A Semana
Santa configura o que podemos chamar a Páscoa de Cristo, pela qual, no termo da
sua viagem batismal e missionária da Galileia para Jerusalém, Se entregou à
morte de cruz dando a vida pela redenção da humanidade pecadora, mas infinitamente
amada por Deus.
O termo “Páscoa” deriva, através do latim “Pascha” e do grego “Paskha” (nome indeclinável), do hebraico “Pesaḥ” ou “Pesach” (passagem sofrida), que evoca a Páscoa
judaica. O nome grego “Paskha” está
relacionado lexical e semanticamente com o verbo “Páskhô”, que significa padecer, sofrer, morrer, ser feliz, receber
uma graça ou pensar, opinar.
Na verdade, por impulso dos chefes judaicos (sem eles o pensarem, coincidente com o desígnio do Pai), Jesus padeceu
a traição da parte de um discípulo, a prisão como se fosse um malfeitor, a negação
por parte do discípulo sobre quem edificou a sua Igreja, um julgamento
irregular na luta contra o tempo e sem ensejo de defesa, a flagelação, a coroação
de espinhos, a caminhada para o Calvário, a Crucifixão e a Morte na Cruz.
Padecimento, sofrimento, dor, humilhação. Porém, consciente de que o Pai Se
glorificava neste ato de entrega redentora, perpetuável no mistério do pão e do
vinho tornados corpo entregue por nós e sangue derramado pela multidão em remissão
dos pecados, considerou, atraindo todos a Si, estar a receber a graça da glorificação
no e com o Pai, agregando a esta glorificação todos os seus seguidores na bruma
do passado, na agrura do presente e na esperança sofrida e jubilosa do futuro. E,
se a Páscoa judaica, em cuja celebração Jesus Se envolveu algumas vezes e que celebrou
com os discípulos, evoca a antiga passagem do anjo exterminador das objeções faraónicas
à libertação do povo de Israel, preservando a vida, saúde e bens essenciais dos
seus filhos e os fez passar a pé enxuto o Mar Vermelho e os projetou para o
deserto como longa rampa de lançamento para a terra da promissão, hemos de
atinar em que o grande mensageiro do Pai, que partilha da sua vida, desígnio e
glória, passou deste mundo para o Pai, mas desceu à morada dos mortos para lhes
explicitar a redenção prometida e oferecida, confortou os discípulos com a
novidade da ressurreição, de que eles, ressuscitados com Ele, serão testemunhas
em todo o mundo por si e por seus sucessores, e subiu ao céus confiando-lhes a
sua missão apostólico-messiânica e enviou o Espírito Santo que lhes prometera.
É certo que a celebração pascal não foi inventada pelos
judeus, muito menos pelos cristãos. Já os povos antigos, como atesta Trinh Xuan
Tjhuan (A vertigem do Cosmos,
2020),
pela orientação dos megálitos, desenhos no solo e nos baixos-relevos, consideravam
os dias que antecediam o equinócio de março e os subsequentes como o tempo da
renovação da natureza pelo revestimento da terra com a verdura das ervas, o
viço dos arbustos, o vigor das árvores, a beleza das flores e a promissão de
frutos saborosos (que haviam de maturar). Os judeus
acrescentaram à festa das tendas e à das colheitas a festa da Páscoa, celebrando
a libertação, que os transportou para a noção de Deus criador. Ora, pelo renovo
da natureza nesta ocasião, por vezes tumultuoso, e pela novidade a aliança
firmada, já não no sangue dos touros ou cabritos, mas no sangue de Cristo, não
servida pelo decálogo próprio e exclusivo de Israel, mas pelo código das
bem-aventuradas de incidência interior e exterior e alcance universal como
prediziam os profetas, surge a Páscoa de Jesus, tornado pela ressurreição como
o Senhor e Messias (Cristo em grego) pelo qual e só
pelo qual temos a salvação, com a garantia segura de que, no Espírito Santo,
qual dom de Deus, se renovarão todas as coisas e de que nós estamos chamados a
cuidar.
Assim, a Igreja que foi, contra a confissão de fé petrina em Cesareia
de Filipe, instituída em Pedro, nasceu do lado aberto de Cristo, foi erigida na
ressurreição e confirmada no Pentecostes.
A partir daí, com a paz e o perdão oferecidos por Cristo,
robustecida pelo banquete sacrificial do pão e do vinho (lembrando o sacrifício de Melquisedeque), tornados corpo
e sangre de Cristo, desvalorizando totalmente os sacrifícios antigos pela sua
ineficácia e necessidade de reiteração, celebra a Páscoa de Cristo como sua
Páscoa. Fá-lo todos os dias e, sobretudo, ao domingo, o dia em que Ele ressuscitou,
o dia em que nos enviou o Espírito Santo. E celebra-a anualmente durante 50
dias – desde a ressurreição ao Pentecostes, passando pela ascensão. A passagem
de Jesus pelo mundo para redenção ou recriação do homem todo da humanidade (todo o homem e todo os homens = homens e mulheres) e da natureza chega ao seu termo no Pentecostes. É que a redenção é obra solidária
de Pai, Filho e Espírito Santo. Mas a Igreja, fazendo leitura da Boa Nova à luz
da ressurreição, une-se a todo o mistério pascal de Jesus – aclama-O na sua
entrada triunfal em Jerusalém, recebe o seu ensino no Templo, participa da Ceia
Primeira ou Última, em que Ele deu a
senha do ser cristão – o amor fraterno, como Ele fez, e a unidade em torno da
ceia e da cruz – instituiu a Eucaristia e criou o novo sacerdócio enquanto
compartilha do seu único e definitivo sacerdócio. Acompanha a oração no Getsémani,
contempla a prisão e o julgamento atrabiliário, esconjura a traição, a negação
e a ululação pela morte, contempla o percurso do Calvário, a crucifixão e morte
e vai com Ele à sepultura e lança o pregão da ressurreição.
Depois, reconfortada com a paz de Cristo ressuscitado, o mesmo
que foi crucificado como explicou aos discípulos de Emaús e mostrou a Tomé,
cheia do Espírito Santo e portadora do perdão, quer que todo o mundo celebre a Páscoa
de Cristo, que é a Páscoa da Igreja. E só pode descansar quanto tiver criado e consolidado
as condições de celebração de Páscoa santa, santificada e santificadora em todo
e por todo o mundo e ter congraçado a natureza.
Para tanto, é preciso que todos saibam que Jesus Cristo veio
ao mundo para ser o nosso único Salvador e assim o fez, dando a sua vida na
cruz por amor e para nos livrar de todos os pecados, um amor a que devemos corresponder
e estender a todos os nossos irmãos e irmãs. Temos de entender que Deus, ao entregar
ao sacrifício da cruz o seu filho amado, perdoou todos os nossos pecados. Ora,
se fomos perdoados, também temos de saber semear o perdão e doá-lo a quem dele
precisar.
Assim, a Páscoa é ensejo para repensarmos as nossas atitudes,
livrarmo-nos de comportamentos limitantes e removermos as impurezas do nosso
ser, purificando-nos com o amor do nosso Salvador em articulação com a
comunidade eclesial e tornando esta quadra algo ainda mais íntimo, em termos
pessoais, e solidário, em termos comunitários. A fé pascal é totalmente pessoal,
mas também totalmente comunitária.
A Páscoa é tempo de ver e assumir o amor de Deus por todos
nós, de lhe corresponder e o tornar extensivo e difusivo. Quem conhece o
verdadeiro significado da Páscoa conhece o verdadeiro amor de Deus por cada um
dos seus filhos e filhas e pelos e pelas que desejam ser povo da sua conquista.
O verdadeiro significado da Páscoa tem a ver com a entrega do Senhor Jesus, o
papel que desempenhou em nossa vez ao redimir todos os nossos pecados. É perdão
por inteiro, sem vestígios de passado. É recomeço, recomeço de uma vida melhor
e plena no amor de Deus.
Ao falarmos da Páscoa, focamo-nos na entrega sacrificial na
Ceia e no sacrifício cruento de Jesus na cruz. Então, Ele tornou-Se o Cordeiro
de Deus e serviu como sacrifício para que Deus perdoasse todos os pecados do
mundo, os já que haviam acontecido e os que ainda estavam por acontecer. Desde
o instante em que Jesus foi crucificado, Deus reconciliou-Se com o seu povo,
perdoou-o e amou-o com amor infindo e infinito. A Páscoa é, pois, tempo de reconciliação.
Este é o momento de celebrar a vida de Jesus. Com efeito, Ele
morreu e ressuscitou por cada um de nós. É o momento de celebrar o amor de Deus
por nós e, acima de tudo, é o momento de celebrar o dom da vida que nos foi
dado. Ele foi julgado injustamente, aceitou sofrer no Calvário e morreu,
como os ladrões, numa cruz e prometeu ao arrependido a participação no Reino.
Este é o tamanho do amor de Deus por nós, a que devemos corresponder com a vida
e tudo que apoia a vida, desde a matéria inorgânica ao bem-estar humano, sem
abuso ou excesso.
As pessoas creem na morte e ressurreição de Jesus Cristo, mas
esquecem-se de que a morte dele foi para perdoar todos os pecados. Deus fez o sacrifício
de dar seu Filho unigénito para que pudesse cada um de nós ser perdoado. Por
isso, há que aproveitar o ensejo para cada um se reconciliar com Deus, pedir o
perdão dos pecados e vivar conforme o novo mandamento.
A entrega de Jesus por Deus Pai para que Ele pudesse limpar
cada um de nossos pecados é a bênção e a graça que devemos assumir na vida pessoal
e com ela contagiar a comunidade que integramos, enfim vivendo como Ele quer e manda.
A Páscoa é o momento ideal para recomeçar a viver. Apoiando-nos
na ressurreição de Jesus Cristo, revestindo-nos com a força que Ele teve e
amando a Deus como Ele nos ama, dando testemunho público do seu amor, há que
retomar a vida e os nossos planos ajustando-os aos de Deus, com os pés a andar
sobre a terra e olhos fitos no céu, abjurando do fermento da malícia e da perversidade
e celebrando com o ázimo da pureza, da verdade, da alegria e da liberdade.
***
A Páscoa é tempo de refletir...
A Páscoa é tempo de amar...
A Páscoa é tempo de querer bem...
A Páscoa é tempo de rezar...
A Páscoa é tempo de cantar...
A Páscoa é tempo de louvar e agradecer...
A Páscoa é tempo de bendizer e abençoar…
A Páscoa é tempo de perdoar...
A Páscoa é tempo de reconciliar...
A Páscoa é tempo de recomeçar...
A Páscoa é tempo de se libertar...
A Páscoa é tempo de cuidar...
A Páscoa é tempo de viver e fazer viver...
A Páscoa é tempo de conviver...
A Páscoa é tempo de se comprometer...
2021.03.31
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário