Até
ao 1.º Concílio de Niceia (em 325), o
Cristianismo disseminou-se do Mediterrâneo Oriental por todo o Império
Romano e ultrapassou as suas fronteiras. A sua progressão estava ligada
aos centros herdados do judaísmo estabelecidos na Terra Santa e na
diáspora.
Os apóstolos,
algum tempo após a Crucifixão, Ressurreição, Ascensão e Pentecostes, saíram de
Jerusalém. E os cristãos (então
designados por santos)
reuniam-se em casas particulares, as igrejas domésticas, e frequentavam o
Templo, onde os apóstolos falavam às multidões, sobretudo no Pórtico de
Salomão, que oferecia especiais condições acústicas. E toda a comunidade cristã
duma cidade se chamava Igreja (o nome grego “ekklesía” significa
assembleia, congregação).
Muitos
dos cristãos primitivos eram comerciantes e outros tinham razões para viajar
para o norte da África, Ásia Menor, Arábia, Grécia e outros
lugares. Mais de 40 dessas comunidades foram estabelecidas no ano
100, muitas na Anatólia ou Ásia Menor. No final do século I, o Cristianismo
já estava estabelecido em Roma e nas principais cidades da Arménia, Grécia e
Síria, lugares donde irradiou praticamente para todo o mundo conhecido de então.
No
Império Romano do Oriente
Jerusalém, à cabeça da Palestina,
sujeita ao poderio de Roma, foi o
primeiro centro da Igreja. Ali os apóstolos viveram e ensinaram após
o Pentecostes. Tiago era um líder na igreja e os seus parentes
ocuparam posições de liderança na área circundante após a destruição da cidade
até à sua reconstrução como Élia Capitolina (c. 130), quando os judeus foram banidos da cidade.
Cerca do ano
50, Barnabé e Paulo foram a Jerusalém para se encontrarem com Pedro,
Tiago e João, pilares da fé. Mais tarde, foi convocado o Concílio de
Jerusalém, que, entre outras coisas, confirmou a legitimidade da missão de
Barnabé e Paulo junto dos gentios e a liberdade dos gentios convertidos em
relação às leis mosaicas, nomeadamente a circuncisão. Assim, a carta dos
apóstolos (vd At 15,19-33) é um ato de
afastamento da Igreja das raízes judaicas, enquanto o judaísmo rabínico tornou
mais premente a exigência da circuncisão dos meninos judeus.
Quando Pedro
saiu de Jerusalém, depois de Herodes Agripa I o tentar matar, Tiago surge como
o principal líder, denominado por Clemente de Alexandria (c. 150-215) como Bispo de Jerusalém. Hegésipo, historiador da Igreja
do século II, refere que o Sinédrio o martirizou no ano 62.
Como, em 66,
os judeus se revoltaram contra Roma, esta sitiou Jerusalém, que caiu ao
fim de 4 anos. A cidade, com o templo, foi destruída e a população foi morta ou
removida. Segundo uma tradição registada por Eusébio e Epifânio de
Salamina, a igreja de Jerusalém fugiu para Pella na eclosão da 1.ª
Revolta Judaica. Segundo Epifânio de Salamina, o Cenáculo sobreviveu
pelo menos até à visita de Adriano em 130, tal como alguma
população dispersa, e o Sinédrio mudou-se para Jâmnia. Enfim,
cumpriram-se as profecias da destruição do Segundo Templo referidas nos
evangelhos sinóticos. E, no século II, Adriano reconstruiu Jerusalém como cidade
pagã com o nome de Élia Capitolina, erguendo estátuas a Júpiter e a si próprio no Monte do Templo. Bar Cochba, como Messias, liderou uma
revolta sem êxito, pois os cristãos não o reconheceram. E, quando foi derrotado,
Adriano baniu judeus da cidade, exceto no dia de Tissha B’Av. Os Bispos
de Jerusalém passaram a ser incircuncisos. E o ascendente de Jerusalém para os
cristãos entrou em declínio durante a perseguição em Roma, tendo-se
os Bispos de Jerusalém tornado sufragâneos do metropolita de Cesareia. E o
prestígio de Jerusalém só foi recuperado com a peregrinação de Helena
(a mãe
de Constantino, o Grande) à Terra Santa (c. 326-28). Segundo o historiador da Igreja Sócrates de
Constantinopla, Helena (com a assistência de Macário, Bispo de
Jerusalém) afirmou ter encontrado a cruz
de Cristo, depois de remover um templo de Vénus (atribuído a Adriano) construído sobre o local (por isso, é
a padroeira dos arqueólogos). E Jerusalém
recebeu um reconhecimento especial no cânon VII de Niceia.
A data de
fundação tradicional da Irmandade do Santo Sepulcro (que guarda
os lugares santos) é 313,
correspondente à do Édito de Milão, pelo qual o Império Romano reconheceu
o Cristianismo. Mais tarde, Jerusalém tornou-se uma das Pentarquias, o que
não foi aceite pela igreja de Roma.
Antioquia, importante centro do helenismo e a terceira cidade
mais importante do Império, era parte da província da Síria, hoje ruína
perto de Antáquia (na Turquia). Ali os
crentes começaram a ser chamados cristãos (antes eram os “santos”). Era o local duma Igreja primitiva fundada por Pedro,
o seu primeiro Bispo, onde terão sido escritos o Evangelho de Mateus e as Constituições
Apostólicas. E o Padre da Igreja Inácio de Antioquia foi o seu terceiro Bispo.
A Escola de
Antioquia, fundada em 270, foi um dos dois grandes centros de cultura da Igreja.
Alexandria, no delta
do Nilo, foi criada por Alexandre, o Grande. As suas famosas bibliotecas
eram um centro de cultura helenística. Começou ali a tradução da Septuaginta
e o tipo de texto alexandrino é reconhecido pelos estudiosos como um
dos primeiros tipos do Novo Testamento (NT). Tinha uma população judaica significativa, de que Fílon será o
autor mais conhecido. Teve Padres da Igreja notáveis, como Clemente,
Orígenes e Atanásio; e são dignos e nota os Padres do Deserto nas suas proximidades.
Alguns
pensam, que Alexandria não era só um centro do Cristianismo, mas também um
centro de seitas gnósticas. Não obstante, Alexandria, Roma e
Antioquia ganharam autoridade sobre os metropolitas próximos. O
Concílio de Niceia, no cânon VI, afirmou a autoridade tradicional de Alexandria
sobre o Egito, a Líbia e Pentápolis (África do Norte) (diocese do Egito).
Sobre a Asia Menor, é de
referir que a tradição do apóstolo João era forte na Anatólia (o Oriente
próximo ou a província romana da Ásia, parte da Turquia moderna). Os textos joânicos terão sido redigidos em Éfeso
(c. 90-110), embora alguns defendam que foi na Síria.
O apóstolo
Paulo era de Tarso (no centro-sul da Anatólia) e as suas viagens missionárias foram
principalmente pela Anatólia. O Apocalipse, de João, redigido em Patmos (ilha grega
a cerca de 48 Km da costa da Anatólia),
menciona sete Igrejas na Ásia. A 1.ª Carta de Pedro (vd Pe 1,1-2) é dirigida às regiões da Anatólia. Na costa SE
do Mar Negro, o Ponto era a colónia grega três vezes mencionada
no NT. Os habitantes do Ponto foram alguns dos primeiros convertidos ao
Cristianismo. Plínio, governador em 110, nas suas cartas, dirigiu-se aos
cristãos do Ponto. Das 7 cartas autênticas de Inácio de Antioquia, 5
são para cidades da Anatólia e a 6.ª é para Policarpo de Esmirna, o bispo
que supostamente conhecera o apóstolo João e de quem fora discípulo, tal como
Irineu. Também Papias de Hierápolis terá sido aluno do apóstolo João.
No século II, a Anatólia era o lar de Marcião de Sinope e de Melitão, que
fixaram o cânone bíblico cristão primitivo. Após a crise do século
III, Nicomédia tornou-se, em 286, a capital do Imperio Romano do
Oriente e acolheu o Sínodo de Ancira em 314. O
imperador Constantino convocou, em 325, o 1.º concílio ecuménico cristão
em Niceia e, em 330, mudou a capital do império reunificado, ou
Império Bizantino, que durou até 1453, para Bizâncio (antigo
centro cristão do outro lado do Bósforo da Anatólia, mais
tarde Constantinopla). Os primeiros
7 concílios ecuménicos foram realizados na Anatólia Ocidental ou do lado
do Bósforo em Constantinopla.
Cesareia, no litoral a NW de Jerusalém, a princípio Cesareia
Marítima, e Cesareia Palaestina,
depois de 133 , foi construída por Herodes, o Grande (c. 25-13
a.C.), e foi a capital da província
romana da Judeia (6-132) e, mais
tarde, Palaestina Prima. Lá Pedro batizou o centurião Cornélio,
o primeiro gentio convertido (At 10,1-43). O apóstolo
Paulo procurou refúgio lá, uma vez que ficou na casa de Filipe, como ali
ficou preso por dois anos (estimado em 57-59). As Constituições Apostólicas afirmam que o primeiro Bispo de
Cesareia foi Zaqueu, o publicano, mas a Enciclopédia Católica (1907 e
1912) afirma não haver “registo de bispos de Cesareia até ao século
II” e que, “no
final deste século, um concílio foi realizado lá para regular
a celebração da Páscoa”, sem êxito. E,
após o cerco de Adriano a Jerusalém (c. 133), Cesareia tornou-se cidade metropolitana, tendo
Jerusalém como sufragânea. Orígenes (254) compilou ali o “Hexapla” e criou
a famosa biblioteca e a escola teológica, São Pânfilo (f. 309) era um notável erudito sacerdote. São Gregório,
o operador das maravilhas (f. 270), São
Basílio, o Grande (f. 379) e São
Jerónimo (f. 420) visitaram a biblioteca, que foi destruída mais tarde,
e estudaram na sua escola teológica. Eusébio de Cesareia, o primeiro
historiador importante da Igreja, foi bispo c. 314-339. F.J.A. Hort e
Adolf von Harnack dizem que o Credo Niceno teve origem em
Cesareia. E o texto cesariano é tido por muitos estudiosos como um dos primeiros
tipos do NT.
A ilha de Chipre tinha Pafos como capital durante o domínio romano, sendo também sede dum
comando romano. Em 45 d.C., os apóstolos Paulo e Barnabé (de acordo
com a Enciclopédia Católica “um nativo da ilha”) chegaram a Chipre e alcançaram Pafos pregando a Palavra de Cristo (At 13,4-13). Segundo Atos, os apóstolos foram perseguidos pelos
romanos, mas conseguiram convencer o comandante romano Sérgio Paulo a
renunciar à sua antiga religião em favor do Cristianismo. Barnabé é
tradicionalmente identificado como o fundador da Igreja Ortodoxa Cipriota.
Damasco é a capital da Síria e é tida como a cidade
mais antiga e continuamente habitada do mundo. O apóstolo Paulo foi convertido
na estrada de Damasco. Nos três relatos (At 9,1-20; 22,1-22 e 26,1-24), é descrito como sendo liderado por aqueles com quem
estava viajando, cego pela luz, para Damasco, onde a visão lhe foi restaurada
por Ananias (que, segundo a Enciclopédia Católica, terá sido o primeiro Bispo
de Damasco), e por meio
dele Paulo foi batizado.
Na Grécia, Tessalónica, a principal cidade do norte da Grécia, onde se crê
que o Cristianismo foi fundado por Paulo (portanto, uma Sé Apostólica) e as regiões vizinhas da Macedónia, Trácia e Epiro,
que se estendem aos estados vizinhos dos Balcãs na Albânia e na Bulgária,
foram os primeiros centros do Cristianismo. Digno de nota são as cartas de
Paulo aos Tessalonicenses e aos Filipenses, o que é considerado o primeiro
contacto do Cristianismo com a Europa. O Padre Apostólico Policarpo escreveu uma Carta aos
Filipenses (c.125).
Nicópolis era
uma cidade na província romana de Epiro Veto, hoje uma ruína na parte
norte da costa ocidental da Grécia. De acordo com a Enciclopédia Católica:
“São Paulo pretendia ir para lá (Tt 3,12) e é possível que, mesmo assim,
tenha numerado alguns cristãos entre a sua população; Orígenes (c.
185-254) permaneceu ali por algum tempo” (Eusébio, História da Igreja VI.16).
A antiga
Corinto, hoje uma ruína próxima à moderna Corinto no sul da Grécia,
foi um dos primeiros centros do Cristianismo. A este respeito, reza a
Enciclopédia Católica (op cit):
“São Paulo pregou com sucesso em
Corinto, onde morava na casa de Áquila e Priscila (At 18,1), onde Silas
e Timóteo logo se juntaram a ele. Após a sua partida, foi substituído
por Apolo, que fora enviado de Éfeso por Priscila. O apóstolo visitou
Corinto pelo menos mais uma vez. Escreveu aos Coríntios em 57 a partir de
Éfeso e, depois, a partir da Macedónia, no mesmo ano ou em 58. A carta de
São Clemente de Roma à Igreja de Corinto (cerca de 96) exibe as primeiras
evidências sobre o primado da Igreja de Roma. Além de São Apolo, Michel
Le Quien (II, 155) menciona 43 bispos: entre eles, São Sóstenes (?), O
discípulo de São Paulo, São Dionísio; Paulo, irmão de São Pedro...”.
Atenas, a
capital e maior cidade da Grécia, foi visitada por Paulo, que
“Chegou a Atenas da Bereia da Macedónia, chegando provavelmente por
água e desembarcando no Pireu, o porto de Atenas. Isso foi por volta do ano 53. Chegando a
Atenas, imediatamente chamou Silas e Timóteo, que haviam ficado para trás na
Bereia. Enquanto aguardava
a chegada deles, ficou em Atenas, vendo a cidade idólatra e frequentando a sinagoga; pois
já havia judeus em Atenas. ...Parece que se formou rapidamente uma comunidade cristã, embora por
um tempo considerável não possuísse numerosos membros. A tradição mais comum
nomeia Dionísio Areopagita como o primeiro chefe e Bispo dos
atenienses cristãos. Outra
tradição, no entanto, confere essa honra a Hieroteu, o Tesmótata. Os
sucessores do primeiro bispo não eram todos atenienses por linhagem. São
catalogados como Narkissos, Públio e Quadrado. Afirma-se que Narkissos
veio da Palestina e Públio de Malta . Em algumas listas, Narkissos é
omitido. Quadrado é reverenciado por ter contribuído para a literatura cristã
primitiva escrevendo uma apologia, que dirigiu ao imperador Adriano. Isso
foi por ocasião da visita de Adriano a Atenas. Aristides dedicou uma
apologia ao imperador Adriano por volta de 134. Também Atenágoras
escreveu uma apologia. No século II, deve ter havido uma considerável
comunidade de cristãos em Atenas, pois Higino, Bispo de Roma, escreveu uma
carta à comunidade no ano 139.” (Vd Enciclopédia Católica, op cit).
Em Creta,
Gortyn, era aliada de Roma, sendo sua capital em Creta e Cirenaica. Crê-se
que São Tito tenha sido o seu primeiro Bispo. Foi saqueada pelo
pirata Abu Hafa em 828.
Da Trácia é de referir
que o apóstolo Paulo pregou na Macedónia
e em Filipos, localizado na Trácia, na costa do Mar da Trácia.
Segundo Hipólito de Roma, também o apóstolo André pregou
na Trácia, na costa do Mar Negro e ao longo do curso inferior
do rio Danúbio. A propagação do Cristianismo entre os trácios e
o surgimento de centros do Cristianismo como Serdica (atual Sofia), Philippopolis (atual Plovdiv) e Durostorum terão começado com essas
primeiras missões apostólicas. O primeiro mosteiro cristão na
Europa foi fundado na Trácia, em 344, por Santo Atanásio perto
de Cirpan (Bulgária), após o Concílio de Serdica.
E da Líbia, ressalta que
Cirene e a região circundante
de Cirenaica ou a “Pentápolis” norte-africana, ao sul do Mediterrâneo
da Grécia, a parte nordeste da moderna Líbia, eram uma colónia grega mais
tarde convertida em província romana. Além de gregos e romanos, havia também
uma população judaica significativa, pelo menos até à Guerra de Kitos (115-117). Segundo Marcos (Mc 15,21), Simão de Cirene ajudou a carregar a cruz de
Jesus. Os cirenos também são mencionados em Atos 2,10; 6,9,
11,20 e 13,1. Segundo a Enciclopédia Católica, “Le Quien menciona seis bispos de Cirene e, segundo a lenda bizantina, o
primeiro foi São Lúcio (At 13,1); São Teodoro sofreu o martírio sob Diocleciano" (284-305).
***
E
a expansão, entretanto, atingiu Roma e todo o Império Romano do Ocidente, como
se verá e a seguir.
2021.05.04 – Louro de Carvalho
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