terça-feira, 30 de março de 2021

Mais de metade dos alunos não atingiu os conhecimentos mais elementares

 

Foram aplicados testes a 23 mil alunos do ensino básico no início do 2.º período – a que responderam 12.960, para se perceber como a suspensão das aulas, no ano letivo passado, lhes afetou as aprendizagens. Não foi exame nem prova de aferição, mas um estudo pedido pelo Ministério da Educação (ME), que envolveu alunos do 3.º, 6.º e 9.º anos para dar informação às escolas a fim de que possam ajudar os alunos a recuperar as matérias atrasadas.

O diagnóstico feito pelo Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) ao impacto da pandemia nas aprendizagens mostra dificuldades no 6.º e 9.º anos e resultados melhores no 3.º ano.

Como se lê no JN, Público e Sapo 24, os testes incidiram sobre Matemática, Leitura e Ciências. Os resultados, divulgados a 29 de março, mostram que menos de metade dos alunos do 6.º e 9.º ano mostrou ter o nível esperado em conhecimentos elementares, sendo mais satisfatória a situação dos alunos do 3.º ano, o outro nível de ensino avaliado.

Por exemplo, na Leitura, só 47,1% dos alunos do 9.º ano passaram a “linha de corte”, demonstrando ter os conhecimentos esperados no nível 1. Este é o nível mais elementar que avalia a capacidade de “identificar informação explícita num texto”. Já no 6.º ano, foram 41,9% os alunos a atingir o nível esperado para os conhecimentos de nível 1.

O IAVE hierarquizou as questões colocadas aos alunos em 4 níveis em função da dificuldade. Por exemplo, no 6.º ano só 27,4% dos alunos conseguem atingir o patamar de conhecimentos desejado no nível mais elevado. Na apresentação dos resultados, João Costa, Secretário de Estado Adjunto e da Educação, frisou que as dificuldades dos alunos nos níveis mais elevados não são diferentes das registadas em outros instrumentos de avaliação, nomeadamente em testes internacionais como o PISA (Programme for International Student Assessment). Contudo, o governante manifestou a sua preocupação com as “percentagens elevadas” de alunos com uma performance inferior ao esperado “em itens de nível mais simples”. Esta tendência é comum às três áreas avaliadas – Leitura, Matemática e Ciências –, tanto no 6.º como no 9.º anos. Por exemplo, na Literacia Científica há apenas 44,1% dos alunos do 9.º e 48,7% dos alunos do 6.º ano a demonstrar os conhecimentos esperados no nível mais elementar. Na Matemática, só 39,5% (9.º ano) e 44,4% (6.º ano) atingem esse patamar no nível 1.

No entanto, é preciso anotar que o IAVE colocou a “linha de corte”, como lhe chamou o seu presidente, Luís Pereira dos Santos, num patamar que classificou de “exigente”. Os alunos tinham de responder corretamente a 2/3 das tarefas para serem postos em terreno positivo.

Os resultados são melhores no 3.º ano, estando a maioria dos alunos acima do patamar esperado tanto a Ciências (62,3%), como a Matemática (62,6%) e na Leitura (51,4%).

Os testes visavam avaliar o impacto do primeiro confinamento nas aprendizagens. A forma como foram desenhados avalia transversalmente as literacias. Por isso, alguns resultados são obtidos “independentemente da pandemia”. Ou seja, correspondem a debilidades estruturais dos alunos. No entanto, João Costa considera que os indicadores permitem perceber que “há um impacto” do ensino remoto no nível de conhecimento. São já “dois anos bastante perturbados pela pandemia”, o que “implica uma ação para os próximos anos”. Todavia, julga “prematuro, neste momento, estar a apontar para qualquer solução”, tendo o ME nomeado um grupo de trabalho que, até ao final do mês de abril, desenvolverá um plano para a recuperação das aprendizagens, com especial incidência nas escolas no próximo ano letivo.

Uma das pessoas convidadas pelo Governo para este grupo de trabalho é a professora da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) Susana Peralta, uma das economistas que, na semana passada, apresentou o plano de recuperação das aprendizagens que inclui escolas de verão e o reforço de tutorias e cuja implementação custaria, pelo menos, 200 milhões de euros.

No grupo têm assento a especialista em Saúde Mental Margarida Gaspar de Matos e a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, Sofia Ramalho, sinal da preocupação do ME de centrar o plano não só nas aprendizagens, mas também nas competências emocionais que tenham sido afetadas pela pandemia. Neste grupo estão outros académicos como Domingos Fernandes (ISCTE), João Pedro da Ponte (Universidade de Lisboa), Sónia Valente Rodrigues (Universidade do Porto) e professores do ensino básico e secundário – José Jorge Teixeira, professor de Física e Química no Agrupamento de Escolas Dr. Júlio Martins, em Chaves, e vencedor do prémio Global Teacher Award 2020, David Sousa, diretor da Escola Frei Gonçalo de Azevedo, em Cascais, e Júlia Gradeço, diretora do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Bairro.

O relatório divulgado a 29 de março é o primeiro resultado do estudo conduzido pelo IAVE. Os testes feitos em janeiro permitirão análises mais aprofundadas, nomeadamente o cruzamento destes resultados com indicadores socioeconómicos. E o ME anunciou a intenção de “ouvir a voz dos professores” neste exercício de avaliação dos efeitos da pandemia sobre as escolas.

O estudo fora anunciado para o 1.º período e chegou a ter as duas primeiras semanas de dezembro previstas para a sua realização, mas foi adiado para janeiro. Estava previsto que participassem 30 mil alunos (10 mil por cada ano de escolaridade em que foi realizado – 3.º, 6.º e 9.º). Porém, o período de avaliação foi encurtado porque as escolas foram encerradas a 22 de Janeiro, o último dia da aplicação dos testes. A amostra foi, por isso, reduzida a 23 mil estudantes, mas só 12.960 responderam. O número ficou “ligeiramente abaixo da taxa de resposta esperada”, admite o presidente do IAVE, que garante que isso “não coloca em causa a representatividade da amostra”. E o diagnóstico dos impactos da pandemia nas aprendizagens vai ser prolongado. Foram canceladas as provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º anos, previstas para maio/junho,  devido às mudanças no calendário letivo, mas serão aplicadas nas mesmas datas, a uma amostra de alunos, como forma de avaliação do impacto do segundo confinamento.

Os enunciados serão os mesmos, que já se encontravam finalizados e estão “perfeitamente adequados” para cumprir a função de diagnóstico das aprendizagens agora pretendida.

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Como foi entredito, a equipa de investigadores da Universidade Nova de Lisboa defende a criação dum programa de tutorias e estabelecimento de escolas de verão como as melhores soluções para recuperar aprendizagens perdidas com a pandemia. O Governo não apresentou qualquer plano. O investimento pode variar entre 168 e 639 milhões de euros para as tutorias e entre 42 e 55 milhões para as escolas de verão, mas os autores alertam que o custo com a perda de escolarização será muito maior. O estudo “Aprendizagens perdidas devido à pandemia: Uma proposta de recuperação” recorda que “a evidência científica disponível” revela que as perdas de aprendizagens dos alunos foram “muito significativas” – em particular para “os mais jovens e de famílias mais desfavorecidas”. Tal foi o resultado da interrupção do ensino presencial e da sua substituição pelo ensino à distância no primeiro ciclo durante três meses em 2020 e, até à data, cinco semanas em 2021. Pedro Freitas, investigador da Nova SBE e um dos coautores do estudo, explica que o objetivo foi “encontrar duas medidas que tenham já sido testadas e adotadas noutros países anteriormente”, pois já existe “uma série de diretrizes sobre como se pode aplicar e maximizar o seu impacto sobre os alunos”. A escolha dos investigadores (a equipa é completada por Bruno P. Carvalho, Susana Peralta e Ana Balcão Reis, também investigadores da Nova SBE, e por Miguel Herdade, do Ambition Institute mas participando a título individual) recaiu nos programas de tutoria e escolas de verão, isto em fase em que “não foi tornado público nenhum plano de recuperação de aprendizagens” por parte do Governo.

O grupo é o mesmo que publicara um relatório no início de fevereiro a apontar o agravamento das desigualdades entre crianças provocado pelo ensino à distância e cujos membros subscreveram a carta aberta a pedir ao Governo a reabertura das creches e escolas do país.

No atinente aos programas de tutoria, estes foram pensados em particular para as disciplinas de Português e Matemática, apesar de poderem ser aplicados a outras áreas, e estão destinados aos alunos do ensino básico, envolvendo “duas sessões semanais, integradas em horário escolar e em pequenos grupos de 3 a 5 alunos”. Já as escolas de verão teriam a “duração de 4 semanas” e incluiriam “atividades lúdicas e de recuperação de aprendizagens”. Ambos os programas são “exequíveis e passíveis de serem implementados rapidamente”, com o objetivo de “desenhar uma política imediata, efetiva e temporária que permita recuperar as aprendizagens perdidas durante os anos letivos corrente e passado”.

Os cálculos feitos pelos investigadores estabelecem cenários consoante a disponibilidade do Governo para investir nestas medidas, e o número de alunos necessitados de recuperação das aprendizagens. Um dos critérios usado foi “a média da percentagem de alunos que, nas provas de aferição dos 2.º, 5.º e 8.º anos (para o 1.º, 2.º e 3.º ciclo, respetivamente), obtiveram a classificação de ‘Não conseguiram’ ou ‘Não responderam’ nos anos letivos 2016/2017 e 2017/2018”, sendo estes os alunos que terão tido “mais dificuldade em acompanhar o ensino a distância”. Tomando este valor como o “cenário base”, o estudo cria mais três cenários, abrangendo cada um mais alunos que o anterior. Segundo esta lógica, no caso das tutorias para Português, estima-se que estejam envolvidos entre 125 e 380 mil alunos” e que, para Matemática, o número varie “entre 273 e 528 mil”.

O documento determina os custos envolvidos consoante cada um dos cenários na contratação de tutores, frisando que, optando-se por grupos de três alunos, será necessário contratar mais profissionais do que se se optar por grupos de cinco estudantes. Assim, em Português, caso seja preciso auxiliar 125 mil alunos, serão necessários cerca de três mil tutores para grupos de três alunos e perto de dois mil para grupos de cinco, o que obrigaria a um investimento de 88 ou 53 milhões de euros, respetivamente. Se for o cenário dos 380 mil alunos, o custo máximo variará entre os 267 e os 160 milhões de euros. Quanto à Matemática, seguindo o mesmo modelo, o número de alunos necessitados é maior, aumentando o custo da medida. No cenário base, estando envolvidos 273 mil alunos, seriam precisos 7,5 mil tutores para grupos de três alunos e 4,5 mil tutores para grupos de cinco alunos, custando respetivamente 192 ou 115 milhões de euros. No pior cenário, sendo preciso ajudar 528 mil, os custos variam entre os 222 e os 370 milhões de euros. Ao todo, os autores do estudo indicam que “os custos totais destes programas variam entre 168 e 639 milhões de euros”, sendo que “os custos anuais por aluno e por disciplina são de 422 ou 704 euros, dependendo do tamanho dos grupos”. Já quanto às escolas de verão, “podem envolver entre 251 e 331 mil alunos do 1.º e 2.º ciclo, com um custo total de 42 a 55 milhões de euros e um custo por aluno de 166 euros”.

No total, este investimento pode abranger 3 a 10% do orçamento da educação em 2021, mas os autores do estudo defendem a necessidade de fazê-lo, dados os riscos da inação. Segundo Pedro Freitas, foi feita a “perspetiva de custos para o país, para saber quanto seria necessário investir, mas, mais do que isso, para saber se este investimento vale a pena”. Para tal, a equipa recorreu às contas da OCDE, que projetam a “perda entre os 2 e os 3% no rendimento ao longo da vida” para os alunos com aprendizagens em atraso. Assim, teve em conta o ordenado médio português (14 mil euros anuais) e os 40 anos de carreira profissional. Pegando nos rendimentos destes alunos no futuro e tirando a perda de 3% acumulada, ela é muito maior do que aquilo que investimos agora. Por isso, as medidas projetadas “custam, são uma fatia importante do orçamento e isso é relevante, mas é investimento com um retorno futuro”, como assegura Pedro Freitas.

Para o investigador, a inação tem várias consequências, a começar pela “incerteza”: “sabemos que este impacto negativo existe, não temos é certeza da sua magnitude”. Não fazer nada é arriscar “vir a ter um grande impacto em Portugal que ainda nem sequer medimos”. Se não se tomarem agora medidas concretas, estes alunos perderão aprendizagens, terão piores resultados escolares, pode haver mais abandono escolar e teremos “uma população menos escolarizada e que vai chegar nessas condições ao mercado de trabalho”. Haverá, pois, uma geração com um nível de aprendizagens menor que a anterior e que entrará no mercado de trabalho menos qualificada – “risco demasiado sério para se deixar passar”. Ademais, a situação poderá agravar o atraso que sofríamos em relação ao resto da UE, pois somos o país com maior percentagem de população sem educação secundária: 47,8% da população residente com idades entre os 25 e os 64 anos não concluiu o ensino secundário (mais do dobro da média da UE).

Por outro lado, vinca-se que todo este plano se arquitetara no pressuposto de que em Portugal não foram disponibilizados dados que nos permitam aferir atrasos ou perdas de aprendizagens, o que já não é verdade. O reparo era feito numa fase em que se aguardam os resultados da recolha efetuada pelo ME, no mês de janeiro de 2021, relativa ao fecho de escolas em 2020 e era revelado no dia em que o Ministro Brandão Rodrigues anunciava testes no fim do ano letivo para avaliar o ensino à distância. Dispor de dados era indispensável para “identificar quem é que está pior”, porque, ao pegar-se neste bolo orçamental, ele tem de ser distribuído para quem mais precisa – o que agora, conhecidos os resultados, já é possível determinar.

Além deste esforço inicial, é preciso manter o acompanhamento após a pandemia, pois não basta aferir hoje: há uma geração em que é de ir aferindo com alguma assiduidade para perceber se os investimentos resultam e se as aprendizagens estão a ser recuperadas.

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No final do ano letivo, o ME voltará a realizar testes de diagnóstico para avaliar os efeitos do ensino à distância nas aprendizagens, como revelou, no Parlamento, à Comissão Eventual para o acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à pandemia de covid-19, como revelou o Ministro da Educação ao referir: estamos a preparar um outro estudo amostral no final deste ano, a coincidir com o que eram as provas de aferição”. O objetivo, como disse, é “melhorar o conhecimento do sistema, para que verdadeiramente possamos ter um conjunto de medidas que possam dar uma resposta cabal àquilo que são as perdas das aprendizagens”. Porém, o tema das consequências do ensino a distância nas aprendizagens dos alunos foi um dos mais repetidos na audição, com todos partidos a questionar o governante sobre as medidas previstas para recuperar e consolidar essas aprendizagens no próximo ano. E Brandão Rodrigues frisou que, antes de planear o futuro, é preciso conhecer melhor as consequências do passado e do presente, recordando que já no ano passado foram implementadas medidas nesse sentido.

Além das aprendizagens, muitos deputados também se manifestaram preocupados com a avaliação externa, designadamente com a impossibilidade de os alunos melhorarem notas internas através das notas dos exames nacionais. No entanto, o Secretário de Estado Adjunto e da Educação justificou a decisão, afirmando que, à semelhança do que sucedeu no ano passado, os exames finais do ensino secundário servem apenas para acesso ao ensino superior.

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Em suma, feito o diagnóstico do primeiro confinamento, esperando pelo do segundo e face a propostas científicas de recuperação das aprendizagens perdidas ou diminuídas por via da pandemia e ultrapassadas as consequências emocionais dela decorrentes, resta saber se o Estado quer gastar os aludidos milhões a alocar ao plano ou se prefere guardar uma almofada financeira para salvar mais algum banco ou alguma empresa de bandeira. O tele-ensino não cumpre o papel da escola, sobretudo nos níveis etários mais baixos. Só é tapar o sol com a peneira!

Não é certo que o melhor investimento é o que se faz no capital humano e que a base deste é a educação e a cultura a começar desde as mais tenras idades e a roborar ao longo da vida?

2021.03.30 – Louro de Carvalho

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