O Presidente da República defendeu,
neste dia 26 de maio, a mudança da matriz de risco que tem servido de base ao processo
de desconfinamento, tendo em conta a crescente taxa de imunidade da população
portuguesa contra a covid-19 por efeito da campanha de vacinação, embora tenha
deixado claro que respeitará a opinião dos especialistas.
Em declarações aos jornalistas, após a
visita a uma exposição no Museu das Artes de Sintra, Marcelo reiterou que os
novos casos de infeção já não se estão a projetar em números de internamentos,
cuidados intensivos e mortes como dantes. E, questionado se considera ser este
o momento para criar uma nova matriz de risco, que não tenha só em conta o R(t)
(índice de transmissão) e a incidência de novos casos por
100 mil habitantes, respondeu que sempre achou isso, mas que sempre respeitou “a
opinião dos especialistas e a decisão do Governo”, referindo:
“Aparentemente,
há especialistas que, de forma crescente, dizem que é preciso ir começando a
repensar, e o Governo também já disse que é preciso estudar e repensar. Por uma
razão muito simples: o mundo vai abrir, nós vamos regressando a uma atividade
mais normal,
mais cedo ou mais tarde.”.
Segundo o Chefe de Estado, é
expectável, “pela circulação das pessoas que vêm de vários espaços, um aumento
do número de casos” de infeção “durante um tempo”. No entanto, aduziu:
“Se
houver uma taxa de imunidade cá dentro apreciável, há um momento a partir do
qual não há razões em termos de vida e de saúde que justifiquem parar a
economia e a sociedade indefinidamente. (…) A vida tem de continuar,
por muito que nós sejamos sensíveis a algumas vidas e alguns casos de saúde que
existam, a vida tem de continuar e vai continuar nos próximos meses e nos
próximos anos, como aconteceu com outras epidemias, embora não tão duradouras e
não tão
complexas como esta pandemia.”.
Porém, rejeitou qualquer ligação
entre uma mudança da matriz de risco e o aumento de casos de infeção com o novo
coronavírus em Lisboa, porfiando que “não se trata de encontrar uma maneira
artificial de fugir à aplicação de critérios”, mas de ponderar à luz de “dados
novos”. E, quanto aos supostos dados novos, enumerou: acima dos 80, praticamente
a totalidade de vacinados; acima dos 70, praticamente todos; acima dos 60,
praticamente todos; acima dos 50, um número significativo; e brevemente acima
de 40 e acima de 30. Por isso, sustenta que se deve olhar a realidade “com
outros olhos, porque a realidade é diferente”.
O Chefe de Estado continuará a “apelar
aos jovens para serem sensatos no seu comportamento”, mas aconselha a “não se
entrar num alarmismo que não tem justificação, uma vez que a vacinação vai indo
a um ritmo tão intenso que permite evitar aquilo que aconteceu em vagas que
conhecemos”. Insiste em dizer que, na avaliação da situação da covid-19, há que
conjugar o índice de transmissão e a incidência de novos casos por 100 mil
habitantes com a pressão sobre os serviços de saúde em termos de internamentos
e cuidados intensivos e o número de mortes. E frisa a diferença entre este ano e o ano passado devido ao avanço do processo de vacinação, com “milhões de pessoas vacinadas” e os grupos de risco progressivamente imunizados.
Entretanto, no próximo dia 28, participará na 21.ª sessão com especialistas sobre a
situação da covid-19 em Portugal, juntamente com o Primeiro-Ministro, o Presidente
da Assembleia da República e representantes dos partidos com assento
parlamentar.
***
Devo dizer que esta ideia marcelista
é descabida, pois ainda não estamos tão seguros como isso. Não se sabe ainda da
eficácia da vacina e durabilidade do seu efeito; suspeita-se que os vacinados e
infetados, mesmo não sintomáticos, possam transmitir o SARS-CoV-2; há muitos
jovens que sofrem de asma, bronquite, diabetes, problemas cardíacos, o que os
expõe ao risco; Há dúvidas sobre a aplicação de 2.ª dose de determinada vacina
a alguns grupos; os hospitais e centros de saúde precisam de alívio para cuidarem
dos doentes não covid-19. Talvez, por isso, a alteração da matriz de risco não
está a colher o consenso dos especialistas em saúde pública.
A vida tem de continuar, como diz Marcelo
e todos nós sabemos e queremos. Mas o Presidente não o considerou quando nos
sujeitou a duas procissões de declarações de estado de emergência e avalizou
dois períodos de feroz confinamento. Até deu a entender estar desligado do processo
de vacinação contra a covid-19, supostamente pelo facto de a vacinação contra a
gripe sazonal ter corrido menos bem. Quererá agora forçar o desconfinamento na
região de Lisboa? Porquê?
Enfim, não podemos desvalorizar o
facto de Portugal ter registado, neste dia 26 de maio, 594 novos casos de
infeção e um óbito morte, de acordo com o balanço da DGS (Direcção-Geral da Saúde) relativo aos efeitos da pandemia de
covid-19 em Portugal nas últimas 24 horas, sendo este o dia com mais casos desde
22 abril, data em
que se registaram 636 contágios.
Estão internadas 233 pessoas, menos 4
que no dia 25. Deste total, 53 doentes estão nos cuidados intensivos, mais um
que no dia anterior. Quer a incidência, quer o índice de transmissibilidade voltaram a subir. O
R(t) está em 1,07. Estava em 1,06 há 2 dias. A incidência no continente está nos
54,4 casos por 100 mil habitantes (estava em 52,5 há dois dias). A nível nacional está nos
57,8 casos por 100 mil habitantes, uma subida de mais de três pontos face
ao dia 25. Há, pois, agora 22 347 casos ativos de covid-19 em Portugal, mais
176 que no dia anterior. Mais 417 pessoas recuperaram da doença, para um total
de 807 065 recuperados.
No total, Portugal já registou 846
434 casos de infeção por SARS-CoV-2 e 17 022 óbitos em resultado da covid-19. A região de Lisboa e Vale
do Tejo continua a registar o maior número de contágios, 280 (são 47,1% do total). Na
região Norte há 185 novos casos, no Centro 64, no Algarve 18 e no Alentejo 13. Nos
Açores foram contabilizados 26 novos casos nas últimas 24 horas, enquanto na
Madeira foram 8. Foi nesta região autónoma que ocorreu o único óbito por
covid-19 das últimas 24 horas.
Por outro lado, a OMS (Organização Mundial de Saúde) acaba de anunciar que a variante de
covid-19 detetada pela primeira vez na Índia já foi oficialmente sinalizada em
53 territórios. E refere ter recebido ainda informações de fontes não oficiais
de que a variante B.1.617 foi detetada em mais 7 territórios, elevando o total
para 60, de acordo com o relatório semanal de atualização epidemiológica desta
agência de saúde da ONU, citado pela agência de notícias France-Presse (AFP). Segundo a OMS, a variante indiana
manifesta maior transmissibilidade, mas a gravidade dos casos envolvidos ainda
está a ser investigada.
Portugal detetou 6 casos desta
variante no final de abril, todos associados a Lisboa e Vale do Tejo, segundo João
Paulo Gomes, do INSA (Instituto
Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge).
Na semana passada, o INSA informou
que o número de casos associados a esta variante não ultrapassava a dezena, não
havendo ainda transmissão comunitária dela no território nacional.
A maior transmissibilidade da nova estirpe,
detetada em outubro, no Oeste da Índia, poderá explicar a explosão do número de
infetados no país, a braços com uma segunda vaga. O país já ultrapassou as 300
mil mortes desde o início da pandemia.
A nível mundial, o número de novos
casos e de mortes por covid-19 continuou a diminuir na semana passada, com mais
de 4,1 milhões de novos casos e 84.000 mortes adicionais, representando
decréscimos de 14% e 2%, respetivamente, em relação à semana anterior. A região
europeia registou o maior declínio nas infeções e mortes nos últimos 7 dias,
seguida do Sudeste Asiático. O número de casos nas Américas, Mediterrâneo
Oriental e regiões africanas é semelhante ao da semana anterior. No entanto, a
OMS alertou:
“Apesar
de uma tendência mundial decrescente ao longo das últimas quatro semanas, os
casos de covid-19 e de mortes continuam elevados, com aumentos significativos
em muitos países”.
Os números mais elevados de novos
casos de covid-19 nos últimos 7 dias registaram-se na Índia (1.846.055, menos 23% que na semana
anterior), Argentina (213.046, mais 41%), EUA (188.410, menos 20%) e Colômbia (107.590, menos 7%).
Em Portugal, segundo a DGS, já morreram mais de 17 mil doentes com covid-19 e
foram contabilizados até 846 mil casos de infeção.
A covid-19 já causou a morte a pelo
menos 3.465.398 pessoas no mundo, e mais de 166.741.960 casos de infeção,
segundo o último levantamento realizado pela agência France Presse (AFP) com
base em dados oficiais, advertindo que refletem apenas uma fração do total real
de contágios. Segundo estimou a OMS, considerando o excesso de mortalidade
direta e indiretamente vinculado à covid-19, o balanço da pandemia pode ser
duas a três vezes maior do que o registado oficialmente.
***
O Governo anunciou ter decidido
acelerar a vacinação contra a covid-19 a nível nacional, e não só em Lisboa,
alargando-a a maiores de 40 e 30 anos a partir de 6 e 20 de junho, respetivamente.
Efetivamente, em mensagem publicada
na conta oficial do Governo no Twitter, no final da noite do dia 25, o
executivo escreveu que, devido ao “bom
ritmo do Plano de Vacinação Anti-covid-19 e da disponibilidade de vacinas, foi
decidida a aceleração da vacinação a nível nacional”. E precisou que “o
alargamento da vacinação a novas faixas etárias” arrancará a partir de 6 de
junho para “pessoas com mais de 40 anos” e, a partir do dia 20, para “pessoas
com mais de 30 anos”, “em todo o território continental”.
No dia 25, o Secretário de Estado
Adjunto e da Saúde tinha anunciado que a vacinação contra a covid-19 seria
acelerada em Lisboa e Vale do Tejo, nas faixas dos 40 e 30 anos, na sequência
do aumento das infeções. Porém, o presidente da Câmara do Porto exigiu um
tratamento equitativo para todo o país, acusando o Governo de beneficiar o
infrator (ignora-se a
festa do SCP), ao
acelerar a campanha na região de Lisboa e Vale do Tejo, devido ao aumento de
infeções, aduzindo que “não pode haver dois países, não pode haver um país e depois haver Lisboa”,
mas tem, antes, de “haver um único país e nós temos de exigir um tratamento
igual para o todo nacional”.
Entretanto, o coordenador da task force para a vacinação confirmou ao
“Público” o alargamento às faixas
etárias dos 30 e 40 anos, que será a nível nacional, e não só na região de
Lisboa e Vale do Tejo, sendo que aí a vacinação será reforçada, por estar
atrasada em relação a outras regiões do país, como o Alentejo e o Centro. E,
lembrando que isso já está a fazer-se no Algarve e que haverá reforço de
vacinas no Norte, mas mantendo a programação etária, assegurou:
“O nosso plano é nacional e estamos a
recuperar as regiões [percentualmente] mais atrasadas e isto também vai incluir
o Norte. A ideia é ter sempre as regiões equilibradas porque é o mais justo.
Quando se fala em acelerar, é dar mais vacinas, mas mantendo a mesma
programação etária.”.
***
Paralelamente, é preciso ter em conta a “coronofobia”, um rico neologismo.
Na verdade, como escreveu no destaque “Notícias
e Eventos”, do Trofa Saúde, João Lima, médico especialista em Medicina Geral e Familiar no Trofa
Saúde Boa Nova – dando conselhos de ordem prática depois de expor alguma teoria
sobre o surto pandémico que assola o mundo – “a pandemia covid-19 é o maior desafio de saúde pública deste século”, sendo que “parte do desafio reside
nos efeitos colaterais da pandemia,
sendo um deles o impacto psicossocial”.
Esclarecendo que a “coronofobia” se refere “ao medo da doença, do
contágio e do estigma associado”, podendo fazer emergir sintomas psiquiátricos,
considera-a como fruto de 3
fatores: a doença, receio de contágio e sentimento de culpa pelo contágio a
outrem; o condicionamento da liberdade pelas medidas governamentais de combate
à pandemia, que impactam o bem-estar socioeconómico e fomentam o isolamento
social e outros comportamentos depressivos; e a “pandemia de informação”, sendo
essencial combater a desinformação, pois “o assoberbamento de notícias
recorrentes pode induzir ansiedade, pânico, obsessão, paranoia e depressão”.
Depois, elenca alguns grupos demográficos suscetíveis ao problema e que
merecem atenção:
- Os idosos, em quem o
medo da doença, pela sua gravidade nestas idades, e o isolamento, por vezes preexistente
e agravado pela pandemia, se associam à “irritabilidade, ansiedade, raiva, medo e declínio cognitivo” – com dificuldade
em recorrer às alternativas informáticas – precisam do apoio da família/comunidade,
que pode colmatar estas dificuldades, garantindo um contacto social saudável, o acesso a bens essenciais,
a prevenção do abandono terapêutico e a preservação do “acompanhamento médico
adequado”.
- As crianças, em quem frequentemente
surge irritabilidade, aborrecimento, ansiedade, medo da doença e prejuízos no
desenvolvimento, constituem um desafio
para os pais, que deverão manter o ritmo diário pré-pandemia, “respeitando
horas de sono, estudo, lazer e exercício físico”, tal como deverão prover ao
apoio às aulas online pelo prejuízo educativo inerente e “informar as crianças
de forma clara e concisa sobre a doença, sem desvalorizar ou exagerar os seus
perigos”, como fator de estabilidade emocional.
- Os doentes de covid-19 (“infetados
e pós-cura têm prevalência elevada de ansiedade, pânico, depressão e
sentimentos de solidão”), cujo medo de discriminação, marginalização e mesmo
implicações socioeconómicas pode levar a mascarar a doença, agravando o risco
em termos de saúde pública, precisam de “manter o contato virtual com os
familiares, durante o internamento, quarentena e pós-cura”, devendo também abordar-se
o seu estado de saúde e fazer-se em todos estes tempos a vigilância do foro
psicológico, incluindo “o acompanhamento especializado”.
- E os doentes psiquiátricos (“têm maior
risco de contágio, pior prognóstico no caso de infeção e risco de agravamento
da sua doença psiquiátrica de base”), em quem o confinamento causa disrupção na rotina de
acompanhamento e tratamento, a ponto de poder levar “a abandono terapêutico e
risco de incumprimento das regras de combate à pandemia”, necessitam de que se
lhes garanta “o acompanhamento médico adequado e o cumprimento
terapêutico, muitas vezes sendo essencial o apoio de familiares/cuidadores”.
Em termos
práticos e genéricos, o especialista, em nome do bem-estar, recomenda uma “dieta informativa”, privilegiando
fontes fidedignas de informação, renegando as mais sensacionalistas e a
desinformação, para evitar o assoberbamento
e obsessão pelo tema; o cuidado da saúde física e psicológica, buscando o
apoio nos cuidados de saúde primários e o apoio hospitalar; e o respeito pelas
condições de segurança exigidas.
***
Seria
mau o Chefe de Estado não respeitar a opinião dos especialistas e a decisão do
Governo, mas antecipar soluções públicas prejudica a autonomia científica e constitui
interferência. E, porque isto não está fácil, a intervenção presidencial não
foi um bom serviço, sendo de temer que, de certo modo, induza decisões
inadequadas. Não seria a primeira vez.
2021.05.26 – Louro de Carvalho
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