipótese de o vírus transmissor da covid-19 ter escapado de laboratório chinês foi fortemente defendida pelos EUA, na administração de Trump, com base em dados que disse ter recebido dos serviços de informação, possibilidade que a China negou sempre.

Na verdade o Governo de Donald Trump acusou o Instituto de Virologia de Wuhan, que faz investigações sobre patógenos muito perigosos, de ter deixado o novo coronavírus escapar, voluntariamente ou não. Ora, no relatório, os especialistas indicam não terem estudado o caso de fuga voluntária, e consideram extremamente improvável um acidente. Em todo o caso, é certo que a missão sobre as origens da transmissão do vírus aos humanos, considerada extremamente importante na tentativa de melhor combater uma possível próxima epidemia, enfrentou dificuldades para realizar as suas investigações, visto que a China ficou muito relutante em deixar os cientistas viajarem para Wuhan.

Aliás, Mike Pompeo, ex-Secretário de Estado dos EUA, reagiu às conclusões do relatório afirmando que o documento “é uma farsa em linha” com a “campanha de desinformação” do Partido Comunista Chinês e da OMS. Efetivamente, como declarou através do Twitter, o Diretor-Geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus “colaborou com o Presidente chinês, Xi Jinping, para ocultar a [forma de] transmissão para humanos num momento CRUCIAL”.

Assim, como sublinhou o Diretor-Geral da OMS, o relatório “é um começo muito importante, mas não é a última palavra”. Na verdade, Ghebreyesus frisou que os especialistas internacionais “expressaram dificuldades de acesso a dados brutos” na sua estada na China, rara crítica pública à forma como Pequim conduziu a investigação conjunta. Por isso, disse esperar que “novos estudos em conjunto sejam baseados numa partilha de dados mais ampla e rápida”.

Por seu turno, Peter Ben Embarek, líder da missão de especialistas internacionais, desvalorizou o assunto, na conferência de imprensa de apresentação do relatório, vincando que a China, como outros países, não pode partilhar alguns dados por razões de respeito pela privacidade.

A administração Biden, que não reagiu ao relatório em março, fê-lo agora através do Secretário da Saúde.

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Na caixa de comentários do DN, Álvaro Baptista reconhece que “não sabemos ainda o que se passou em Wuhan nem a origem do vírus”. Porém, garante que, ainda antes de novembro de 2019, houve eventos que nenhum órgão da comunicação social dominante divulgou então:

- A 18 de setembro de 2019 realizou-se “um exercício no aeroporto de Whuan relacionado com a disseminação de um coronavírus”;

- A 18 de outubro de 2019, ocorreu o Event201 (cuja anfitriã foi a Bill&Melinda Foundation) em que se realizou um exercício relacionado com uma pandemia de coronavírus:

Event 201 simulates an outbreak of a novel ZOONOTIC CORONAVIRUS transmitted from BATS to pigs to people that eventually becomes efficiently transmissible from person to person, leading to a severe pandemic”.

- No mesmo dia, 18 de outubro de 2019, teve lugar a cerimónia inaugural dos VII Jogos Militares Mundiais em Wuhan, havendo registo de participantes que deram entrada nos hospitais locais com um quadro sintomatológico padrão.

E conclui que “estes são apenas alguns grãos no areal das ‘coincidências’ em mais uma história muito mal contada”.

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Não admira, pois, que vá demorar “muito para se descobrir a origem precisa da covid-19”, como confessou David Nabarro, enviado especial da OMS, assegurando que esta organização trabalha com várias hipóteses sobre a origem da pandemia.

O enviado especial da OMS para a covid-19, a 30 de março, admitiu que é “manifestamente difícil” encontrar a origem do vírus que causou a pandemia, mas que se trabalha com várias hipóteses e que esse trabalho leva tempo. Efetivamente, como referiu à BBC Radio 4, “encontrar a origem de um vírus, quando se tenta explicar de onde vem uma doença, é manifestamente difícil”. E, antes de a OMS publicar oficialmente o seu relatório sobre a pandemia, observou:

Não sabemos a origem precisa do VIH (o vírus que provoca a Sida), não sabemos a origem precisa do Ébola e vai demorar muito para descobrir a origem precisa da covid-19”.

E o Diretor-Geral da OMS antecipava de véspera que “todas as hipóteses estão sobre a mesa”.

É de lembrar que, ainda neste dia 25, a China detetou 15 casos de covid-19 nas últimas 24 horas, incluindo dois de origem local, e os restantes oriundos do exterior, como anunciaram as autoridades de saúde do país. Os casos locais foram detetados na província de Anui, no leste da China; os outros 13 foram diagnosticados em viajantes provenientes do estrangeiro nas cidades de Xangai (leste) e Tianjin (nordeste) e nas províncias de Shanxi (centro), Fujian (sudeste), Jiangsu (leste), Hunan (centro), Sichuan (centro) e Shaanxi (centro).

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Enfim, o Secretário da Saúde norte-americana pretende, como todos pretendemos, que a investigação da origem da pandemia seja transparente na ciência e na independência de especialistas. Mas não tenhamos ilusões, tanto mais que as dúvidas se mantêm, porquanto o The Wall Street avançou, no dia 24, que 3 investigadores chineses do Instituto de Virologia de Whuan adoeceram em outubro de 2019, semeando mais dúvidas sobre a origem do vírus, o que a China nega categoricamente.  

A transparência e a independência são muito difíceis na ciência como em qualquer ramo do conhecimento e da atividade. Já Camões alertava no século XVI (vd Os Lusíadas, VIII, 96-99):

Nas naus estar se deixa vagaroso,

Até ver o que o tempo lhe descobre:

Que não se fia já do cobiçoso

Regedor corrompido e pouco nobre.

Veja agora o juízo curioso

Quanto no rico, assim como no pobre,

Pode o vil interesse e sede inimiga

Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

 

A Polidoro mata o rei Treício,

Só por ficar senhor do grão tesouro;

Entra, pelo fortíssimo edifício,

Com a filha de Acriso a chuva d’ ouro;

Pode tanto em Tarpeia avaro vício,

Que, a troco do metal luzente e louro,

Entrega aos inimigos a alta torre,

Do qual quase afogada em pago morre.

Este rende munidas fortalezas,

Faz tredores e falsos os amigos:

Este a mais nobres faz fazer vilezas,

E entrega Capitães aos inimigos;

Este corrompe virginais purezas,

Sem temer de honra ou fama alguns perigos:

Este deprava às vezes as ciências,

Os juízos cegando e as consciências;

 

Este interpreta mais que sutilmente.

Os textos; este faz e desfaz leis;

Este causa os perjúrios entre a gente,

E mil vezes tiranos torna os Reis.

Até os que só a Deus Onipotente

Se dedicam, mil vezes ouvireis

Que corrompe este encantador, e ilude;

Mas não sem cor, contudo, de virtude.

 

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É o poder do dinheiro, como é o poder político – que tudo tentam condicionar!

2021.05.25 – Louro de Carvalho

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