Assim
caraterizou o mundo o Cardeal Tolentino de Mendonça, que, tendo chegado a pé à
Cova da Iria, presidiu à peregrinação aniversária internacional destes 12 e 13
de maio, sob o tema “Louvai o Senhor, que
levanta os fracos”, celebrada com um máximo de 7.500 peregrinos por força
das restrições ditadas pelo contexto da pandemia.
Na
conferência de imprensa em que intervieram os responsáveis máximos pela Peregrinação, Tolentino Mendonça vincou a importância dos
Santuários – sublinhando a força de Fátima – como lugares de encontro com a
dimensão espiritual e com Deus, num âmbito que julga essencial para a
reconstrução do mundo no pós-pandemia.
Ao revelar
ter cumprido, na manhã do dia 12, parte do caminho a pé até à Cova da Iria e
porfiando a sua ligação e proximidade a Fátima, disse o responsável pelo Arquivo
Apostólico do Vaticano e Bibliotecário da Biblioteca Apostólica Vaticana:
“Como português e católico, Fátima
tem um significado profundo, que me deixa cheio de alegria poder participar com
todos os peregrinos nestas jornadas intensas de oração e espiritualidade”.
Ao frisar o
“papel fundamental que os Santuários desempenham” no mundo atual, perspetivou
Fátima como lugar onde se “faz uma síntese entre a religiosidade tradicional e
a modernidade, por ser, para muitos, o lugar de um primeiro contacto com a fé
cristã e com a experiência da peregrinação”. E observou:
“Mesmo num período de pandemia, os
peregrinos abrem o seu coração à experiência espiritual da peregrinação e de
Deus. Fátima oferece essa possibilidade de encontro porque é uma grande praça
que não tem portas e onde todos podem entrar. Essa força de Fátima é algo que,
neste tempo de pandemia, precisamos de redescobrir.”.
Dizendo trazer
uma reflexão sobre os desafios do “percurso que o mundo está a viver” e que
permite “repensar os instrumentos de reconstrução dum mundo que vive uma crise
poliédrica”, para “salvaguardar a esperança” a partir do foco na “dimensão da espiritualidade”,
sublinhou:
“A dimensão espiritual é uma
dimensão chave de reconstrução. Por isso, Fátima, a Igreja, as religiões são
aliadas do reencontro do Homem com a esperança. (…) A pandemia pode chegar e ir
embora sem modificar o nosso coração… E toda esta dor pode ter servido para
pouco. É preciso que possamos partir deste momento para sociedades e modelos de
vida eticamente qualificados, mais humanos, fraternos e espirituais.”.
E considerou
o “património de perguntas” que deriva do existencialismo humano como “uma
dádiva que devemos colocar no alforge como bússola para o futuro que aí vem”.
Por seu
turno, o Cardeal António Marto começou por se congratular com “a luz ao
fundo do túnel” que representa o facto de se “estar a caminhar a passos largos
para a imunidade de grupo”. E reiterou a importância dum acesso generalizado à
vacina, que “deveria considerar-se um bem comum universal”, com o cuidado de esta
não se “transformar numa arma geopolítica”.
Falando da
crise sanitária e das limitações que impõe à vida das pessoas, agradeceu o
“comportamento exemplar dos peregrinos de Fátima” e vincou o cuidado dos
cristãos na celebração da fé, em atitude que elogiou como grande contributo
para o controlo da pandemia.
Sobre as
consequências da pandemia na vida da Igreja em Portugal, com o encerramento dos
espaços de culto, o prelado de Leiria-Fátima apontou a resiliência da Igreja,
que tem alimentado os fiéis pela oração, pela Palavra, pelas celebrações
transmitidas e vem assistindo os pobres e mais necessitados através de redes de
solidariedade. E observou:
“Neste momento histórico, o amor
fraterno deve fazer a diferença na nossa vida e na caminhada das nossas
comunidades, manifestando-o através da entreajuda e do cuidado recíproco”.
Estendendo a
análise à crise económica e social subjacente à crise sanitária gerada pela
pandemia, o Cardeal Marto advertiu para a “exigência de se ter uma atenção
própria, que respeite a dignidade das pessoas e o direito a um trabalho digno”,
lembrando o apelo recente do Papa para a promoção duma nova regulamentação
financeira mais justa, inclusiva e sustentável.
Lembrou
ainda a comemoração do 40.º aniversário do atentado à vida do Papa São João
Paulo II e o 75.º aniversário da coroação da Imagem de Nossa Senhora, venerada
na Capelinha das Aparições, lembrando, a propósito desta efeméride, a
insistência “profética” do Papa Pio XII em que a Imagem fosse coroada com o
título de Rainha da Paz e do mundo, “sublinhando o núcleo central e a dimensão
universal da Mensagem de Fátima”.
Sobre o
desejo de Francisco vir a Fátima aquando da Jornada Mundial da Juventude de
2023, revelado pelo próprio ao cardeal, em audiência privada, confessou:
“O Santo Padre disse-me textualmente
que não faria sentido nenhum vir a Portugal sem ir a Fátima… ‘Fátima é a alma
de Portugal’, disse-me. (…) A vinda do Papa enfatiza a importância deste lugar,
da mensagem de Fátima; renova a ligação forte entre o Papa Francisco e Fátima;
e sublinha a importância de Fátima para a juventude, o que implica o
compromisso do Santuário na preparação e acompanhamento da Jornada Mundial da
Juventude.”.
E o reitor
do Santuário de Fátima afirmou a intenção do Santuário de, à luz do tema
pastoral definido para este ano, dedicar, com ações concretas, “especial
atenção à questão da fragilidade humana, à luz da fé cristã e da mensagem de
Fátima”, designadamente: no acolhimento (a retomar) dos peregrinos em situação de fragilidade ou
sofrimento, em particular os doentes e os idosos, que tiveram sempre lugar
muito especial no Santuário; no arranque do centro de escuta e de atendimento,
para as pessoas que precisam de apoio espiritual para enfrentarem as situações
da vida; e na atenção aos jovens, “que se contam também entre os mais frágeis,
não já por motivos de saúde, mas de condições sociais e até de falta de
horizontes e de esperança.
Ao evocar as
consequências sociais do agravamento da situação económica, o Padre Cabecinhas revelou
“o aumento exponencial, a partir de meados de 2020, da procura de ajuda junto
do Serviço de Ação Social do Santuário”, pedidos a que a instituição tem
respondido através de: apoios à saúde (consultas, medicação, ajudas
técnicas, etc.);
distribuição de alimentos, vestuário, roupa de casa e calçado; e ajuda no
pagamento da renda de casa/quarto, faturas de água, eletricidade e gás e
documentação de legalização junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
E terminou lembrando
a participação do Santuário na maratona de oração pelo fim da pandemia que o
Papa lançou a 30 santuários do mundo para o mês de maio e que se concretizaria (como aliás
se concretizou), na Cova da
Iria, às 17 horas deste dia 13, na Capelinha das Aparições, com a recitação do
Rosário sob a presidência do Cardeal António Marto, com uma intenção especial pelos
reclusos que se encontram detidos nas prisões de todo o mundo.
***
Na Celebração da Palavra da noite
do dia 12, o Presidente da Peregrinação exortou os peregrinos a não
transformarem a crise pandémica numa crise de esperança, mas “que todo este
sofrimento nos torne melhores”,
Como observou,
a pandemia tem disseminado sofrimento, pois “condicionou sociabilidades,
isolou-nos uns dos outros, acentuou solidões”, ativou outras crises “no campo
social, na precarização do trabalho, no agravamento das dificuldades económicas,
na pobreza que cresce sobretudo os segmentos considerados mais frágeis, na
debilitação do campo escolar, na diminuição de presenças nas comunidades
cristãs e na incerteza que pesa sobre a vida a tantos”.
Acentuando que
“de maio passado a este vivemos um ano difícil”, especificou:
“Experimentamos
uma vulnerabilidade que desconhecíamos. A pandemia em curso ceifou vidas e
alastrou lutos. De repente, sentimo-nos reportados à época dos santos
pastorinhos Francisco e Jacinta Marto, quando a pandemia da febre espanhola fazia
milhões de vítimas.”.
E, dirigiu-se
à “Mãe da consolação”, a quem “colocamos os nossos corações nesta hora”:
“Em
especial Te rogamos, Senhora de Fátima, que a crise que vivemos não se torne
numa crise da esperança. (…) Queremos hoje pedir, Senhora de Fátima, que
ilumines a dor de todos, sem fronteiras nem distinções, que ilumines a dor de
próximos e distantes, de crentes e não crentes, como se fosse uma só. Que
escutes no silêncio desta noite a fadiga e o esforço, a solidão e as lágrimas,
o cansaço e as necessidades de todos. Que veles pela grande família humana
ferida. E nos mobilizes a todos para o desafio urgente de consolar, de cuidar e
de reconstruir. (…) Tu, Mãe da Esperança, fortalece a nossa esperança. Tu que
em momentos tão tormentosos da história do século XX foste um pilar de
Esperança, ajuda-nos a atravessar este século XXI movidos pela esperança. (…) Lembra-Te,
Senhora de Fátima, de que hoje especialmente precisamos de encontrar, no teu
Imaculado Coração, refúgio e caminho!”.
Salientou que
a esperança é necessária “para olhar para diante, para ganhar confiança e
repartir”; e que precisamos dela “para transformar os obstáculos em caminhos e
os caminhos em novas oportunidades”, “para nos unirmos mais, para construirmos
sociedades eticamente qualificadas, sociedades que concretizem a justiça social
e a fraternidade entre todos os homens”. E, por outro lado, destacou que,
para lá do sofrimento, há “histórias para contar e agradecer”, entre elas
“histórias de amor, de reencontro, de interajuda e solidariedade e essas
histórias constituem um património que não podemos esquecer”.
Deixou,
também uma palavra para a família, que “foi colocada à prova”, mas que, para
muitos, esta “foi uma oportunidade para redescobrir o que significa estar em
família e o tesouro humano insubstituível que a família representa”. E garantiu:
“Não
esquecemos o testemunho de quantos colocaram o bem dos outros acima do seu
próprio bem. A generosidade de tantos que deram um passo em frente quando era
mais cómodo permanecer no seu lugar. É verdade: de quantas histórias de amor
cada um de nós tem sido testemunha!”.
E, concluindo
que, apesar das dificuldades, estes meses “não foram em vão”, já que “a turbulência
da pandemia também nos desinstalou e nos ajudou a identificar o essencial com
mais clareza”, rezou:
“Queremos
confiar-Te, Mãe de Jesus e nossa Mãe, o caminho histórico e interior que
estamos a percorrer e pedir-Te que esta dor sirva para alguma coisa, que todo
este sofrimento nos torne melhores: mais espirituais, mais humanos e mais
fraternos”.
***
Na homilia da Missa de
encerramento da Peregrinação, o Cardeal Dom
José Tolentino de Mendonça convidou os peregrinos ao sonho por uma nova
humanidade a partir da mensagem de Fátima, pois em Fátima ilumina-se um mundo que está às escuras, que sofre, mas que sonha, visto que Fátima é “uma alavanca da
nossa humanidade, um laboratório sem portas nem muros, sempre aberto para a
esperança”. E o cardeal português residente no Vaticano orou:
“Obrigado, Senhora, por fazeres deste lugar uma alavanca da
nossa humanidade. Um laboratório sem portas nem muros, sempre aberto
para a esperança! Em Ti, louvamos o Senhor que nos reergue de todas
as fraquezas”.
Diante dum
santuário cheio, com a lotação máxima definida pelas autoridades
sanitárias, e ante milhares de peregrinos que seguiram em direto as celebrações
pelos meios de comunicação social e digital, Tolentino de Mendonça refletiu
sobre a mensagem de Fátima e o sentido da peregrinação à Cova da
Iria. E referiu:
“Muitos olhando à superfície o Santuário,
veem apenas a dramática expressão de tantas lágrimas, demandas e
promessas. Mas os peregrinos de Fátima experimentam que é muito mais do
que isso. Aquilo que experimentamos é que chegamos aqui inquietos, vazios,
divididos, irreconciliados ou sedentos, que chegamos aqui aos trambolhões
como o filho pródigo, e que Maria realiza em nós – com que misericórdia,
com que inesquecível doçura – o mandato de amor que recebeu de Jesus: ‘Mulher, eis
aí o teu filho’, ‘eis aí os teus filhos’.”.
Reiterou que
“a Fátima, nós peregrinos, chegamos sempre de mãos vazias”, mas que “de Fátima
levamos, acordado dentro de nós, um sonho”, pois “Fátima ensina, assim, como se
ilumina um mundo que está às escuras”. E voltou a falar de Fátima como um ‘lugar’
donde se pode iniciar um “novo começo”, que se impõe no pós-pandemia, e desafiou
os presentes a transformar “a crise em oportunidade” e “a calamidade em
esperança”, uma vez que “o amor é o mais verdadeiro, o mais profético, o mais
necessário desconfinamento”.
Sublinhando
as restrições ainda impostas pela pandemia, o cardeal referiu que a fé
transforma a experiência da crise em “ocasião para relançar a vida”. E indicou:
“Olhando para a cruz poderíamos pensar que
Jesus estava brutalmente confinado. E estava. Mas o verdadeiro desconfinamento
é aquele que o amor opera em nós.”.
Este cardeal
da Cúria Romana, íntimo colaborador do Papa, evocou a experiência de
sofrimento de Jesus, que “ensina a transformar as crises em laboratórios de
esperança” e defendeu a necessidade de um “relançamento espiritual” para o
pós-pandemia, que ultrapasse a “expressão material da vida”, pois, “numa hora
de encruzilhada da história como esta que vivemos, não podemos fazer
coincidir o relançamento da esperança unicamente com o cuidado pela
expressão material da vida”. Depois, explicitou:
“Sem
dúvida que é urgente garantir o pão e esse trabalho exigente – fundamentalmente
de reconstrução económica – deve unir e mobilizar as nossas sociedades. Mas as
nossas sociedades precisam também de um relançamento espiritual. Sem o pão não
vivemos, mas não vivemos só de pão. Os maiores momentos de crise foram
superados infundindo uma alma nova, propondo caminhos de transformação interior
e de reconstrução espiritual da nossa vida comum.”.
O cardeal,
considerando que o mundo enfrenta “um imenso desafio a renascer”, por causa da
crise provocada pela covid-19, disse:
“Este é chamado a ser também um momento de
revisão crítica do caminho que realizámos até aqui, de fazer uma espécie de
balanço interior que avalie os nossos estilos de vida. (…) Não basta voltarmos
exatamente ao que éramos antes: é preciso que nos tornemos melhores. É preciso
um suplemento de alma. É preciso que desconfinemos o nosso coração.”.
O arquivista
e bibliotecário da Santa Sé convidou todos a um “balanço interior” sobre
estilos de vida e modelos de desenvolvimento, transformando-os no sentido de
“uma verdadeira e criativa hospitalidade da vida”. E, citando o pensamento do
Papa Francisco, desafiou:
“Não tenhamos dúvidas: a reconstrução pós-pandemia
depende do modo como encararmos a fraternidade”.
Dom José
Tolentino Mendonça falou em particular aos jovens portugueses que se preparam
para acolher, no verão de 2023, a Jornada Mundial da Juventude, pedindo que “em
vez de ter medo, tenham sonhos”. Efetivamente, como declarou, “o mundo fatigado
por esta travessia pandémica que ainda dura, e que pede a cada um de nós
vigilância e responsabilidade, não tem apenas fome e sede de normalidade:
precisa de novas visões, de outras gramáticas, precisa de que arrisquemos ter
sonhos”.
O presidente
da celebração evocou ainda o 40.º aniversário do atentado contra São João Paulo
II, na Praça de São Pedro, e a primeira viagem do Papa polaco a Fátima, em maio
de 1982, para “agradecer à Divina
Providência, neste lugar, que a Mãe de Deus parece ter escolhido de modo tão
particular”, por lhe ter poupado a vida. Aliás, o cálice utilizado nesta
celebração foi oferta de João Paulo II no 10.º aniversário do atentado, no
âmbito da 2.ª viagem à Cova da Iria.
***
E
o Santuário continua no seu esforço de cumprimento das missões e funções típicas
dum santuário e dum santuário mariano numa linha de espiritualidade,
religiosidade, evangelização, ação pastoral, social e cultural. Que este dinamismo
integral aproveite ao maior número possível de pessoas e comunidades para bem
de todos e transformação do mundo.
2021.05.13 – Louro de Carvalho
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