sexta-feira, 5 de março de 2021

Com surpresa ou não Carlos Moedas é candidato à Câmara de Lisboa

 

As reações são diversas e por motivos diferentes e com diferentes expectativas.

Alguns, como Vital Moreira, saúdam a disponibilidade do Engenheiro Carlos Moedas pelo incómodo político que traz ao presidente Fernando Medina, evitando que a campanha deste se transformasse num “passeio eleitoral” e pela mostra se responsabilidade de político partidário por parte de quem, podendo estatelar-se no refúgio profissional de administrador da Gulbenkian após um relevante papel no Governo e o papel ainda mais relevante como comissário europeu, se dispõe a disputar umas eleições autárquicas para enfrentar o dilema de vencer ou perder.

Outros não ficaram contentes, pois faziam fé na crença de que, face a mau resultado nas próximas eleições autárquicas, o lugar de Rio ficaria altamente debilitado e se abriria espaço ao regresso de Passos Coelho para liderar o PSD e aglutinar a direita, pois, segundo pensam, só o ex-Primeiro-Ministro do tempo da troika seria capaz de o fazer.

Ora, se Moedas vencer as eleições em Lisboa, o que não está liminarmente fora de causa, dado o desgaste de Medina, meio perdido na discussão com Pedro Nuno Santos sobre a sucessão de Costa, que ainda não meteu os papéis para a reforma, esfuma-se o mito de que só há um político idóneo pra federar a direita portuguesa e posicioná-la como alternativa ao Governo atual.

É certo que Lisboa não passa duma autarquia e nem todas as experiências de coligação em Lisboa são aplicáveis ao todo nacional. Contudo, não deixa de ser, pela sua relevância como sinal para o país, um caso a ter em conta. Não foi ali que Jorge Sampaio experienciou a coligação PS-CDU e António Costa ensaiou a que iria ser a alternativa real a uma frente de direita que ganhou as eleições legislativas em 2015? E, à direita, não foi Nuno Krus Abecassis e, depois, Santana Lopes, que conseguiram liderar o município lisbonense muito à semelhança do que se fez na governança do país?              

Não partilho da asserção de Vital Moreira de que Moedas tenha tido tão grande sucesso na governação nacional. O tempo da troika não deixa saudades a ninguém e o engenheiro civil (e economista) foi coordenador do setor económico do Gabinete de Estudos do PSD e, como tal, integrou a equipa socialdemocrata que, juntamente com Eduardo Catroga, negociou com o PS o Orçamento do Estado para 2011. E, a 21 de junho de 2011, tomou posse do cargo de Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro do XIX Governo Constitucional, tendo assento no Conselho de Ministros. Não se diz, pois, sem motivo que foi o braço direito de Passos Coelho nos apertos da troika, pois foi representante do Governo no âmbito da negociação e coordenação do programa de ajustamento económico e financeiro.

Não obstante, devo relevar o seu papel enquanto comissário europeu. Em setembro de 2014, o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, atribuiu-lhe a pasta da Investigação, Ciência e Inovação, ficando assim o comissário português responsável pelo maior programa-quadro de sempre de investigação e inovação da UE, o Horizonte 2020, cujo orçamento teve um valor de 80 mil milhões de euros (2014-2020), sendo que Moedas desempenhou este cargo com luzida proficiência.

Este ano, a 25 de fevereiro, foi anunciada a sua candidatura à presidência da Câmara Municipal de Lisboa nas próximas eleições autárquicas, encabeçando uma coligação entre o PSD e o CDS-PP, com o apoio da Aliança, RIR, MPT e PPM, não sem que Moedas tenha consultado Marcelo Rebelo de Sousa, que está empenhado em encontrar alguém para federar a direita, embora porfie a solidariedade com o Governo, e falado com Paulo Portas. Porém, não informou previamente Passos Coelho da candidatura a Lisboa, nem é certo que tenha falado com Francisco Rodrigues dos Santos, tendo funcionado, na conversa com os atuais líderes partidários, a intervenção dos fazedores de pontes. Assim, ultrapassando o reiterado falatório sobre a possibilidade do regresso do ex-líder do PSD, caso as autárquicas e as sondagens corram mal a Rui Rio, Moedas decidiu avançar sem mais. E contactou o ex-líder, de quem foi uma espécie de braço direito no acompanhamento do resgate vivido por Portugal há 10 anos, mas só no dia seguinte ao daquele em que o seu nome foi sido anunciado como candidato à ­maior câmara do país.

Pelos vistos, no Palácio de Belém, onde nem sempre há reserva nos comentários de cariz partidário, embora o Presidente esteja e fale acima dos partidos, mesmo quando os recebe, comentou-se que “Ele deu o grito do Ipiranga”. Com efeito, entenderam que o avanço de Carlos Moedas para a capital foi um atropelo ao regresso de Passos, pelo menos no curto e médio prazo. Carlos Moedas, quando foi abordado pela direção do PSD para correr por Lisboa, pretendeu consultar o Presidente da República. E este, que via num eventual regresso de Passos a solução mais forte para federar a direita e esvaziar o Chega, não o incentivou de forma inequívoca. Ao invés, apontou-lhe prós e contras, sendo mais pesado o rol dos contras: sendo candidato a Lisboa perdia a Gulbenkian; e podia entrar em choque com Passos, cujo regresso ganharia fôlego, caso as autárquicas corressem mal a Rio.

Todavia, a opção de Moedas foi por Lisboa, tendo Morais Sarmento, vice-presidente do PSD, como um dos maiores defensores da candidatura e um dos que mais o influenciou na decisão.

Quando o ex-comissário europeu telefonou a Marcelo a dizer-lhe que ia avançar, o Presidente percebeu nele a ambição de vir a ser líder do PSD. E, na conversa que posteriormente teve com Rui Rio, também percebeu o entendimento do presidente do partido de que Moedas aceitou por querer tentar uma carreira política pelo seu próprio pé, vindo Rio a dizer publicamente que o homem que aceitou ir a Lisboa pode ter um grande futuro pela frente.

Sobre o facto de Moedas ter abordado Passos só quando a candidatura já era facto consumado, pois só lhe ligou no dia seguinte à conferência de imprensa em que o líder do PSD anunciou o seu nome, Passos Coelho não comenta e Carlos Moedas reagiu dizendo que as conversas entre amigos são privadas.

Porém, há quem diga que as relações entre ambos esfriaram nos últimos tempos, registando-se dois momentos-chave que o explicam: Passos Coelho estranhara o entusiasmo com que Moedas elogiava Costa e a ‘geringonça’ mal chegou a comissário europeu; e Moedas estranhara que, tendo convidado Passos para lançar o seu livro, o ex-Primeiro-Ministro tenha elogiado Maria Luís, a sua ex-Ministra das Finanças, e contado só não ter sido a sua escolha para comissária por não poder prescindir dela no Governo.

Disparates! Um comissário europeu não podia deixar de se mostrar solidário com qualquer governo de Estados-membros (Barroso não deu a mão a Sócrates?). E, na apresentação dum livro, é deselegante desviar as loas para outrem que não o autor e o editor.

Nisto tudo, um facto ia perturbando o processo. Rio percebeu, a 25 de fevereiro, que o nome de Moedas já constava dos jornais sem que o partido tivesse tomado a iniciativa de o anunciar. Assim, chamou o candidato à sede partidária para a formalização do acordo e ligou, depois, às comissões distritais a informar da escolha e a desculpar-se pelo timing atribulado, atribuindo a culpa ao Presidente da República pela fuga de informação (O que não é de estranhar nos departamentos do Estado!). Com efeito, a decisão já estaria a ganhar forma na cabeça do líder socialdemocrata e do próprio há cerca de dois meses, mas Moedas só falaria com Rui Rio na última semana.

Os passistas veem a projeção emancipalista de Moedas com reservas. Embora considerem Moedas uma “excelente escolha” (diz Carlos Carreiras) ou uma “mais-valia em cada função que exerça” (diz Marco António Costa), queriam ter sido consultados previamente, talvez para tentarem demovê-lo ou para se tornarem partícipes da escolha. Alguns pensam que, se Moedas quer dar a mão a Rio para agora este o ajudar a fazer caminho para a liderança do partido, não está a ter em conta que “esta decisão vai ligá-lo durante anos à cidade de Lisboa”. De modo diferente avaliam outros a opção do candidato: pode dizer-se capaz de federar a direita contra o PS, se o fizer em Lisboa, e apresentar-se assim a eleições; mas, “se tiver um bom resultado e Rio um resultado mediano, até pode ser a deixa para Passos”. E os passistas mais desconfiados imaginam dois cenários. Se Moedas ganhar a Câmara de Lisboa, fica em Lisboa e dificilmente se dirá que as eleições correram mal a Rio, pois Moedas “credibiliza a estratégia autárquica de Rio” e faz com que “o candidato às diretas de janeiro seja Rui Rio”. Ao invés, se não ganhar Lisboa a Medina, ficará na reserva para outra vez, pois ainda é novo (tem 50 anos), enquanto Passos tem 56 anos.

Em qualquer caso, “tanto Moedas como Rangel nunca irão contra Rio”, como diz fonte do partido, mas “quanto mais se adia mais aparecem outros”, sendo só Passos Coelho “o único” que pode aparecer quando quiser, que o partido vai sempre virar-se para ele. A dúvida é se quer ou quando quer. É que Passos tem dito que é extemporâneo falar do seu regresso à política. Não obstante, horas depois de Rio ter anunciado o candidato, Passos cancelou a participação online no âmbito da série “Repensar Portugal”, da escola de gestão INSEAD, para 25 de março.

Por sua vez, Marcelo sustenta que, ganhe ou perca Lisboa, Moedas em cena tenderá a ajudar Rui Rio a segurar-se na liderança até às legislativas, com o adiamento do debate pela sucessão no PSD, a não ser que, se as autárquicas forem um desastre, Rio decida antecipar a sua retirada.

Um ensaio duma frente de direita, em Lisboa, sem o Chega pode vir a ser o trunfo. Para tanto, Moedas precisa da Iniciativa Liberal, que, pelos cálculos dos sociais-democratas, valerá neste momento entre 5% a 6% em Lisboa. Mas o partido de Cotrim de Figueiredo (de quem Moedas é amigo) ainda não deu o ‘sim’, decisão que pode ser tomada no dia 6 em reunião do IL, mas há receio de perder a oportunidade de apresentar um rosto próprio onde o partido é mais forte.

Porém, na estrutura da campanha, que está a ser montada, Moedas conta com a agência de publicidade Mosca, a responsável pelos famosos cartazes dos liberais. Mas, ao invés do CDS, o IL não está, para já, a negociar lugares, só políticas. E os socia­listas agarrar-se-ão a esta vertente liberal de Carlos Moedas que foi, segundo muitos, o arquiteto do resgate da troika e o apoio que pode ter do IL até serve de pretexto à etiqueta, acenando com o tempo da austeridade.

Medina, que não comenta a candidatura de Moedas, nem se tem ainda como candidato por ser extemporâneo, escudando-se no que tem para fazer na Câmara, disse à TVI acreditar que, a seu tempo, o debate se fará e que “Moedas é uma pessoa com quem tenho uma relação afável”. Porém, acusa o PSD de um problema de orientação política relativamente a áreas políticas fundamentais” nos grandes centros urbanos, como o apoio aos idosos ou os transportes públicos.

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Enfim, é hora de programar formas de zelo decente pelos negócios das autarquias e do país.

2021.03.05 – Louro de Carvalho

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