A existência
dum grande continente austral nas antípodas da Europa foi
postulada pelo geógrafo clássico Ptolomeu, por simetria e equilíbrio
cósmico. No ano 50, Pompónio Mela denominou este
continente de “Terra Australis Incognita”, avançando a hipótese de que seria a fonte do rio Nilo. Na
época das descobertas europeias e do Renascimento, a existência do
continente do Sul estava rodeada de mitos e lendas que lhe
atribuíam habitantes, fauna e flora exóticos e outras maravilhas
naturais. E a “terra australis” era
obsessão para os navegadores, que ambicionavam as suas riquezas em ouro e especiarias,
e alimentava o imaginário popular da época.
O responsável oficial pela sua descoberta pelos europeus foi o
Capitão James Cook, que reclamou o continente para a coroa
do Reino Unido a 21 de agosto de 1770 e lhe chamou “Nova Gales do Sul”. Porém e sem
contar com a colonização aborígene de há cerca de 40 mil anos, a viagem de Cook
foi só o corolário de várias expedições exploratórias aos mares do Sul em busca
do mítico continente. Segundo alguns investigadores, nessas viagens, a Austrália fora visitada por portugueses (em 1522, Cristóvão de Mendonça e, em 1525, Gomes
de Sequeira), sendo certas as visitas dos neerlandeses a
vários pontos da costa australiana a partir do século XVII.
Todavia, antes de Cook, Willem Janszoon ou Willem
Jansz (c.1570 – 1630), navegador holandês e governador colonial, que serviu nas
Índias Orientais Holandesas nos períodos de 1603 a 1611 e 1612 a 1616,
inclusive como governador do Forte Henricus na ilha de Solor, era tido como o
primeiro europeu conhecido que viu a costa da Austrália durante sua viagem de
1605-1606, a bordo do
Duyfken (navio veloz e levemente armado, destinado a águas rasas,
pequenas cargas valiosas, trazendo mensagens, enviando provisões ou piratas).
O diário original e o registo da viagem de Janszoon perderam-se.
O gráfico Duyfken, que mostra a localização do primeiro desembarque
na Austrália pelo Duyfken , teve melhor destino. Ainda existia em
Amsterdão quando Hessel Gerritszoon fez o seu Mapa do Pacífico em
1622 e colocou a geografia de Duyfken sobre ele, fornecendo-nos o primeiro mapa
a conter qualquer parte da Austrália. O gráfico ainda existia por
volta de 1670, quando foi feita uma cópia, tendo o original ido para a
Biblioteca Imperial em Viena onde permaneceu esquecido durante 200 anos. O mapa
faz parte do Atlas Blaeu Van der Hem , trazido para Viena em 1730 pelo Príncipe
Eugénio de Saboia. As informações dos seus mapas foram incluídas nos mapas de
mármore e cobre dos hemisférios no chão do Salão dos Cidadãos do Palácio Real
em Amsterdão.
***
Carlos
Taveira, técnico superior de comunicação no município
de Gondomar, a 9 de
outubro de 2019, escreveu no “Quora”
um artigo em torno do título “É verdade que Portugal descobriu
a Austrália?”, em que, estribado no livro “Para além de Capricórnio” (Lisboa, Caderno, 2008), do jornalista e historiador australiano
Peter Trickett, pretende divulgar a
tese de que a Austrália foi
descoberta pelos portugueses. Nesse livro, escrito originariamente em 2007, o
autor desafia
as convictas certezas que atribuem a descoberta da Austrália e Nova Zelândia
aos holandeses, a que se teria seguido o britânico James Cook, e reforça a tese da descoberta da Austrália pelos
portugueses, apresentada anos antes por Kenneth McIntyre.
Efetivamente
num recôndito espaço de um antigo rancho em Los Angeles, hoje a “Huntington
Library”, existe uma coleção de 15 mapas, conhecidos como “Atlas Vallard”, que
representam o mundo conhecido até 1545. Em dois desses mapas estão marcados em
português vários pontos geográficos da costa australiana.
Já há muito
que a descoberta da Austrália por James Cook levantava dúvidas entre os historiadores
e Trickett contraria o que se ensinou nos últimos 250 anos e estabelece: “afinal, a Austrália foi descoberta pelos portugueses”.
É certo que
a maioria dos historiadores sustenta que a descoberta europeia da
Austrália ocorreu em 1606 com a viagem do navegador neerlandês Willem
Janszoon a bordo do Duyfken, mas foram avançadas numerosas teorias
alternativas. A precedência da descoberta foi reclamada pela China, Portugal,
França, Espanha e, até, pelos Fenícios. Porém, uma das teorias mais bem
suportadas é a da descoberta europeia da Austrália pelos portugueses.
Segundo a
agência de notícias Reuters, foi
encontrado um novo mapa que prova que não foram os ingleses nem holandeses quem
descobriu a Austrália, mas navegadores portugueses. Esse mapa do século XVI, escrito
em português com referências e informação, foi encontrado numa biblioteca de
Los Angeles e prova que foram navegadores portugueses os primeiros europeus a
chegar à Austrália, pois “assinala, com detalhe e acuidade”, várias referências
da costa oriental australiana, tudo relatado em português, provando que foi a
frota de 4 barcos liderada pelo navegador e explorador Cristóvão de Mendonça
quem efetivamente descobriu a Austrália no longínquo ano de 1522.
E Trickett,
acreditando que o público terá grande interesse no assunto, disse à agência Lusa:
“A tese da descoberta portuguesa da
Austrália tem um bom acolhimento por parte do leitor comum. O mesmo não
acontece no meio académico, que acha que não é possível e não pode ser verdadeira,
apesar das provas apontadas.”.
Segundo Trickett,
terá sido o navegador Cristóvão Mendonça, por volta de 1522, o primeiro
português a avistar as costas australianas, quando navegava na zona por ordem
de Dom Manuel I em demanda da “ilha de Ouro” citada nos relatos de Marco Polo. E
fundamentou esta asserção em mapas de origem portuguesa que cartografaram
parcialmente a Austrália (mas a maior parte da faixa costeira) já no século XVI, tendo-lhe atribuído o nome de “Terra de Java”, bem como nos cerca de
150 topónimos australianos “de clara origem portuguesa”, questionando “que explicação
se pode dar para tal”.
Cristóvão
Mendonça terá ancorado ao largo da atual Botany Bay, área que mapeou
denominando de “montanhas de neve” as dunas de areia branca que ali existiram até
serem domadas pela relva dum campo de golfe.
Além dos
mapas de origem portuguesa, o australiano aponta o aparecimento em mares
australianos de dois potes de cerâmica de estilo português: um deles, datado
como do ano 1500, o da descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral; o outro,
aguardando datação. E, na área arqueológica cita-se a descoberta dum peso de
pesca com 500 anos, em Fraser Island, no Estado australiano de Queensland.
Defende o
historiador que a política de sigilo das monarquias ibéricas, designadamente
dos reis Dom João II e Dom Manuel I, e que terá encoberto o conhecimento do
Brasil, foi também praticada relativamente a esta “Terra de Java”, a Austrália atual, o que não impede que tudo aponte
para “uma clara antecipação da descoberta da Austrália pelos portugueses, a
mando de Dom Manuel I na busca da ilha de ouro”. E a Austrália é o 3.º maior produtor
mundial de ouro.
Os meios
académicos não aceitam esta tese, ao invés do que sucedeu com a tese da
primazia da descoberta Viking da América do Norte que, após provas
arqueológicas apresentadas por Helge Ingsrad, se tornou amplamente aceite.
E Peter Trickett
explicou:
“A natureza humana é o que é, não aceita
ter-se enganado ou dizer que errou, tanto mais quando se trata de académicos,
com teses e trabalhos teóricos publicados sobre o assunto, a terem de admitir
que erraram”.
Acresce a
esta “negação da primazia lusa” o facto de Trickett não ser um académico, vir
do meio jornalístico e não universitário. E o estudioso, que afirmou à Lusa continuar a investigar o assunto e
que o seu editor projeta editar a obra em Espanha e na Holanda, onde há a tese de
que navegadores holandeses terão avistado costas australianas antes de Cook,
sublinhou:
“É certo que dizem que a tese é errada,
insustentável, mas não fizeram até hoje qualquer crítica séria do ponto de
vista científico. Penso que acham que a minha tese é difícil de combater e
preferem não dizer nada de concreto.”.
Porém, como
se disse, para Trickett, foram os navegadores portugueses que exploraram e
cartografaram efetivamente as costas australianas, bem como parte substancial
das da Nova Zelândia, com base nos mapas e nos primeiros achados arqueológicos
em meio marítimo.
A tese de
Trickett foi antecipada por Kenneth
Gordon McIntyre (22 de agosto de 1910 – 20 de maio de 2004), professor católico de Literatura e Direito, historiador
australiano e leitor de Literatura Inglesa na Universidade de
Melbourne, que apresentou, no seu livro “The Secret Discovery of Australia.
Portuguese ventures 200 years before Captain Cook”, de 1977, a tese de que
tinham sido os portugueses Cristóvão de Mendonça e Gomes de Sequeira os
primeiros navegadores europeus a chegar à Austrália.
A tese está
replicada no texto do mesmo autor sob o título “A Descoberta Secreta da Austrália – A
façanha portuguesa 250 anos antes do Comandante Cook”, editado pela Fundação Oriente/Centro de Estudos Marítimos
de Macau, 1989. E Fernando Pessanha, na Revista da Associação Ibérica Militar, 2018, publicou um excursus
sobre “Cristóvão de Mendonça, navegador
no Oriente e capitão de Ormuz – Um desconhecido comendador de Arenilha”.
Falamos de descoberta
europeia, porquanto é
provável que a chegada dos europeus à Austrália fosse antecedida por viagens de
navegadores oriundos de vários pontos da Ásia. Crê-se que os pescadores
de Macassar, da ilha de Celebes, visitavam regularmente os mares
da Terra de Arnhem (no atual Território do Norte) para capturarem o pepino-do-mar,
que exportavam para a China, onde este gozava do estatuto de refinada
iguaria, antes do século XVIII.
Documentos árabes
e chineses mencionam uma terra meridional, mas os detalhes são escassos,
não permitindo estabelecer relação direta com a Austrália. Os mercadores e
comerciantes árabes, malaios e chineses podem ter desembarcado na Austrália,
mas não há provas determinantes nesse sentido.
O primeiro
contacto europeu com o continente do Sul teria sido efetuado por navegadores portugueses,
embora não haja referências a esta viagem ou viagens nos arquivos históricos de
Portugal. A principal evidência para estas visitas não declaradas foi a
descoberta de dois canhões portugueses afundados ao largo da baía
de Broome na costa noroeste da Austrália. A tipologia dessas peças
de artilharia indica serem de fabricação portuguesa, podendo ser
datadas entre os anos de 1475 e 1525.
Peter
Trickett afirma que duas expedições portuguesas realizadas nos mares
da Indonésia no 1.º quartel do século XVI teriam chegado ao
território australiano: a expedição de Cristóvão de Mendonça a partir
de Malaca para o sul em busca das “ilhas de ouro” (1522), mas sobretudo a de Gomes de Sequeira (1525) que teria atingido a Península de York. Para reforçar
esta tese evoca-se o estabelecimento pelos portugueses, em 1516, de
um entreposto comercial em Timor, que fica a cerca de 500 quilómetros da
Austrália.
Segundo o
historiador e filólogo Carl Brandenstein (vd Nyungar Anew: phonology, text samples and
etymological and historical 1500-word vocabulary of an artificially recreated
Aboriginal language in the south-west of Australia, 1988; e Early history of Australia:the Portuguese
colony in the Kimberley, 1994), os portugueses teriam naufragado no
noroeste da Austrália Ocidental, perto da ilha de Depuch, entre 1511 e
1520, tendo sido os primeiros europeus a tocar a Austrália, de onde não puderam
sair, acabando por se integrar com a população local, deixando marcas culturais
assimiladas pelos aborígenes.
A
fundamentação da sua teoria apoia-se na análise das línguas das etnias Ngarluma e Karriera
(tribos da Austrália
Ocidental), que
apresentam particularidades que não se detetam nas outras línguas aborígenes,
como o uso da voz passiva. Von Brandenstein apresenta também uma lista de
palavras destas línguas que alega terem uma origem portuguesa (exemplos: thartaruga de
tartaruga, monta/manta de monte, thatta de teto).
Uma série de
mapas conhecidos como “Mapas de Dieppe”, produzidos por uma escola
de cartografia na cidade francesa do mesmo nome entre 1536 e
1566, e que revelam uma influência portuguesa, retratam uma terra chamada “Jave
La Grande”, que
apresenta uma configuração de costa que lembra a costa ocidental australiana,
em alguns casos representando formas vegetais e etnográficas. Alguns académicos
rejeitam a ligação dos mapas com representações da Austrália, aduzindo que as
formas vegetais e humanas são típicas das ilhas da Indonésia ou que seriam
meras representações lendárias. Todavia, pode ainda ser salientado um mapa
neerlandês do século XVII que representa uma barreira de coral com
o nome de “Abreolhos”, palavra que resulta da expressão de língua
portuguesa abre olhos, que era usada com frequência para assinalar
zonas de perigo em cartas marítimas lusitanas e ainda hoje utilizada
popularmente para designar qualquer acidente doloroso, de que se deve ter
cuidado.
Para os
partidários da tese da prioridade portuguesa, os navegadores lusitanos não
reclamaram o continente para a coroa de Portugal e mantiveram a descoberta
aparentemente em silêncio. Os motivos do secretismo desta eventual iniciativa
estariam relacionados com o Tratado de Tordesilhas, que determinava que a
zona da Austrália seria, quando descoberta, propriedade da coroa espanhola.
Por outro lado, os eventuais registos e notas de bordo destas expedições devem
ter desaparecido na destruição do terramoto de Lisboa de 1755.
Com a morte
do Cardeal-Rei Dom Henrique em 1580, e com a formação da união
pessoal entre a coroa portuguesa e a espanhola, Portugal nunca mais
retomou as iniciativas de exploração nesta parte do mundo. A falta de
documentos escritos sobre estas expedições faz com que a presença portuguesa na
costa australiana seja posta em causa por muitos historiadores.
Richard Henry
Major defende que os portugueses estiveram na costa australiana também em
1601 através de expedição do navegador Manuel Godinho de Erédia, sob
ordens do Vice-Rei da Índia Ayres de Saldanha. E apresenta como prova cópia
de mapa que o próprio descobriu no Museu Britânico em que se lê a inscrição: “Nuca
Antara foi descoberta no ano de 1601, por Manuel Godinho de Erédia, por
mandado do Vice-Rei Ayres de Saldanha”. Nuca Antara refere-se a região
da costa da Austrália que supostamente descoberta pelos holandeses em
1616.
***
Enfim, a
verdade, em caso de dúvida, tem de estar em aberto. E a divisão artificiosa do
mundo resultou em expedições secretas ou alegadamente sem interesse, vindo outros
a colher os louros, afirmando a sua hegemonia sobre o mundo e liderando uma nova
talassocracia.
2021.05.12 – Louro de Carvalho
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