quarta-feira, 31 de março de 2021

Páscoa de Cristo, Páscoa da Igreja, Páscoa do Mundo

 

A Semana Santa configura o que podemos chamar a Páscoa de Cristo, pela qual, no termo da sua viagem batismal e missionária da Galileia para Jerusalém, Se entregou à morte de cruz dando a vida pela redenção da humanidade pecadora, mas infinitamente amada por Deus.

O termo “Páscoa” deriva, através do latim “Pascha e do grego “Paskha(nome indeclinável), do hebraico “Pesaḥ ou Pesach(passagem sofrida), que evoca a Páscoa judaica. O nome grego “Paskha” está relacionado lexical e semanticamente com o verbo “Páskhô”, que significa padecer, sofrer, morrer, ser feliz, receber uma graça ou pensar, opinar.

Na verdade, por impulso dos chefes judaicos (sem eles o pensarem, coincidente com o desígnio do Pai), Jesus padeceu a traição da parte de um discípulo, a prisão como se fosse um malfeitor, a negação por parte do discípulo sobre quem edificou a sua Igreja, um julgamento irregular na luta contra o tempo e sem ensejo de defesa, a flagelação, a coroação de espinhos, a caminhada para o Calvário, a Crucifixão e a Morte na Cruz. Padecimento, sofrimento, dor, humilhação. Porém, consciente de que o Pai Se glorificava neste ato de entrega redentora, perpetuável no mistério do pão e do vinho tornados corpo entregue por nós e sangue derramado pela multidão em remissão dos pecados, considerou, atraindo todos a Si, estar a receber a graça da glorificação no e com o Pai, agregando a esta glorificação todos os seus seguidores na bruma do passado, na agrura do presente e na esperança sofrida e jubilosa do futuro. E, se a Páscoa judaica, em cuja celebração Jesus Se envolveu algumas vezes e que celebrou com os discípulos, evoca a antiga passagem do anjo exterminador das objeções faraónicas à libertação do povo de Israel, preservando a vida, saúde e bens essenciais dos seus filhos e os fez passar a pé enxuto o Mar Vermelho e os projetou para o deserto como longa rampa de lançamento para a terra da promissão, hemos de atinar em que o grande mensageiro do Pai, que partilha da sua vida, desígnio e glória, passou deste mundo para o Pai, mas desceu à morada dos mortos para lhes explicitar a redenção prometida e oferecida, confortou os discípulos com a novidade da ressurreição, de que eles, ressuscitados com Ele, serão testemunhas em todo o mundo por si e por seus sucessores, e subiu ao céus confiando-lhes a sua missão apostólico-messiânica e enviou o Espírito Santo que lhes prometera.  

É certo que a celebração pascal não foi inventada pelos judeus, muito menos pelos cristãos. Já os povos antigos, como atesta Trinh Xuan Tjhuan (A vertigem do Cosmos, 2020), pela orientação dos megálitos, desenhos no solo e nos baixos-relevos, consideravam os dias que antecediam o equinócio de março e os subsequentes como o tempo da renovação da natureza pelo revestimento da terra com a verdura das ervas, o viço dos arbustos, o vigor das árvores, a beleza das flores e a promissão de frutos saborosos (que haviam de maturar). Os judeus acrescentaram à festa das tendas e à das colheitas a festa da Páscoa, celebrando a libertação, que os transportou para a noção de Deus criador. Ora, pelo renovo da natureza nesta ocasião, por vezes tumultuoso, e pela novidade a aliança firmada, já não no sangue dos touros ou cabritos, mas no sangue de Cristo, não servida pelo decálogo próprio e exclusivo de Israel, mas pelo código das bem-aventuradas de incidência interior e exterior e alcance universal como prediziam os profetas, surge a Páscoa de Jesus, tornado pela ressurreição como o Senhor e Messias (Cristo em grego) pelo qual e só pelo qual temos a salvação, com a garantia segura de que, no Espírito Santo, qual dom de Deus, se renovarão todas as coisas e de que nós estamos chamados a cuidar.

Assim, a Igreja que foi, contra a confissão de fé petrina em Cesareia de Filipe, instituída em Pedro, nasceu do lado aberto de Cristo, foi erigida na ressurreição e confirmada no Pentecostes.

A partir daí, com a paz e o perdão oferecidos por Cristo, robustecida pelo banquete sacrificial do pão e do vinho (lembrando o sacrifício de Melquisedeque), tornados corpo e sangre de Cristo, desvalorizando totalmente os sacrifícios antigos pela sua ineficácia e necessidade de reiteração, celebra a Páscoa de Cristo como sua Páscoa. Fá-lo todos os dias e, sobretudo, ao domingo, o dia em que Ele ressuscitou, o dia em que nos enviou o Espírito Santo. E celebra-a anualmente durante 50 dias – desde a ressurreição ao Pentecostes, passando pela ascensão. A passagem de Jesus pelo mundo para redenção ou recriação do homem todo da humanidade (todo o homem e todo os homens = homens e mulheres) e da natureza chega ao seu termo no Pentecostes. É que a redenção é obra solidária de Pai, Filho e Espírito Santo. Mas a Igreja, fazendo leitura da Boa Nova à luz da ressurreição, une-se a todo o mistério pascal de Jesus – aclama-O na sua entrada triunfal em Jerusalém, recebe o seu ensino no Templo, participa da Ceia Primeira ou Última, em que Ele deu a senha do ser cristão – o amor fraterno, como Ele fez, e a unidade em torno da ceia e da cruz – instituiu a Eucaristia e criou o novo sacerdócio enquanto compartilha do seu único e definitivo sacerdócio. Acompanha a oração no Getsémani, contempla a prisão e o julgamento atrabiliário, esconjura a traição, a negação e a ululação pela morte, contempla o percurso do Calvário, a crucifixão e morte e vai com Ele à sepultura e lança o pregão da ressurreição.   

Depois, reconfortada com a paz de Cristo ressuscitado, o mesmo que foi crucificado como explicou aos discípulos de Emaús e mostrou a Tomé, cheia do Espírito Santo e portadora do perdão, quer que todo o mundo celebre a Páscoa de Cristo, que é a Páscoa da Igreja. E só pode descansar quanto tiver criado e consolidado as condições de celebração de Páscoa santa, santificada e santificadora em todo e por todo o mundo e ter congraçado a natureza.

Para tanto, é preciso que todos saibam que Jesus Cristo veio ao mundo para ser o nosso único Salvador e assim o fez, dando a sua vida na cruz por amor e para nos livrar de todos os pecados, um amor a que devemos corresponder e estender a todos os nossos irmãos e irmãs. Temos de entender que Deus, ao entregar ao sacrifício da cruz o seu filho amado, perdoou todos os nossos pecados. Ora, se fomos perdoados, também temos de saber semear o perdão e doá-lo a quem dele precisar.

Assim, a Páscoa é ensejo para repensarmos as nossas atitudes, livrarmo-nos de comportamentos limitantes e removermos as impurezas do nosso ser, purificando-nos com o amor do nosso Salvador em articulação com a comunidade eclesial e tornando esta quadra algo ainda mais íntimo, em termos pessoais, e solidário, em termos comunitários. A fé pascal é totalmente pessoal, mas também totalmente comunitária.

A Páscoa é tempo de ver e assumir o amor de Deus por todos nós, de lhe corresponder e o tornar extensivo e difusivo. Quem conhece o verdadeiro significado da Páscoa conhece o verdadeiro amor de Deus por cada um dos seus filhos e filhas e pelos e pelas que desejam ser povo da sua conquista. O verdadeiro significado da Páscoa tem a ver com a entrega do Senhor Jesus, o papel que desempenhou em nossa vez ao redimir todos os nossos pecados. É perdão por inteiro, sem vestígios de passado. É recomeço, recomeço de uma vida melhor e plena no amor de Deus.

Ao falarmos da Páscoa, focamo-nos na entrega sacrificial na Ceia e no sacrifício cruento de Jesus na cruz. Então, Ele tornou-Se o Cordeiro de Deus e serviu como sacrifício para que Deus perdoasse todos os pecados do mundo, os já que haviam acontecido e os que ainda estavam por acontecer. Desde o instante em que Jesus foi crucificado, Deus reconciliou-Se com o seu povo, perdoou-o e amou-o com amor infindo e infinito. A Páscoa é, pois, tempo de reconciliação.

Este é o momento de celebrar a vida de Jesus. Com efeito, Ele morreu e ressuscitou por cada um de nós. É o momento de celebrar o amor de Deus por nós e, acima de tudo, é o momento de celebrar o dom da vida que nos foi dado. Ele foi julgado injustamente, aceitou sofrer no Calvário e morreu, como os ladrões, numa cruz e prometeu ao arrependido a participação no Reino. Este é o tamanho do amor de Deus por nós, a que devemos corresponder com a vida e tudo que apoia a vida, desde a matéria inorgânica ao bem-estar humano, sem abuso ou excesso.

As pessoas creem na morte e ressurreição de Jesus Cristo, mas esquecem-se de que a morte dele foi para perdoar todos os pecados. Deus fez o sacrifício de dar seu Filho unigénito para que pudesse cada um de nós ser perdoado. Por isso, há que aproveitar o ensejo para cada um se reconciliar com Deus, pedir o perdão dos pecados e vivar conforme o novo mandamento.

A entrega de Jesus por Deus Pai para que Ele pudesse limpar cada um de nossos pecados é a bênção e a graça que devemos assumir na vida pessoal e com ela contagiar a comunidade que integramos, enfim vivendo como Ele quer e manda.

A Páscoa é o momento ideal para recomeçar a viver. Apoiando-nos na ressurreição de Jesus Cristo, revestindo-nos com a força que Ele teve e amando a Deus como Ele nos ama, dando testemunho público do seu amor, há que retomar a vida e os nossos planos ajustando-os aos de Deus, com os pés a andar sobre a terra e olhos fitos no céu, abjurando do fermento da malícia e da perversidade e celebrando com o ázimo da pureza, da verdade, da alegria e da liberdade.

***

A Páscoa é tempo de refletir...

A Páscoa é tempo de amar...

A Páscoa é tempo de querer bem...

A Páscoa é tempo de rezar...

A Páscoa é tempo de cantar...

A Páscoa é tempo de louvar e agradecer...

A Páscoa é tempo de bendizer e abençoar…

A Páscoa é tempo de perdoar...

A Páscoa é tempo de reconciliar...

A Páscoa é tempo de recomeçar...

A Páscoa é tempo de se libertar...

A Páscoa é tempo de cuidar...

A Páscoa é tempo de viver e fazer viver...

A Páscoa é tempo de conviver...

A Páscoa é tempo de se comprometer...

2021.03.31 – Louro de Carvalho

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