quarta-feira, 5 de maio de 2021

Os primeiros centros nevrálgicos do Cristianismo – II

 No Império Romano do Ocidente

Muito embora seja grande a relevância das Igrejas do Oriente, o primado cedo foi reconhecido à Igreja de Roma, pelo facto de Pedro, o primeiro Papa, ter sido martirizado na que é denominada como a Cidade Eterna. E, apesar de muitas das Igrejas do Oriente se acantonarem na herança do cisma (não reconhecendo o primado de Roma), nem por isso a doutrina comporta diferenças essenciais.

Assim, é de passar em revista os lugares do Império Romano do Ocidente onde se estabeleceu o Cristianismo e donde ele irradiou no período paleocristão.      

Começando pela cidade de Roma, é difícil determinar quando os cristãos ali surgiram pela primeira. O livro dos Atos dos Apóstolos (vd At 18,2) refere que o casal judeo-cristão Priscila e Áquila chegara recentemente de Roma a Corinto quando, cerca do ano 50, Paulo chegou a esta cidade, indicando que a fé em Jesus em Roma havia precedido Paulo.

Os historiadores admitem que Pedro e Paulo foram martirizados em Roma sob a égide de Nero em 64, após o Grande Incêndio de Roma, de cuja culpa, segundo Tácito, o Imperador acusou os cristãos. No século II, Irineu (ou Ireneu) de Lião, ancorado na visão de que a Igreja não está totalmente presente em nenhum lugar sem bispo, apontou que Pedro e Paulo haviam sido os fundadores da Igreja em Roma e nomearam Lino como sucessor de Pedro. No entanto, Irineu não diz que Pedro ou Paulo eram “bispos” da Igreja em Roma e vários historiadores questionam se Pedro passou muito tempo em Roma antes do martírio. Quando Paulo escreveu a Carta aos Romanos a partir de Corinto (c.58), a Igreja em Roma já florescia, pois ele atesta ali uma grande comunidade cristã e cumprimenta cerca de 50 pessoas em Roma pelo nome, mas não Pedro, que bem conhecia. Também não há menção a Pedro em Roma mais tarde, durante os dois anos de Paulo em Roma por volta de 60-62 (vd At 28,16-31). Não terá, assim, passado muito tempo Pedro em Roma antes de 58, quando Paulo escreveu aos romanos, podendo ter sido apenas nos anos 60 e relativamente pouco antes do seu martírio que veio sede do Império. É por isso que Oscar Cullmann rejeita a ideia de que Pedro começara a sucessão papal, inferindo que, embora fosse Pedro o chefe dos apóstolos, não foi o fundador de nenhuma sucessão visível da Igreja. O certo é que Pedro faleceu em Roma e o facto teve significado fundacional em termos organizacionais. E a sede originária do Império romano tornou-se o centro de autoridade da Igreja, que usou as estruturas organizacionais e as vias de comunicação do Império para a sua própria expansão, que foi aumentando década a década e sendo reconhecida Roma como cabeça da Igreja durante o período dos sete concílios ecuménicos (presididos por legados do Bispo de Roma), quando a sede do governo passou para Constantinopla. Porém, Roma e Alexandria, que detinham autoridade sobre as dioceses de fora dos seus limites ainda não eram patriarcados.

Os primeiros Bispos de Roma eram de língua grega, sendo os mais notáveis: Clemente I (c. 88-97), autor de Carta à Igreja de Corinto; Telésforo (c. 126-136); Pio I (c. 141-154), declarado como irmão do autor do pastor de Hermas pelo fragmento muratoriano; e Aniceto (c. 155-160), que recebeu São Policarpo e com ele discutiu a data da Páscoa.   

O Papa Victor I (189-198) foi o primeiro escritor eclesiástico que escreveu em latim, mas, como os seus escritos são encíclicas, naturalmente seriam publicadas em latim e em grego.

Os textos do Novo Testamento (NT) grego foram traduzidos para o latim desde o início, bem antes de São Jerónimo e são classificados como a “Vetus Latina” e tipo de texto ocidental.

No século II, reuniram-se em Roma cristãos de diversas visões, nomeadamente Marcião e Valentim. E o século III foi tempo de cismas relacionados com Hipólito de Roma e Novaciano.  

A Igreja romana sobreviveu a várias perseguições. Dos cristãos proeminentes executados em resultado da recusa em adorar os deuses, conforme ordenado pelo imperador Valeriano em 258, consta Cipriano, Bispo de Cartago. A última e mais severa perseguição imperial foi a de Diocleciano. As perseguições cessaram em Roma (e no Ocidente) com Maxêncio em 306.

Cartago, na província romana da África, a sul do Mediterrâneo, deu à Igreja primitiva os Padres latinos Tertuliano (c. 120 – c. 220) e Cipriano (f. 258), mas caiu para o Islão em 698.

Da Gália do Sul há que dizer que a costa mediterrânea da França e o vale do Ródano, então parte da romana Gallia Narbonensis, foram os primeiros centros do Cristianismo. As principais cidades são Arles, Avinhão, Vienne, Lião e Marselha (a cidade mais antiga da França).

A perseguição em Lião ocorreu em 177. O Padre Apostólico Ireneu (de Esmirna) foi Bispo de Lião no final do século II e afirmou que São Potino era seu antecessor. O Concílio de Arles (em 314) foi precursor dos concílios ecuménicos. A teoria efesina atribui a Lião o rito galicano.

Aquileia, antiga cidade romana à beira do Mar Adriático, hoje um dos principais sítios arqueológicos do norte de Itália, foi um dos primeiros centros do Cristianismo que se diz ter sido fundado por Marcos antes da sua missão em Alexandria. Crê-se que Hermágoras de Aquileia tenha sido o seu primeiro Bispo. O rito aquiliano está associado a Aquileia.

Crê-se que a Igreja de Milão, no NW da Itália, foi fundada pelo apóstolo Barnabé no século I. Gervásio e Protásio e outros ali foram martirizados. Há muito tempo mantém o seu próprio rito conhecido também como rito ambrosiano por ser atribuído a Santo Ambrósio (nascido em 330), que foi Bispo de Milão em 374-397 e uma das figuras eclesiásticas mais influentes do século IV. Duchesne sustenta que o rito galicano teve origem em Milão.

De Siracusa e Calábria há que apontar que Siracusa foi fundada por colonos gregos em 733 ou 734 a.C., integrando a Magna Grécia. Terá sido a segunda Igreja fundada por São Pedro, depois da de Antioquia. Também parece que São Paulo pregou ali. E, nos tempos de São Cipriano (meados do século III), o Cristianismo floresceu em Siracusa, mas as catacumbas mostram que a sua prática já existia ali no século II. E, do outro lado do estreito de Messina, Calábria, no continente, também foi provavelmente um dos primeiros centros do Cristianismo.

De Malta é de indicar que Paulo naufragou e foi acolhido numa ilha que alguns estudiosos identificaram como Malta (ilha ao sul da Sicília) durante três meses, período em que teria sido mordido por uma víbora venenosa e sobreviveu (At 27,29-42; 28,11), evento datado de 60 d.C. Paulo foi autorizado por Pórcio Festo, procurador da Província da Judeia, a passar de Cesareia Marítima a Roma, para ser julgado ante o Imperador (vd At 25,1-12). Muitas tradições estão associadas ao episódio, e as catacumbas em Rabat testemunham uma comunidade cristã nas ilhas. Segundo a tradição, Públio, o governador romano de Malta na época do naufrágio de São Paulo, tornou-se o primeiro Bispo de Malta após a conversão ao Cristianismo. Depois de governar a Igreja de Malta 31 anos, Públio foi transferido para a Sé de Atenas em 90 d.C., onde foi martirizado em 125 d.C. Há poucas informações sobre a continuidade do Cristianismo em Malta, embora a tradição aponte uma linha contínua de bispos desde Paulo a Constantino.

Salona, capital da província romana da Dalmácia na costa oriental do Mar Adriático, foi um antigo centro do Cristianismo e é uma ruína na Croácia atual. Tito, discípulo de São Paulo, pregou ali onde os seguidores de Cristo derramaram o seu sangue como mártires e onde foram descobertos belos exemplos de basílicas e esculturas cristãs primitivas. Salona tornou-se o centro a partir do qual o Cristianismo se espalhou. Na Panónia, Santo Andrónico fundou a Sé de Sírio (Mitrovica) e, posteriormente, as de Síscia e Mursia. A perseguição de Diocleciano, que era dálmata de nascimento, deixou numerosos vestígios na Velha Dalmácia e na Panónia. São Quirino, Bispo de Síscia, morreu mártir em 303 d.C. e São Jerónimo nasceu em Estridão, uma cidade na fronteira da Panónia e Dalmácia.

Sevilha era a capital da Hispânia Bética ou província romana do sul da Espanha. A origem da diocese remonta aos tempos apostólicos ou, pelo menos, ao século I. São Gerontius, Bispo de Itálica (a cerca de 6 Km de Híspalis ou Sevilha), pregou na Bética nos tempos apostólicos e deixou um pastor próprio em Sevilha. É certo que em 303, quando as Santas Justa e Rufina, ceramistas, sofreram o martírio por se recusarem a adorar o ídolo Salambo, havia um bispo de Sevilha, Sabino, que participou no Concílio de Elvira (287). Antes disso, Marcelo havia sido bispo, como aparece num catálogo dos antigos prelados de Sevilha preservado no ‘Codex Emilianensis’, manuscrito do ano 1000, agora no Escorial. Quando Constantino deu a paz à Igreja, Evódio, Bispo de Sevilha, propôs-se reconstruir as igrejas em ruínas, entre as quais a igreja de São Vicente, talvez a primeira catedral de Sevilha. O Cristianismo também se espalhou da Península Ibérica para sul, através do Estreito de Gibraltar, até à romana Mauritânia Tingitana, com destaque para Marcelo de Tânger, martirizado em 298.

O Cristianismo atingiu a Grã-Bretanha romana no século III, sendo os seus primeiros mártires Santo Albano de Verulâmnio e Santos Júlio e Arão de Caerleon sob Diocleciano (284-305). Gildas datou a chegada da fé à última parte do reinado de Tibério, embora as histórias que a conectam a José de Arimateia, Lúcio ou Fagan não sejam agora fidedignas. Restitutus, Bispo de Londres, é registado como participante no Concílio de Arles (314), com o Bispo de Lincoln e o Bispo de York. A cristianização intensificou-se e evoluiu para o cristianismo celta após os romanos terem deixado a Grã-Bretanha em 410.

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Fora do Império Romano

O Cristianismo também se espalhou para lá do Império Romano no período cristão inicial.

Aceita-se que a Arménia tenha sido o primeiro país a adotar o Cristianismo como religião de Estado. O Cristianismo tornou-se a religião oficial da Arménia em 301, quando ainda era ilegal no Império Romano. De acordo com a tradição da igreja, a Igreja Apostólica da Arménia foi fundada por Gregório, o Iluminador, de fins do século III a início do século IV, remontando às missões dos apóstolos Bartolomeu e Judas no século I. Embora há muito se afirme que a Arménia foi o primeiro reino cristão, alguns estudiosos, dizem que isso se baseou numa fonte de Agathangelos “A História dos Arménios”, recentemente redigida (suscitando dúvidas).

A Etiópia, segundo alguns estudiosos, foi o primeiro país a adotar o Cristianismo como religião de Estado. De acordo com registos escritos na língua Ge’ez, a região ora conhecida como Etiópia converteu-se ao judaísmo no tempo da rainha bíblica de Sabá e Salomão. Para Rufino de Aquileia, historiador ocidental do século IV, foi Frumêncio quem levou o Cristianismo à Etiópia (cidade de Axum) e serviu como seu primeiro Bispo após em 325.

O Cristianismo na Geórgia (antiga Ibéria) remonta ao século IV, se não antes. Meribanes III, rei ibérico, converteu-se ao Cristianismo, provavelmente em 326.

Na Mesopotâmia e o Império Parta, sobressai Edessa, que foi detida por Roma de 116 a 118 e de 212 a 214, mas que, sendo na sua maioria um reino associado a Roma ou à Pérsia, era uma importante cidade cristã. Pouco depois de 201 ou mesmo antes, a sua casa real tornou-se cristã.

Edessa (agora Sanliurfa), a NW da Mesopotâmia, era desde os tempos apostólicos o principal centro do Cristianismo de fala síria. Foi a capital dum reino independente de 132 a 216, quando se tornou tributário de Roma. Celebrada como importante centro da cultura greco-síria, Edessa também era conhecida pela sua comunidade judaica, com prosélitos da família real. Localizada estrategicamente nas principais rotas comerciais do Crescente Fértil, era facilmente acessível a partir de Antioquia, onde foi inaugurada a missão aos gentios. Quando os primeiros cristãos foram espalhados pelo exterior por via da perseguição, alguns encontraram refúgio em Edessa. Assim, a Igreja edessana traçou a sua origem até à era apostólica (que pode ser responsável pelo seu rápido crescimento), e o Cristianismo  tornou-se a religião do Estado durante algum tempo.

A Igreja do Oriente teve o seu início muito cedo na zona tampão entre os impérios parta e romano na Alta Mesopotâmia, conhecida como Igreja Assíria do Oriente. As vicissitudes do seu crescimento posterior estavam enraizadas no seu status minoritário em situação de tensão internacional. Os governantes do Império Parta (250-226 a.C.) eram, em geral, tolerantes em espírito e, com as fés mais antigas da Babilónia e da Assíria em estado de decadência, o tempo estava maduro para nova e vital fé. Os governantes do Segundo Império Persa (226-640) também seguiram uma política de tolerância religiosa para começar, embora mais tarde tenham dado aos cristãos o estatuto de raça sujeita. No entanto, estes governantes também encorajaram o renascimento da antiga fé persa dualista de zoroastrianismo e estabeleceu-a como a religião do Estado, ficando os cristãos cada vez mais sujeitos a medidas repressivas. No entanto, só quando o Cristianismo se tornou a religião do Estado no Ocidente (380) é que a inimizade em relação a Roma se centrou nos cristãos do Oriente. Após a conquista muçulmana no século VII, o califado tolerou outras religiões, mas proibiu o proselitismo e sujeitou os cristãos a pesados impostos.

O missionário Tadeu (Addai) evangelizou a Mesopotâmia (Iraque moderno) em meados do século II. Uma lenda antiga registada por Eusébio (260-340) e também encontrada em Doutrina de Addai (c. 400), a partir de informações nos arquivos reais de Edessa, descreve como o rei Abgar V de Edessa falou a Jesus, pedindo-Lhe que viesse curá-lo, para o que recebeu uma resposta. Diz-se que, após a ressurreição, Tomé enviou Addai (ou Tadeu de Edessa) ao rei, com o resultado de que a cidade fora conquistada pela fé cristã. Nesta missão, foi acompanhado por um discípulo, Mari, sendo os dois considerados cofundadores da igreja, de acordo com a Liturgia de Addai e Mari (c. 200), que ainda é a liturgia normal da Igreja assíria. E a Doutrina de Addai afirma que Tomé era considerado apóstolo da Igreja em Edessa.

Addai, que se tornou o primeiro Bispo de Edessa, foi sucedido por Aggai, depois por Palut, que foi ordenado em cerca de 200 por Serapião de Antioquia. Daí nos veio, no século II, a Peshitta ou tradução siríaca do AT e também o Diatesseron de Taciano, compilado por volta de 172 e de uso comum até que São Rábula, Bispo de Edessa (412-435), o proibiu. Esse arranjo dos 4 evangelhos canónicos como narrativa contínua, cuja língua original pode ter sido siríaca, grega ou mesmo latina, circulou amplamente nas igrejas de língua siríaca.

Foi realizado um concílio em Edessa já em 197. Em 201, a cidade foi devastada por uma grande inundação e o templo cristão foi destruído. Em 232, os “Atos Siríacos” foram escritos supostamente no caso de as relíquias do apóstolo Tomé serem entregues à Igreja em Edessa. Sob o domínio romano, sofreram em Edessa muitos mártires: São Scharbîl e São Barsamya, sob Décio; São Gûrja, São Schâmôna, São Habib e outros sob Diocleciano.

Enquanto isso, sacerdotes cristãos de Edessa haviam evangelizado a Mesopotâmia Oriental e a Pérsia e fundado as primeiras Igrejas no reino dos sasanianos. E Atillâtiâ, Bispo de Edessa, participou no 1.º Concílio de Niceia em 325.

Da Pérsia e Ásia Central é de referir que o Cristianismo se espalhou, na segunda metade do século II, para o leste por toda a Média, Pérsia, Pártia e Bactria. Os 20 bispos e muitos presbíteros eram mais da ordem dos missionários itinerantes, passando de lugar para lugar como Paulo e suprindo as suas necessidades com ocupações como comerciante ou artesão. Em 280, a metrópole de Seleucia assumiu o título de “Católica” e, em 424, um concílio da Igreja em Seleucia elegeu o primeiro patriarca com jurisdição sobre toda a igreja do Oriente. A sede do Patriarcado foi fixada em Seleucia-Ctesiphon, já que esta era um ponto importante nas rotas comerciais leste-oeste, que se estendiam à Índia e China, Java e Japão. Assim, a mudança da autoridade eclesiástica afastou-se de Edessa, que em 216 se tornara tributária de Roma. A criação dum patriarcado independente com 9 metrópoles subordinadas contribuiu para uma atitude mais favorável do governo persa, que não temia uma aliança eclesial com Roma, o inimigo comum. Porém, ao ser Edessa incorporada no Império Persa em 258, Arbela, cidade sita no Tigre (no atual Iraque), assumia cada vez mais o papel que Edessa desempenhara nos primeiros anos, como centro donde o Cristianismo se espalhou para o resto do Império Persa.

Bardesanes fala de cristãos em toda a Média, Pérsia, Pártia e Bactria (atual Afeganistão), em cerca de 196, e, segundo Tertuliano (c. 160-230), já havia vários bispados no Império Persa em 220. Em 315, o Bispo de Seleucia-Ctesiphon havia assumido o título “Católico”. Então, Edessa e Arbela já não eram o centro da Igreja do Oriente; a autoridade eclesiástica mudara-se para leste, para o coração do Império Persa. As cidades gémeas de Seleucia-Ctesiphon, situas nas principais rotas comerciais entre o Oriente e o Ocidente, tornaram-se, segundo John Stewart, “um magnífico centro para a igreja missionária que entrava na sua grande tarefa de levar o evangelho para o Extremo Oriente”.

Quando Constantino se converteu ao Cristianismo e o Império Romano, antes anticristão, se tornou pró-cristão, o Império Persa, suspeitando de novo inimigo interno, tornou-se anticristão. Dentro de alguns anos, Sapor II (309-379) iniciou uma perseguição de 20 anos à Igreja com o assassinato de Mar Shimun, dos católicos de Seleucia-Ctesiphon, de 5 bispos e 100 sacerdotes na Sexta-feira Santa de 344, depois de o Patriarca ter recusado cobrar um duplo imposto aos cristãos para ajudar o esforço de guerra persa contra Roma.

Para entender a penetração da Península Arábica pelo Evangelho, há que distinguir nómadas beduínos do interior (que eram principalmente pastores não recetivos ao controlo estrangeiro) e os habitantes das comunidades assentadas das áreas costeiras e oásis, que eram comerciantes intermediários ou agricultores e recetivos a influências do exterior. Aparentemente, o Cristianismo ganhou a sua posição mais forte no antigo centro da civilização semítica no SW da Arábia ou no Iémen (conhecido como Seba ou Sabá, cuja rainha visitou Salomão). Pela proximidade geográfica, a aculturação com a Etiópia sempre foi forte, e a família real atribui a sua origem a essa rainha. A presença de árabes no Pentecostes e a permanência de três anos de Paulo na Arábia sugerem um testemunho do Evangelho muito cedo. Uma História da Igreja do século IV sustenta que o apóstolo Bartolomeu pregou na Arábia e que os himiaritas estavam entre os seus convertidos. A Igreja de Al-Jubail no que é hoje a Arábia Saudita foi construída no século IV. As estreitas relações da Arábia com a Etiópia dão significado à conversão do tesoureiro (eunuco) à rainha da Etiópia, sem mencionar a tradição de o apóstolo Mateus ter sido designado para esta terra. Eusébio diz que “um Panteno (c. 190) foi enviado de Alexandria como missionário para as nações do Oriente”, incluindo o SW da Arábia, a caminho da Índia.

O Cristianismo chegou cedo a Núbia. Um oficial do tesouro de “Candace, rainha dos etíopes”, retornando duma viagem a Jerusalém, foi batizado por Filipe (cf At 8,26-40).

O termo “Etiópia” significava qualquer região do alto Nilo. Candace era o nome e talvez o título das rainhas Meroë ou Kusite.

No século IV, Atanásio, Bispo de Alexandria, consagrou Marcus como Bispo de Filas antes da sua morte em 373, o que mostra a penetração do Cristianismo na região. João de Éfeso regista que Juliano, sacerdote monofisista, converteu o rei e os seus nobres de Nobatia por volta de 545 e o reino de Alodia por volta de 569. No século VII, o reino de Macúria  expandiu-se, tornando-se o poder dominante na região, o suficiente para interromper a expansão do sul do Islão depois de os árabes terem tomado o Egito. Após várias invasões fracassadas, os governantes firmaram um tratado com Dongola, com a duração de 600 anos, permitindo a coexistência e o comércio pacíficos. E, com base nele, comerciantes árabes introduziram o Islão na Núbia, que substituiu o Cristianismo. O último registo dum bispo está em Qasr Ibrim, em 1372.

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Enfim, este e o anterior são textos que nos mostram, em jeito de síntese, o dinamismo, nem sempre retilíneo e contínuo, da instauração e disseminação do Cristianismo no período paleocristão. Sobressai a pregação, a vivência cristã, entre a aceitação e a rejeição, como o martírio. O Cristianismo avança, mas há recuos. Mistura-se o trigo com o joio, sendo que a destrinça virá mais tarde. Muita santidade ao lado de algum pecado; unidade a par de cismas; houve perseguições que ousam ressurgir a cada passo, dando azo à oferta do peito ao golpe e, por vezes, à retratação; aliança com os poderes e luta ao lado dos mais pobres e desfavorecidos, o verdadeiro tesouro da Igreja! O sangue de mártires é semente de cristãos…

Estará Jesus Cristo satisfeito com os discípulos e apóstolos que a História tem gerado?       

2021.05.05 – Louro de Carvalho

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