sábado, 22 de maio de 2021

O próximo Sínodo dos Bispos: de evento a processo

 

Em comunicado divulgado na manhã de 7 de março de 2020, o Cardeal Lorenzo Baldisseri, então Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, anunciava que o Santo Padre convocara a XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos para outubro de 2022, sob o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”.  

Entretanto, como a pandemia de covid-19 condicionou a convivência e as deslocações, a realização do Sínodo teve a calendarização alterada e recebeu novo dinamismo em consonância com a Constituição Apostólica “Episcopalis Communio promulgada a 15 de setembro de 2018 pelo Santo Padre Francisco, o qual, durante o seu pontificado, recordou, por várias vezes, que “a sinodalidade é a via mestra na vida da Igreja”. E, por ocasião do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, a 17 de outubro de 2015, pronunciou estas palavras:

Aquilo que o Senhor nos pede, de certo modo está já tudo contido na palavra ‘Sínodo’. Caminhar juntos – leigos, pastores, Bispo de Roma – é um conceito fácil de exprimir em palavras, mas não é assim fácil pô-lo em prática. (…) O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio.”.

Mais disse que a sinodalidade dá “o quadro interpretativo mais apropriado para compreender o próprio ministério hierárquico”, pois, se entendermos que “Igreja e Sínodo são sinónimos”, como diz São João Crisóstomo, compreenderemos que “dentro dela ninguém pode ser ‘elevado’ acima dos outros”, antes, como explicou o Santo Padre, “na Igreja, é necessário que alguém ‘se abaixe’ pondo-se ao serviço dos irmãos ao longo do caminho”.

Jesus constituiu a Igreja, colocando no seu vértice o Colégio Apostólico, em que Pedro é a ‘rocha’,  mas, nesta Igreja, como numa pirâmide invertida, o vértice encontra-se abaixo da base. Por isso, como observou Francisco, quem exerce a autoridade chama-se ‘ministro’ (servo), porque, segundo o significado original da palavra, é o menor no meio de todos (cf Lc 22,26)

É óbvio que o sínodo geral como evento só resultará na medida em que venha a culminar um sólido processo sinodal desenvolvido a vários níveis de sinodalidade: o primeiro nível de exercício da sinodalidade realiza-se nas Igrejas particulares; o segundo é o das Províncias, das Regiões Eclesiásticas e das Conferências Episcopais; e o último nível é o da Igreja universal, onde, representando o episcopado católico, o Sínodo dos Bispos se torna, como recordou o Papa, “expressão da colegialidade episcopal dentro duma Igreja toda sinodal”.

Inspirando-se nas palavras do Papa por ocasião do cinquentenário da instituição do Sínodo, a Comissão Teológica Internacional conduziu, em 2018, um estudo sobre a sinodalidade na vida e na missão da Igreja. “Sínodo” – como se lê no documento – é uma palavra antiga na tradição da Igreja. É formada pela preposição σύν (com) e o nome ὁδός (caminho). Indica o caminho conjunto feito com o Povo de Deus. Desde os primeiros séculos, se designam com este vocábulo qualquer assembleia eclesial convocada a vários níveis para discernir, à luz da Palavra de Deus, questões doutrinais, litúrgicas, canónicas e pastorais. Por seu turno, o termo “sinodalidade” indica “o específico modus vivendi et operandi da Igreja, Povo de Deus, que manifesta e realiza concretamente o seu ser comunhão no caminhar juntos, em reunir-se em assembleia e na participação ativa de todos os seus membros na sua missão evangelizadora”.

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Como refere o “Vatican News”, pela voz e pena do jornalista Salvatore Cernuzio, do “La Stampa”, a 21 de maio deste ano, e tal como foi divulgado naquele mesmo dia pela Sala de Imprensa da Santa Sé, o Papa Francisco dará, no próximo mês de outubro, início a um caminho sinodal de três anos e articulado em três fases – diocesana, continental, universal –, que culminará com a assembleia de outubro de 2023, em Roma, escassos dois meses depois de outro grande acontecimento, neste caso tendo por palco Portugal, a Jornada Mundial da Juventude.

Um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo” é o dinamismo que enforma esta postural sinodal. E, para que se torne mais concreta e visível a sinodalidade desejada por Francisco desde o início do seu pontificado, este Sínodo dos Bispos será celebrado não somente no Vaticano, mas em cada Igreja particular dos 5 continentes, seguindo um itinerário trienal articulado em três fases, feito de escuta, discernimento, consulta. Leigos, sacerdotes, missionários, consagrados, bispos, cardeais, mesmo ainda antes da discussão, reflexão e questionamento sobre a sinodalidade na assembleia no Vaticano, encontrar-se-ão a viver a sinodalidade em 1.ª pessoa – cada um na sua diocese, com o seu papel, com as suas instâncias.

O itinerário sinodal, que o Papa Francisco aprovou, foi anunciado em documento da Secretaria do Sínodo em que são explicadas as suas modalidades. Como acentua o seu texto, trata-se de “um processo sinodal integral” que apenas será realizado de forma autêntica “se as Igrejas particulares estiverem envolvidas nele”, sendo muito importante a participação dos “órgãos intermediários da sinodalidade, isto é, os Sínodos das Igrejas católicas orientais, os Conselhos e Assembleias das Igrejas sui iuris e as Conferências episcopais, com as suas expressões nacionais, regionais e continentais”.

É a primeira vez, na história desta instituição criada por Paulo VI em consonância com a recomendação dos padres conciliares de manter viva a experiência colegial do Vaticano II, que um Sínodo começa descentralizado.

Em outubro de 2015, pelo 50.º aniversário desta instituição, Francisco expressou o firme desejo de um caminho comum de “leigos, pastores, Bispo de Roma” através do “fortalecimento” da assembleia dos bispos e “uma descentralização salutar” – desejo que agora se torna realidade.

Superando qualquer “tentação de uniformidade”, mas almejando a “unidade na pluralidade”, a abertura do Sínodo terá lugar tanto no Vaticano como em cada diocese. O caminho será inaugurado pelo Papa no Vaticano, a 9 e 10 de outubro. Seguir-se-ão as três fases – diocesana, continental, universal – com vista a possibilitar uma verdadeira escuta do povo de Deus e envolver todos os bispos em diferentes níveis da vida eclesial.

Seguindo o esquema traçado, tem início a fase diocesana, a da consulta e participação do Povo de Deus. Ou seja, com um momento de encontro/reflexão, oração e celebração eucarística, as Igrejas particulares começarão o seu caminho no domingo, 17 de outubro deste ano, sob a presidência do bispo diocesano. O objetivo desta fase é a consulta ao povo de Deus para que o processo sinodal se realize na escuta da totalidade dos batizados. Para facilitar a participação de todos, a Secretaria-Geral do Sínodo enviará um texto preparatório acompanhado de questionário e vade-mécum com as propostas para a realização da consulta – texto que será enviado também a Dicastérios da Cúria, Uniões dos Superiores e das Superioras Maiores, Uniões ou Federações de Vida Consagrada, Movimentos leigos internacionais, Universidades ou Faculdades de Teologia, com vista ao estudo e à contribuição destas entidades.

Cada bispo, antes do mês de outubro de 2021, nomeará um responsável diocesano como ponto de referência e conexão com a Conferência Episcopal, que acompanhará a consulta na Igreja particular a cada passo. Por sua vez, a Conferência Episcopal nomeará um responsável ou uma equipa como ponto de referência junto dos responsáveis diocesanos e da Secretaria-Geral do Sínodo. O discernimento diocesano culminará numa “Reunião pré-sinodal” no final da consulta. As contribuições serão enviadas à respetiva Conferência Episcopal até uma data determinada por esta. Caberá, depois, aos bispos reunidos em assembleia abrir um período de discernimento para “escutar o que o Espírito suscitou nas Igrejas a eles confiadas” e sintetizar as contribuições. A síntese será enviada à Secretaria-Geral do Sínodo, assim como as contribuições de cada Igreja em particular. Tudo isso será feito antes de abril de 2022. De igual modo, serão recebidas contribuições de Dicastérios, Universidades, União de Superiores Gerais, Federações de Vida Consagrada, Movimentos. Com base no material obtido, a Secretaria-Geral do Sínodo elaborará o primeiro Instrumentum laboris, para esboço de trabalho dos participantes da assembleia no Vaticano, que será publicado em setembro de 2022 e enviado às Igrejas particulares.

Começa, deste modo, a fase continental, a do diálogo e discernimento, programada para durar até março de 2023, com o objetivo de dialogar, a nível continental, sobre o “Instrumentum laboris e realizar, em seguida, “um ato ulterior de discernimento à luz das particularidades culturais específicas de cada continente”. Cada reunião continental dos episcopados nomeará, por sua vez, antes de setembro de 2022, um responsável que atuará como referência junto dos próprios episcopados e da Secretaria-Geral do Sínodo. Nas Assembleias continentais será elaborado um documento final, a enviar em março de 2023 para a Secretaria-Geral do Sínodo. Enquanto decorrem as reuniões continentais, realizar-se-ão assembleias internacionais de especialistas, que poderão enviar as suas contribuições. Por fim, será elaborado um novo “Instrumentum laboris, cuja publicação está prevista para junho de 2023.

Como se disse, segue-se a fase universal: a dos bispos do mundo em Roma. Assim, este longo percurso, que pretende configurar “um exercício da colegialidade dentro do exercício da sinodalidade”, culminará em outubro de 2023 com a celebração do Sínodo em Roma, de acordo com os procedimentos estabelecidos na Constituição Apostólica “Episcopalis Communio.

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Este itinerário sinodal foi aprovado pelo Papa a 24 de abril de 2021. E o Secretariado Geral do Sínodo dos Bispos, com parecer favorável do Conselho Ordinário, propôs modalidades inéditas para o caminho rumo às raízes. Assim, a articulação das diferentes fases do processo sinodal, acima discriminadas, permitirá uma verdadeira escuta do Povo de Deus e garantirá a participação de todos neste rico processo sinodal. Não é só um acontecimento, mas um processo que envolve em sinergia o Povo de Deus, o Colégio Episcopal e o Bispo de Roma, cada um segundo a sua função.

O Cardeal Mario Grech, Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos do Vaticano, comentou ao “Vatican News” que este formato foi escolhido porque “o tempo estava maduro para uma participação mais ampla do povo de Deus num processo de tomada de decisão que afeta toda a Igreja e todos na Igreja”. Ora, como “o Concílio Vaticano II ensina que o povo de Deus participa do ofício profético de Cristo”, impõe-se “ouvir o povo de Deus”, o que “significa ir às igrejas locais”, assumindo-se o princípio  que governa esta consulta ao povo de Deus de que “aquilo que diz respeito a todos deve ser aprovado por todos”. Porém, advertiu:

Não se trata de democracia, populismo ou qualquer coisa assim. Em vez disso, é a Igreja como povo de Deus, um povo que, em virtude do batismo, é um sujeito ativo na vida e na missão da igreja.”.

E, observando que “o Sínodo se transforma para dar espaço ao povo de Deus”, vincou:

Todos podem fazer ouvir a sua voz, o processo decisório na Igreja começa sempre com a escuta, porque só assim podemos compreender como e para onde o Espírito quer conduzir a Igreja”.

Este é, pois, o significado das novidades introduzidas no processo sinodal. E o Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos justificou o protelamento deste exercício da sinodalidade eclesial com o advento da dramática situação da pandemia e com a necessidade de aplicar em tempo as normas previstas pela Constituição Apostólica “Episcopalis communio”. Grech afirmou-se convicto de que “a história do Sínodo ilustra o bem que estas assembleias têm feito à Igreja, mas também que o tempo estava maduro para uma participação mais ampla do povo de Deus em um processo decisório que diz respeito a toda a Igreja e a todos na Igreja”.

No atinente às novidades introduzidas, o cardeal referiu a transformação do Sínodo de evento em processo, vincando que, “enquanto antes se esgotava na celebração da assembleia, agora cada assembleia do Sínodo é desenvolvida de acordo com fases sucessivas, que a constituição [apostólica] especifica em fase preparatória, em fase celebrativa e em fase de implementação”. Frisou que, sem o primeiro passo, o consultivo, “não haveria processo sinodal, porque o discernimento dos pastores, que é a segunda fase, é feito sobre o que emergiu da escuta do povo de Deus”. E enfatizou que “o processo sinodal não foi concebido numa mesa redonda”, mas “surgiu do próprio caminho da Igreja durante todo o período pós-conciliar”, e que “a próxima assembleia se concentrará precisamente na sinodalidade”, estando os frutos expectáveis já implicitamente indicados no tema indicado pelo Papa para a assembleia: “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. A pari, observando que, “durante muito tempo se falou de comunhão como um elemento constitutivo da Igreja”, sustentou que “tal comunhão ou é sinodal ou não é comunhão”, pois, em vez de um slogan, tal asserção tem um significado preciso: “a sinodalidade é a forma de comunhão da Igreja-povo de Deus”.

Quanto aos objetivos, o purpurado especificou que “a vontade da Secretaria-Geral é permitir que todos possam fazer ouvir a sua voz, que a escuta seja a verdadeira conversão pastoral da Igreja”. E formulou o seguinte voto:

Que Deus conceda que um dos frutos do Sínodo possa ser que todos nós compreendamos que um processo de decisão na Igreja começa sempre com a escuta, porque só assim podemos compreender como e para onde o Espírito quer conduzir a Igreja”.

Relativamente ao papel dos bispos, observou que “a força do processo está na reciprocidade entre consulta e discernimento”, sendo nisso que “reside o princípio fecundo que pode levar a um maior desenvolvimento da sinodalidade, da Igreja Sinodal e do Sínodo dos Bispos”.

Por fim, relevando a pedagogia da caminhada, concluiu:

Quanto mais se caminha, mais se aprende à medida que se vai caminhando. Estou convencido de que a experiência do próximo Sínodo nos dirá muito sobre a sinodalidade e como implementá-la.”.

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Todavia, de nada valerá a Igreja sentir-se a ir de vento em popa, se não se deixar guiar pela moção do Espírito Santo, o dom de Deus como paráclito, intérprete, motor da fé, alma da Igreja e sua força cimentadora, impulsionador da caminhada, fator da unidade, pedagogo da oração, mestre oculto da Palavra e da fé, inspirador e timoneiro do testemunho.

2021.05.22 – Louro de Carvalho

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