sexta-feira, 7 de maio de 2021

Metade dos nossos jovens não distingue facto e opinião na internet

 

É verdade que aumentou, nos últimos anos, o número de jovens com equipamentos e acesso à internet e cresceu a procura de informação através das plataformas digitais, mas, segundo, o relatório Leitores do séc. XXI: desenvolver competências de leitura num mundo digital, da OCDE, a maioria não consegue “distinguir a verdade da mentira” quando está a navegar.

De facto, como referiu Andreas Schleider, diretor da OCDE para a Educação na apresentação do relatório do PISA (Programme for International Student Assessment) de 2018, dirigido a estudantes de 15 anos (participaram 600 mil representando 32 milhões) de 79 países e economias, se antes os jovens liam na enciclopédia sabendo que o que estava lá era verdade, agora procuram informação na internet. Porém, só 47% dos jovens consegue distinguir entre facto e opinião, sendo que, em Portugal, a percentagem subiu para 50%. Por outro lado, em Portugal, 55% dos alunos (pouco mais de metade) disse ter recebido formação na escola sobre como reconhecer se uma informação é tendenciosa ou não e, contrariando a tendência dos países da OCDE, foram os alunos de escolas desfavorecidas quem mais aprendeu sobre competências de literacia digital nas escolas.  Mas, para o diretor da OCDE, nesta missão “não basta transmitir conhecimento é preciso cativar os jovens”, pois, quando se interessam por um assunto, “têm uma energia infinita e conseguem passar horas seguidas envolvidos num tema”.  E Andreas Schleider, vincando a importância de ter acesso digital e casa e de aprender competências digitais na escola, crê na possibilidade de as escolas podem mudarem esta realidade”.

Sobre o acesso a equipamentos, Portugal volta a ficar acima da média da OCDE: Em 2018, 93% dos alunos portugueses tinham computador e internet em casa para fazer os trabalhos escolares, enquanto a média da OCDE era de 89%. Contudo, este valor médio esconde uma desigualdade digital, pois, entre os alunos desfavorecidos, apenas 87% têm equipamento e acesso à internet enquanto entre os alunos favorecidos a percentagem sobe para 96%.

Apesar de as pessoas disporem de mais tecnologias, a maioria dos jovens não sabe navegar na internet. Cerca de um 5 alunos dos países da OCDE sente-se perdido no teste PISA ao navegar por páginas diferentes. Portugal apresentou uma percentagem semelhante de alunos (17%) que dizem ter sentido tais dificuldades. E cerca de 28% dos alunos de escolas portuguesas seguiram as instruções dos itens na avaliação de leitura do PISA, selecionando cuidadosamente as páginas relevantes para as tarefas, limitando as visitas a páginas irrelevantes (navegação estritamente focada) e navegando ativamente em itens de fonte única e múltipla (navegação ativamente exploratória).

Outra novidade veiculada por Andreas Schleider, ao invés do que parecia acontecer é que “os jovens que leem mais livros em formato papel estão mais preparados para navegar na internet”.

No atinente ao desempenho na leitura, os portugueses obtiveram pontuações dentro da média da OCDE (492 pontos, quando a média da OCDE é de 487). Todavia, quando se comparam os resultados entre os alunos que raramente ou nunca leem livros, os leitores portugueses de livros impressos obtiveram mais 44 pontos a leitura, enquanto os leitores de livros digitais conseguiram mais 11 pontos. Já os que equilibram a leitura impressa e digital obtiveram 36 pontos a mais.

Também é má notícia a diminuição crescente do prazer de ler. O declínio mais acentuado foi observado na Alemanha, Finlândia e Noruega, mas também se fez sentir em Portugal. Entre 2009 e 2018, os alunos dizem passar mais horas a ler, mas admitem que lhes dá menos prazer. Em Portugal, os alunos dizem que os professores os estimulam para a leitura.

Ler emails já não é popular e está fora de moda entre os jovens, que passam menos tempo a discutir em fóruns, ocupando-se mais em conversas online (chatting online) e procurando notícias na internet. E “as notícias online são muito mais populares em 2018 do que eram em 2009”.

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Ora, para que as escolas consigam mudar a realidade acima descrita, importa que os docentes se centrem no que é essencial – a relação com os alunos – e valorizem menos o acessório, tal como é necessário que se minimizem as perdas de aproveitamento escolar ocasionadas na pandemia. 

Porém, sucede que mais de metade dos professores do ensino secundário se queixa do excesso de trabalho, enquanto no ensino superior se teme a falta de vacinas contra a covid-19, segundo um inquérito que revela alunos mais felizes com o regresso à escola.

Estas são algumas das conclusões da consulta junto da comunidade escolar (com respostas de 712 docentes e 95 não docentes) que a FNE (Federação Nacional da Educação) promoveu entre 26 e 30 de abril, para perceber como decorreu o regresso ao ensino presencial, iniciado a 19 de abril para o ensino secundário e superior. Efetivamente, 49,5% (quase metade) dos docentes reconhece que o regresso à escola e ao ensino presencial melhorou o bem-estar emocional dos estudantes, tendo sido junto dos mais novos que se notou maior impacto da reabertura das escolas. Isto quando se comparam os resultados divulgados com os anteriores inquéritos da FNE junto de educadores de infância e docentes do 1.º, 2.º e 3.º ciclos. Pouco mais de metade (50,9%) dos professores que dão aulas a alunos do 2.º e 3.º ciclos e 58% dos educadores de infância e professores do 1.º ciclo observaram melhorias no bem-estar emocional das crianças com o seu regresso à escola.

Mas, ao serem questionados sobre as suas principais preocupações com a atividade profissional, 54,8% dos docentes do secundário referiu ser o excesso de trabalho, logo a seguir à saúde mental e o bem-estar (que juntos representam 58,7% das respostas).

Nesta missão de recuperação das aprendizagens perdidas no ensino à distância, os professores dizem precisar de mais tempo para se dedicarem à prática letiva, “em vez de serem ‘bombardeados’ com emails e solicitações burocráticas”. Por outro lado, a pandemia trouxe uma “desconfiança e medo da proximidade” por receio de contágio, o que se traduziu num esforço físico e mental “extremamente difícil de suportar” por muitos docentes. E, neste sentido, é de registar que um em cada 4 professores do ensino superior (mais precisamente 26,4%) ainda não fora vacinado, por não estar abrangido pela prioridade de vacinação. Por isso, a FNE defende ser “essencial que seja cumprida, o mais rapidamente possível, a plena vacinação de todos os trabalhadores da educação, considerando que é irresponsável adiar, por mais tempo, a vacinação de docentes e não docentes do ensino superior”.

Também 28,9% dos inquiridos afirmam não se sentirem em segurança no trabalho com os alunos, sensação associada ao índice de cumprimento por parte dos estudantes das regras de segurança. Com efeito, pouco mais de metade dos professores (51,8%) do secundário e 30% dos docentes do ensino superior disse que os alunos não estavam a cumprir as regras. A situação mais preocupante é o distanciamento físico tanto dentro como fora das salas de aula (apontada por 91,8% destes docentes), seguindo-se a utilização de máscara fora da sala de aula (48,1%) e a falta de higienização das mãos (assinalada por 36,4% dos professores), Muitos sublinham, no entanto, que a situação é ainda mais gravosa quando os jovens saem das escolas e se juntam em cafés e esplanadas, onde não cumprem o mínimo de distanciamento.

Quanto aos trabalhadores não docentes, os resultados da consulta confirmam as preocupações reveladas nas duas consultas anteriores, relativamente ao cumprimento das normas de segurança pelos alunos e às suas condições de trabalho. As consultas foram lançadas sucessivamente em 22 de março, 12 e 26 de abril, na sequência de cada uma das fases de regresso ao ensino presencial, e envolveram mais de três mil docentes e não docentes.

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Toda a atividade educativa há de conduzir à priorização do essencial sobre o acessório e à distinção entre facto e opinião. Não podem gastar-se demasiados cartuchos com o acessório em detrimento do essencial. E deve anotar-se que o facto é descrito com objetividade, caso contrário incorre-se em mentira, e a opinião é subjetiva e livre (devidamente ancorada). Porém, para a escola cumprir cabalmente a sua missão, tem de ser afetiva e efetivamente inclusiva, devendo dispor de programas efetivos e suficientes para os alunos com mais dificuldades, sejam de que ordem elas forem, e não se pode permitir que haja alunos fora da área de intervenção da escola.

Ora, cerca de 20 mil alunos “caíram fora do radar das escolas” e deixaram as aulas no primeiro confinamento, segundo o CNE (Conselho Nacional de Educação) que defendeu a recuperação destes estudantes como prioridade, neste dia 7 de maio, em audição parlamentar da presidente do CNE requerida pelo PSD sobre a recuperação de aprendizagens perdidas devido ao ensino à distância durante a pandemia de covid-19. E Maria Emília Brederode Santos, presidente do CNE, alertou:

Houve alunos que caíram fora do radar das escolas, com os quais não foi possível estabelecer contacto ao longo de todo o período de encerramento das escolas”.

Segundo um inquérito realizado pelo CNE aos diretores escolares, 2% dos estudantes (cerca de 20 mil) não participaram nas aulas online, iniciadas em meados de março do ano passado. São crianças e jovens que pertencem aos grupos mais vulneráveis, os economicamente mais desfavorecidos e os mais desmotivados. E defendeu a especialista:

São alunos que já estavam em dificuldades, com insucesso e em risco de abandono. Por isso, recomendaríamos que recuperar esses alunos fosse a nossa primeira prioridade.”.

O CNE sustenta que deviam ser canalizados apoios socioeconómicos e recursos humanos mais diversificados, a disponibilização de assistentes sociais, mediadores culturais ou psicólogos, e que deve ser dada atenção muito especial aos alunos do 1.º ciclo, de modo que, em vez de mais horas de trabalho extra, haja a possibilidade de coadjuvação em sala de aula. E, além do professor (ou educador) da turma, os alunos teriam um docente (ou educador de infância), podendo a solução passar também por escolher um futuro professor, ou seja, um estudante que estivesse a terminar a formação, mas que não tivesse feito estágio devido à pandemia. E podia recorrer-se à contratação de professores aposentados, como aconteceu com os médicos e enfermeiros.

O regresso à escola, após as férias, foi muito difícil para os alunos e professores e muito mais dececionante, sendo que os alunos deveriam ter sido mais ouvidos. E Brederode dos Santos propõe que se revejam matérias e recursos e o papel da avaliação e que sejam as escolas a identificar as aprendizagens a recuperar, num processo em que se ouçam também os alunos e se dê às escolas condições – “uma bolsa” – para porem os projetos em prática.

Algumas destas ideias foram partilhadas por outro dos especialistas convidados para a referida audição, António Gomes Ferreira, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, que defendeu a necessidade de atribuir uma bolsa às escolas, para gerirem os recursos de forma a atenderem às especificidades da sua comunidade educativa. Sustentando que “é fundamental” confiar nas escolas, que foram quem “resolveu os problemas” e garantiu a resposta aos alunos no primeiro confinamento, o especialista disse que “as escolas foram o centro da atividade que permitiu dar respostas, as possíveis e, por vezes, algumas que até pareciam impossíveis”, tendo os estabelecimentos de ensino feiro um “esforço enorme para remediar problemas para os quais não estavam preparadas”. E o Gomes Ferreira frisou que se deve “olhar em primeiro lugar para as crianças do 1.º ciclo”, acrescentando a importância de olhar também as disciplinas de outros ciclos que são estruturantes.

A audição terminou com a deputada socialdemocrata Cláudia André a sublinhar que “foram as escolas que estiveram na linha da frente” e, por isso, o Ministério da Educação (ME) “teve o seu trabalho facilitado”. A deputada criticou a atuação do Governo, por ainda não ser conhecido o plano de recuperação das aprendizagens, mas também por não ter tido “capacidade de resposta”.

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Também há outros axes da escola como a burocracia excessiva e o aumento das desigualdades.

Em janeiro passado, a Universidade do Minho recolheu respostas de 280 docentes (ensino básico e secundário) para o estudo “Perceções dos professores sobre o ensino à distância”, que incidiu em dois momentos do confinamento e em matérias conexas com a docência e a aprendizagem. Cerca de 70% dos professores estão convictos de que o ensino online penalizou sobretudo os alunos que beneficiam de medidas de inclusão e preconizam a alteração de currículos e a autonomia escolar. De março a junho de 2020, 98,2% dos professores concordam que a adoção do ensino à distância, nos níveis de ensino em causa, exigiu a adaptação de quem ensina às tecnologias digitais. A quase totalidade (97,4%) conta que o sistema funcionou por diversos canais de mediação e 91,4% dizem que o trabalho burocrático dos professores aumentou. Criou-se um novo normal ao nível do funcionamento da escola para 83,5% deles. 

No entanto, as desigualdades entre alunos face agravaram-se, segundo 80% dos professores. E 71,4% falam em redução das aprendizagens, 71,1% em alterações na relação pedagógica e 70,3% em que o ensino à distância foi mais penalizante para os alunos beneficiários de medidas de inclusão. Porém, 48,5% adiantam que os alunos tiveram acesso aos recursos necessários. 

De setembro a dezembro de 2020, em novo ano letivo com o regresso ao ensino presencial, 95% dos professores sustentam que a relação pedagógica é parte da identidade da escola; 92,1%, sentem-se mais familiarizados com as TIC; 81,8% dizem que a consolidação das aprendizagens se fez no início do ano letivo; 71,4% dizem que o apoio pedagógico foi presencial na escola; 60,7% contam que os alunos beneficiaram de apoio pedagógico desde o início do ano letivo; e 56,8% revelam que os alunos sentiram maior necessidade de suporte pedagógico. 

Sentem 50,6% que a escola adquiriu maior protagonismo social, mas só 44,2% revelam satisfação pessoal e só 37,9% satisfação profissional. E 43,9% discordam da adequação das medidas tomadas pelo ME e 41,1% não pensam que a pandemia tenha contribuído para a valorização da profissão.

E, na alteração de práticas curriculares (sobretudo em cenário pandémico), 79,2% concordam com a Educação para a Cidadania, focada em problemas dos alunos (a nível global e local). Referem 70% a necessidade de adaptar o currículo ao contexto dos alunos (o do 1.º CEB é obeso e pouco gradual); 66,4%, são pela alteração das práticas curriculares para valorização dos resultados; 54,3% querem a escola dotada de autonomia curricular; e mais de metade reconhece que a pandemia é momento único para a consciencialização dos alunos no tema das mudanças climáticas.

2021.05.07 – Louro de Carvalho

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