terça-feira, 2 de março de 2021

Novo aeroporto internacional de Lisboa outra vez empancado

 

 

A Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) revelou, em comunicado deste dia 2 de março, que não fará apreciação prévia de viabilidade para efeitos de construção do Aeroporto Complementar no Montijo, solicitada pela ANA – para um investimento de 1,15 mil milhões de euros até 2028 para aumentar o atual aeroporto de Lisboa e transformar a base aérea do Montijo num novo aeroporto – por não existir parecer favorável de todos os concelhos afetados.

Na verdade, o n.º 3 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, mesmo na redação que lhe deu o Decreto-Lei n.º 55/2010, de 31 de maio, que “fixa as condições de construção, certificação e exploração dos aeródromos civis nacionais, estabelece os requisitos operacionais, administrativos, de segurança e de facilitação a aplicar nessas infraestruturas e procede à classificação operacional dos aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento aeroportuário”, determina:

Constitui fundamento para indeferimento liminar a inexistência do parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afetados, conforme previsto na alínea f) do número anterior, bem como a inexistência do parecer técnico mencionado na alínea g) do número anterior”.

Com efeito, a alínea f) do referido n.º 4 do mesmo artigo exige que o requerimento que solicita a apreciação prévia de viabilidade apresente “parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afetados, quer por superfícies de desobstrução quer por razões ambientais”. E a alínea g) exige o “parecer técnico vinculativo, emitido pela autoridade nacional competente no domínio da meteorologia que define o tipo de informação meteorológica compatível com as caraterísticas do aeródromo, nomeadamente o tipo de aproximação à pista”.

As condições de viabilidade para a construção, ampliação ou modificação de aeródromos estão definidas no art.º 4.º do referido decreto-lei:

a) No caso de construção, ampliação ou modificação de pistas para aviões deve ser tida em conta a existência de aglomerados urbanos, estabelecimentos de saúde, de ensino, de culto, de cultura, instalações pirotécnicas ou pecuárias numa área com 600 m de largura, simétrica em relação ao eixo da pista e estendendo-se por um mínimo de 1600 m para além de cada extremidade das pistas;

b) No caso de construção, ampliação ou modificação de heliportos de superfície deve ser tida em conta a existência de estabelecimentos de saúde, de ensino, de culto, de cultura, instalações pirotécnicas ou pecuárias, num raio de 300 m a contar do seu centro;

c) No caso das plataformas de estacionamento ou caminhos de circulação para acesso das aeronaves à pista ou heliporto deve ser tida em conta a distância a contar da sua periferia, de locais com o tipo de ocupação e usos do solo referidos na alínea a);

d) A construção, ampliação ou modificação deve ter em conta que as operações das aeronaves durante as fases de aterragem, descolagem, estacionamento ou rolagem não podem contrariar as disposições previstas no Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de Novembro;

e) A localização e operacionalidade sejam compatíveis com a utilização civil ou militar do espaço aéreo, para o que é ouvida a FAP, cujo parecer é vinculativo;

f) Os projetos não podem contrariar a demais legislação ou regulamentação complementar, bem como o disposto nas normas constantes dos anexos 3 e 14 à Convenção de Chicago.

Assim, nos termos da legislação em vigor, a ANAC conclui que “se encontra obrigada a indeferir liminarmente o pedido, em cumprimento do princípio da legalidade e do comando vinculativo do legislador constante da mencionada disposição legal, não havendo lugar à apreciação técnica do mérito do projeto”.

Efetivamente, “no âmbito da instrução do pedido, a ANA – Aeroportos de Portugal, que assinou com o Estado, a 8 de janeiro de 2019, o acordo para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, anexou, entre outros elementos, pareceres das Câmaras Municipais dos concelhos potencialmente afetados, quer por superfícies de desobstrução, quer por razões ambientais, sendo de assinalar a existência de dois pareceres favoráveis, dois desfavoráveis e a não apresentação de parecer por uma das câmaras”.

Todavia, neste contexto, “em cumprimento das disposições legais aplicáveis”, o regulador do setor da aviação, como consta do predito comunicado, deliberou “indeferir liminarmente o pedido de apreciação prévia de viabilidade de construção do Aeroporto Complementar no Montijo” apresentado pela ANA.

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Esta decisão da ANAC, expectável da parte dum regulador, com estatuto de independente, por via da lei e da vontade explícita de dois municípios, frustra as expectativas do presidente do Conselho de Administração da ANA – Aeroportos de Portugal, José Luís Arnaut, que dizia, a 17 de dezembro de 2020, que a empresa estava preparada “para pôr os ‘caterpillars’ a trabalhar” no novo aeroporto do Montijo “já no mês de abril”.

O ‘chairman’ da gestora de aeroportos, que participava no ‘webinar’ “Haverá retoma sem transporte aéreo?”, sublinhava a inteira disponibilidade da ANA para arrancar com a obra na infraestrutura aeroportuária do Montijo, importante para evitar os constrangimentos sentidos em 2019, com o aumento do fluxo de passageiros nos aeroportos nacionais e a incapacidade ao nível de infraestruturas aeroportuárias para suprir as necessidades. Porém, sabendo dos óbices de algumas câmaras municipais “por razões políticas”, frisava a necessidade de se rever a lei que permite que um único município ponha em causa obras “de interesse nacional”, aduzindo:

Só voltaremos a ter retoma económica, primeiro, se tivermos a retoma do turismo e, para haver retoma do turismo, tem de haver transportes aéreos e, para haver transportes aéreos, tem de haver infraestruturas aeroportuárias”.

E, criticando a aplicação duma taxa de carbono “que implica um aumento de 20% no preço do bilhete de avião a cada passageiro”, questionava se queriam matar o turismo e apelava à responsabilidade do Governo, pois o problema não se resolve só com moratórias e bazucas.

Na altura, o Ministro das Infraestruturas e da Habitação dizia que o Governo estava a ponderar os moldes em que responderia à avaliação ambiental estratégica do novo aeroporto do Montijo, aprovada pelo Parlamento esperando ter novidades “a breve prazo”. Respondia assim à deputada do BE (Bloco de Esquerda) Joana Mortágua que o questionara sobre se o Governo ia fazer a avaliação ambiental estratégica para construir o novo aeroporto e se ia ou não considerar Alcochete como outra possível localização, uma vez que a avaliação ambiental estratégica prevê a comparação de mais do que uma localização.

O ministro, que já tinha admitido uma avaliação ambiental estratégica numa audição no Parlamento a propósito do Orçamento do Estado, defendendo que a pandemia e a crise que esta está a causar davam “algum tempo para ponderar a avaliação ambiental estratégica”, dizia que o Governo teria de proceder, no próximo ano (neste de 2021), a uma Avaliação Ambiental Estratégica para o novo aeroporto de Lisboa, segundo duas propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) aprovadas em 24 de novembro através de ‘coligações negativas’.

Estava em causa uma proposta do PAN e outra do PEV, aprovadas na Comissão de Orçamento e Finanças, com os votos favoráveis de todos os partidos à exceção do PS, que votou contra.

Várias associações ambientalistas defendiam a realização daquele tipo de avaliação ao projeto do novo aeroporto, mas o Governo pretendia avançar com a sua concretização, tendo até o Primeiro-Ministro afirmado que não há um “plano B” para o Montijo.

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Depois de a ANAC ter travado a construção do aeroporto do Montijo, a ANA – Aeroportos de Portugal vai “analisar os termos jurídicos apresentados” para não se fazer a apreciação prévia de viabilidade para efeitos de construção do Aeroporto Complementar no Montijo, aduzindo que os termos jurídicos apresentados pela ANAC não são coincidem com os do Professor Doutor Vital Moreira e do Professor Doutor Paulo Otero, anexos ao requerimento entregue”. Com efeito, apesar do sucedido, a ANA continua a acreditar que a solução proposta para o aeroporto no Montijo é a que “melhor responderá aos interesses do país” e que ajudará no “desenvolvimento económico e retoma do setor do turismo”.

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A localização do aeroporto nunca foi consensual, quer entre autarcas, quer entre partidos.

Como ficou dito, só duas câmaras emitiram parecer positivo, mas duas emitiram parecer negativo e uma não apresentou qualquer parecer.

Rui Rio, lembrando que “a única solução que o Governo tinha em cima da mesa está” agora “afastada”, adiantou que o PSD estará disposto a repensar a lei inviabiliza a construção do aeroporto no Montijo, alegando que por detrás desta impossibilidade estão “razões concelhias ou municipais”. E, esclarecendo que, em tempo, o partido manifestara o seu desacordo na alteração da lei por se tratar de beneficiar um projeto em concreto, declarou:

Se é neste enquadramento que o Governo pretende mudar a lei no sentido de que um único município não possa reprovar um projeto de dimensão nacional, nós estaremos de acordo com a mudança dessa lei”.

O Partido Comunista, que tem sido um dos maiores defensores do aeroporto em Alcochete, considera, em comunicado, a decisão da ANAC “inevitável e esperada” e “lamenta que o Governo continue a dar cobertura ao arrastar do processo do Aeroporto de Montijo, projeto que não serve os interesses do país, mas tão só os interesses da multinacional Vinci”.

Para o PCP, “a única opção que verdadeiramente serve os interesses nacionais” é a construção dum novo Aeroporto de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete, a opção em cima da mesa – aprovada ainda no Governo de José Sócrates – até à privatização da ANA.

Joana Mortágua, deputada do BE, num vídeo enviado às redações, considera “uma boa notícia” tanto a decisão da ANAC como a de o Governo avançar com uma Avaliação Ambiental Estratégica. E lembra que “os últimos anos têm sido de denúncia intensa do erro estratégico que seria construir um aeroporto no Montijo”, pois servia apenas os interesses da ANA e da Vinci.

A posição do BE sempre foi crítica devido à zona protegida que é o estuário do Tejo e a zona urbana em que se insere. Ademais, este aeroporto complementar não teria acesso ferroviário, o que está “longe dos desafios de combate às alterações climáticas”. Posto isto, Joana Mortágua afirma que “é importante garantir que esta avaliação ambiental não vem cumprir os interesses da Vinci e que compara várias localizações possíveis tendo em conta o interesse público, das populações e o interesse do ambiente”.

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Perante o indeferimento da ANAC ao requerimento da ANA apreciação prévia de viabilidade para efeitos de construção do Aeroporto Complementar no Montijo, o Governo decidiu avançar, no quadro da expansão da capacidade aeroportuária da região de Lisboa, com um processo de Avaliação Ambiental Estratégica, que mantém Montijo como opção, mas que volta a colocar em cima da mesa o aeroporto em Alcochete.

Esta Avaliação Ambiental Estratégica – diz o Ministro das Infraestruturas e da Habitação – irá promover uma avaliação que ponha em confronto soluções de entre as diferentes infraestruturas aeroportuárias desta região, mantendo-se a aposta no Montijo, mas recuperando uma solução que tinha sido abandonada, de construir u novo aeroporto internacional em Alcochete.

São três as soluções que vão estar em avaliação: a atual solução dual, em que o Aeroporto Humberto Delgado terá o estatuto de aeroporto principal e o Aeroporto do Montijo terá o estatuto de complementar; uma solução dual alternativa, em que o Aeroporto do Montijo adquirirá, progressivamente, o estatuto de aeroporto principal e o Aeroporto Humberto Delgado terá o estatuto de complementar; e a construção de um novo aeroporto internacional de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete.

Nas duas primeiras opções, Montijo continua a fazer parte do plano do Executivo, mantendo-se o Aeroporto Humberto Delgado em funcionamento, ou como unidade principal ou como complementar. Na terceira, o foco será exclusivamente em Alcochete, numa infraestrutura totalmente nova, de grandes dimensões.

O Ministro do Planeamento e Infraestruturas, que admitia em dezembro, no Parlamento, fazer novo estudo ambiental sobre o Montijo, relativamente a Alcochete, lembrava que, “se em última instância, se decidisse Alcochete, a DIA (Declaração de Impacte Ambiental) já teria caducado, mas sabia-se que já tinha sido emitida uma vez”. Não a afastou então, como agora se percebe.

O seu antecessor tinha colocado Alcochete de lado. Na verdade, Pedro Marques disse, em 2019, que a solução escolhida em 2008 pelo Governo Sócrates não iria funcionar, pois ficaria a mais de uma hora de Lisboa, “quase em Coruche”.

Ao mesmo tempo que lança esta Avaliação Ambiental Estratégica para encontrar uma solução que viabilize a expansão da capacidade aeroportuária da capital portuguesa, o Governo vai dar resposta aos entraves que foram colocados pelas autarquias à solução Humberto Delgado mais Montijo, tirando-lhes o poder de veto. Ou seja, segundo o comunicado do ministério liderado por Pedro Nuno Santos, o “Governo irá, desde já, promover a revisão do Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 55/2010, de 31 de maio, no sentido de eliminar aquilo que configura, na prática, um poder de veto das autarquias locais sobre o desenvolvimento destas infraestruturas de interesse nacional e estratégico”.

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Assim, a intenção de um novo aeroporto, velha de décadas, anda de decisão em decisão, de dificuldade em dificuldade, de projeto em projeto, de interesses em interesses, de localização em localização. E não há forma de sair do pacote dos projetos.

O Governo teima em desligar-se do Alcochete de Sócrates, quando não arranjou outras formas de se desligar do antigo Primeiro-Ministro; as oposições de esquerda mantêm-se nas suas linhas de contestação; alguns ambientalistas veem óbices em todas as localizações; e o líder do PSD, que em tempos não aceitava mudar a lei por beneficiar um só projeto, agora vê a alteração a beneficiar vários projetos, não sei quais.

Evidentemente que à ANA, cuja privatização Costa não reverteu, pouco interessa o aspeto ambiental ou futuro congestionamento da estrutura. Interessa fazer obra o mais barata possível.

Ora, Alcochete, que teve uma DIA sem problemas, tanto pode ser um aeroporto complementar como ser aeroporto principal a construir por fases. Ainda não percebi porque foi projeto arredado da agenda, a não ser por teimosia, economicismo ou falta de vontade política.

Porque não pensar no aeroporto de Beja já feito e dotá-lo de ligação ferroviária?

2021.03.02 – Louro de Carvalho

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