Por solicitação
do Governo, o Conselho
Nacional de Educação (CNE) debruçou-se
sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e, depois de analisar em pormenor as componentes diretamente relacionadas
com a educação e a formação no PRR, que investirá em diversas áreas nos
próximos anos, apresentou um parecer com uma soma de 14 recomendações (algumas com
várias alíneas), frisando
que “importa concretizar uma visão
integrada que possa ser traduzida num plano de ação que contemple o contributo
dos diferentes instrumentos financeiros”.
Aponta o órgão de consulta em matéria de política
educativa a ausência da atenção à falta de professores e quer um plano
estratégico, com visão articulada e operacionalização concertada.
A estrutura do documento abrange: visão
integrada da educação e formação, de capital humano e de I&D; contextualização; apreciação do
documento; e recomendações.
***
Visão
integrada da educação e formação, de capital humano e de I&D
No âmbito da visão, o CNE frisa que o país pode
aceder a envelope financeiro sem precedentes que atingirá os 50 mil milhões de Euros (M€)
em subvenções a que poderão somar-se cerca de 14,2 M€ em empréstimos, podendo
originar “uma elevação de investimento público e para-público excecional a
diversos títulos, quantitativos e qualitativos, a que só se poderá responder
satisfatoriamente com o reforço da capacidade da Administração Pública para
planear e organizar operacionalmente o lançamento da execução, do
acompanhamento e da avaliação de resultados de uma grande panóplia de processos
inovatórios”. Ora isto postula um plano integrado, devidamente estruturado e
calendarizado quanto a objetivos e indicadores, missões preparatórias e
executivas planeadas, recursos financeiros e humanos afetos às diferentes
missões, articulação de responsabilidades e seu modo de escrutínio. Trata-se de
instalar no terreno, o mais rapidamente possível, uma Administração Pública, em
sentido lato, adequada à sustentação das responsabilidades do Estado,
designadamente na educação e formação, capital humano e I&D, uma das mais
decisivas áreas de políticas públicas consideradas garantes de prosperidade e
bem-estar a médio/longo prazo. Pela primeira vez, Portugal afetará à Educação e
Formação, ao Capital Humano e à Investigação e Desenvolvimento os recursos
financeiros suficientes para lhes dar o lugar prioritário estratégico que têm
na transformação do país a médio e longo prazo, dependendo o resultado “da
forma, profundidade, coerência e ambição da visão operacional, política e
técnica” presidirem à efetivação desse desiderato.
Constitui “a Estratégia Portugal
2030” o referencial para a aplicação dos vários instrumentos de política a adotar
no futuro próximo, de que se destacam o Quadro Financeiro Plurianual (Portugal
2030) e o Next Generation EU (instrumento
europeu temporário onde
se inserem os PRR nacionais),
concebidos para impulsionar a recuperação económica e social face aos danos causados
pela pandemia. E, não sendo o PRR o único nem o mais importante instrumento de
intervenção de investimento estrutural à disposição Governo, carece de
articulação e apreciação conjugada com o Portugal 2030, mas cujos
objetivos, metas, estruturas de afetação de recursos não estão ainda definidos.
Porém, é lógico que formassem o esteio principal da Visão Integrada da Educação
e Formação, Capital Humano e da Investigação e Desenvolvimento a Médio/Longo
Prazo.
***
Contextualização
A este nível, o CNE vê no PRR três
dimensões: resiliência, transição climática e transição digital, concretizáveis
em componentes, que integram as reformas e os investimentos.
As componentes mais diretamente conexas
com a educação e formação são: investimento e inovação; qualificações e
competências, na dimensão resiliência; e escola digital, na dimensão transição
digital. Por outro lado, o PRR enquadra-se nos pilares relevantes de política
comunitária do IRR (Instrumento de Recuperação e
Resiliência):
transição verde; transformação digital; crescimento inteligente, sustentável e
inclusivo (incluindo coesão económica, emprego, produtividade,
competitividade, investigação, desenvolvimento e inovação, e um mercado único
em bom funcionamento com pequenas e médias empresas fortes); coesão social e territorial; saúde
e resiliência económica, social e institucional (inclusive com
vista ao aumento da capacidade de reação e preparação para crises); e políticas para a próxima
geração, crianças e jovens, incluindo educação e qualificações. E a Educação e a
Formação, além da intervenção nas componentes referidas, têm potencial de
contribuição noutras componentes. Por outro lado, os objetivos a atingir pela
operacionalização do PRR enquadram-se na Estratégia Portugal 2030 e
articulam-se com os vários instrumentos de política, como os ODS (Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável)
das Nações Unidas, com o Quadro Financeiro Plurianual e instrumentos setoriais
como o Programa de Valorização do
Interior. Assim, apesar de as questões relativas à educação e formação de
adultos e ao ensino profissional, estarem claramente enunciadas na componente “qualificações
e competências, da dimensão resiliência”, o seu alcance só será compreendido se
se conjugarem e potenciarem as diversas dimensões e componentes do PRR.
O CNE tem produzido reflexão
abundante sobre várias questões inscritas no PRR considerando positivos os seus
objetivos e linhas de atuação, mas indica alguns aspetos a merecer maior
clarificação ou aprofundamento. Assim, o PRR considera:
“A dimensão resiliência concentra 61% do
montante global do PRR e reflete a forte prioridade atribuída ao robustecimento
da resiliência do país. O reforço da resiliência económica, social e
territorial do país assume particular relevância enquanto resposta de primeira
linha na transição da estabilização económica e social para a recuperação.”.
Ora, sendo a educação uma
dimensão transversal a toda a realidade social, é fundamental considerar que o
investimento nela se refletirá em cada uma das três prioridades da dimensão
resiliência: redução das vulnerabilidades sociais, direcionando a sua ação para
as pessoas e suas competências; reforço do potencial produtivo nacional, procurando
garantir condições de sustentabilidade e competitividade do tecido empresarial;
ambição de assegurar um território competitivo e coeso num contexto de
adaptação às transições em curso – transição climática e digital. Isto, sem desprimor
para o impacto da educação e formação nas dimensões de transição digital e de
transição climática.
***
Apreciação
do documento
No quadro da apreciação do documento, a nível geral, o CNE reconhece a
importância do PRR na resposta às necessidades de reforma estrutural e de
recuperação da economia e da sociedade, mas assinala aspetos omissos ou não bem
explicitados que parecem de particular relevância. Por exemplo, não prevê medidas
de educação ambiental no âmbito da transição climática, quando o CNE tem
defendido a implementação de estratégias que permitam “favorecer uma lógica de
“educação ambiental permanente”, ao longo da vida, a integrar em espaços de
educação formal e não formal, reconhecendo que a dimensão da transformação
social que tem de se produzir neste momento exige uma profunda mudança
atitudinal, de políticas e de práticas, a todos os níveis societais (do
governo às empresas e escolas)
e envolvendo todas as pessoas, com especial ênfase nas gerações de adultos. E não
prevê linhas aplicáveis à Educação para o Risco, já que “vivemos numa sociedade
que é sistematicamente confrontada com notícias sobre a presença do risco,
desde os naturais aos resultantes da ação humana, que se interligam.
No que se refere à formação de
professores, o PRR prevê algumas medidas, mas que são essencialmente dirigidas
para a tecnologia digital e aspetos conexos. E não é equacionada a
possibilidade de dentro de alguns anos o país ser confrontado com a falta de
professores e as dificuldades que daí resultarão. Com efeito, os dados
referentes ao ingresso no ensino superior dos últimos anos revelam progressiva diminuição
da procura dos cursos da área da educação, com o consequente decréscimo da oferta,
sem que sejam preenchidas todas as vagas a concurso. Por isso, realça-se a
urgência da adoção de medidas que tornem a profissão docente atraente e
valorizada pela sociedade e a necessidade de se proceder a uma reestruturação
dos cursos de formação inicial, pois a formação de docentes, quer inicial, quer
contínua, é fundamental na transformação no processo educativo e pedagógico.
As medidas relativas à educação dispersas
ao longo do PRR deveriam ser enquadradas numa visão estratégica, suportada não
só em critérios económicos, mas essencialmente num modelo que permita assegurar
uma educação para todos, de qualidade e ao longo da vida.
Depois, a apreciação incide sobre
alguns aspetos específicos. Assim:
Em termos da transição digital, o parecer refere que o contexto pandémico e a
necessidade de as escolas recorrerem ao ensino remoto de emergência
evidenciaram fragilidades e reforçaram a necessidade duma intervenção
estratégica. Assim, afigura-se da maior pertinência a integração do desenvolvimento
de competências em tecnologias digitais no PRR.
Ao nível da eficiência energética, aponta-se que a única referência às
instituições de ensino é a previsão do financiamento promovido pelo Fundo
Ambiental a uma “significativa vaga de renovação energética de edifícios da
administração pública central e de instituições de ensino” (de
todos os níveis, incluindo superior),
fomentando “a eficiência energética e de recursos” e reforçando “a produção de
energia de fontes renováveis em regime de autoconsumo”.
No âmbito da saúde e bem-estar e quanto à reforma dos Cuidados de Saúde
Primários, o PRR apenas refere de forma genérica a “promoção da saúde e de
estilos de vida saudáveis”, não estabelecendo a necessária articulação com o setor
da educação (em todos os níveis de ensino) e com o papel da educação na
promoção da saúde. Ora, as iniciativas locais e de base territorial, as
associações recreativas, as entidades de animação comunitária, as universidades
seniores e outras são respostas para a população adulta de idade avançada e permitem
fomentar redes sobretudo informais (grupos de pares, de
vizinhos) de
proteção social, sobretudo das pessoas mais vulneráveis, além da dimensão de
educação de adultos.
No quadro da educação de infância, o PRR prevê o incremento da capacidade de
resposta em creche, sobretudo nos territórios com níveis de cobertura mais
baixos, adaptando-a às necessidades das famílias e das realidades laborais. Ora,
apesar do investimento feito nesta área, quando se analisa a evolução das taxas
de cobertura e de utilização no Continente, emerge a existência de fortes
assimetrias territoriais relativamente à distribuição das respostas sociais e
às necessidades efetivas destes serviços.
No âmbito da educação de adultos subsistem várias fragilidades a que o PRR não
responde.
No capítulo do ensino e formação profissional, o CNE chama
a atenção para a importância de as escolas e centros de formação disporem das
condições necessárias e conhecerem os critérios para procederem ao recrutamento
dos formadores adequados a cada área de educação e formação, sobretudo na componente
tecnológica, para lá do investimento em infraestruturas e equipamentos. E considera que o PRR deve criar
as condições para: constante coordenação e planeamento das ofertas; informação
acessível a todos, completa, atempada e atualizada sobre as diversas ofertas de
cursos de dupla certificação; efetiva orientação escolar e vocacional; maior
permeabilidade entre as diferentes vias do ensino secundário; maior valorização
dos cursos de dupla certificação, passando pela remoção de obstáculos à
continuidade dos estudos e pela existência de ofertas mais prestigiantes de
ensino profissional.
No ensino superior, o CNE considera as medidas relativas a este ensino
genericamente positivas e correspondendo, na sua maioria, ao prolongamento de
objetivos atuais. Mas alerta para a necessidade de investimento nos meios
adequados ao ensino híbrido (presencial e à distância). E diz que é necessário prever,
para lá das agendas mobilizadoras, um programa específico para financiamento
das atividades de investigação, competitivo, transversal e aberto a todas as
áreas científicas, com critérios de avaliação associados à qualidade científica
dos projetos. O PRR pode ser instrumento poderoso de criação das condições dum
desenvolvimento descentralizado, que assegure a coesão nacional e a igualdade
de oportunidades em todo o território nacional. Por isso, deve acolher um
programa de apoio ao desenvolvimento duma rede de sistemas de inovação
regional, dinamizada pelas instituições de ensino superior em articulação com
entidades locais, regionais e nacionais.
***
Recomendações
No atinente às recomendações,
o CNE propõe (regista-se
o conteúdo condensado):
1. Elaboração e publicação (até
à aprovação do Quadro Financeiro Plurianual) da Visão Integrada da Estratégia de Educação e
Formação, de Capital Humano e de Investigação e Desenvolvimento.
2. Tradução da Visão Integrada num
Plano de Ação que enquadre a aplicação dos recursos do PRR, do Quadro
Financeiro Plurianual, do Orçamento de Estado e de outras eventuais fontes de
financiamento.
3. Elaboração dum plano estratégico
que apoie a concretização das competências previstas no Perfil do Aluno à Saída
da Escolaridade Obrigatória, incluindo, de modo articulado: aumento da oferta
educativa para a faixa etária dos 0 aos 3 e da sua intencionalidade educativa,
prevendo metas de cobertura a atingir; adaptação dos currículos e das formas de
ensino aos novos paradigmas da sociedade do conhecimento e da informação, o que
remete para a importância de a Reforma Digital perspetivar a produção de novos
conteúdos numa ótica de conceção inicial de design
dum produto digital, articulada com a formação e acompanhamento técnico e
pedagógico dos professores; integração vertical de prioridades educativas
previstas no PRR e o seu enraizamento na prática escolar que inclua (i) a promoção do ensino-aprendizagem em
áreas STEAM em todas as escolas dos ensinos básico e secundário,
apetrechando-as com os recursos base, assim como o acompanhamento e apoios
pedagógicos necessários para o seu uso efetivo, (ii) a valorização curricular das dimensões criativa e artística,
humanista e desportiva, essenciais para a qualidade de vida e bem-estar humanos
e (iii) o desenvolvimento de
competências digitais enquadradas numa formação crítica, criativa e responsável
do seu uso.
4. A articulação da formação
inicial e contínua de professores com o predito plano estratégico,
considerando: a promoção da atratividade e da valorização social da profissão
docente; a reorganização da formação inicial de professores de modo a responder
à necessidade de novos professores face ao elevado número de aposentações nos
próximos anos; o desenvolvimento dum programa de formação contínua, não
limitado ao desenvolvimento de competências tecnológicas, mas alicerçado numa
formação e acompanhamento em contexto de trabalho.
5. Medidas de desenvolvimento de
competências digitais para encarregados de educação.
6. Definição e publicitação de
cenários de equipamento e de infraestruturas tecnológicas para diferentes graus
de avanço da digitalização, a título de modelos de referência para efeitos de
planeamento do investimento escolar.
7. Inclusão das instituições de
ensino superior como alvo do investimento na dimensão de Transição
Digital/Escola Digital.
8. Incentivo à promoção da
elaboração de materiais de apoio ao ensino e formação, constituindo repositórios
de materiais de apoio a processos de ensino a distância, híbrido ou misto.
9. Reequacionamento do modelo de
formação profissional numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida e
criação do crédito individual de formação ao longo da vida.
10. Reforço da dimensão de
informação e orientação escolar, vocacional e profissional, especialmente ao
longo do 3.º ciclo do ensino básico.
11. Inclusão da dimensão de formação
de jovens e adultos na dimensão da transição climática, visando a compreensão,
a sensibilização e o desenvolvimento de atitudes que contribuam para o processo
de preservação ambiental.
12. Consideração, na dimensão de
resiliência, no âmbito da saúde e bem-estar, do papel da atividade criativa e
artística, humanista e desportiva, em particular para jovens e seniores, e do
apoio a associações locais para na promoção de um envelhecimento ativo.
13. Promoção da coesão social,
através de medidas ou programas de combate às desigualdades.
14. Apoio ao desenvolvimento de uma
rede de sistemas de inovação regional.
A questão é – aponta o CNE – se dispomos
já de definição suficientemente trabalhada e preparada desta visão do PRR.
Terá o Governo ponderado, com
suficiência, este contributo do poderoso órgão de consulta em matéria de política
educativa e melhorado, nesta ótica, o documento a apresentar a Bruxelas e a
levar à prática em Portugal?
2021.03.15 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário