sábado, 27 de março de 2021

Dia Mundial do Teatro pela segunda vez em contexto de confinamento

 

O Dia Mundial do Teatro, efeméride criada, em 1961, pelo Instituto Internacional do Teatro, no âmbito da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e que se assinala a 27 de março, visa a promoção direta das artes de palco. Foi assinalado pela primeira vez em 1962, com uma mensagem do dramaturgo francês Jean Cocteau. Desta vez, a mensagem é assinada pela atriz britânica Helen Mirren, que elogia a “resiliência dos profissionais das artes e a capacidade de sobreviverem à pandemia com sagacidade e coragem”.

Este ano, à semelhança do ano passado, o 60.º Dia Mundial do Teatro decorre sob o signo da resistência à pandemia, sublinhando-se “a sagacidade e coragem” dos profissionais, agora sem a síndrome da inesperada paralisação de 2020.

Pelo segundo ano consecutivo, as salas de espetáculo não poderão abrir-se para o dia comemorativo do teatro por causa do confinamento resultante da pandemia de covid-19, mas fizeram-se ensaios para estreias e transmissões em streaming, sem público presente nem aplausos. Apesar das portas fechadas, entre ensaios e streaming, há muita atividade, sendo a data assinalada por estruturas teatrais em todo o país.

Mesmo em tempo de pandemia e com Estado de Emergência vigente, os principais teatros nacionais não quiseram deixar passar a data em branco e prepararam uma programação especial, que pode ser visto online.

Assim, no Teatro Nacional de São João (TNSJ),o programa começou às 9 horas, com a Oficina de Páscoa no Teatro, sob a orientação de Marta Freitas, para jovens entre os 10 e os 13 anos, decorrendo a oficina até 1 de abril e com um custo de 40 euros.

A oferta continua com a exibição das peças “À Espera de Godot e “O Balcão”, produções próprias do TNSJ. “À Espera de Godot”, que  teve apresentação única em live streaming, no dia que assinalou o fim das celebrações do Centenário do São João, conta com encenação de Gábor Tompa e interpretação do elenco “quase” residente do TNSJ e está disponível para visualização a partir das 21 horas de 26 de março a 4 de abril, podendo o bilhete ser adquirido online por 2€.

A programação conta ainda com o projeto “E se Gil Vicente passasse na Netflix?”, do Clube de Teatro Sub-18 do Centro Educativo, bem como com o projeto “Todos os que Falam”, uma série de entrevistas com quem conhece, pensa e faz teatro. E o destaque para o lançamento do terceiro volume dos “Cadernos do Centenário”, através da publicação do ebook “Teatro Visual: 100 Anos de Objetos Gráficos, de Francisco Laranjo.

O Teatro Municipal do Porto – Teatro Campo Alegre opta pelo espetáculo “Paisagem, a mais recente criação de Paula Diogo e Tónan Quito, com o coletivo brasileiro “Foguetes Maravilha”, e “Passos em volta, espetáculo da Companhia João Garcia Miguel, criado a partir de textos de Herberto Helder. No dia 27, o Teatro de Campo Alegre promove ainda um encontro com João Garcia Miguel, Tónan Quito, Stella Rabelo e Eduardo Neves, transmitido na página do teatro no Facebook.

Em Lisboa, sobressai, com acesso gratuito, a programação do Teatro D. Maria II, que transmite, na página do Facebook, a partir das 10 horas,  “Os Lusíadas Como Nunca Os Ouviu”. Ao longo de 10 horas, “Os Lusíadas” serão ditos na íntegra, numa iniciativa a cargo do ator António Fonseca, o ator que ousou dizer o poema épico. Segue-se o espetáculo “By Heart, de Tiago Rodrigues, estreado em 2013, em Lisboa, e em que o autor ensina um poema a 10 pessoas que nunca viram o espetáculo e não sabem que poema vão aprender de cor à frente do público. Enquanto os ensina, Tiago Rodrigues desfia histórias sobre a avó quase-cega misturadas com histórias sobre escritores e personagens de livros que, de algum modo, estão ligados à sua avó e a ele próprio.

Na Sala Online do D. Maria II, de 26 de março a 9 de abril, está “Teatro, de Pascal Rambert e, em cena até 2 de abril, “Jaguar, de Marlene Monteiro Freitas, espetáculos com o custo de 3€.

A Salinha Online do D. Maria II, com acesso gratuito, oferece aos mais pequenos 20 histórias pensadas para a infância e realizado por atores a partir das suas casas e os espetáculos “Onde é a Guerra? e “Juro que é Mentira, de Catarina Requeijo.

Tiago Rodrigues, diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II,  define este Dia Mundial do Teatro como “uma espécie do daqui a pouco já nos vamos encontrar”, na expectativa de reabertura a 19 de abril, segundo o “plano de desconfinamento” definido pelo Governo.

No S. Luiz Teatro Municipal, em Lisboa, a efeméride é assinalada, nos dias 27 e 28, com a transmissão online de nova edição de “Estar em casa”, com curadoria de Anabela Mota Ribeiro e André de Mendonça Escoto Teodósio. A partir das palavras “invadir”, “sarar” e “unir”, como disse fonte do teatro à Lusa, o programa conta com espetáculos, conversas, performances, visitas guiadas, aulas em casa, cinema, consultórios astrológicos e muito mais.

O Cerejal”, de Anton Tchekhov com encenação de Sandra Faleiro, e “Os Filhos do Mal, de Hotel Europa, frente a frente com o impacto da ditadura através de gerações, uma oficina de Os Sapatos do Sr. LuizVamos Comprar um Poeta, do Plano Comensal de Leitura, e “Se eu fosse Nina”, de Rita Calçada Bastos, são espetáculos em transmissão pelo S. Luiz a marcar o dia.

No Teatro Ibérico, a efeméride não é assinalada e a reabertura ocorre apenas no início de maio, uma vez que o teatro esteve em obras.

A companhia Cão Solteiro lembra o Dia Mundial do Teatro com a transmissão online de “Azul Vermelho, Azul Manteiga”, a primeira peça infantil criada pela companhia para o Teatro Luís de Camões LU.CA, numa produção com A Oficina.

Ainda em Lisboa, é de destacar a iniciativa da Freguesia de Santo António, que assinala a data com nova toponímia, renomeando as suas ruas com nomes de vários artistas portugueses ligados a esta arte. Por exemplo, a Avenida da Liberdade, será renomeada como “Casa do Artista – Apoiarte”, a dar visibilidade a esta causa; Largo do Rato – Largo Ivone Silva; Parque Mayer – Largo António Cordeiro; Rua Alexandre Herculano – Rua José Raposo; Rua Alexandre Herculano (2-44 e 1-33)Rua Diogo Morgado; Rua Castilho (1-75)Rua Amália Rodrigues; Rua Gustavo de Matos Sequeira – Rua João Baião; Alameda de Santo António dos Capuchos – Alameda Carlos Quintas; Alto do Penalva – Alto Simone de Oliveira; Arco do Evaristo – Arco Filipe La Féria. Ao todo são renomeadas 130 ruas da freguesia, com uma toponímia especial colocada abaixo das placas já existentes. Os novos nomes não substituem os atuais, pretendendo ser apenas uma forma de homenagear os nossos artistas durante uma semana. O trabalho foi realizado na noite de 26 de março.

A companhia teatromosca, para assinalar a data, escolheu “Hamlet cancelado, de Flavio Tonnetti e Vinicius Piedade, que transmite a partir do Brasil, no dia 27. Um figurante da que seria a maior produção da tragédia de Shakespeare já alguma vez feita, não conformado com o cancelamento, avança sozinho, usando fragmentos dos textos originais, pedaços dos cenários e retalhos dos figurinos. A peça poderá ser vista no Youtube (21 horas), a partir da casa do ator e encenador brasileiro Vinicius Piedade, em São Paulo.

Nos Artistas Unidos, companhia dirigida por Jorge Silva Melo, o tempo é de ensaios para a peça “Birdland, de Simon Stephens. Interpretada por João Pedro Mamede e Rita Rocha da Silva, a peça estrear-se-á a 19 de abril, data que Jorge Silva Melo define como o Dia Nacional dos Teatros de Porta Aberta.

O Bando marca a efeméride com a divulgação dum vídeo com excertos de espetáculos que tem feito desde que tem sede em Palmela. Divulga a estreia das duas peças que se encontram em ensaios: “Porta, de Gonçalo Manuel de Albuquerque Tavares, e “Futebol, criação conjunta com o Teatro Regional da Serra de Montemuro.

O espetáculo “Fake”, de Inês Barahona e Miguel Fragata, é transmitido pelo canal do Fórum Municipal Luísa Todi, Setúbal. A peça “Humidade é transmitida pela Companhia de Teatro de Braga e o Teatro Art’Imagem, também online, mostra “Primavera do teatro, enquanto o Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana transmite a leitura da mensagem internacional do Dia Mundial do Teatro (que traduziu), este ano, como se disse, assinada pela atriz Helen Mirren, e o espetáculo “Palhaço verde, encenação de Graeme Pulleyn do texto de Matilde Rosa Araújo.

A Companhia Mascarenhas-Martins também oferece uma leitura encenada da mensagem do Instituto Internacional de Teatro, no Facebook do Cinema-Teatro Joaquim d’Almeida, assim como o ator, encenador e dramaturgo Ricardo Neves-Neves, no Facebook do Cineteatro Louletano.

Iniciativa diferente tem o Teatro Experimental de Cascais que, no dia 27, marca a atribuição do nome de Carmen Dolores a uma rua da localidade, numa homenagem à atriz que morreu a 16 de fevereiro passado, aos 96 anos.

O Teatro Viriato, em Viseu, estreia “Senso, criação do ator e encenador Jorge Fraga, a partir das peças didáticas de Bertolt Brecht – “O voo sobre o oceano”, “Baden-Baden sobre o acordo”, “A decisão”, “Aquele que diz sim e aquele que diz não”, “A exceção e a regra(a única peça didática de Brecht que se destina ao teatro) e “Os horácios e os curiácios” – em live streamin, a partir das 21,30 horas.

Palavras em Palco – Um Caminho para Caryl Churchill”, pelo Teatro Aberto fica online até dia 4 de Abril no “site” da companhia.

O Assédio Teatro estreia online “Língua de Cão e Litania, de Francisco Luís Parreira, com encenação de João Cardoso, que fica disponível até 11 de abril.

A associação Materiais Diversos oferece “Futuricidade, pela coreógrafa Marta Tomé, em colaboração com o investigador Rui Matoso, com transmissão em direto no Facebook, a partir das 18 horas.

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Sobre “Os Lusíadas Como Nunca Os Ouviu”, é de referir que, a 29 de novembro de 2016, o ator António Fonseca, que decorou “Os Lusíadas”, dizia:

Acho que, para algumas pessoas, é possível reconciliarem-se com o passado ou com esse complexo de culpa de dizerem que não gostavam ou não entendiam o texto”.

Naquele dia, apresentou, no Teatro São Luiz, em Lisboa, o audiolivro com a interpretação integral de “Os Lusíadas”, a epopeia de Luís Vaz de Camões, em edição participada por comunidades lusófonas espalhadas pelo mundo.

O audiolivro “Os Lusíadas como nunca os ouviu” inclui o texto de Camões e sete CD que registam a interpretação vocal da obra. A edição, de mil exemplares, foi custeada por António Fonseca, em parceria com a editora Caleidoscópio. A este respeito, dizia o ator à Lusa:

Estou muito contente. Se perder dinheiro... Bom, o dinheiro não é tudo. Faço isto porque ‘curto’ imenso o texto. E acho que as outras pessoas também ‘curtiriam’ se fossem provocadas para isso. As pessoas conhecem a obra, estão familiarizadas, mas estão arredadas da fruição por preconceito ou por uma má experiência.”.

Na primavera daquele ano, António Fonseca chegou a contar que a edição do audiolivro estaria em risco por falta de parceria e financiamento para a edição. Decidiu fazê-la em colaboração com uma editora. O audiolivro, que inclui uma introdução para cada canto da obra, regista na íntegra o poema de Camões, com o ator a interpretar sozinho, nove cantos, tendo repartido a gravação do décimo com cerca de 40 pessoas de comunidades lusófonas e portuguesas espalhadas pelo mundo.

Foi em 2008 que António Fonseca começou o trabalho de apropriação do texto de Camões para a oralidade – que lhe tomou bastante esforço físico e mental – e que transpôs depois para palco.

Em várias apresentações pelo país, percebeu que foi cativando mais pessoas para a compreensão do poema, considerado uma das maiores obras da literatura portuguesa e em língua portuguesa.

António Fonseca iniciou então a série de apresentações do audiolivro, no Teatro Municipal de São Luiz, às 18,30 horas, seguindo-se Porto, Braga, Santo Tirso, Constância, Évora e Tavira, entre outras localidades. Posteriormente, disponibilizou a gravação em formato digital, para descarregamento “online”.

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E assim a obra épica de Camões se alça como uma das realizações teatrais marcantes deste 60.º Dia Mundial do Teatro em segundo confinamento. Se não há machado que corte a raiz ao pensamento, também nada é capaz de parar a criatividade teatral.  

2021.03.27 – Louro de Carvalho

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