Obviamente mantém-se em vigor a Lei n.º 46/2005, de 29 de agosto, que
estabelece limites à renovação
sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias
locais.
Esta lei,
que deve ter dado então uma carga de trabalhados aos negociadores por parte do
PS, liderado por José Sócrates, e do PSD, liderado por Marques Mendes, só tem dois
artigos.
O art.º 1.º
é desdobrado em três números, em que o n.º 1 estipula que “o presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia
só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da
entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo
menos, o 3.º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para
mais um mandato consecutivo”. Por sua vez, o n.º 2 acautela que as
personalidades constituídas em exceção pela norma anterior, concluídos os
mandatos por ela referidos, “não podem
assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao
último mandato consecutivo permitido”. E o n.º 3 estabelece que, em caso de
renúncia ao mandato, “os titulares dos
órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se nas eleições
imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à
renúncia”.
E o art.º 2.º determina que, apesar de a presente lei ter
sido publicada em 29 de agosto, “entra em
vigor no dia 1 de janeiro de 2006”.
***
Desde logo,
se o legislador pretendia evitar que a acumulação de capital de relação por
força do conhecimento haurido em resultado da permanência nos cargos políticos,
deveria, de forma similar, ter estabelecido para os vereadores em regime de
permanência. Doutro modo, não cria hiato político e administrativo que impeça o
jogo de influências, pois, ao fim do eclipse durante três mandatos, o titular pode
muito bem ser eleito, se o não tiver sido ao fim dum eclipse de um ou de dois
mandatos. Isto quer dizer que a mesma câmara ou a mesma junta pode ser dirigida
por três personalidades da mesma equipa durante 36 anos. Já houve longevidade
maior no poder executivo! Foram vários os casos na Monarquia e um caso em República (Estado
Novo).
Porém, ao
abrigo desta lei, dita restritiva de direitos e, por isso, de interpretação restritiva,
como o julgou o Tribunal Constitucional, uma personalidade pode deixar de ser presidente
duma câmara municipal ou duma junta de freguesia e candidatar-se, com êxito ou
não, à liderança de outro município ou de outra junta. Mais: o presidente da
junta pôde candidatar-se à presidência da junta da união de freguesias em que se
integra a freguesia que liderava dantes. Creio que, a haver reversão da reforma
administrativa de 2012/2013, o mesmo presidente da junta da união de freguesias
poderá candidatar-se à liderança da junta da freguesia que for desmembrada
dessa união. Já agora, poderiam os órgãos municipais e de freguesia propor à
Assembleia da República a alteração dos limites do território municipal e de
freguesia, respetivamente, ou caraterizar de outro modo a sede do concelho ou a
freguesia (passar de aldeia a vila e vice-versa ou de vila a cidade e vice-versa) para os respetivos titulares do poder local poderem
recandidatar-se indefinidamente.
Obviamente,
o legislador sabia que uma lei restritiva de direitos tem interpretação restritiva.
Por isso, deveria ter acautelado o país de algumas das práticas bizarras a que temos
assistido. Mas não o fez. E porque não o fez? Talvez, para que, mudando alguma
coisinha, tudo ficasse quase na mesma e se mantivessem o compadrio e o
caciquismo na esfera do poder local, criando, mantendo e reforçando dependências
e promovendo promiscuidades.
Já tínhamos
visto, num determinado concelho do distrito de Viseu, um presidente de junta de
freguesia, que não podendo candidatar-se por ter expirado o cumprimento dos mandatos
em conformidade com a lei, foi em 2.º lugar na lista do cônjuge varoa, tendo
este permitido que, na prática, fosse o marido a liderar a freguesia. Passados
4 anos, voltou a candidatar-se com êxito.
No mesmo
concelho, o presidente da câmara municipal fez uma pausa de 4 anos em relação à
presidência, mas foi eleito para o executivo, pois ia em 2.º lugar. Agora, alegadamente
porque o presidente em termo de mandato não pretendeu recandidatar-se, apesar
de o seu partido o haver proposto, o agora ex-vereador em regime de permanência
é candidato aceite pelo seu partido.
Entretanto,
estes dias brindam-nos com um outro caso. No site do PSD pode ler-se:
“Ultrapassado o período de silêncio
e de respeito que nos mereceu o inesperado falecimento do Presidente da Câmara
de Viseu, António Almeida Henriques, a direção nacional do PSD, em estreita
articulação com as comissões políticas distrital e concelhia, decidiu homologar
o nome de Fernando Ruas para candidato à Câmara Municipal de Viseu.
“Fernando Ruas foi Presidente da Câmara de
Viseu entre 1989 e 2013, Presidente da Associação Nacional de Municípios tendo,
entretanto, exercido o cargo de eurodeputado e, atualmente, de Presidente da
Comissão de Administração Pública, Modernização Administrativa,
Descentralização e Poder Local.
“O candidato é economista, nasceu e viveu
sempre em Viseu, mantendo-se fiel às suas raízes, razão pela qual decidiu
regressar para se candidatar à autarquia que liderou durante mais de duas
décadas com grande sucesso.”.
A este
respeito, Paulo Neto, no seu “Rua Direita”,
comenta:
“Fernando Ruas
encarna bem a falibilidade da lei da limitação dos mandatos, pois com quase
três dezenas de anos à frente da autarquia, reciclado, volta em triunfo aos
ombros de Rio e Alves. Quase como o seu correligionário do Sátão, Alexandre
Vaz, que ora é presidente, ora é vice-presidente, ora é candidato a presidente.
Abençoados ‘missionários’.”.
Rio e Alves de que fala o texto de Paulo Neto são,
respetivamente Rui Rio, líder nacional do PSD, e Pedro Filipe Santos Alves, presidente
da comissão política distrital de Viseu.
Resta acrescentar o nome de João Paulo Lopes Gouveia, presidente
da comissão política concelhia de Viseu, a que alude o comunicado plasmado no
site do partido.
Enfim, estamos no jogo do aparece e do eclipse ou do sobe e
desce, dançando as cadeiras.
No caso do município de Viseu, não se percebe como terras do
Cavaquistão não conseguem produzir, de momento, outras personalidades com
perfil socialdemocrata para liderar os negócios do concelho. Como é que a atual
presidente em exercício não serve, nem nenhum membro dos órgãos concelhios? Como
é que não se aproveita uma equipa que, a não ser que se prove o contrário, tem
dado boa conta do recado na administração municipal? E como se entendem as palavras
de Ruas por ocasião do falecimento de Almeida Henriques sobre o seu putativo
desejo de que a questão da candidatura não passasse pela sua pessoa?
Nada tenho a dizer contra o atual candidato, antes pelo contrário.
No entanto, se a sua candidatura tiver êxito, espero que não volte a aconselhar
os presidentes da junta a correr à pedrada os fiscais do Ministério do Ambiente,
como o fez em tempos numa sessão da Assembleia Municipal.
Por outro lado, há que referir que não se lhe conhecem
ligações com o futebol a nível de jogador nem de treinador; não foi condenado
nem se quer arguido; e não manifesta ideias próprias de Ventura e quejandos.
Mas, quanto à renovação partidária de que Rio se tornou
pregoeiro, estamos conversados, a não ser que se entenda a renovação num quadro
noético de nostalgia restauradora, de que fala Anne Applebaum no seu livro “o crepúsculo da democracia”. Com efeito,
quando a atualidade não oferece, em democracia, soluções diversas e novas, algo
vai mal no reino das liberdades.
2021.05.19 – Louro de Carvalho
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