Após a
tomada de posse para o segundo mandato presidencial, a 9 de março, que a
Assembleia da República testemunhou, Marcelo Rebelo de Sousa participou numa
cerimónia de caráter inter-religioso, no Salão Nobre dos Paços do Município do
Porto, com a presença de líderes e representantes de mais de uma dúzia de
confissões religiosas presentes e atuantes em Portugal.
Aí o
Presidente da República apelou a que, “em
salutar diálogo e convergência de propósitos, tudo façamos para defender a
liberdade, a tolerância e a compreensão mútua, num tempo em que é tão sedutor
dividir e catalogar, encontrar bodes expiatórios, acusar sem fundamento,
marginalizar sem humanidade”.
Paralelamente
disse que Portugal agradece o contributo dos líderes religiosos ao longo de um
ano de pandemia, contributo “dado a milhares e milhares de Portugal”. E
sustentou que o país lhes pede “um novo contributo por palavras e por obras
para a pacificação dos espíritos, a aceitação do diferente, a aceitação do diverso,
a aceitação do estranho”.
Esta
cerimónia no Porto integrou-se na segunda parte do programa do dia da tomada de
posse. Marcelo chegou cerca das 13,45 horas, surpreendido por uma manifestação
de trabalhadores da Groundforce no aeroporto Francisco Sá Carneiro. E aos Paços
do Concelho, na Avenida dos Aliados, chegou às 14,30 horas, tendo sido recebido
pelo Presidente da Câmara Municipal com o qual entrou no edifício, mas não sem
antes acenar as poucas pessoas que o aguardavam à porta. Depois, esteve reunido
com o autarca em sessão à porta fechada, que durou cerca de uma hora, tendo-se
seguido a cerimónia inter-religiosa.
Já no
exterior, perante os vários representantes religiosos e o Ministro de Estado e
dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, o Chefe de Estado começou por
agradecer a receção de Rui Moreira no Porto, apontando que “Portugal está
presente no Porto através do Presidente da República Portuguesa, assinalando a
história, cultura, e força do Porto e das suas gentes”.
Num discurso
marcado por duas palavras-chave, “gratidão” e “apelo”, o Presidente recordou
que, há 5 anos, fez uma sessão semelhante em Lisboa com vários credos religiosos
e que agora repetia o “singelo encontro” como “um sinal dado aos portugueses
daquilo que os deve unir, o respeito da liberdade e, portanto, da diversidade”.
E vincou:
“É no pluralismo que carateriza uma sociedade livre, uma sociedade
aberta, uma sociedade democrática, que é consagrada e floresce a liberdades
religiosa, que são consagradas e florescem todas as liberdades, todos os
direitos fundamentais”.
E enfatizou
a postura do Porto na luta pela liberdade:
“Um sinal dado não em Lisboa, mas no Porto, coração da luta pela
liberdade há 200 anos para que [se] entenda bem que o espírito ecuménico, o
espírito da abertura, o espírito da tolerância, o espírito do respeito dos
demais, é um espírito nacional e deve ser nacional. A todos importa sem exceção
porque importa a Portugal e aos Portugueses.”.
O Chefe de
Estado agradeceu aos representantes das várias religiões o que Portugal lhes
deve na educação, saúde, solidariedade social, na resistência às crises e no
combate à pandemia, frisando que “este ano doloroso para todos os portugueses
seria outro sem o contributo”, destes.
E, como tinha realizado, em 2016, também no dia da tomada de posse,
uma cerimónia inter-religiosa na Mesquita de Lisboa, o Presidente da República,
dirigiu-se, a seguir, para o Centro Cultural Islâmico do Porto, onde descerrou
uma placa evocativa da visita e, antes da sua intervenção, ouviu a recitação,
em árabe, do capítulo de abertura do Corão.
Além da oração e do discurso de Marcelo, a reunião no Salão
Nobre do Município contou com a intervenção do Presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa (CEP).
No seu discurso, Dom José Ornelas, Bispo de Setúbal e Presidente
da CEP, que também assistiu à cerimónia protocolar da tomada de posse em São
Bento, disse no Porto que “seria
altamente perigoso ter um Estado que ignorasse ou hostilizasse” as confissões
religiosas.
Para Dom
José Ornelas, “isso significaria negar os direitos humanos básicos, mas, mais
ainda, perder a memória da história que moldou as nossas culturas, o
pensamento, a arte, o bem-fazer, bem como reduzir e privar o futuro de uma
dimensão espiritual capaz de integrar valores universais, humanizadores e
inspiradores de bem-pensar, operar e projetar”. Por isso, vincou:
“Creio na vantagem de termos um estado não confessional, que seja aberto
à diversidade de formas religiosas presentes no país e que não tira nada à
importância da fé de cada um, mas acho que seria altamente perigoso ter um
Estado que ignorasse ou, pior ainda, que hostilizasse a manifestação dessa
dimensão fundamental do ser humano e da sua justa expressão na sociedade”.
O Presidente
da CEP começou a sua intervenção com palavras de agradecimento a Marcelo Rebelo
de Sousa por, no dia em que toma posse do segundo mandato, se reunir na cidade
do Porto com as autoridades da cidade e representantes das diversas confissões
religiosas, frisando:
“Felicito e agradeço este gesto que interpreto como fruto de uma leitura
atenta da Constituição e do ordenamento legal do nosso país, mas igualmente
como uma visão humanista e aberta da sociedade do mundo, onde encontram a
expressão e dão o seu contributo as diferentes culturas, correntes de
pensamento e de espiritualidade que têm inspirado a vida e os valores do nosso
país e do planeta e que devem a continuar a integrar a construção do seu futuro”.
O também
Bispo da Diocese de Setúbal alertou, depois, para a necessidade de, em relação
à ciência e aos avanços tecnológicos, se “encontrar convergência de valores e
objetivos num equivalente desenvolvimento da ética, do direito, da justiça, da
solidariedade, da cultura e da espiritualidade”, sendo deste modo que “se
poderá evitar a instrumentalização egoísta dos poderosos meios de que dispomos,
sem respeito pela Humanidade no seu todo e pelo planeta que habitamos”, pois a
visão espiritual do Homem na sua dignidade, origem e destino, “tem de estar bem
presente na construção da sociedade para que se evitem erros do passado e que
os meios formidáveis de que dispomos sejam utilizados para combater
fragilidades e proporcionar uma vida digna a todos os habitantes da Terra, casa
comum da Humanidade”.
Por outro
lado, Dom José Ornelas, rejeitando a manipulação do sentido de pátria e
religião por pessoas e grupos extremistas, assumiu – “num mundo de crescentes tensões e violências, onde pessoas e
grupos extremistas manipulam princípios importantes e fundamentais, como o
sentido de pátria, como o sentido religioso, e os colocam ao serviço de
ideologias e projetos que realmente os negam e aviltam” – a importância de estarmos unidos “para afirmar que a
violência não é compatível com a expressão da fé, mas a sua negação com a
expressão da pátria e do seu progresso na evolução da Humanidade”. E afirmou:
“A nossa presença aqui quer significar o nosso compromisso na construção
da solidariedade e da paz a partir da fé que cada um de nós professa. A
inspiração da fé não tira a pessoa o compromisso na construção da cidade, da
sua história. Pelo contrário, tem sido ao longo da história motivo de
compromisso, de cultura, de esperança e sobretudo de atenção aos mais frágeis,
precisamente, porque Aquele que deu origem a este mundo é sempre visto como o
Senhor da compaixão e da paz.”.
Em suma, o
Presidente da República faz questão de, em nome da liberdade, fazer a cruzada
da tolerância e da inclusão e salientar o papel das religiões na pacificação da
sociedade e no desenvolvimento sustentável sobretudo ao nível da relação
intergeracional e na atenção aos mais necessitados a nível de saúde, educação,
cultura e apoio. E o presidente da CEP realça a vertente humanista e aberta na
leitura presidencial da Constituição, reconhece o dever/papel das religiões na
construção/reconstrução das sociedades, saúda a aconfessionalidade do Estado e
apela à sua abertura à diversidade e ao contributo das religiões na atenção
àquilo que elas podem dar.
O Bispo de Setúbal sublinhou a necessidade de “combater
fragilidades e proporcionar uma vida digna a todos”, com o contributo de uma “visão
espiritual” do ser humano; deixou votos para que – através do serviço das
religiões, em colaboração com as instituições do Governo e da sociedade, e em
solidariedade com o mundo, nas suas conquistas e nos seus dramas – o país vença
a pandemia e todos os vírus que “nos dividem e destroem”; e fez ressaltar
que a presença dos vários responsáveis religiosos mostra um “compromisso na
construção da solidariedade e da paz, a partir da fé que cada um professa”.
Mais uma vez as
diversas Confissões Religiosas souberam dizer “Presente!”.
2021.03.10 – Louro de Carvalho
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