No Império Romano do Ocidente
Muito embora
seja grande a relevância das Igrejas do Oriente, o primado cedo foi reconhecido
à Igreja de Roma, pelo facto de Pedro, o primeiro
Papa, ter sido martirizado na que é denominada como a Cidade Eterna. E, apesar
de muitas das Igrejas do Oriente se acantonarem na herança do cisma (não reconhecendo o primado de Roma), nem por isso a
doutrina comporta diferenças essenciais.
Assim, é de passar em revista os
lugares do Império Romano do Ocidente
onde se estabeleceu o Cristianismo e donde ele irradiou no período paleocristão.
Começando pela
cidade de Roma, é difícil
determinar quando os cristãos ali surgiram pela primeira. O livro dos Atos dos
Apóstolos (vd At 18,2) refere
que o casal judeo-cristão Priscila e Áquila chegara recentemente de
Roma a Corinto quando, cerca do ano 50, Paulo chegou a esta
cidade, indicando que a fé em Jesus em Roma havia precedido Paulo.
Os
historiadores admitem que Pedro e Paulo foram martirizados em Roma
sob a égide de Nero em 64, após o Grande Incêndio de Roma, de cuja culpa,
segundo Tácito, o Imperador acusou os cristãos. No século
II, Irineu (ou Ireneu) de Lião, ancorado na visão de que a
Igreja não está totalmente presente em nenhum lugar sem bispo, apontou
que Pedro e Paulo haviam sido os fundadores da Igreja em Roma e
nomearam Lino como sucessor de Pedro. No entanto, Irineu não diz que Pedro
ou Paulo eram “bispos” da Igreja em Roma e vários historiadores questionam se
Pedro passou muito tempo em Roma antes do martírio. Quando Paulo escreveu
a Carta aos Romanos a partir de Corinto (c.58), a Igreja em Roma já florescia, pois ele atesta ali
uma grande comunidade cristã e cumprimenta cerca de 50 pessoas em Roma pelo
nome, mas não Pedro, que bem conhecia. Também não há menção a Pedro em Roma
mais tarde, durante os dois anos de Paulo em Roma por volta de 60-62 (vd At 28,16-31). Não terá, assim, passado muito
tempo Pedro em Roma antes de 58, quando Paulo escreveu aos romanos, podendo ter
sido apenas nos anos 60 e relativamente pouco antes do seu martírio que veio sede
do Império. É por isso que Oscar Cullmann rejeita a ideia de que Pedro começara
a sucessão papal, inferindo que, embora fosse Pedro o chefe dos
apóstolos, não foi o fundador de nenhuma sucessão visível da Igreja. O certo é
que Pedro faleceu em Roma e o facto teve significado fundacional em termos
organizacionais. E a sede originária do Império romano tornou-se o centro de autoridade
da Igreja, que usou as estruturas organizacionais e as vias de comunicação do Império
para a sua própria expansão, que foi aumentando década a década e sendo
reconhecida Roma como cabeça da Igreja durante o período dos sete
concílios ecuménicos (presididos
por legados do Bispo de Roma), quando a sede do governo passou para Constantinopla. Porém, Roma e
Alexandria, que detinham autoridade sobre as dioceses de fora dos seus limites ainda
não eram patriarcados.
Os primeiros
Bispos de Roma eram de língua grega, sendo os mais notáveis: Clemente I (c. 88-97), autor de Carta à Igreja de
Corinto; Telésforo (c.
126-136); Pio I (c. 141-154), declarado como irmão do autor
do pastor de Hermas pelo fragmento muratoriano; e Aniceto (c. 155-160), que recebeu São Policarpo e
com ele discutiu a data da Páscoa.
O Papa Victor
I (189-198) foi o primeiro escritor eclesiástico
que escreveu em latim, mas, como os seus escritos são encíclicas, naturalmente
seriam publicadas em latim e em grego.
Os textos do
Novo Testamento (NT) grego foram traduzidos para o latim
desde o início, bem antes de São Jerónimo e são classificados como a “Vetus Latina” e tipo de texto
ocidental.
No século
II, reuniram-se em Roma cristãos de diversas visões, nomeadamente Marcião e
Valentim. E o século III foi tempo de cismas relacionados com Hipólito de Roma
e Novaciano.
A Igreja
romana sobreviveu a várias perseguições. Dos cristãos proeminentes executados
em resultado da recusa em adorar os deuses, conforme ordenado pelo
imperador Valeriano em 258, consta Cipriano, Bispo de Cartago. A
última e mais severa perseguição imperial foi a de Diocleciano. As perseguições
cessaram em Roma (e no
Ocidente) com Maxêncio em
306.
Cartago, na província romana da África, a sul do Mediterrâneo, deu à Igreja
primitiva os Padres latinos Tertuliano (c. 120 – c.
220) e Cipriano (f. 258), mas caiu para o Islão em 698.
Da Gália do Sul há que dizer que a costa mediterrânea da França e
o vale do Ródano, então parte da romana Gallia Narbonensis, foram os
primeiros centros do Cristianismo. As principais cidades são Arles,
Avinhão, Vienne, Lião e Marselha (a cidade mais
antiga da França).
A perseguição em Lião ocorreu
em 177. O Padre Apostólico Ireneu (de Esmirna) foi Bispo de Lião no final do século II e afirmou
que São Potino era seu antecessor. O Concílio de Arles (em 314) foi precursor dos concílios
ecuménicos. A teoria efesina atribui a Lião o rito galicano.
Aquileia, antiga
cidade romana à beira do Mar Adriático, hoje um dos principais
sítios arqueológicos do norte de Itália, foi um dos primeiros centros do
Cristianismo que se diz ter sido fundado por Marcos antes da sua
missão em Alexandria. Crê-se que Hermágoras de Aquileia tenha sido o
seu primeiro Bispo. O rito aquiliano está associado a Aquileia.
Crê-se
que a Igreja de Milão, no NW da Itália, foi fundada pelo apóstolo Barnabé no século
I. Gervásio e Protásio e outros ali foram martirizados. Há muito
tempo mantém o seu próprio rito conhecido também como rito ambrosiano por
ser atribuído a Santo Ambrósio (nascido em 330), que foi Bispo de Milão em 374-397 e uma das
figuras eclesiásticas mais influentes do século IV. Duchesne sustenta que
o rito galicano teve origem em Milão.
De Siracusa e
Calábria há que apontar que Siracusa foi fundada por colonos gregos em 733 ou 734
a.C., integrando a Magna Grécia. Terá sido a segunda Igreja fundada por São Pedro, depois da de
Antioquia. Também parece que São Paulo pregou
ali. E, nos tempos de São Cipriano (meados
do século III),
o Cristianismo floresceu em Siracusa, mas as catacumbas mostram que a sua
prática já existia ali no século II. E, do outro lado do estreito
de Messina, Calábria, no continente, também foi provavelmente um dos
primeiros centros do Cristianismo.
De Malta é de indicar que Paulo naufragou e foi acolhido numa ilha que alguns
estudiosos identificaram como Malta (ilha ao sul
da Sicília) durante três meses, período em
que teria sido mordido por uma víbora venenosa e sobreviveu (At 27,29-42; 28,11), evento datado de 60
d.C. Paulo foi autorizado por Pórcio Festo, procurador da Província da Judeia,
a passar de Cesareia Marítima a Roma, para ser julgado ante o Imperador (vd At 25,1-12). Muitas tradições estão
associadas ao episódio, e as catacumbas em Rabat testemunham uma
comunidade cristã nas ilhas. Segundo a tradição, Públio, o governador
romano de Malta na época do naufrágio de São Paulo, tornou-se o primeiro Bispo
de Malta após a conversão ao Cristianismo. Depois de governar a Igreja
de Malta 31 anos, Públio foi transferido para a Sé de Atenas em 90
d.C., onde foi martirizado em 125 d.C. Há poucas informações sobre a
continuidade do Cristianismo em Malta, embora a tradição aponte uma linha
contínua de bispos desde Paulo a Constantino.
Salona, capital da província romana da Dalmácia na costa oriental
do Mar Adriático, foi um antigo centro do Cristianismo e é uma ruína
na Croácia atual. Tito, discípulo
de São Paulo, pregou ali onde os seguidores de Cristo derramaram o seu sangue
como mártires e onde foram descobertos belos exemplos de basílicas e esculturas
cristãs primitivas. Salona tornou-se
o centro a partir do qual o Cristianismo se espalhou. Na Panónia, Santo Andrónico fundou
a Sé de Sírio (Mitrovica) e, posteriormente, as de Síscia e Mursia.
A perseguição de Diocleciano, que era dálmata de nascimento, deixou
numerosos vestígios na Velha Dalmácia e na Panónia. São Quirino,
Bispo de Síscia, morreu mártir em 303 d.C. e São Jerónimo nasceu
em Estridão, uma cidade na fronteira da Panónia e Dalmácia.
Sevilha era a capital
da Hispânia Bética ou província romana do sul da Espanha. A origem da diocese remonta aos tempos
apostólicos ou, pelo menos, ao século I. São Gerontius, Bispo de Itálica (a cerca de 6 Km de Híspalis ou Sevilha), pregou na Bética nos tempos apostólicos e deixou
um pastor próprio em Sevilha. É certo que em 303, quando as Santas Justa
e Rufina, ceramistas, sofreram o
martírio por se recusarem a adorar o ídolo Salambo, havia um bispo de Sevilha, Sabino,
que participou no Concílio de Elvira (287). Antes disso,
Marcelo havia sido bispo, como aparece num catálogo dos antigos prelados de
Sevilha preservado no ‘Codex Emilianensis’, manuscrito do ano 1000, agora
no Escorial. Quando Constantino deu a paz à Igreja, Evódio, Bispo de Sevilha, propôs-se reconstruir as
igrejas em ruínas, entre as quais a igreja de São Vicente, talvez a primeira
catedral de Sevilha. O Cristianismo também se espalhou da Península
Ibérica para sul, através do Estreito de Gibraltar, até à romana Mauritânia
Tingitana, com destaque para Marcelo de Tânger, martirizado em 298.
O Cristianismo atingiu a Grã-Bretanha romana no século III, sendo os seus primeiros mártires Santo Albano de
Verulâmnio e Santos Júlio e Arão de Caerleon sob Diocleciano (284-305). Gildas datou a
chegada da fé à última parte do reinado de Tibério, embora as histórias
que a conectam a José de Arimateia, Lúcio ou Fagan não sejam
agora fidedignas. Restitutus, Bispo de Londres, é registado como participante no Concílio
de Arles (314), com o Bispo de
Lincoln e o Bispo de York. A cristianização intensificou-se e evoluiu
para o cristianismo celta após os romanos terem deixado a Grã-Bretanha em
410.
***
Fora do Império Romano
O Cristianismo
também se espalhou para lá do Império Romano no período cristão inicial.
Aceita-se
que a Arménia tenha sido o primeiro país a adotar o Cristianismo como
religião de Estado. O Cristianismo tornou-se a religião oficial da Arménia em
301, quando ainda era ilegal no Império
Romano. De acordo com a tradição da igreja, a Igreja Apostólica da Arménia foi
fundada por Gregório, o Iluminador, de fins do século III a início do
século IV, remontando às missões dos apóstolos Bartolomeu e Judas no século
I. Embora há muito se afirme que a Arménia foi o primeiro reino cristão, alguns
estudiosos, dizem que isso se baseou numa fonte de Agathangelos “A História
dos Arménios”, recentemente redigida (suscitando dúvidas).
A Etiópia, segundo
alguns estudiosos, foi o
primeiro país a adotar o Cristianismo como religião de Estado. De acordo
com registos escritos na língua Ge’ez, a região ora conhecida como Etiópia
converteu-se ao judaísmo no tempo da rainha bíblica de Sabá e Salomão.
Para Rufino de Aquileia, historiador ocidental do século IV, foi Frumêncio quem
levou o Cristianismo à Etiópia (cidade de Axum) e serviu como seu primeiro Bispo após em 325.
O
Cristianismo na Geórgia (antiga Ibéria) remonta ao século IV, se não antes. Meribanes
III, rei ibérico, converteu-se ao Cristianismo, provavelmente em 326.
Na Mesopotâmia e o Império Parta,
sobressai Edessa, que foi detida por Roma de 116 a 118 e de 212 a 214,
mas que, sendo na sua maioria um reino associado a Roma ou à Pérsia, era
uma importante cidade cristã. Pouco depois de 201 ou mesmo antes, a sua casa
real tornou-se cristã.
Edessa
(agora Sanliurfa), a NW da Mesopotâmia, era desde os tempos apostólicos
o principal centro do Cristianismo de fala síria. Foi a capital dum reino
independente de 132 a 216, quando se tornou tributário de Roma. Celebrada como importante
centro da cultura greco-síria, Edessa também era conhecida pela sua comunidade
judaica, com prosélitos da família real. Localizada estrategicamente nas
principais rotas comerciais do Crescente Fértil, era facilmente acessível
a partir de Antioquia, onde foi inaugurada a missão aos gentios. Quando os
primeiros cristãos foram espalhados pelo exterior por via da perseguição,
alguns encontraram refúgio em Edessa. Assim, a Igreja edessana traçou a sua
origem até à era apostólica (que pode ser responsável pelo seu rápido crescimento), e o Cristianismo tornou-se a religião do
Estado durante algum tempo.
A Igreja do
Oriente teve o seu início muito cedo na zona tampão entre os impérios parta e
romano na Alta Mesopotâmia, conhecida como Igreja Assíria do Oriente. As
vicissitudes do seu crescimento posterior estavam enraizadas no seu status minoritário em situação de tensão
internacional. Os governantes do Império Parta (250-226
a.C.) eram, em geral, tolerantes em
espírito e, com as fés mais antigas da Babilónia e da Assíria em estado de
decadência, o tempo estava maduro para nova e vital fé. Os governantes do
Segundo Império Persa (226-640) também
seguiram uma política de tolerância religiosa para começar, embora mais tarde
tenham dado aos cristãos o estatuto de raça sujeita. No entanto, estes
governantes também encorajaram o renascimento da antiga fé persa dualista
de zoroastrianismo e estabeleceu-a como a religião do Estado, ficando
os cristãos cada vez mais sujeitos a medidas repressivas. No entanto, só quando
o Cristianismo se tornou a religião do Estado no Ocidente (380) é que a inimizade em relação a Roma se centrou nos
cristãos do Oriente. Após a conquista muçulmana no século VII, o califado
tolerou outras religiões, mas proibiu o proselitismo e sujeitou os cristãos a
pesados impostos.
O
missionário Tadeu (Addai) evangelizou
a Mesopotâmia (Iraque moderno) em meados do século II. Uma lenda antiga registada por Eusébio (260-340) e também encontrada em Doutrina de Addai (c. 400), a partir de informações nos arquivos reais de
Edessa, descreve como o rei Abgar V de Edessa falou a Jesus,
pedindo-Lhe que viesse curá-lo, para o que recebeu uma resposta. Diz-se que,
após a ressurreição, Tomé enviou Addai (ou Tadeu de Edessa) ao rei, com o resultado de que a cidade fora
conquistada pela fé cristã. Nesta missão, foi acompanhado por um discípulo,
Mari, sendo os dois considerados cofundadores da igreja, de acordo com a Liturgia de Addai e Mari (c. 200), que ainda é a liturgia normal da Igreja assíria. E a Doutrina de Addai afirma que Tomé
era considerado apóstolo da Igreja em Edessa.
Addai, que
se tornou o primeiro Bispo de Edessa, foi sucedido por Aggai, depois por
Palut, que foi ordenado em cerca de 200 por Serapião de Antioquia. Daí nos
veio, no século II, a Peshitta
ou tradução siríaca do AT e também o Diatesseron
de Taciano, compilado por volta de 172 e de uso comum até que São
Rábula, Bispo de Edessa (412-435), o proibiu.
Esse arranjo dos 4 evangelhos canónicos como narrativa contínua, cuja
língua original pode ter sido siríaca, grega ou mesmo latina, circulou
amplamente nas igrejas de língua siríaca.
Foi
realizado um concílio em Edessa já em 197. Em 201, a cidade foi devastada
por uma grande inundação e o templo cristão foi destruído. Em 232,
os “Atos Siríacos” foram
escritos supostamente no caso de as relíquias do apóstolo Tomé serem
entregues à Igreja em Edessa. Sob o domínio romano, sofreram em Edessa muitos
mártires: São Scharbîl e São Barsamya, sob Décio; São Gûrja, São Schâmôna,
São Habib e outros sob Diocleciano.
Enquanto
isso, sacerdotes cristãos de Edessa haviam evangelizado a Mesopotâmia Oriental
e a Pérsia e fundado as primeiras Igrejas no reino dos sasanianos. E
Atillâtiâ, Bispo de Edessa, participou no 1.º Concílio de Niceia em
325.
Da Pérsia e Ásia Central
é de referir que o Cristianismo
se espalhou, na segunda metade do século II, para o leste por toda
a Média, Pérsia, Pártia e Bactria. Os 20 bispos e muitos presbíteros
eram mais da ordem dos missionários itinerantes, passando de lugar para lugar
como Paulo e suprindo as suas necessidades com ocupações como comerciante ou
artesão. Em 280, a metrópole de Seleucia assumiu o título de “Católica” e, em
424, um concílio da Igreja em Seleucia elegeu o primeiro patriarca com
jurisdição sobre toda a igreja do Oriente. A sede do Patriarcado foi fixada
em Seleucia-Ctesiphon, já que esta era um ponto importante nas rotas
comerciais leste-oeste, que se estendiam à Índia e China, Java e Japão. Assim,
a mudança da autoridade eclesiástica afastou-se de Edessa, que em 216 se
tornara tributária de Roma. A criação dum patriarcado independente com 9
metrópoles subordinadas contribuiu para uma atitude mais favorável do governo
persa, que não temia uma aliança eclesial com Roma, o inimigo comum. Porém, ao
ser Edessa incorporada no Império Persa em 258, Arbela, cidade sita
no Tigre (no atual Iraque), assumia
cada vez mais o papel que Edessa desempenhara nos primeiros anos, como centro
donde o Cristianismo se espalhou para o resto do Império Persa.
Bardesanes
fala de cristãos em toda a Média,
Pérsia, Pártia e Bactria (atual Afeganistão), em cerca de 196, e, segundo Tertuliano (c. 160-230), já havia vários bispados no Império Persa em
220. Em 315, o Bispo de Seleucia-Ctesiphon havia assumido o
título “Católico”. Então, Edessa e Arbela já não eram o centro da Igreja do
Oriente; a autoridade eclesiástica mudara-se para leste, para o coração do
Império Persa. As cidades gémeas de Seleucia-Ctesiphon, situas nas principais
rotas comerciais entre o Oriente e o Ocidente, tornaram-se, segundo John
Stewart, “um magnífico centro para a
igreja missionária que entrava na sua grande tarefa de levar o evangelho para o
Extremo Oriente”.
Quando
Constantino se converteu ao Cristianismo e o Império Romano, antes anticristão,
se tornou pró-cristão, o Império Persa, suspeitando de novo inimigo interno,
tornou-se anticristão. Dentro de alguns anos, Sapor II (309-379) iniciou uma perseguição de 20 anos à Igreja com o
assassinato de Mar Shimun, dos católicos de Seleucia-Ctesiphon, de 5 bispos e
100 sacerdotes na Sexta-feira Santa de 344, depois de o Patriarca ter recusado
cobrar um duplo imposto aos cristãos para ajudar o esforço de guerra persa
contra Roma.
Para
entender a penetração da Península Arábica pelo Evangelho,
há que distinguir nómadas beduínos do interior (que eram principalmente pastores
não recetivos ao controlo estrangeiro) e os
habitantes das comunidades assentadas das áreas costeiras e oásis, que eram
comerciantes intermediários ou agricultores e recetivos a influências do exterior.
Aparentemente, o Cristianismo ganhou a sua posição mais forte no antigo centro
da civilização semítica no SW da Arábia ou no Iémen (conhecido
como Seba ou Sabá, cuja rainha visitou Salomão). Pela proximidade geográfica, a aculturação com
a Etiópia sempre foi forte, e a família real atribui a sua origem a
essa rainha. A presença de árabes no Pentecostes e a permanência de três anos
de Paulo na Arábia sugerem um testemunho do Evangelho muito cedo. Uma História
da Igreja do século IV sustenta que o apóstolo Bartolomeu pregou
na Arábia e que os himiaritas estavam entre os seus convertidos.
A Igreja de Al-Jubail no que é hoje a Arábia Saudita foi
construída no século IV. As estreitas relações da Arábia com a Etiópia dão
significado à conversão do tesoureiro (eunuco) à rainha da Etiópia, sem mencionar a tradição de o
apóstolo Mateus ter sido designado para esta terra. Eusébio diz que “um Panteno (c. 190) foi enviado
de Alexandria como missionário para as nações do Oriente”, incluindo
o SW da Arábia, a caminho da Índia.
O Cristianismo chegou cedo a Núbia.
Um oficial do tesouro de “Candace, rainha dos etíopes”,
retornando duma viagem a Jerusalém, foi batizado por Filipe (cf At
8,26-40).
O termo “Etiópia”
significava qualquer região do alto Nilo. Candace era o nome e talvez
o título das rainhas Meroë ou Kusite.
No século
IV, Atanásio, Bispo de Alexandria, consagrou Marcus como Bispo
de Filas antes da sua morte em 373, o que mostra a penetração
do Cristianismo na região. João de Éfeso regista que
Juliano, sacerdote monofisista, converteu o rei e os seus nobres de
Nobatia por volta de 545 e o reino de Alodia por volta de 569. No século
VII, o reino de Macúria expandiu-se, tornando-se o poder dominante
na região, o suficiente para interromper a expansão do sul do Islão depois
de os árabes terem tomado o Egito. Após várias invasões fracassadas,
os governantes firmaram um tratado com Dongola, com a duração de 600 anos,
permitindo a coexistência e o comércio pacíficos. E, com base nele,
comerciantes árabes introduziram o Islão na Núbia, que substituiu
o Cristianismo. O último registo dum bispo está em Qasr
Ibrim, em 1372.
***
Enfim, este
e o anterior são textos que nos mostram, em jeito de síntese, o dinamismo, nem
sempre retilíneo e contínuo, da instauração e disseminação do Cristianismo no
período paleocristão. Sobressai a pregação, a vivência cristã, entre a aceitação
e a rejeição, como o martírio. O Cristianismo avança, mas há recuos. Mistura-se
o trigo com o joio, sendo que a destrinça virá mais tarde. Muita santidade ao
lado de algum pecado; unidade a par de cismas; houve perseguições que ousam
ressurgir a cada passo, dando azo à oferta do peito ao golpe e, por vezes, à retratação;
aliança com os poderes e luta ao lado dos mais pobres e desfavorecidos, o verdadeiro
tesouro da Igreja! O sangue de mártires é semente de cristãos…
Estará Jesus Cristo satisfeito com os discípulos e apóstolos que a História tem gerado?
2021.05.05 – Louro de Carvalho
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