quarta-feira, 5 de maio de 2021

Os primeiros centros nevrálgicos do Cristianismo – I

 

 

Até ao 1.º Concílio de Niceia (em 325), o Cristianismo disseminou-se do Mediterrâneo Oriental por todo o Império Romano e ultrapassou as suas fronteiras. A sua progressão estava ligada aos centros herdados do judaísmo estabelecidos na Terra Santa e na diáspora.

Os apóstolos, algum tempo após a Crucifixão, Ressurreição, Ascensão e Pentecostes, saíram de Jerusalém. E os cristãos (então designados por santos) reuniam-se em casas particulares, as igrejas domésticas, e frequentavam o Templo, onde os apóstolos falavam às multidões, sobretudo no Pórtico de Salomão, que oferecia especiais condições acústicas. E toda a comunidade cristã duma cidade se chamava Igreja (o nome grego “ekklesía” significa assembleia, congregação).

Muitos dos cristãos primitivos eram comerciantes e outros tinham razões para viajar para o norte da África, Ásia Menor, Arábia, Grécia e outros lugares. Mais de 40 dessas comunidades foram estabelecidas no ano 100, muitas na Anatólia ou Ásia Menor. No final do século I, o Cristianismo já estava estabelecido em Roma e nas principais cidades da Arménia, Grécia e Síria, lugares donde irradiou praticamente para todo o mundo conhecido de então.

 

No Império Romano do Oriente

Jerusalém, à cabeça da Palestina, sujeita ao poderio de Roma, foi o primeiro centro da Igreja. Ali os apóstolos viveram e ensinaram após o Pentecostes. Tiago era um líder na igreja e os seus parentes ocuparam posições de liderança na área circundante após a destruição da cidade até à sua reconstrução como Élia Capitolina (c. 130), quando os judeus foram banidos da cidade.

Cerca do ano 50, Barnabé e Paulo foram a Jerusalém para se encontrarem com Pedro, Tiago e João, pilares da fé. Mais tarde, foi convocado o Concílio de Jerusalém, que, entre outras coisas, confirmou a legitimidade da missão de Barnabé e Paulo junto dos gentios e a liberdade dos gentios convertidos em relação às leis mosaicas, nomeadamente a circuncisão. Assim, a carta dos apóstolos (vd At 15,19-33) é um ato de afastamento da Igreja das raízes judaicas, enquanto o judaísmo rabínico tornou mais premente a exigência da circuncisão dos meninos judeus.

Quando Pedro saiu de Jerusalém, depois de Herodes Agripa I o tentar matar, Tiago surge como o principal líder, denominado por Clemente de Alexandria (c. 150-215) como Bispo de Jerusalém. Hegésipo, historiador da Igreja do século II, refere que o Sinédrio o martirizou no ano 62.

Como, em 66, os judeus se revoltaram contra Roma, esta sitiou Jerusalém, que caiu ao fim de 4 anos. A cidade, com o templo, foi destruída e a população foi morta ou removida. Segundo uma tradição registada por Eusébio e Epifânio de Salamina, a igreja de Jerusalém fugiu para Pella na eclosão da 1.ª Revolta Judaica. Segundo Epifânio de Salamina, o Cenáculo sobreviveu pelo menos até à visita de Adriano em 130, tal como alguma população dispersa, e o Sinédrio mudou-se para Jâmnia. Enfim, cumpriram-se as profecias da destruição do Segundo Templo referidas nos evangelhos sinóticos. E, no século II, Adriano reconstruiu Jerusalém como cidade pagã com o nome de Élia Capitolina, erguendo estátuas a Júpiter e a si próprio no Monte do Templo. Bar Cochba, como Messias, liderou uma revolta sem êxito, pois os cristãos não o reconheceram. E, quando foi derrotado, Adriano baniu judeus da cidade, exceto no dia de Tissha B’Av. Os Bispos de Jerusalém passaram a ser incircuncisos. E o ascendente de Jerusalém para os cristãos entrou em declínio durante a perseguição em Roma, tendo-se os Bispos de Jerusalém tornado sufragâneos do metropolita de Cesareia. E o prestígio de Jerusalém só foi recuperado com a peregrinação de Helena (a mãe de Constantino, o Grande) à Terra Santa (c. 326-28). Segundo o historiador da Igreja Sócrates de Constantinopla, Helena (com a assistência de Macário, Bispo  de Jerusalém) afirmou ter encontrado a cruz de Cristo, depois de remover um templo de Vénus (atribuído a Adriano) construído sobre o local (por isso, é a padroeira dos arqueólogos). E Jerusalém recebeu um reconhecimento especial no cânon VII de Niceia. 

A data de fundação tradicional da Irmandade do Santo Sepulcro (que guarda os lugares santos) é 313, correspondente à do Édito de Milão, pelo qual o Império Romano reconheceu o Cristianismo. Mais tarde, Jerusalém tornou-se uma das Pentarquias, o que não foi aceite pela igreja de Roma.

Antioquia, importante centro do helenismo e a terceira cidade mais importante do Império, era parte da província da Síria, hoje ruína perto de Antáquia (na Turquia). Ali os crentes começaram a ser chamados cristãos (antes eram os “santos”). Era o local duma Igreja primitiva fundada por Pedro, o seu primeiro Bispo, onde terão sido escritos o Evangelho de Mateus e as Constituições Apostólicas. E o Padre da Igreja Inácio de Antioquia foi o seu terceiro Bispo.

A Escola de Antioquia, fundada em 270, foi um dos dois grandes centros de cultura da Igreja.

Alexandria, no delta do Nilo, foi criada por Alexandre, o Grande. As suas famosas bibliotecas eram um centro de cultura helenística. Começou ali a tradução da Septuaginta e o tipo de texto alexandrino é reconhecido pelos estudiosos como um dos primeiros tipos do Novo Testamento (NT). Tinha uma população judaica significativa, de que Fílon será o autor mais conhecido. Teve Padres da Igreja notáveis, como Clemente, Orígenes e Atanásio; e são dignos e nota os Padres do Deserto nas suas proximidades.

Alguns pensam, que Alexandria não era só um centro do Cristianismo, mas também um centro de seitas gnósticas. Não obstante, Alexandria, Roma e Antioquia ganharam autoridade sobre os metropolitas próximos. O Concílio de Niceia, no cânon VI, afirmou a autoridade tradicional de Alexandria sobre o Egito, a Líbia e Pentápolis (África do Norte) (diocese do Egito).

Sobre a Asia Menor, é de referir que a tradição do apóstolo João era forte na Anatólia (o Oriente próximo ou a província romana da Ásia, parte da Turquia moderna). Os textos joânicos terão sido redigidos em Éfeso (c. 90-110), embora alguns defendam que foi na Síria. 

O apóstolo Paulo era de Tarso (no centro-sul da Anatólia) e as suas viagens missionárias foram principalmente pela Anatólia. O Apocalipse, de João, redigido em Patmos (ilha grega a cerca de 48 Km da costa da Anatólia), menciona sete Igrejas na Ásia. A 1.ª Carta de Pedro (vd Pe 1,1-2) é dirigida às regiões da Anatólia. Na costa SE do Mar Negro, o Ponto era a colónia grega três vezes mencionada no NT. Os habitantes do Ponto foram alguns dos primeiros convertidos ao Cristianismo. Plínio, governador em 110, nas suas cartas, dirigiu-se aos cristãos do Ponto. Das 7 cartas autênticas de Inácio de Antioquia, 5 são para cidades da Anatólia e a 6.ª é para Policarpo de Esmirna, o bispo que supostamente conhecera o apóstolo João e de quem fora discípulo, tal como Irineu. Também Papias de Hierápolis terá sido aluno do apóstolo João. No século II, a Anatólia era o lar de Marcião de Sinope e de Melitão, que fixaram o cânone bíblico cristão  primitivo. Após a crise do século III, Nicomédia tornou-se, em 286, a capital do Imperio Romano do Oriente e acolheu o Sínodo de Ancira em 314. O imperador Constantino convocou, em 325, o 1.º concílio ecuménico cristão em Niceia e, em 330, mudou a capital do império reunificado, ou Império Bizantino, que durou até 1453, para Bizâncio (antigo centro cristão do outro lado do Bósforo da Anatólia, mais tarde Constantinopla). Os primeiros 7 concílios ecuménicos foram realizados na Anatólia Ocidental ou do lado do Bósforo em Constantinopla.

Cesareia, no litoral a NW de Jerusalém, a princípio Cesareia Marítima, e Cesareia Palaestina, depois de 133 , foi construída por Herodes, o Grande (c. 25-13 a.C.), e foi a capital da província romana da Judeia (6-132) e, mais tarde, Palaestina Prima. Lá Pedro batizou o centurião Cornélio, o primeiro gentio convertido (At 10,1-43). O apóstolo Paulo procurou refúgio lá, uma vez que ficou na casa de Filipe, como ali ficou preso por dois anos (estimado em 57-59). As Constituições Apostólicas afirmam que o primeiro Bispo de Cesareia foi Zaqueu, o publicano, mas a Enciclopédia Católica (1907 e 1912) afirma não haver registo de bispos de Cesareia até ao século II” e que, no final deste século, um concílio foi realizado lá para regular a celebração da Páscoa”, sem êxito. E, após o cerco de Adriano a Jerusalém (c. 133), Cesareia tornou-se cidade metropolitana, tendo Jerusalém como sufragânea. Orígenes (254) compilou ali o “Hexapla” e criou a famosa biblioteca e a escola teológica, São Pânfilo (f. 309) era um notável erudito sacerdote. São Gregório, o operador das maravilhas (f. 270), São Basílio, o Grande (f. 379) e São Jerónimo (f. 420) visitaram a biblioteca, que foi destruída mais tarde, e estudaram na sua escola teológica. Eusébio de Cesareia, o primeiro historiador importante da Igreja, foi bispo c. 314-339. F.J.A. Hort e Adolf von Harnack dizem que o Credo Niceno teve origem em Cesareia. E o texto cesariano é tido por muitos estudiosos como um dos primeiros tipos do NT.

A ilha de Chipre tinha Pafos como capital durante o domínio romano, sendo também sede dum comando romano. Em 45 d.C., os apóstolos Paulo e Barnabé (de acordo com a Enciclopédia Católica “um nativo da ilha”) chegaram a Chipre e alcançaram Pafos pregando a Palavra de Cristo (At 13,4-13). Segundo Atos, os apóstolos foram perseguidos pelos romanos, mas conseguiram convencer o comandante romano Sérgio Paulo a renunciar à sua antiga religião em favor do Cristianismo. Barnabé é tradicionalmente identificado como o fundador da Igreja Ortodoxa Cipriota.

Damasco é a capital da Síria e é tida como a cidade mais antiga e continuamente habitada do mundo. O apóstolo Paulo foi convertido na estrada de Damasco. Nos três relatos (At 9,1-20; 22,1-22 e 26,1-24), é descrito como sendo liderado por aqueles com quem estava viajando, cego pela luz, para Damasco, onde a visão lhe foi restaurada por Ananias (que, segundo a Enciclopédia Católica, terá sido o primeiro Bispo de Damasco), e por meio dele Paulo foi batizado.

Na Grécia, Tessalónica, a principal cidade do norte da Grécia, onde se crê que o Cristianismo foi fundado por Paulo (portanto, uma Sé Apostólica) e as regiões vizinhas da Macedónia, Trácia e Epiro, que se estendem aos estados vizinhos dos Balcãs na Albânia e na Bulgária, foram os primeiros centros do Cristianismo. Digno de nota são as cartas de Paulo aos Tessalonicenses e aos Filipenses, o que é considerado o primeiro contacto do Cristianismo com a Europa. O Padre Apostólico Policarpo escreveu uma Carta aos Filipenses (c.125).

Nicópolis era uma cidade na província romana de Epiro Veto, hoje uma ruína na parte norte da costa ocidental da Grécia. De acordo com a Enciclopédia Católica:

São Paulo pretendia ir para lá (Tt 3,12) e é possível que, mesmo assim, tenha numerado alguns cristãos entre a sua população; Orígenes (c. 185-254) permaneceu ali por algum tempo” (Eusébio, História da Igreja VI.16).

A antiga Corinto, hoje uma ruína próxima à moderna Corinto no sul da Grécia, foi um dos primeiros centros do Cristianismo. A este respeito, reza a Enciclopédia Católica (op cit):

São Paulo pregou com sucesso em Corinto, onde morava na casa de Áquila e Priscila (At 18,1), onde Silas e Timóteo logo se juntaram a ele. Após a sua partida, foi substituído por Apolo, que fora enviado de Éfeso por Priscila. O apóstolo visitou Corinto pelo menos mais uma vez. Escreveu aos Coríntios em 57 a partir de Éfeso e, depois, a partir da Macedónia, no mesmo ano ou em 58. A carta de São Clemente de Roma à Igreja de Corinto (cerca de 96) exibe as primeiras evidências sobre o primado da Igreja de Roma. Além de São Apolo, Michel Le Quien (II, 155) menciona 43 bispos: entre eles, São Sóstenes (?), O discípulo de São Paulo, São Dionísio; Paulo, irmão de São Pedro...”.

Atenas, a capital e maior cidade da Grécia, foi visitada por Paulo, que  

Chegou a Atenas da Bereia da Macedónia, chegando provavelmente por água e desembarcando no Pireu, o porto de Atenas. Isso foi por volta do ano 53. Chegando a Atenas, imediatamente chamou Silas e Timóteo, que haviam ficado para trás na Bereia. Enquanto aguardava a chegada deles, ficou em Atenas, vendo a cidade idólatra e frequentando a sinagoga; pois já havia judeus em Atenas. ...Parece que se formou rapidamente uma comunidade cristã, embora por um tempo considerável não possuísse numerosos membros. A tradição mais comum nomeia Dionísio Areopagita como o primeiro chefe e Bispo dos atenienses cristãosOutra tradição, no entanto, confere essa honra a Hieroteu, o Tesmótata. Os sucessores do primeiro bispo não eram todos atenienses por linhagem. São catalogados como Narkissos, Públio e Quadrado. Afirma-se que Narkissos veio da Palestina e Públio de Malta . Em algumas listas, Narkissos é omitido. Quadrado é reverenciado por ter contribuído para a literatura cristã primitiva escrevendo uma apologia, que dirigiu ao imperador Adriano. Isso foi por ocasião da visita de Adriano a Atenas. Aristides dedicou uma apologia ao imperador Adriano por volta de 134. Também Atenágoras  escreveu uma apologia. No século II, deve ter havido uma considerável comunidade de cristãos em Atenas, pois Higino, Bispo de Roma, escreveu uma carta à comunidade no ano 139.” (Vd Enciclopédia Católica, op cit).

Em Creta, Gortyn, era aliada de Roma, sendo sua capital em Creta e Cirenaica. Crê-se que São Tito tenha sido o seu primeiro Bispo. Foi saqueada pelo pirata Abu Hafa em 828.

Da Trácia é de referir que o apóstolo Paulo pregou na Macedónia e em Filipos, localizado na Trácia, na costa do Mar da Trácia. Segundo Hipólito de Roma, também o apóstolo André pregou na Trácia, na costa do Mar Negro e ao longo do curso inferior do rio Danúbio. A propagação do Cristianismo entre os trácios e o surgimento de centros do Cristianismo como Serdica (atual Sofia), Philippopolis (atual Plovdiv) e Durostorum terão começado com essas primeiras missões apostólicas. O primeiro mosteiro cristão na Europa foi fundado na Trácia, em 344, por Santo Atanásio perto de Cirpan (Bulgária), após o Concílio de Serdica.

E da Líbia, ressalta que Cirene e a região circundante de Cirenaica ou a “Pentápolis” norte-africana, ao sul do Mediterrâneo da Grécia, a parte nordeste da moderna Líbia, eram uma colónia grega mais tarde convertida em província romana. Além de gregos e romanos, havia também uma população judaica significativa, pelo menos até à Guerra de Kitos (115-117). Segundo Marcos (Mc 15,21), Simão de Cirene ajudou a carregar a cruz de Jesus. Os cirenos também são mencionados em Atos 2,10; 6,9, 11,20 e 13,1. Segundo a Enciclopédia Católica, “Le Quien menciona seis bispos de Cirene e, segundo a lenda bizantina, o primeiro foi São Lúcio (At 13,1); São Teodoro sofreu o martírio sob Diocleciano" (284-305).

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E a expansão, entretanto, atingiu Roma e todo o Império Romano do Ocidente, como se verá e a seguir.

2021.05.04 – Louro de Carvalho

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