A Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) revelou, em comunicado deste dia 2 de março, que não fará
apreciação prévia de viabilidade para
efeitos de construção do Aeroporto Complementar no Montijo, solicitada pela ANA
– para um investimento de 1,15 mil milhões de euros até 2028 para
aumentar o atual aeroporto de Lisboa e transformar a base aérea do
Montijo num novo aeroporto – por não existir parecer favorável de todos os
concelhos afetados.
Na verdade, o n.º 3 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de
maio, mesmo na redação que lhe deu o Decreto-Lei n.º 55/2010, de 31 de maio, que
“fixa as condições de construção, certificação e exploração
dos aeródromos civis nacionais, estabelece os requisitos operacionais,
administrativos, de segurança e de facilitação a aplicar nessas infraestruturas
e procede à classificação operacional dos aeródromos civis nacionais para
efeitos de ordenamento aeroportuário”, determina:
“Constitui fundamento
para indeferimento liminar a inexistência do parecer favorável de todas as
câmaras municipais dos concelhos potencialmente afetados, conforme previsto na
alínea f) do número anterior, bem como a inexistência do parecer técnico
mencionado na alínea g) do número anterior”.
Com efeito, a alínea f) do referido n.º 4 do mesmo artigo exige que o
requerimento que solicita a apreciação prévia de
viabilidade apresente “parecer
favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afetados,
quer por superfícies de desobstrução quer por razões ambientais”. E a alínea g) exige o “parecer
técnico vinculativo, emitido pela autoridade nacional competente no domínio da
meteorologia que define o tipo de informação meteorológica compatível com as caraterísticas
do aeródromo, nomeadamente o tipo de aproximação à pista”.
As condições de viabilidade para a construção, ampliação ou modificação de
aeródromos estão definidas no art.º 4.º do referido decreto-lei:
a) No caso de construção, ampliação ou modificação de pistas
para aviões deve ser tida em conta a existência de aglomerados urbanos,
estabelecimentos de saúde, de ensino, de culto, de cultura, instalações
pirotécnicas ou pecuárias numa área com 600 m de largura, simétrica em relação
ao eixo da pista e estendendo-se por um mínimo de 1600 m para além de cada
extremidade das pistas;
b) No caso de construção, ampliação ou modificação de heliportos
de superfície deve ser tida em conta a existência de estabelecimentos de saúde,
de ensino, de culto, de cultura, instalações pirotécnicas ou pecuárias, num
raio de 300 m a contar do seu centro;
c) No caso das plataformas de estacionamento ou caminhos de
circulação para acesso das aeronaves à pista ou heliporto deve ser tida em
conta a distância a contar da sua periferia, de locais com o tipo de ocupação e
usos do solo referidos na alínea a);
d) A construção, ampliação ou modificação deve ter em
conta que as operações das aeronaves durante as fases de aterragem, descolagem,
estacionamento ou rolagem não podem contrariar as disposições previstas no
Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de Novembro;
e) A localização e operacionalidade sejam compatíveis
com a utilização civil ou militar do espaço aéreo, para o que é ouvida a FAP,
cujo parecer é vinculativo;
f) Os projetos não podem contrariar a demais legislação ou
regulamentação complementar, bem como o disposto nas normas constantes dos
anexos 3 e 14 à Convenção de Chicago.
Assim, nos termos da legislação em vigor, a ANAC conclui que “se encontra obrigada a indeferir liminarmente o pedido, em
cumprimento do princípio da legalidade e do comando vinculativo do legislador
constante da mencionada disposição legal, não havendo lugar à apreciação
técnica do mérito do projeto”.
Efetivamente, “no âmbito da instrução do pedido, a ANA –
Aeroportos de Portugal, que assinou com o Estado, a 8 de janeiro de 2019, o
acordo para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, anexou, entre outros elementos, pareceres das Câmaras Municipais
dos concelhos potencialmente afetados, quer por superfícies de
desobstrução, quer por razões ambientais, sendo de assinalar a existência de
dois pareceres favoráveis, dois desfavoráveis e a não apresentação de parecer
por uma das câmaras”.
Todavia, neste contexto, “em cumprimento das disposições legais
aplicáveis”, o regulador do setor da aviação, como consta do predito
comunicado, deliberou “indeferir liminarmente o pedido de apreciação prévia de
viabilidade de construção do Aeroporto Complementar no Montijo” apresentado
pela ANA.
***
Esta decisão da ANAC, expectável da parte dum regulador, com estatuto de
independente, por via da lei e da vontade explícita de dois municípios, frustra
as expectativas do presidente do Conselho de Administração da ANA – Aeroportos de Portugal, José Luís Arnaut, que dizia,
a 17 de dezembro de 2020, que a empresa estava preparada “para
pôr os ‘caterpillars’ a trabalhar” no novo aeroporto do Montijo “já
no mês de abril”.
O ‘chairman’ da gestora de aeroportos, que participava no ‘webinar’ “Haverá retoma sem transporte aéreo?”,
sublinhava a inteira disponibilidade da ANA para arrancar
com a obra na infraestrutura aeroportuária do Montijo, importante para
evitar os constrangimentos sentidos em 2019, com o aumento do fluxo de
passageiros nos aeroportos nacionais e a incapacidade ao nível de
infraestruturas aeroportuárias para suprir as necessidades. Porém, sabendo dos
óbices de algumas câmaras municipais “por razões políticas”, frisava
a necessidade de se rever a lei que permite que um único município ponha em
causa obras “de interesse nacional”, aduzindo:
“Só voltaremos a ter retoma
económica, primeiro, se tivermos a retoma do turismo e, para haver
retoma do turismo, tem de haver transportes aéreos e, para haver transportes
aéreos, tem de haver infraestruturas aeroportuárias”.
E, criticando a aplicação duma taxa de carbono “que
implica um aumento de 20% no preço do bilhete de avião a cada passageiro”,
questionava se queriam matar o turismo e apelava à responsabilidade do Governo,
pois o problema não se resolve só com moratórias e bazucas.
Na altura, o Ministro das Infraestruturas e da Habitação dizia que o Governo estava a ponderar os moldes em que responderia à avaliação
ambiental estratégica do novo aeroporto do Montijo, aprovada pelo
Parlamento esperando ter novidades “a breve prazo”. Respondia assim à deputada
do BE (Bloco de
Esquerda) Joana Mortágua que o questionara sobre
se o Governo ia fazer a avaliação ambiental estratégica para construir o novo
aeroporto e se ia ou não considerar Alcochete como outra possível localização,
uma vez que a avaliação ambiental estratégica prevê a comparação de mais do que
uma localização.
O ministro, que já tinha admitido uma avaliação ambiental estratégica numa
audição no Parlamento a propósito do Orçamento do Estado, defendendo que a
pandemia e a crise que esta está a causar davam “algum tempo para ponderar a
avaliação ambiental estratégica”, dizia que o Governo teria de proceder, no
próximo ano (neste de 2021), a
uma Avaliação Ambiental Estratégica para o novo aeroporto de Lisboa,
segundo duas propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2021 (OE2021)
aprovadas em 24 de novembro através de ‘coligações negativas’.
Estava em causa uma proposta do PAN e outra do PEV, aprovadas na Comissão
de Orçamento e Finanças, com os votos favoráveis de todos os partidos à exceção
do PS, que votou contra.
Várias associações ambientalistas defendiam a realização daquele tipo de
avaliação ao projeto do novo aeroporto, mas o Governo pretendia avançar com a sua
concretização, tendo até o Primeiro-Ministro afirmado que não há um “plano B” para o Montijo.
***
Depois de a ANAC ter travado a construção do
aeroporto do Montijo, a ANA – Aeroportos de Portugal vai “analisar os termos
jurídicos apresentados” para não se fazer a
apreciação prévia de viabilidade para efeitos de construção do Aeroporto
Complementar no Montijo, aduzindo
que os termos jurídicos apresentados pela ANAC não são coincidem com os do
Professor Doutor Vital Moreira e do Professor Doutor Paulo Otero, anexos ao
requerimento entregue”. Com efeito, apesar
do sucedido, a ANA continua a acreditar que a solução proposta
para o aeroporto no Montijo é a que “melhor responderá aos interesses do país” e
que ajudará no “desenvolvimento económico e retoma do setor do turismo”.
***
A localização do aeroporto nunca foi consensual,
quer entre autarcas, quer entre partidos.
Como ficou dito, só duas câmaras emitiram parecer
positivo, mas duas emitiram parecer negativo e uma não apresentou qualquer
parecer.
Rui Rio, lembrando que “a única solução que o Governo tinha em cima da mesa
está” agora “afastada”, adiantou que o PSD estará disposto a repensar a lei
inviabiliza a construção do aeroporto no Montijo, alegando que por detrás desta
impossibilidade estão “razões concelhias ou municipais”. E,
esclarecendo que, em tempo, o partido manifestara o seu desacordo na alteração
da lei por se tratar de beneficiar um projeto em concreto, declarou:
“Se é neste enquadramento que o Governo
pretende mudar a lei no sentido de que um único município não possa reprovar um
projeto de dimensão nacional, nós estaremos de acordo com a mudança dessa lei”.
O Partido Comunista, que tem sido um dos maiores defensores do aeroporto em
Alcochete, considera, em comunicado, a decisão da ANAC “inevitável e esperada”
e “lamenta que o Governo continue a dar cobertura ao arrastar do processo do
Aeroporto de Montijo, projeto que não serve os interesses do país, mas tão só
os interesses da multinacional Vinci”.
Para o PCP, “a única opção que verdadeiramente serve os
interesses nacionais” é a construção dum novo Aeroporto de Lisboa no Campo de
Tiro de Alcochete, a opção em cima da mesa – aprovada ainda no
Governo de José Sócrates – até à privatização da ANA.
Joana Mortágua, deputada do BE, num vídeo enviado às redações, considera
“uma boa notícia” tanto a decisão da ANAC como a de o Governo avançar com uma Avaliação
Ambiental Estratégica. E lembra que “os últimos anos têm sido de
denúncia intensa do erro estratégico que seria construir um aeroporto no
Montijo”, pois servia apenas os interesses da ANA e da Vinci.
A posição do BE sempre foi crítica devido à zona protegida que é o estuário
do Tejo e a zona urbana em que se insere. Ademais, este aeroporto complementar
não teria acesso ferroviário, o que está “longe dos desafios de combate às
alterações climáticas”. Posto isto, Joana Mortágua afirma que “é importante garantir que esta avaliação ambiental não vem
cumprir os interesses da Vinci e que compara várias localizações possíveis
tendo em conta o interesse público, das populações e o interesse do ambiente”.
***
Perante o indeferimento da ANAC ao requerimento da ANA apreciação prévia de
viabilidade para efeitos de construção do Aeroporto Complementar no Montijo,
o Governo decidiu avançar, no quadro da expansão da capacidade
aeroportuária da região de Lisboa, com um processo de Avaliação Ambiental Estratégica,
que mantém Montijo como opção, mas que volta a colocar em cima da mesa o
aeroporto em Alcochete.
Esta Avaliação Ambiental Estratégica – diz o Ministro das Infraestruturas e
da Habitação – irá promover uma avaliação que ponha em confronto soluções de
entre as diferentes infraestruturas aeroportuárias desta região, mantendo-se a aposta no Montijo, mas recuperando uma
solução que tinha sido abandonada, de construir u novo aeroporto internacional
em Alcochete.
São três as soluções que vão estar em
avaliação: a atual solução dual, em que o Aeroporto Humberto Delgado
terá o estatuto de aeroporto principal e o Aeroporto do Montijo terá o estatuto
de complementar; uma solução dual alternativa, em que o Aeroporto do Montijo
adquirirá, progressivamente, o estatuto de aeroporto principal e o Aeroporto
Humberto Delgado terá o estatuto de complementar; e a construção de um novo aeroporto internacional de Lisboa no Campo de Tiro de
Alcochete.
Nas duas primeiras opções, Montijo continua a fazer parte do plano do
Executivo, mantendo-se o Aeroporto Humberto Delgado em funcionamento, ou como
unidade principal ou como complementar. Na terceira, o foco será
exclusivamente em Alcochete, numa infraestrutura totalmente nova, de grandes
dimensões.
O Ministro do Planeamento e Infraestruturas, que admitia em dezembro, no
Parlamento, fazer novo estudo ambiental sobre o Montijo, relativamente a
Alcochete, lembrava que, “se em última instância, se decidisse Alcochete, a DIA
(Declaração
de Impacte Ambiental) já teria
caducado, mas sabia-se que já tinha sido emitida uma vez”. Não a afastou então, como agora se percebe.
O seu antecessor tinha colocado Alcochete de lado. Na verdade, Pedro Marques disse, em 2019, que a solução escolhida em 2008 pelo
Governo Sócrates não iria funcionar, pois ficaria a mais de uma hora de
Lisboa, “quase em Coruche”.
Ao mesmo tempo que lança esta Avaliação Ambiental Estratégica para
encontrar uma solução que viabilize a expansão da capacidade aeroportuária da
capital portuguesa, o Governo vai dar resposta aos entraves que foram colocados
pelas autarquias à solução Humberto Delgado mais Montijo, tirando-lhes o poder
de veto. Ou seja, segundo o comunicado do ministério liderado por Pedro Nuno
Santos, o “Governo irá, desde já,
promover a revisão do Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, alterado pelo
Decreto-Lei n.º 55/2010, de 31 de maio, no sentido de eliminar aquilo que configura, na prática, um poder de veto das
autarquias locais sobre o desenvolvimento destas infraestruturas de
interesse nacional e estratégico”.
***
Assim, a intenção de um novo aeroporto, velha de décadas, anda de decisão
em decisão, de dificuldade em dificuldade, de projeto em projeto, de interesses
em interesses, de localização em localização. E não há forma de sair do pacote
dos projetos.
O Governo teima em desligar-se do Alcochete de Sócrates, quando não
arranjou outras formas de se desligar do antigo Primeiro-Ministro; as oposições
de esquerda mantêm-se nas suas linhas de contestação; alguns ambientalistas
veem óbices em todas as localizações; e o líder do PSD, que em tempos não
aceitava mudar a lei por beneficiar um só projeto, agora vê a alteração a beneficiar
vários projetos, não sei quais.
Evidentemente que à ANA, cuja privatização Costa não reverteu, pouco interessa
o aspeto ambiental ou futuro congestionamento da estrutura. Interessa fazer
obra o mais barata possível.
Ora, Alcochete, que teve uma DIA sem problemas, tanto pode ser um aeroporto
complementar como ser aeroporto principal a construir por fases. Ainda não
percebi porque foi projeto arredado da agenda, a não ser por teimosia, economicismo
ou falta de vontade política.
Porque não pensar no aeroporto de Beja já feito e dotá-lo de ligação ferroviária?
2021.03.02 –
Louro de Carvalho
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