A 23 de maio, um
avião companhia ‘low cost’ Ryanair que fazia um voo entre Atenas (capital da Grécia) e Vílnius (capital da Lituânia), dois países da NATO, foi desviado pelas
autoridades bielorrussas, a meio do trajeto, para Minsk, capital da
Bielorrússia, sob as ordens do Presidente Alexander Lukashenko,
pelo que aterrou na capital lituana sem o bielorrusso Roman Protassevich.
Este jornalista, de 26 anos, é o ex-editor-chefe do influente canal Nexta, a principal fonte de informação
nas primeiras semanas de protestos antigovernamentais após as eleições presidenciais
de 9 de agosto de 2020, pelo que, em novembro, os serviços de segurança
bielorrussos (KGB), herdados do período soviético, registaram, na lista de “indivíduos envolvidos
em atividades terroristas”, o seu nome e o do fundador do Nexta, Stepan Putilo.
Na verdade, quando Protassevich e Putilo
foram acusados de estarem por trás dos protestos contra o regime iniciados na
sequência daquelas eleições, vistas a nível internacional como fraudulentas, o
meio independente russo Meduza classificava
aquele canal como “o recurso mais conhecido da oposição bielorrussa”. Com
efeito, apesar de não ter um ‘site’ próprio, a Nexta dispunha, em 2020, duma equipa editorial de 4 pessoas sediada
em Varsóvia (Polónia) e trabalhava em exclusivo para as redes sociais, com dois canais
principais na rede Telegram, que
totalizam agora cerca de dois milhões de subscritores, sobre os menos de 10
milhões de habitantes do país.
Em agosto passado, quando foram desencadeados os protestos na Bielorrússia,
a Nexta, que o New York Times considerou uma Rádio Europa Livre para a era da
Internet, chegou a ser o 15.º canal mais popular de Telegram no mundo, segundo um artigo da página Rest of The World. Tal popularidade prende-se com a possibilidade
que abriu de contornar as restrições à partilha de informação impostas pelo
regime, sobretudo no pico dos protestos. E Protassevich disse à BBC:
“Um bloqueio da Internet é um erro enorme das
autoridades. O Telegram apanhou quase todos os bielorrussos que estão a encher
as ruas para tentar trazer mudanças ao país.”.
Segundo o serviço russo da BBC,
Protassevich pedira formalmente asilo político à Polónia, à semelhança de
Putilo.
Desta feita, segundo fontes citadas pela
agência EFE, o desvio do avião que
culminou com a detenção, em Minsk, do jornalista e ativista Roman Protassevich
– que enfrenta várias acusações de oposição ao regime de Lukashenko – foi uma operação do KGB, os serviços de
segurança bielorrussos, a qual envolveu também os cerca de 120 passageiros
forçando-os a submeter-se a novo controlo em Minsk devido a um suposto aviso de
bomba.
Protassevich viveu longos minutos de angústia ao perceber que o voo seria
desviado para Minsk, onde acabou por ser preso, como testemunharam outros
passageiros do avião, que relataram que
“ele começou a entrar em pânico e disse que era por causa dele” e que se virou pra as pessoas a
dizer que “arriscava
a pena de morte”, como declarou a lituana Monika Simkiene, de 40 anos, à AFP aquando da aterragem em Vílnius, observando
que o jornalista parecia “muito calmo” após a chegada a Minsk, certo da sua
prisão. Por seu turno, Edvinas Dimsa, de 37 anos, recordava que “ele não gritava, mas era óbvio que estava
com muito medo”, supondo-se que, se a vigia tivesse sido aberta, ele teria
saltado. Outro passageiro, que se apresentou sob o nome de Mantas,
referiu que “ele estava nervoso no início”, mas, percebendo que não havia nada a fazer, “acalmou-se e aceitou”. E a Primeira-Ministra
lituana, Ingrida Simonyte, foi ao aeroporto de Vílnius para receber o avião,
tal como várias dezenas de ativistas da oposição bielorrussa. Alguns carregavam
bandeiras com as cores da oposição bielorrussa e outros cartazes proclamando: “Eu sou Roman Protassevich / Nós somos Roman Protassevich” ou “Ryanair, onde está Roman?”.
É de anotar que a crise na Bielorrússia foi desencadeada após as eleições
de 9 de agosto de 2020, de que resultou, segundo os resultados oficiais, a
recondução de Lukashenko, no poder há 26 anos, para o 6.º mandato, com 80% dos
votos. A oposição denunciou a fraude
eleitoral e milhares de bielorrussos saíram às ruas por todo o país a exigir o
afastamento do Presidente reeleito.
Desde o início dos protestos na antiga república
soviética, centenas de jornalistas foram detidos e quase 20 estão presos. Entretanto,
Lukashenko, que orquestrou uma campanha de repressão contra a oposição e os
meios de comunicação independentes do país, promulgou uma lei de segurança
nacional que alarga os poderes da polícia e de outras forças estatais, que
podem utilizar armas militares para reprimir a desordem.
***
A prisão do ativista gerou indignação nos países
ocidentais, com a NATO e a UE a ameaçarem de novas sanções a Bielorrússia. Vários países europeus já
criticaram o incidente, exigiram uma explicação à Bielorrússia e o tema está na
agenda da reunião do Conselho Europeu em Bruxelas, neste dia 24. É certo que a
UE já se preparava para reforçar as sanções existentes contra o regime da
Bielorrússia, mas agora Charles Michel, presidente do Conselho
Europeu, colocou a questão da aterragem forçada do voo da Ryanair e estão a ser
discutidas as consequentes e possíveis sanções, como anunciou o porta-voz do
Conselho Europeu Baren Leyts no Twitter.
Também a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, considerou “totalmente
inaceitável” a aterragem forçada em Minsk do avião que ia de Atenas para
Vílnius e sublinhou que “qualquer violação das regras de transporte aéreo internacional
deve ter consequências”.
E uma publicação, também no Twitter, da comissária europeia para os transportes,
Adina Valean, refere que a comissária, ao indicar que o avião descolou de Minsk
para Vilnius, não mencionou o destino do
ativista Roman Protassevich, preso em Minsk após o desvio forçado do avião.
França já sugeriu uma “proibição do espaço aéreo” da
Bielorrússia após o sequestro, por este país, do avião da Ryanair com um oponente
bielorrusso a bordo, preso na aterragem em Minsk.
Os chefes de Estado e de governo da UE analisaram a possibilidade
de novas sanções contra o regime autoritário de Minsk como reação ao desvio do
avião em que seguia o jornalista crítico do regime bielorrusso.
Com efeito, na UE defende-se a realização duma
investigação internacional sobre o desvio e aterragem forçada de um avião civil
na Bielorrússia para deter um opositor, um incidente cujas consequências,
incluindo sanções, têm estado em discussão em Bruxelas. O alto representante
para a Política Externa da União Europeia (UE), Josep
Borrell, numa declaração em que pediu também a “libertação imediata” do
jornalista e opositor Protassevich, garantiu que a UE “considerará as
consequências desta ação, incluindo a adoção de medidas contra os
responsáveis”, pois, como disse, ao levar a cabo este
ato coercivo, as autoridades bielorrussas puseram em risco a
segurança de passageiros e tripulação. Deve, pois, levar-se a
cabo uma investigação internacional sobre este incidente para determinar
qualquer incumprimento das normas de aviação internacional. Para a UE “esta
é outra tentativa flagrante das autoridades bielorrussas de silenciar todas as
vozes da oposição”.
Cerca de centena de autoridades bielorrussas, incluindo Lukashenko,
já estão sob sanções europeias por causa de violações dos direitos humanos
nesta ex-república soviética. E o Secretário de Estado francês dos Assuntos
Europeus, Clément Beaune, em declarações transmitidas pela rádio RMC,
explicitou:
“Poderia haver outras medidas.
(...) Estou a pensar numa medida que deve ser discutida a nível europeu e
internacional, a proibição do espaço aéreo bielorrusso, que é uma medida de
sanção.”.
E, querendo que se
olhe para isto o
mais rápido possível e achando que seria
essa “uma
das medidas razoáveis para nos proteger”, observou
que se colocou
em perigo “a vida de cidadãos europeus, para lá da deste oponente ao
regime”, lembrando que o avião ligava duas capitais europeias (Atenas e Vilnius), transportava muitos cidadãos europeus, incluindo 9
franceses, e “também gera menos receita para o regime bielorrusso
porque qualquer sobrevoo de um espaço aéreo faz parte das taxas aéreas” que
o país em questão recebe. Trata-se duma “pirataria de Estado que não
pode ficar impune”, como reforçou.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Irlanda
classificou como um ato de pirataria de Estado o desvio dum avião da companhia
aérea irlandesa Ryanair, que foi forçado a aterrar em Minsk pelas autoridades
bielorrussas. “Foi realmente pirataria aérea, sancionada pelo Estado”, disse
Simon Coveney à emissora pública irlandesa RTE, declarando que “não podemos permitir que um
incidente como este aconteça e devemos emitir avisos ou fortes comunicados de
imprensa”, pelo que apela às “sanções” a este país do Leste
europeu.
Também o secretário-geral da NATO considerou que o desvio alegadamente forçado de
um avião pela Bielorrússia, onde seguia um jornalista e ativista da oposição, é
“um incidente sério e perigoso que requer
investigação internacional”. E vincou Jens Stoltenberg no Twitter:
“Este é um incidente sério e
perigoso que requer investigação internacional. A Bielorrússia deve garantir o
retorno seguro da tripulação e de todos os passageiros.”.
E, como revelou à AFP
um funcionário da NATO, os embaixadores dos
aliados da NATO, que já vêm criticando a decisão do governo bielorrusso e estão a
consultar informações sobre o desvio forçado do avião, reúnem-se no
dia 25 para discutirem o desvio forçado do voo por parte da Bielorrússia.
A Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), órgão vinculado à ONU, manifestou no Twitter a sua “profunda
preocupação pela aterragem aparentemente forçada” do avião, algo que poderá
violar as normas da Convenção de Chicago, que protege a soberania do espaço
aéreo das nações.
A companhia aérea irlandesa Ryanair revelou, em comunicado,
que o controlo de tráfego aéreo bielorrusso comunicou uma suposta ameaça à
tripulação, pelo que deu instruções para desviar para o aeroporto mais próximo,
Minsk. E acrescentou que nada foi encontrado após o avião aterrar em Minsk.
Por seu lado, os média estatais bielorrussos defenderam
a interceção do avião da Ryanair, considerando a reação normal devido a uma “ameaça
de bomba” a bordo, e retrataram o jornalista preso como um “extremista”.
E as autoridades bielorrussas insistiram que agiram
legalmente quando desviaram um avião de passageiros que transportava um
ativista da oposição, acusando o Ocidente de fazer alegações infundadas por
razões políticas. “Não há dúvida
de que as ações das nossas autoridades competentes cumpriram plenamente as regras internacionais estabelecidas” –
declarou, em comunicado, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da
Bielorrússia, Anatoly Glaz, acusando o Ocidente de “politizar” a situação. E acrescentou
que “estão a ser feitas acusações infundadas” por
um Ocidente que insiste em não querer ser objetivo e em ameaçar aplicar novas
sanções à Bielorrússia.
Glaz disse-se “triste” pelo facto de os passageiros do
voo da Ryanair terem enfrentado alguns transtornos”, mas que “as regras
de segurança da aviação são uma prioridade absoluta”.
***
O caso constitui, a nível interno da Bielorrússia, constitui
um grave atentado do governo ao direito de oposição, bem como à liberdade de pensamento,
opinião e expressão; a nível externo, configura a intervenção ilegítima e
abusiva no espaço aéreo internacional, por parte dum país que não pertence à UE
nem à NATO, prejudicando a política de alianças e a livre organização dos países
em blocos com interesses comuns; e a nível geral da segurança, trata-se dum
incidente perigoso, que pode violar as normas da Convenção de Chicago, que
protege a soberania do espaço aéreo das nações. Além de pirataria aérea
protagonizada pelo Estado, revela, a nível interno, uma forma de terrorismo do
Estado.
Nada disto era necessário. Por isso, a UE não faz mais do
que deve ao decretar sanções, exigir a libertação do jornalista e forçar um
pedido de desculpas da parte da Bielorrússia.
O direito internacional ainda não pregou fogo. E, se alguém
tem razão de queixa contra a UE ou contra a NATO, são os cidadãos dos países
subscritores por tantas vezes verem frustradas as suas esperanças e não
terceiros.
Ademais, não é lícito usar a mentira ou distorcer os
factos nem contra os cidadãos nem contra entidades internacionais para consecução
de intentos repressores e opressores.
2021.05.24 – Louro de Carvalho
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