O Dia
Mundial do Teatro, efeméride criada, em 1961, pelo Instituto Internacional do
Teatro, no âmbito da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura) e que se
assinala a 27 de março, visa a promoção direta das artes de palco. Foi
assinalado pela primeira vez em 1962, com uma mensagem do dramaturgo francês
Jean Cocteau. Desta vez, a mensagem é assinada pela atriz britânica Helen
Mirren, que elogia a “resiliência dos profissionais das artes e a capacidade de
sobreviverem à pandemia com sagacidade e coragem”.
Este ano, à
semelhança do ano passado, o 60.º Dia
Mundial do Teatro decorre sob o signo da resistência à pandemia,
sublinhando-se “a sagacidade e coragem” dos profissionais, agora sem a síndrome
da inesperada paralisação de 2020.
Pelo segundo
ano consecutivo, as salas de espetáculo não poderão abrir-se para o dia
comemorativo do teatro por causa do confinamento resultante da pandemia de
covid-19, mas fizeram-se ensaios para estreias e transmissões em streaming,
sem público presente nem aplausos. Apesar das portas fechadas, entre ensaios e streaming, há muita atividade,
sendo a data assinalada por estruturas teatrais em todo o país.
Mesmo em tempo de pandemia e com Estado de Emergência vigente, os
principais teatros nacionais não quiseram deixar passar a data em branco e
prepararam uma programação especial, que pode ser visto online.
Assim, no
Teatro Nacional de São João (TNSJ),o programa
começou às 9 horas, com a Oficina de Páscoa no Teatro, sob a orientação de
Marta Freitas, para jovens entre os 10 e os 13 anos, decorrendo a oficina até 1
de abril e com um custo de 40 euros.
A oferta
continua com a exibição das peças “À Espera de Godot” e “O Balcão”, produções próprias do TNSJ. “À Espera de Godot”, que teve apresentação única
em live streaming, no dia que assinalou o fim das celebrações do
Centenário do São João, conta com encenação de Gábor Tompa e interpretação
do elenco “quase” residente do TNSJ e está disponível para visualização a
partir das 21 horas de 26 de março a 4 de abril, podendo o bilhete ser
adquirido online por 2€.
A
programação conta ainda com o projeto “E
se Gil Vicente passasse na Netflix?”, do Clube de Teatro Sub-18 do Centro
Educativo, bem como com o projeto “Todos
os que Falam”, uma série de entrevistas com quem conhece, pensa e faz
teatro. E o destaque para o lançamento do terceiro volume dos “Cadernos do
Centenário”, através da publicação do ebook “Teatro
Visual: 100 Anos de Objetos
Gráficos”, de Francisco Laranjo.
O Teatro
Municipal do Porto – Teatro Campo Alegre opta pelo espetáculo “Paisagem”, a mais recente criação de Paula
Diogo e Tónan Quito, com o coletivo brasileiro “Foguetes Maravilha”, e “Passos em volta”, espetáculo da Companhia João
Garcia Miguel, criado a partir de textos de Herberto Helder. No dia 27, o
Teatro de Campo Alegre promove ainda um encontro com João Garcia Miguel, Tónan
Quito, Stella Rabelo e Eduardo Neves, transmitido na página do teatro no
Facebook.
Em Lisboa,
sobressai, com acesso gratuito, a programação do Teatro D. Maria II, que
transmite, na página do Facebook, a partir das 10 horas, “Os Lusíadas Como Nunca Os Ouviu”.
Ao longo de 10 horas, “Os Lusíadas”
serão ditos na íntegra, numa iniciativa a cargo do ator António Fonseca, o ator
que ousou dizer o poema épico. Segue-se o espetáculo “By Heart”, de Tiago Rodrigues, estreado em
2013, em Lisboa, e em que o autor ensina um poema a 10 pessoas que nunca viram
o espetáculo e não sabem que poema vão aprender de cor à frente do público.
Enquanto os ensina, Tiago Rodrigues desfia histórias sobre a avó quase-cega
misturadas com histórias sobre escritores e personagens de livros que, de algum
modo, estão ligados à sua avó e a ele próprio.
Na Sala
Online do D. Maria II, de 26 de março a 9 de abril, está “Teatro”, de Pascal Rambert e, em cena até 2
de abril, “Jaguar”, de
Marlene Monteiro Freitas, espetáculos com o custo de 3€.
A Salinha
Online do D. Maria II, com acesso gratuito, oferece aos mais pequenos 20
histórias pensadas para a infância e realizado por atores a partir das suas
casas e os espetáculos “Onde é
a Guerra?” e “Juro
que é Mentira”, de Catarina Requeijo.
Tiago Rodrigues,
diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, define este Dia Mundial do Teatro como “uma espécie do daqui a pouco já nos vamos
encontrar”, na expectativa de reabertura a 19 de abril, segundo o “plano de
desconfinamento” definido pelo Governo.
No S. Luiz
Teatro Municipal, em Lisboa, a efeméride é assinalada, nos dias 27 e 28, com a
transmissão online de nova
edição de “Estar em casa”, com
curadoria de Anabela Mota Ribeiro e André de Mendonça Escoto Teodósio. A partir
das palavras “invadir”, “sarar” e “unir”, como disse fonte do teatro à Lusa, o programa conta com espetáculos,
conversas, performances, visitas guiadas, aulas em casa, cinema, consultórios
astrológicos e muito mais.
“O Cerejal”, de Anton
Tchekhov com encenação de Sandra Faleiro, e “Os Filhos do Mal”, de Hotel Europa, frente a frente
com o impacto da ditadura através de gerações, uma oficina de Os
Sapatos do Sr. Luiz, Vamos Comprar um Poeta, do Plano Comensal
de Leitura, e “Se eu fosse Nina”,
de Rita Calçada Bastos, são espetáculos em transmissão pelo S. Luiz a
marcar o dia.
No Teatro
Ibérico, a efeméride não é assinalada e a reabertura ocorre apenas no início de
maio, uma vez que o teatro esteve em obras.
A companhia Cão Solteiro lembra o Dia Mundial do
Teatro com a transmissão online de “Azul Vermelho, Azul Manteiga”, a primeira peça infantil criada pela
companhia para o Teatro Luís de Camões LU.CA, numa produção com A Oficina.
Ainda em
Lisboa, é de destacar a iniciativa da Freguesia de Santo António, que assinala
a data com nova toponímia, renomeando as suas ruas com nomes de vários artistas
portugueses ligados a esta arte. Por exemplo, a Avenida da Liberdade, será
renomeada como “Casa do Artista –
Apoiarte”, a dar visibilidade a esta causa; Largo do Rato – Largo Ivone Silva; Parque Mayer – Largo António Cordeiro; Rua Alexandre
Herculano – Rua José Raposo; Rua
Alexandre Herculano (2-44 e 1-33) – Rua Diogo Morgado; Rua Castilho (1-75) – Rua Amália
Rodrigues; Rua Gustavo de Matos Sequeira – Rua João Baião; Alameda de Santo António dos Capuchos – Alameda Carlos Quintas; Alto do Penalva –
Alto Simone de Oliveira; Arco do
Evaristo – Arco Filipe La Féria. Ao
todo são renomeadas 130 ruas da freguesia, com uma toponímia especial colocada
abaixo das placas já existentes. Os novos nomes não substituem os atuais,
pretendendo ser apenas uma forma de homenagear os nossos artistas durante uma
semana. O trabalho foi realizado na noite de 26 de março.
A companhia
teatromosca, para assinalar a data, escolheu “Hamlet cancelado”, de Flavio Tonnetti e Vinicius
Piedade, que transmite a partir do Brasil, no dia 27. Um figurante da que seria
a maior produção da tragédia de Shakespeare já alguma vez feita, não conformado
com o cancelamento, avança sozinho, usando fragmentos dos textos originais,
pedaços dos cenários e retalhos dos figurinos. A peça poderá ser vista no Youtube
(21 horas), a partir da casa do ator e encenador brasileiro
Vinicius Piedade, em São Paulo.
Nos Artistas Unidos, companhia dirigida por
Jorge Silva Melo, o tempo é de ensaios para a peça “Birdland”, de Simon Stephens. Interpretada
por João Pedro Mamede e Rita Rocha da Silva, a peça estrear-se-á a 19 de abril,
data que Jorge Silva Melo define como o Dia
Nacional dos Teatros de Porta Aberta.
O Bando
marca a efeméride com a divulgação dum vídeo com excertos de espetáculos que
tem feito desde que tem sede em Palmela. Divulga a estreia das duas peças que
se encontram em ensaios: “Porta”, de Gonçalo Manuel de Albuquerque Tavares, e “Futebol”, criação conjunta com o Teatro
Regional da Serra de Montemuro.
O espetáculo “Fake”, de Inês Barahona e Miguel Fragata,
é transmitido pelo canal do Fórum Municipal Luísa Todi, Setúbal. A peça “Humidade” é transmitida pela Companhia
de Teatro de Braga e o Teatro Art’Imagem, também
online, mostra “Primavera do teatro”, enquanto o Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana
transmite a leitura da mensagem internacional do Dia Mundial do Teatro (que traduziu), este ano, como se disse, assinada pela atriz Helen Mirren,
e o espetáculo “Palhaço verde”,
encenação de Graeme Pulleyn do texto de Matilde Rosa Araújo.
A Companhia
Mascarenhas-Martins também oferece uma leitura encenada da mensagem do
Instituto Internacional de Teatro, no Facebook do Cinema-Teatro Joaquim d’Almeida,
assim como o ator, encenador e dramaturgo Ricardo Neves-Neves, no Facebook do
Cineteatro Louletano.
Iniciativa
diferente tem o Teatro Experimental de Cascais que, no dia 27, marca a
atribuição do nome de Carmen Dolores a uma rua da localidade, numa homenagem
à atriz que morreu a 16 de fevereiro passado, aos 96 anos.
O Teatro
Viriato, em Viseu, estreia “Senso”, criação do ator e encenador Jorge Fraga, a partir das peças
didáticas de Bertolt Brecht – “O voo sobre o oceano”, “Baden-Baden sobre o acordo”, “A
decisão”, “Aquele que diz sim e aquele que diz não”,
“A exceção e a regra” (a
única peça didática de Brecht que se destina ao teatro) e “Os horácios e os curiácios” – em live
streamin, a partir das 21,30 horas.
“Palavras em Palco – Um Caminho para Caryl Churchill”, pelo Teatro Aberto fica online até dia 4 de
Abril no “site” da companhia.
O Assédio
Teatro estreia online “Língua de Cão e Litania”, de Francisco Luís Parreira, com
encenação de João Cardoso, que fica disponível até 11 de abril.
A associação
Materiais Diversos oferece “Futuricidade”, pela coreógrafa Marta Tomé, em colaboração com o investigador
Rui Matoso, com transmissão em direto no Facebook, a partir das 18 horas.
***
Sobre “Os Lusíadas Como Nunca Os Ouviu”,
é de referir que, a 29 de novembro de 2016, o ator António Fonseca, que decorou
“Os Lusíadas”, dizia:
“Acho que, para algumas pessoas, é possível
reconciliarem-se com o passado ou com esse complexo de culpa de dizerem que não
gostavam ou não entendiam o texto”.
Naquele dia,
apresentou, no Teatro São Luiz, em Lisboa, o audiolivro com a interpretação
integral de “Os Lusíadas”, a epopeia de
Luís Vaz de Camões, em edição participada por comunidades lusófonas espalhadas
pelo mundo.
O audiolivro
“Os Lusíadas como nunca os ouviu”
inclui o texto de Camões e sete CD que registam a interpretação vocal da obra.
A edição, de mil exemplares, foi custeada por António Fonseca, em parceria com
a editora Caleidoscópio. A este respeito, dizia o ator à Lusa:
“Estou muito contente. Se perder dinheiro...
Bom, o dinheiro não é tudo. Faço isto porque ‘curto’ imenso o texto. E acho que
as outras pessoas também ‘curtiriam’ se fossem provocadas para isso. As pessoas
conhecem a obra, estão familiarizadas, mas estão arredadas da fruição por
preconceito ou por uma má experiência.”.
Na primavera
daquele ano, António Fonseca chegou a contar que a edição do audiolivro estaria
em risco por falta de parceria e financiamento para a edição. Decidiu fazê-la
em colaboração com uma editora. O audiolivro, que inclui uma introdução para
cada canto da obra, regista na íntegra o poema de Camões, com o ator a
interpretar sozinho, nove cantos, tendo repartido a gravação do décimo com
cerca de 40 pessoas de comunidades lusófonas e portuguesas espalhadas pelo
mundo.
Foi em 2008
que António Fonseca começou o trabalho de apropriação do texto de Camões para a
oralidade – que lhe tomou bastante esforço físico e mental – e que transpôs
depois para palco.
Em várias
apresentações pelo país, percebeu que foi cativando mais pessoas para a
compreensão do poema, considerado uma das maiores obras da literatura
portuguesa e em língua portuguesa.
António
Fonseca iniciou então a série de apresentações do audiolivro, no Teatro
Municipal de São Luiz, às 18,30 horas, seguindo-se Porto, Braga, Santo Tirso,
Constância, Évora e Tavira, entre outras localidades. Posteriormente, disponibilizou
a gravação em formato digital, para descarregamento “online”.
***
E assim a
obra épica de Camões se alça como uma das realizações teatrais marcantes deste 60.º Dia Mundial do Teatro em segundo
confinamento. Se não há machado que corte a raiz ao pensamento, também nada é
capaz de parar a criatividade teatral.
2021.03.27 –
Louro de Carvalho
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