terça-feira, 23 de março de 2021

Via-Sacra Laudato si’ como nova leitura da caminhada quaresmal

 

O Movimento Católico Global pelo Clima ou Global Catholic Climate Movement (WCCM) teve, já na Quaresma de 2020, a ideia de desenvolver uma Via-Sacra que pudesse ligar as 14 estações da prática litúrgica com a Encíclica Laudato si’ do Papa Francisco. A intenção foi refazer o caminho de Cristo em direção à sua morte na Cruz e, depois, a Ressurreição para, em tempo de pandemia, restaurar um lampejo de esperança no futuro.

Nestes termos, nasceu então a “Via-Sacra Laudato si’ ”, que apresenta uma nova leitura da devoção quaresmal da Via-Sacra e compagina a preocupação com o cuidado da Casa Comum à luz da Encíclica de Francisco. Esta iniciativa mantém, nesta Quaresma de 2021, pertinente atualidade e podendo provocar forte impacto espiritual.

Esta iniciativa, surgida da colaboração, da partilha e da consciência pessoal, constitui um percurso espiritual que inclui experiências e reflexões geradas pela necessidade de rezar durante o confinamento a que os países se submeteram por causa da pandemia do novo coronavírus. É um trabalho conjunto do Movimento Católico Global pelo Clima e da Cube Radio, a emissora radiofónica oficial do Instituto Universitário Salesiano de Veneza e Verona (IUSVE).

Entretanto, a Cube Radio, emissora oficial do IUSVE, colaborou com o WCCM na criação de uma Via-Sacra digital para a Quaresma de 2021, acrescentando às meditações e textos das 14 estações uma série de gráficos adequados ao compartilhamento nas redes sociais – uma inovação relativamente ao ano passado. E o Padre Nicola Giacopini, diretor da IUSVE, explica:

Com este serviço esperamos ter oferecido a muitos jovens uma oportunidade a mais para refletir e rezar durante esta Quaresma, tão marcada pelas restrições da emergência sanitária”.

Em cada estação foi inserido um jovem com roupa contemporânea, sinal da participação, em primeira pessoa, no sofrimento de Cristo e na proximidade com os mais frágeis. E Marica Padoan, coordenadora da equipa gráfica da Cube Radio, explica:

Todas as vezes que o madeiro da Cruz aparece, tem um broto verde, um sinal de esperança na Ressurreição, mas também uma referência ao Livro de Ezequiel e ao Evangelho de Lucas: ‘se é assim que o lenho verde é tratado, o que acontecerá com o seco?’.”.

O grupo de trabalho ligado à emissora académica do IUSVE desenvolveu o projeto digital em colaboração com alguns professores que apoiaram a equipa na coerência gráfica e pastoral: Luca Chiavegato, Federico Gottardo e Carlo Meneghetti, bem como o responsável pela comunicação integrada, Michele Lunardi.

A Via-Sacra está publicada nas redes sociais da Cube Radio e no site do Setor de Ecologia e Criação do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral da Santa Sé,

Na verdade, os períodos de confinamento provocam em muitas pessoas uma sensação de solidão, de abandono e de afastamento do seu grupo de referência, situação psicossocial e moral que tem sido quebrada pela presença do outro, muitas vezes mediada pela tela ou ecrã.

O trabalho nasceu espontaneamente da base em resultado da consciência da necessidade coletiva de rezar e de se confiar ao Senhor para ter a esperança de superar a situação crítica que o vírus vem causando a nível planetário já desde março de 2020.

Antonio Caschetto, coordenador dos Círculos Laudato si’ na Itália, testemunha o grande envolvimento tanto ao nível da escrita das meditações como ao nível de fruição. E o fruto deste compromisso foi o grande número de pessoas que participaram ao vivo, através da Web, na prática litúrgica da Via-Sacra em 2020. Foi o início duma caminhada comum que nasceu na esteira da de Cristo, que nos deu, com a Cruz sobre os ombros, a salvação, caminhada que hoje continua a ter premência humana e espiritual.

As meditações da Via-Sacra inspiradas na Laudato si’ tomaram forma mercê da colaboração de numerosas equipas. E a sinergia entre o Movimento Católico Global pelo Clima da Itália e da África foi fundamental, apoiada pelo grupo da comunicação para o Movimento e por muitos animadores e representantes dos vários círculos italianos.

As meditações ligadas às estações individuais estão relacionadas com os temas da Laudato si’ e à experiência particular de pandemia, o que levou à reflexão sobre a fragilidade e o sofrimento de todo o planeta. Por exemplo, as lágrimas enxugadas por Verónica estão correlacionadas com as do povo sírio e com as dos pobres. A morte de Cristo na Cruz levou a refletir sobre as muitas mortes causadas pelo coronavírus, o que pôs o mundo de cócoras e colocou as pessoas de joelhos diante de Deus e dos irmãos.

Antonio Caschetto trabalha desde Assis na formação de Animadores Laudato si’ e, além de ser coordenador dos programas italianos do Movimento Católico Global pelo Clima, integra uma equipa internacional de “Eco espiritualidade”. E, mercê da sua experiência nessa área, foi capaz de ajudar a coordenar a redação das meditações da Via-Sacra, tudo em sintonia com um dos principais convites do Papa na Laudato si’: “tomar dolorosa consciência, ousar, transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao mundo e, assim, reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar”. Ora, é, como testemunha Caschetto, a escolha de transformar em consciência dolorosa até o nosso pecado em relação ao planeta que impulsiona mais “a ouvir o grito da terra e dos pobres”. Com efeito, o grito da terra é indissociável do grito dos pobres, que não podem esperar e que a recusa ou a lentidão do abandono dos caprichos da parte dos grandes, ricos e poderosos impede de resolver o problema da pobreza e miséria que alastra pelo orbe.  

A leitura da Laudato si’ em contexto de pandemia trouxe de volta novas perspetivas que revelam a atualidade e a emergência dos temas propostos pela encíclica. A estigmatização, na Via-Sacra organizada pelo WCCM, de práticas económicas e sociais injustas e a chamada de atenção para os pobres e as diversas fragilidades que marcam os seres humanos são aspetos que podem ajudar a reativar a consciência, na esperança de podermos entender como mesmo um pequeno gesto individual pode levar a mudanças em nível planetário.

A meditação da última estação põe em foco, em especial, a relação do homem com a Criação, perceção que mudou significativamente após o período de confinamento dentro das paredes de casa. Do sofrimento emerge um sinal claro de esperança. Com efeito, como se lê na meditação, “esta epidemia é um verdadeiro rochedo”, pelo que devemos ter consciência disso e, ao mesmo tempo, “tirar força deste momento de dificuldade, para que este epílogo seja realmente um novo começo para nós”. Estes anos difíceis que passam para todos podem ser transformados em valiosa lição também a nível de consciência ambiental e constituir um desafio que pode levar a humanidade a evoluir e a amadurecer no que diz respeito ao cuidado da Casa Comum.

É necessário olhar a natureza como uma aliada e não como ameaça. Por isso, o itinerário litúrgico de seguimento da via da Cruz de Cristo propõe um caminho de reconciliação connosco mesmos e com o que nos rodeia, homens e meio ambiente.

As ações humanas que prejudicam o planeta podem ser crimes reais em termos jurídicos.

A indiferença de Pilatos que marca o nosso tempo diante de crimes e injustiças causadas por uma economia extrativista, que está a prejudicar a nossa Casa Comum e os nossos irmãos e irmãs, é fruto do medo de ir contra a corrente, de se posicionar entre os últimos e com os últimos, porque tomar partido custa muito caro. E assim Pilatos, com o seu silêncio, entrega o inocente e entrega-o aos outros para ser crucificado.” – sublinha o professor Marco Monzani, jurista, criminologista e professor universitário, que comenta a primeira estação da Via-Sacra.

O criminologista destaca, por exemplo, como a apropriação clandestina dos elementos naturais dos quais as tribos indígenas vivem por parte das multinacionais será um crime muito grave. Monzani no ensaio “A Mãe Terra está cansada”, escrito a quatro mãos com Emilio C. Viano, dedicado ao tema dos crimes contra o nosso planeta, destacou:

As vítimas de escolhas ambientais causadas pelo homem ainda são pouco reconhecidas como tais pela opinião pública e pelas agências de controlo formal e quase não são consideradas de forma alguma pelas escolhas políticas. A sociedade, tal como está organizada hoje, não vai à procura das vítimas. Devem ser as próprias vítimas a chamar a atenção para um problema que a sociedade é incapaz de resolver por si só.”.

Marco Monzani, que também é presidente da AIC (Associação Italiana de Criminologia) e membro da ISC (Board of Directors della International Society of Criminology), espera que haja em breve uma mudança, para que os mais fracos que precisam ser defendidos, não atacados, possam ser respeitados e apoiados e para que “a mãe terra se torne um lugar de todos e para todos, também em vista do bem daqueles que virão depois de nós”.

A Via-Sacra responde a algumas necessidades fundamentais: disponibilizar um instrumento de reflexão e oração aos usuários confinados em suas residências por conta da emergência sanitária; criar 14 imagens que remetem à iconografia clássica da Via Crucis, revisitando-as com gráficos contemporâneos e em formatos adequados às redes sociais; e permitir interação social.

Em cada estação um jovem é representado ao lado de Cristo sofredor, uma forma de recordar a participação do mundo juvenil neste caminho litúrgico, bem como um elemento ligado à terra e outro ligado ao céu, um sinal ao mesmo tempo da Sacrifício eucarístico que “une o céu e a terra” (Laudato si’, 236), ambos dos sofrimentos que o nosso planeta também encontra em decorrência de poucos cuidados e crimes ambientais.

Clicar em cada estação disponibilizará: o ícone da estação; o texto do Evangelho extraído do livrinho litúrgico da Via Crucis presidido pelo Papa Francisco em 2020; e uma curta meditação escrita trata da edição de março de 2020 editada pelo Global Catholic Climate Movement.

Mais uma forma de viver em Quaresma em modo de caminhada para a Páscoa olhando para o céu, na oração, olhando para a obra da Criação, de que devemos cuidar e completar e abstermo-nos de a diminuir ou aniquilar, e olhando para quem sobre a doença, a pobreza, a exploração ou o descarte, em jeito de partilha.

2021.03.23 – Louro de Carvalho

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