quarta-feira, 12 de maio de 2021

Afinal, a Austrália foi descoberta pelos portugueses

 

A existência dum grande continente austral nas antípodas da Europa foi postulada pelo geógrafo clássico Ptolomeu, por simetria e equilíbrio cósmico. No ano 50, Pompónio Mela denominou este continente de “Terra Australis Incognita, avançando a hipótese de que seria a fonte do rio Nilo. Na época das descobertas europeias e do Renascimento, a existência do continente do Sul estava rodeada de mitos e lendas que lhe atribuíam habitantes, fauna e flora exóticos e outras maravilhas naturais. E a “terra australis era obsessão para os navegadores, que ambicionavam as suas riquezas em ouro e especiarias, e alimentava o imaginário popular da época.

O responsável oficial pela sua descoberta pelos europeus foi o Capitão James Cook, que reclamou o continente para a coroa do Reino Unido a 21 de agosto de 1770 e lhe chamou “Nova Gales do Sul”. Porém e sem contar com a colonização aborígene de há cerca de 40 mil anos, a viagem de Cook foi só o corolário de várias expedições exploratórias aos mares do Sul em busca do mítico continente. Segundo alguns investigadores, nessas viagens, a Austrália fora visitada por portugueses (em 1522, Cristóvão de Mendonça e, em 1525, Gomes de Sequeira), sendo certas as visitas dos neerlandeses a vários pontos da costa australiana a partir do século XVII.

Todavia, antes de Cook, Willem Janszoon ou Willem Jansz (c.1570 – 1630), navegador holandês e governador colonial, que serviu nas Índias Orientais Holandesas nos períodos de 1603 a 1611 e 1612 a 1616, inclusive como governador do Forte Henricus na ilha de Solor, era tido como o primeiro europeu conhecido que viu a costa da Austrália durante sua viagem de 1605-1606, a bordo do Duyfken (navio veloz e levemente armado, destinado a águas rasas, pequenas cargas valiosas, trazendo mensagens, enviando provisões ou piratas).

O diário original e o registo da viagem de Janszoon perderam-se. O gráfico Duyfken, que mostra a localização do primeiro desembarque na Austrália pelo Duyfken , teve melhor destino. Ainda existia em Amsterdão quando Hessel Gerritszoon fez o seu Mapa do Pacífico em 1622 e colocou a geografia de Duyfken sobre ele, fornecendo-nos o primeiro mapa a conter qualquer parte da Austrália. O gráfico ainda existia por volta de 1670, quando foi feita uma cópia, tendo o original ido para a Biblioteca Imperial em Viena onde permaneceu esquecido durante 200 anos. O mapa faz parte do Atlas Blaeu Van der Hem , trazido para Viena em 1730 pelo Príncipe Eugénio de Saboia. As informações dos seus mapas foram incluídas nos mapas de mármore e cobre dos hemisférios no chão do Salão dos Cidadãos do Palácio Real em Amsterdão.

***

Carlos Taveira, técnico superior de comunicação no município de Gondomar, a 9 de outubro de 2019, escreveu no “Quora” um artigo em torno do título “É verdade que Portugal descobriu a Austrália?”, em que, estribado no livro Para além de Capricórnio (Lisboa, Caderno, 2008), do jornalista e historiador australiano Peter Trickett, pretende divulgar a tese de que a Austrália foi descoberta pelos portugueses. Nesse livro, escrito originariamente em 2007, o autor desafia as convictas certezas que atribuem a descoberta da Austrália e Nova Zelândia aos holandeses, a que se teria seguido o britânico James Cook, e reforça tese da descoberta da Austrália pelos portugueses, apresentada anos antes por Kenneth McIntyre.

Efetivamente num recôndito espaço de um antigo rancho em Los Angeles, hoje a “Huntington Library”, existe uma coleção de 15 mapas, conhecidos como “Atlas Vallard”, que representam o mundo conhecido até 1545. Em dois desses mapas estão marcados em português vários pontos geográficos da costa australiana.

Já há muito que a descoberta da Austrália por James Cook levantava dúvidas entre os historiadores e Trickett contraria o que se ensinou nos últimos 250 anos e estabelece: “afinal, a Austrália foi descoberta pelos portugueses.

É certo que a maioria dos historiadores sustenta que a descoberta europeia da Austrália ocorreu em 1606 com a viagem do navegador neerlandês Willem Janszoon a bordo do Duyfken, mas foram avançadas numerosas teorias alternativas. A precedência da descoberta foi reclamada pela China, Portugal, França, Espanha e, até, pelos Fenícios. Porém, uma das teorias mais bem suportadas é a da descoberta europeia da Austrália pelos portugueses.

Segundo a agência de notícias Reuters, foi encontrado um novo mapa que prova que não foram os ingleses nem holandeses quem descobriu a Austrália, mas navegadores portugueses. Esse mapa do século XVI, escrito em português com referências e informação, foi encontrado numa biblioteca de Los Angeles e prova que foram navegadores portugueses os primeiros europeus a chegar à Austrália, pois “assinala, com detalhe e acuidade”, várias referências da costa oriental australiana, tudo relatado em português, provando que foi a frota de 4 barcos liderada pelo navegador e explorador Cristóvão de Mendonça quem efetivamente descobriu a Austrália no longínquo ano de 1522.

E Trickett, acreditando que o público terá grande interesse no assunto, disse à agência Lusa:

A tese da descoberta portuguesa da Austrália tem um bom acolhimento por parte do leitor comum. O mesmo não acontece no meio académico, que acha que não é possível e não pode ser verdadeira, apesar das provas apontadas.”.

Segundo Trickett, terá sido o navegador Cristóvão Mendonça, por volta de 1522, o primeiro português a avistar as costas australianas, quando navegava na zona por ordem de Dom Manuel I em demanda da “ilha de Ouro” citada nos relatos de Marco Polo. E fundamentou esta asserção em mapas de origem portuguesa que cartografaram parcialmente a Austrália (mas a maior parte da faixa costeira) já no século XVI, tendo-lhe atribuído o nome de “Terra de Java”, bem como nos cerca de 150 topónimos australianos “de clara origem portuguesa”, questionando “que explicação se pode dar para tal”.

Cristóvão Mendonça terá ancorado ao largo da atual Botany Bay, área que mapeou denominando de “montanhas de neve” as dunas de areia branca que ali existiram até serem domadas pela relva dum campo de golfe.

Além dos mapas de origem portuguesa, o australiano aponta o aparecimento em mares australianos de dois potes de cerâmica de estilo português: um deles, datado como do ano 1500, o da descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral; o outro, aguardando datação. E, na área arqueológica cita-se a descoberta dum peso de pesca com 500 anos, em Fraser Island, no Estado australiano de Queensland.

Defende o historiador que a política de sigilo das monarquias ibéricas, designadamente dos reis Dom João II e Dom Manuel I, e que terá encoberto o conhecimento do Brasil, foi também praticada relativamente a esta “Terra de Java”, a Austrália atual, o que não impede que tudo aponte para “uma clara antecipação da descoberta da Austrália pelos portugueses, a mando de Dom Manuel I na busca da ilha de ouro”. E a Austrália é o 3.º maior produtor mundial de ouro.

Os meios académicos não aceitam esta tese, ao invés do que sucedeu com a tese da primazia da descoberta Viking da América do Norte que, após provas arqueológicas apresentadas por Helge Ingsrad, se tornou amplamente aceite.

E Peter Trickett explicou:

A natureza humana é o que é, não aceita ter-se enganado ou dizer que errou, tanto mais quando se trata de académicos, com teses e trabalhos teóricos publicados sobre o assunto, a terem de admitir que erraram”.

Acresce a esta “negação da primazia lusa” o facto de Trickett não ser um académico, vir do meio jornalístico e não universitário. E o estudioso, que afirmou à Lusa continuar a investigar o assunto e que o seu editor projeta editar a obra em Espanha e na Holanda, onde há a tese de que navegadores holandeses terão avistado costas australianas antes de Cook, sublinhou:

É certo que dizem que a tese é errada, insustentável, mas não fizeram até hoje qualquer crítica séria do ponto de vista científico. Penso que acham que a minha tese é difícil de combater e preferem não dizer nada de concreto.”.

Porém, como se disse, para Trickett, foram os navegadores portugueses que exploraram e cartografaram efetivamente as costas australianas, bem como parte substancial das da Nova Zelândia, com base nos mapas e nos primeiros achados arqueológicos em meio marítimo.

A tese de Trickett foi antecipada por Kenneth Gordon McIntyre (22 de agosto de 1910 – 20 de maio de 2004), professor católico de Literatura e Direito, historiador australiano e leitor de Literatura Inglesa na Universidade de Melbourne, que apresentou, no seu livro “The Secret Discovery of Australia. Portuguese ventures 200 years before Captain Cook”, de 1977, a tese de que tinham sido os portugueses Cristóvão de Mendonça e Gomes de Sequeira os primeiros navegadores europeus a chegar à Austrália.

A tese está replicada no texto do mesmo autor sob o título “A Descoberta Secreta da Austrália – A façanha portuguesa 250 anos antes do Comandante Cook”, editado pela Fundação Oriente/Centro de Estudos Marítimos de Macau, 1989. E Fernando Pessanha, na Revista da Associação Ibérica Militar, 2018, publicou um excursus sobre “Cristóvão de Mendonça, navegador no Oriente e capitão de Ormuz – Um desconhecido comendador de Arenilha”.

Falamos de descoberta europeia, porquanto é provável que a chegada dos europeus à Austrália fosse antecedida por viagens de navegadores oriundos de vários pontos da Ásia. Crê-se que os pescadores de Macassar, da ilha de Celebes, visitavam regularmente os mares da Terra de Arnhem (no atual Território do Norte) para capturarem o pepino-do-mar, que exportavam para a China, onde este gozava do estatuto de refinada iguaria, antes do século XVIII.

Documentos árabes e chineses mencionam uma terra meridional, mas os detalhes são escassos, não permitindo estabelecer relação direta com a Austrália. Os mercadores e comerciantes árabes, malaios e chineses podem ter desembarcado na Austrália, mas não há provas determinantes nesse sentido.

O primeiro contacto europeu com o continente do Sul teria sido efetuado por navegadores portugueses, embora não haja referências a esta viagem ou viagens nos arquivos históricos de Portugal. A principal evidência para estas visitas não declaradas foi a descoberta de dois canhões portugueses afundados ao largo da baía de Broome na costa noroeste da Austrália. A tipologia dessas peças de artilharia indica serem de fabricação portuguesa, podendo ser datadas entre os anos de 1475 e 1525.

Peter Trickett afirma que duas expedições portuguesas realizadas nos mares da Indonésia no 1.º quartel do século XVI teriam chegado ao território australiano: a expedição de Cristóvão de Mendonça a partir de Malaca para o sul em busca das “ilhas de ouro” (1522), mas sobretudo a de Gomes de Sequeira (1525) que teria atingido a Península de York. Para reforçar esta tese evoca-se o estabelecimento pelos portugueses, em 1516, de um entreposto comercial em Timor, que fica a cerca de 500 quilómetros da Austrália.

Segundo o historiador e filólogo Carl Brandenstein (vd Nyungar Anew: phonology, text samples and etymological and historical 1500-word vocabulary of an artificially recreated Aboriginal language in the south-west of Australia, 1988; e Early history of Australia:the Portuguese colony in the Kimberley, 1994), os portugueses teriam naufragado no noroeste da Austrália Ocidental, perto da ilha de Depuch, entre 1511 e 1520, tendo sido os primeiros europeus a tocar a Austrália, de onde não puderam sair, acabando por se integrar com a população local, deixando marcas culturais assimiladas pelos aborígenes.

A fundamentação da sua teoria apoia-se na análise das línguas das etnias Ngarluma e Karriera (tribos da Austrália Ocidental), que apresentam particularidades que não se detetam nas outras línguas aborígenes, como o uso da voz passiva. Von Brandenstein apresenta também uma lista de palavras destas línguas que alega terem uma origem portuguesa (exemplos: thartaruga de tartaruga, monta/manta de monte, thatta de teto).

Uma série de mapas conhecidos como “Mapas de Dieppe”, produzidos por uma escola de cartografia na cidade francesa do mesmo nome entre 1536 e 1566, e que revelam uma influência portuguesa, retratam uma terra chamada “Jave La Grande”, que apresenta uma configuração de costa que lembra a costa ocidental australiana, em alguns casos representando formas vegetais e etnográficas. Alguns académicos rejeitam a ligação dos mapas com representações da Austrália, aduzindo que as formas vegetais e humanas são típicas das ilhas da Indonésia ou que seriam meras representações lendárias. Todavia, pode ainda ser salientado um mapa neerlandês do século XVII que representa uma barreira de coral com o nome de “Abreolhos”, palavra que resulta da expressão de língua portuguesa abre olhos, que era usada com frequência para assinalar zonas de perigo em cartas marítimas lusitanas e ainda hoje utilizada popularmente para designar qualquer acidente doloroso, de que se deve ter cuidado.

Para os partidários da tese da prioridade portuguesa, os navegadores lusitanos não reclamaram o continente para a coroa de Portugal e mantiveram a descoberta aparentemente em silêncio. Os motivos do secretismo desta eventual iniciativa estariam relacionados com o Tratado de Tordesilhas, que determinava que a zona da Austrália seria, quando descoberta, propriedade da coroa espanhola. Por outro lado, os eventuais registos e notas de bordo destas expedições devem ter desaparecido na destruição do terramoto de Lisboa de 1755.

Com a morte do Cardeal-Rei Dom Henrique em 1580, e com a formação da união pessoal entre a coroa portuguesa e a espanhola, Portugal nunca mais retomou as iniciativas de exploração nesta parte do mundo. A falta de documentos escritos sobre estas expedições faz com que a presença portuguesa na costa australiana seja posta em causa por muitos historiadores.

Richard Henry Major defende que os portugueses estiveram na costa australiana também em 1601 através de expedição do navegador Manuel Godinho de Erédia, sob ordens do Vice-Rei da Índia Ayres de Saldanha. E apresenta como prova cópia de mapa que o próprio descobriu no Museu Britânico em que se lê a inscrição: “Nuca Antara foi descoberta no ano de 1601, por Manuel Godinho de Erédia, por mandado do Vice-Rei Ayres de Saldanha”. Nuca Antara refere-se a região da costa da Austrália que supostamente descoberta pelos holandeses em 1616.

***

Enfim, a verdade, em caso de dúvida, tem de estar em aberto. E a divisão artificiosa do mundo resultou em expedições secretas ou alegadamente sem interesse, vindo outros a colher os louros, afirmando a sua hegemonia sobre o mundo e liderando uma nova talassocracia.

2021.05.12 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário