quinta-feira, 20 de maio de 2021

A arte bizantina, horizonte espácio-temporal e caraterização

 

No século IV, a invasão do Império Romano pelos bárbaros levou Constantino, que dera a paz à Igreja, a transferir a capital do Império para Bizâncio, cidade grega denominada Constantinopla em 330. Tal mudança, que foi o golpe de misericórdia na já enfraquecida Roma, facilitou a formação dos Reinos Bárbaros e possibilitou o aparecimento da arte bizantina (florescente nesta zona oriental), que apresentava caraterísticas diferentes no período paleocristão e que evoluiu de maneira independente desde os finais do século V.

No entanto, graças à localização de Constantinopla, a arte bizantina sofreu influências de Roma, Grécia e Oriente, tendo a união de alguns elementos dessas culturas formado um estilo novo, rico na técnica e na cor ao serviço duma arte que estava dirigida pela religião, cabendo ao clero, para lá das suas funções específicas, organizar as artes, sendo os artistas meros executores.

Como o regime era teocrático, o imperador detinha poderes administrativos e espirituais, o que o tornou o representante de Deus, pelo que era representado com auréola sobre a cabeça e até juntamente com a esposa a ladear o Menino Jesus e a Virgem Maria.

O Império Bizantino desenvolveu-se em 11 séculos (desde a cisão do Império Romano e consequente fundação de Constantinopla, em 324 d. C., até à sua conquista pelos Turcos Otomanos em 1453 d. C.). E Constantinopla, tornada o mais importante centro económico-comercial do Império, possibilitou à sua parte oriental a resistência às invasões e a construção de identidade própria, azando a que a arte bizantina, que se exprimiu por cerca de 1000 anos, se desenvolvesse e difundisse enquanto auxiliar na difusão didática da fé (como Biblia Pauperum) e na demonstração da grandeza do imperador, que mantinha o seu caráter sagrado e governava em nome de Deus.

A um período inicial de transição seguiu-se, no reinado do imperador Justiniano (527-565), o primeiro momento áureo da arte bizantina, momento de expansão, com a reconquista de parte dos antigos domínios no Ocidente (incluindo parte de Itália), durante o qual a capital imperial se assumiu como um dos grandes centros culturais e artísticos do mundo mediterrânico.

Em 726 d. C., o imperador Leão III decreta a proibição e destruição dos ícones e representações humanas na arte religiosa, em rutura com as formas anteriores de culto. É a fase iconoclasta.

Terminada a fase iconoclasta em 843 d. C., com a ascensão da dinastia Macedónia (867-1056), atingiu-se um novo período áureo no campo artístico, o renascimento macedónio, caraterizado pela recuperação dos ideais clássicos e da monumentalidade da arte da época justiniana.

Após breve período de domínio veneziano (entre 1204 e 1261), seguiu-se a última fase artística do império que seria continuada, depois do século XV, pelos países de religião Ortodoxa.

A cultura bizantina, apoiada no Cristianismo, acabou por definir uma interpretação própria que a afasta da Igreja Romana. A ortodoxia era mais contemplativa e os seus rituais centravam-se na veneração de ícones (retratos estilizados das figuras sagradas).

A arte bizantina estendeu-se por cinco períodos diferentes: o constantiniano, o justiniano, o macedoniano, o comneniano e o paleologuiano.

O constantiniano é o do início em que se recolhem elementos da cultura greco-romana e da oriental e se utilizam na arquitetura, em mosaicos, afrescos e tecidos.

O justiniano constitui o auge, no século VI, no reinado do imperador Justiniano. O Templo de Santa Sophia, construída pelos arquitetos Anthemio de Tralles e Isidoro de Mileto, é uma das principais referências arquitetónicas do período, tendo como caraterística o uso da decoração naturalista, ornamentos elaborados e a produção de esculturas de metal. A iconoclastia  destruiu diversas obras deste período, mas, no século IX, voltou o usar de imagens na catequização.

O macedoniano é o do ressurgimento da arte, após a fase iconoclasta. A construção das igrejas passou a seguir uma hierarquia: cúpulas, absides e as partes superiores eram preenchidas com figuras celestes; as partes intermediárias, com imagens da vida de Cristo; e as inferiores, com imagens de profetas e apóstolos. E foram produzidas muitas esculturas de mármore. Foi então que eclodiu a grande divergência entre o catolicismo romano e o bizantino. Em 1054, a Igreja Católica foi divida entre católica apostólica romana e ortodoxa.

O comneniano é o período da maior espiritualização desta arte. Em 1204, Constantinopla sofreu uma invasão e diversas obras de arte foram roubadas e os artistas fugiram para outras cidades. Assim, esta arte influenciou a produção de outros lugares, como a Rússia e os Balcãs.

O paleologuiano é o de empobrecimento dos materiais e predomínio dos afrescos na produção artística, pelo baixo custo, e com imagens mais realistas e narrativas. É o tempo do surgimento da Escola de Constantinopla.

Em termos gerais, esta arte, que teve o mosaico como umas das suas principais expressões, está profundamente ligada à religião e foi influenciada pela arte cristã primitiva, mas, no atinente à decoração, é sumptuosa, exibindo riqueza e poder e demonstrando a absoluta autoridade do imperador como representante de Deus na Terra. O próprio imperador estabelecia e organizava superiormente as artes, que depois o clero dirigia, sendo o artista o executor dos trabalhos. Por isso, como na arte egípcia, foram estabelecidas regras rígidas com a finalidade de atingir melhor os objetivos. Na representação das figuras, por exemplo, foi estabelecido o uso da frontalidade (figura posicionada de frente, solene e formal, olhos grandes a mirar o alto, transmitindo inquietude transcendental), que transmitia a ideia de autoridade e respeito.

Toda a representação era rigorosamente recomendada pelos sacerdotes para comover os fiéis: determinavam postura, gestos, vestimenta, mantos e suas dobras e símbolos. Além disso, os soberanos eram representados como personagens sagradas, tendo a cabeça aureolada, e Cristo, nalguns casos, era representado como o rei todo-poderoso (Pantocrator).

 

A arquitetura

Em termos gerais, é de referir que a arquitetura era marcada pelo luxo dos adornos (herança oriental) e complexidade dos edifícios. As igrejas e os palácios ilustravam a riqueza arquitetónica bizantina. Na construção das igrejas, usava-se a cúpula sobre pilares, a planta em cruz grega e o capitel (extremidade superior da coluna) cúbico. As igrejas bizantinas, ainda que orientadas a leste, têm diversas particularidades. A cabeceira possui 3 absides, a que os fiéis não tinham acesso: uma em que o oficiante concedia bênçãos, a central para o altar com os assentos do clero e a 3.ª para os ornamentos litúrgicos. Tal zona era separada do resto por barreira ou cancela com ícones, o iconostásio (ou iconóstase), que se converteu em parede que isolava a classe clerical.

Constituindo uma das tipologias mais importantes da arquitetura, as igrejas tiveram, no primeiro período do Império, dois modelos fundamentais: a basílica (espaço longitudinal formado por várias naves e rematado pela abside) e a igreja de planta centralizada com cúpula. O primeiro, caraterístico da arquitetura paleocristã desenvolvida na Itália, foi desaparecendo em prol da planta central de inspiração oriental, que se tornou dominante. Também foi às igrejas que a arte bizantina deu maior atenção. Eram planeadas e implantadas sobre uma base circular, octogonal ou quadrada, com imensas cúpulas, criando-se prédios enormes, espaçosos e totalmente decorados. Na evolução desta arquitetura distinguem três períodos áureos. O primeiro continua o paleocristão e tem o momento mais representativo com Justiniano (527-565). A partir da luta iconoclasta na 1.ª metade do século VIII quebra-se a continuidade, e com o restabelecimento do culto às imagens pelo concílio de 842 passa-se ao 2.º período áureo, que é o mais acentuadamente bizantino. O terceiro vem após a tomada de Constantinopla pelos cruzados em 1204 e tem grande interesse pela difusão das formas bizantinas até ao Norte (Rússia) e ao Ocidente. Porém, a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 abalará profundamente uma arte já em crise.

Com Justiniano empreenderam-se as mais famosas construções da arquitetura bizantina. As paredes são de tijolo, por vezes revestido exteriormente por lajes de pedra com relevos, e ocultam interiormente a sua pobreza com a policroma decoração de mosaico, mais tarde substituído pela pintura. Como suporte, emprega-se a coluna, com dois tipos de capitéis: o derivado do coríntio, caraterizado pelas folhas espinhosas de acanto, distribuídas em duas filas de 8, conseguindo-se efeitos profundos de claro-escuro ao empregar-se o cinzel e o trépano; e o capitel impósito, de origem sassânida, com a forma de tronco de cone revestido, cuja superfície se cobre nos edifícios mais ricos duma decoração vegetal contínua e uniforme com cinzel e trépano em dois planos. Tende a desaparecer o ábaco, que é substituído por um corpo em forma de tronco de pirâmide invertida (cimácio). Mas o mais caraterístico deste período é o emprego da abóboda como cobertura. Os tipos de abóbodas mais utilizadas são as de berço e aresta e a cúpula, cuja construção se vê facilitada pelo emprego do tijolo como material de construção.

Há vários exemplos arquitetónicos bizantinos como a igreja dos Santos Sérgio e Baco, a igreja de São Vital, em Ravena, a Catedral Dourado em Antioquia, a catedral de Bosra e a de São João de Esra, a igreja de Santa Irene ou de Santa Paz (532). Não obstante, o grande exemplo, porque paradigmático, é a igreja de Santa Sofia, em Constantinopla.

Santa Sofia, dedicada à segunda pessoa da Santíssima Trindade como Sabedoria Divina foi construída na 1.ª metade do século VI d. C. (entre 532 e 537) pelos arquitetos Anthemio de Tralles e Isidoro de Mileto, sob vigilância direta do imperador  Justiniano. Representa o apogeu da tipologia de planta centralizada. A partir de planta de base quadrada, ergueram-se diferentes volumes prismáticos e semicúpulas, que culminavam na cúpula central. A grande austeridade dos volumes e a quase total ausência de ornamentação que definiam a imagem exterior da igreja contrastam radicalmente com a grande complexidade do espaço interior, determinada pela ambiguidade entre a vocação centralizada do espaço, pontuado pelo impulso vertical conferido pela enorme cúpula central (a altura máxima atingia cerca de 56 metros), e a marcação dum eixo longitudinal, acentuado pela deslocação do altar para a abside que rematava a nave central, ladeada por duas naves mais pequenas, separadas por 3 nichos com arcadas e colunas, imprimindo inusitada fluidez espacial ao templo. A iluminação do interior através de várias janelas e duma série de pequenas aberturas rasgadas no tambor da cúpula bem como os revestimentos em mármore e mosaico contribuíram para a sensação de desmaterialização dos volumes e das superfícies, proporcionando ao templo rara qualidade mística e espiritual.

É dominada pela grande cúpula central, de 31 m de diâmetro e 55 m de altura, sobre perxinas. A parte inferior do casquete da cúpula está perfurada por uma série de janelas que se situam entre os arcos de reforço dispostos radialmente, de modo que a impressionante luminosidade dos vãos anula o efeito visual dos maciços a parecer que flutua no ar. Assim, impõe-se uma estética baseada na valorização do espaço segundo o eixo longitudinal dos pés à cabeceira do templo. Do lado da abside e do átrio contrabalançam-se as grandes forças da cúpula mediante duas grandes éxedras ou quartos de esfera que se equilibram com outras menores e, aos lados, por dois grossos apoios unidos através de riquíssimas arcadas com colunas verde antigo, pórfiro vermelho e mármore branco. Tal método tornou a cúpula extremamente elevada, sugerindo, por associação à abóbada celeste, sentimentos de universalidade e poder absoluto. Para aligeirar o peso de tão imensa cobertura, construíram-se, com ânforas de argila, rodas, de reduzido peso específico, incrustadas umas nas outras formando círculos concêntricos.

As qualidades espaciais e formais da igreja de serviram como fonte de inspiração para muitos outros edifícios erguidos neste período, como alguns dos edifícios monumentais da cidade de Ravenna, construída entre 527 e 751 d. C. (data da conquista deste território pelos Lombardos), de entre os quais se destaca a igreja de San Vital. Poucos anos após sua construção, a majestosa cúpula desmoronou em consequência de terremoto, mas foi reerguida com o mesmo traçado e técnica, reforçando os apoios laterais, em 558 sob a direção de Isidoro de Mileto. Ainda em 989, de novo danificada, teve a intervenção dum arquiteto arménio.

A grandiosidade do espaço criado em Santa Sofia, como, no seu tempo, a riqueza cromática dos altares, mosaicos e materiais, em que a simbólica luz reverbera a dar razão à asserção de que “o que é radiante vem de dentro”, justificam a exclamação de Justiniano ao vê-la acabada:

Glória a Deus que me julgou digno de executar esta obra! Venci-te Salomão!

Embora, a igreja tenha perdido a maior parte da decoração original de ouro e prata, mosaicos e afrescos, há uma beleza natural na sua magnificência espacial e nos jogos de sombra e luz, um claro-escuro admirável quando os raios de sol penetram e iluminam o seu interior.

No 2.º período áureo, desde meados do século IX, com a ascensão da dinastia Macedónia, consolida-se a tipologia de planta central nos templos. Foi desenvolvido um modelo espacial de menores dimensões (cruz grega, inscrita em planta quadrada, pontuada pela cúpula central) com abóbodas de berço nos 4 braços da cruz, simplificando a tipologia anterior volumétrica e, construtivamente, constituindo bom exemplo a igreja da Pequena Metrópole de Atenas (construída no século XII).

No século XIII, esta tipologia é enriquecida com a construção de cúpulas laterais mais baixas assentes nos 4 braços da cruz (modelo já experimentado no século XI, na Basílica de São Marcos de Veneza). Estas cúpulas, que gradualmente se tornavam mais esbeltas, eram frequentemente erguidas sobre tambores (cilíndricos ou octogonais), contribuindo para a acentuação da verticalidade do espaço. Muitos destes edifícios, sobretudo os da Grécia e dos Balcãs, têm dimensões reduzidas.

Em Veneza, conserva-se o edifício mais belo e famoso do período, a igreja de São Marcos, iniciada em 1063 e terminada em 1095, construída segundo o modelo da dos Santos Apóstolos de Constantinopla, com a novidade de acrescentar aos pés amplo pórtico com várias cúpulas.

No Norte da Rússia, onde se empregava a madeira como material de construção, a influência bizantina fez-se notar nos edifícios em pedra e tijolo. O centro introdutor da mesma situa-se em Kiev, onde se fundiram a influência bizantina, a arménia e a georgiana.

É significativa a semelhança da planta da igreja de Santa Sofia de Kiev (1017-73) com a igreja de Movk (Cáucaso): quadrada, com 5 naves que terminam em 5 absides, sem equivalente entre os edifícios da capital bizantina. Mais a norte, em Novgorod, nota-se mais a influência bizantina, embora não se ignore a exercida pelo românico-germânico, sobretudo na região de Vladimir – aspetos essenciais para a compreensão da originalidade da arte russa. Como exemplos de meados do século XI, sobressaem a Santa Sofia de Novgorod e a catedral de Assunção de Vladimir. As novidades deste período áureo atingem fundamentalmente a decoração. O tipo de planta mais difundido continua a ser o de cruz grega. Porém, o mais caraterístico é a acentuação das diferenças provinciais e a perda do papel de dirigente de Constantinopla. Entre outras, mencionam-se as igrejas búlgaras de Preslav, Pliska e Ochrida, as romenas de Voronet, Dealu e Suceara, na Rússia, a catedral do Trânsito da Virgem, de 1326 e a da Natividade.

A arte bizantina não se extinguiu em 1453, pois, na 2.ª metade do século XV e parte do século XVI, a arte das regiões onde ainda florescia a ortodoxia grega expressava-se na arte bizantina, que extravasou os limites territoriais do Império, penetrando, por exemplo, nos países eslavos.

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A pintura

As técnicas de pintura variavam entre tipos distintos. A mais utilizada foi a têmpera, a da preparação dos pigmentos junto a uma goma feita de material orgânico (como a gema de ovo) a fim de fixar melhor as cores à superfície. Havia trabalhos de pintura em quadros, em painéis portáteis, ilustrações de livros e afrescos, com predominância da temática cristã. As imagens privilegiavam as figuras de Cristo e da Virgem Maria.

A pari, são descritos, nas portas das igrejas e recintos imperiais eventos decisivos da vida do  imperadores, como vitórias militares e obras públicas. Registam-se, por exemplo, a ascensão de Leão I, o Trácio, uma ágora e umas termas, os feitos de Basílio I, o derrube de Andrónico, a vitória de Miguel VIII na guerra contra os angevinos. Porém, destacam-se: as pinturas de ícones; as representações pictóricas de santos em painéis portáteis presentes até aos dias atuais; as miniaturas, representações simples e claras dos factos mais importantes da doutrina cristã e dos principais episódios sagrados, usadas nas ilustrações de livros; e os afrescos. A tábua com os Santos Sérgio e Baco que, procedente do convento de Santa Catarina no Sinai, se conserva no museu de Kiev, é um dos exemplos mais felizes chegados até nós. Praticamente indiferenciados, surgem de frente imagens simétricas instaladas num espaço sem atmosfera. De qualidade pictórica superior é mais humano é o São Pedro do mesmo convento. Nele, as tendências ao esquematismo e a linearidade do ícone de Kiev veem-se temperadas por uma realização muito mais solta, mas sobrevive o essencial: a vida interior que se desprende da figura e a frontalidade e o hieratismo como recursos para apanhar o espectador e mostrar o respeito para com este. Foi os abuso no culto aos ícones, que frequentemente adotava formas próximas da idolatria, que a ocasião a querela política e teológica que transtornou o Império de Oriente durante mais dum século. Em 726, o imperador Leão III, o Isáurico, promulgou um édito contra a utilização de imagens no culto, que encontrou forte resistência (a começar pelo Papa Gregório III) e abriu um período de perseguições contra as imagens (sendo muitas destruídas) e contra os seus partidários. Com o breve interregno de triunfo da iconofilia (787-813) devido à imperatriz Irene, a iconoclastia prolongou-se até 843, quando a imperatriz Teodora restabeleceu definitivamente o culto às imagens. Testemunho importante do que podia ter sido a decoração do período iconoclasta são os mosaicos da grande mesquita de Damasco (705-715), de caráter ilusionista, com árvores em primeiro plano a dar ritmo ao espaço.

O fim da querela iconoclasta preparou as condições para reafirmação do Império bizantino sob a dinastia dos Macedónios (867-1056) e iniciou o 2.º período áureo da arte bizantina, prolongada com o domínio dos Ducas, Comnemos e Ângelos até que, em 1204, a tomada de Constantinopla pelos cruzados provocou a maior das crises vividas até então pelo Império Romano do Oriente.

Sob os Macedónios, as diretrizes políticas e culturais do período justiniano converteram-se em ponto de referência básico e Bizâncio recuperou as linhas de desenvolvimento partidas no período iconoclasta, orientando a vista para nova iniciação, com base no seu passado cultural: as tradições helenísticas, imperial romana e paleocristã. O resultado foi marcado por caraterísticas como: o predomínio do pictórico sob o linear, o uso frequente de uma técnica solta e o aumento do naturalismo (visível no tratamento mais cuidado dos cenários, na variedade de atitudes dos personagens e na maior correção anatómica).

O renascimento macedónio, fiel às constantes de desenvolvimento da cultura bizantina e ao seu conservadorismo, conduziu nos finais do século X a formulações de grande intensidade, que permaneceram quase dois séculos e constituem a expressão mais típica da cultura bizantina, sendo as principais caraterísticas a desmaterialização e idealização das figuras, a frontalidade ou hieratismo, o predomínio linear sobre o pictórico e a renúncia à ilusão de profundidade. E a extrema redução dos elementos naturais ou arquitetónicos tende a configurar cenas em que as personagens, muitas vezes, aparecem fora do espaço e do tempo, instaladas no sobrenatural.

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A escultura

Toda a atração por decoração aliada à cautela dos cristãos contra a estatuária por evocar o paganismo afasta o gosto pela forma, pelo que a escultura não teve tanto destaque neste período. O que se encontra restringe-se a baixo-relevo acoplado à decoração. O material mais utilizado era o marfim, cujas caraterísticas eram a rigidez e a ausência de naturalidade nas representações.

A arte bizantina teve o grande apogeu no século VI, com Justiniano. Porém, logo se sucedeu o período da iconoclastia, com a destruição de qualquer imagem santa devido ao conflito entre os imperadores e o clero. Na escultura, o culto à imagem do imperador e a presença do princípio da frontalidade aparecem como caraterísticas principais das obras, que eram divididas em dois modelos: as estátuas grandes, geralmente feitas de pedra ou mármore, e os marfins, obra em baixo-relevo, tinham valor comemorativo-simbólico e eram enviados às embaixadas.

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O mosaico

É expressão máxima da arte bizantina e não servia só para enfeitar paredes e abóbadas, mas também para instruir os fiéis mostrando-lhes cenas da vida de Cristo, profetas e imperadores. Plasticamente, este mosaico em nada se assemelha aos mosaicos romanos. É confecionado com técnicas diferentes e segue convenções que regem os afrescos. As pessoas são representadas de frente e verticalizadas para criar espiritualidade e grandiosidade; perspetiva e volume são ignorados; e o dourado é usado devido à associação com maior bem existente na terra, o ouro.

O mosaico consiste na colocação, lado a lado, de pequenos pedaços de pedras e, por vezes, vidros de cores diferentes sobre superfície de gesso ou argamassa. Tais pedrinhas são dispostas de acordo com um desenho previamente determinado. A seguir, a superfície recebe uma solução de cal, areia e óleo que preenche os espaços vazios, aderindo melhor os pedacinhos de pedra.

Os gregos usavam os mosaicos principalmente nos pisos. Já os romanos utilizavam-nos na decoração, demonstrando grande habilidade na composição de figuras e no uso da cor. Na América os povos pré-colombianos, principalmente os maias e os astecas, chegaram a criar belíssimos murais com pedacinhos de quartzo, jade e outros minerais. Mas, foi com os bizantinos que o mosaico atingiu a mais perfeita realização. As figuras rígidas e a pompa da sua arte fizeram do mosaico o modo de expressão artística preferida do Império Romano do Oriente.

No interior de São Vital estão os dois mosaicos paradigmáticos do imperador e da imperatriz, rodeados por importantes figuras da corte. A sua representação, em posição frontal hierática, eliminando qualquer sugestão de profundidade, anunciava já a estilização rígida dos ícones.

Muito utilizado na arte bizantina, sobretudo no período justiniano, o mosaico, em geral feito de pequenas pastilhas de vidro e/ou pedrinhas, cobria paredes internas e externas de igrejas e templos. Além de enaltecerem a arquitetura, as imagens construídas com o mosaico tinham a intenção de orientar os cristãos. Eram geralmente imagens da vida de Cristo.

Os imperadores também foram retratados nos mosaicos, muitas vezes, ladeando o Menino Jesus e a Virgem Maria, o que demonstrava o poder que tinham e a sua relação com a Igreja.

Geralmente as figuras eram representadas de frente e na vertical para evidenciar a grandiosidade espiritual. A perspetiva e o volume eram ignorados e usavam diversas cores, mas a dourada era predominante, pois simbolizava o ouro, para eles o maior bem existente na Terra.  

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Os ícones

A palavra ícone, de origem grega, significa imagem. Como trabalho artístico, os ícones são quadros que representam figuras como Cristo, a Virgem, os apóstolos, santos e mártires. Em geral, são bastante luxuosos, conforme o gosto oriental pela ornamentação suntuosa.

Ao pintar os ícones usando a técnica de têmpera ou encáustica (caraterizada pelo uso da cera como aglutinante dos pigmentos e pela mistura densa e cremosa), os artistas dispunham de alguns recursos para realçar os efeitos de luxo e riqueza. Era comum revestir a superfície da madeira ou placa de metal com uma camada dourada, sobre a qual pintavam a imagem. Para fazer as dobras de vestimenta, as rendas e os bordados, retiravam com estilete a película de tinta da pintura. Assim, tais áreas adquiriam a cor de ouro do fundo. Podiam colocar joias preciosas e chegavam a confecionar coroas de ouro para as figuras de Cristo e de Maria.

Geralmente os ícones eram venerados nas igrejas, mas não raro encontravam-se em oratórios familiares, pois ficaram populares entre os gregos, balcânicos, eslavos e asiáticos. São famosos os ícones russos da cidade de Novgorod, onde viveu, no início do século XV, André Rublev, célebre pintor desse género de arte.

O mosaico foi um dos géneros artísticos mais difundidos na arte bizantina. Utilizado para revestimento dos espaços interiores dos templos, alcançou um alto nível técnico e artístico, suplantando as melhores criações da época romana. Os mais interessantes e bem preservados conjuntos da época justiniana são os mosaicos das igrejas de Santo Apolinário Novo ou de São Vital, em Ravenna (de meados do século VI d. C.). E, no renascimento macedónio, assistiu-se ao desenvolvimento expressivo do ícone. Tendo em conta que as figuras sagradas não deviam ter representação realista e terrena, os artistas adotaram uma linguagem mais abstrata que deu na estilização formal e na simplificação do modelado e da cor. A Virgem com o menino, tornou-se uma das mais famosas e canónicas representações religiosas ortodoxas, sendo aplicada, em mosaico ou pintura, nas semicúpulas que encerravam as absides das igrejas.

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A arte bizantina é uma expressão estética que vale a pena revisitar.

2021.05.20 – Louro de Carvalho

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