quinta-feira, 11 de março de 2021

O Prémio Pessoa 2020 vai para a ciência e para uma mulher

 

Elvira Maria Correia Fortunato – licenciada em Engenharia dos Materiais pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da universidade Nova de Lisboa, doutorada nas áreas de Microeletrónica e Optoeletrónica, professora catedrática e investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia e vice-reitora da predita universidade – venceu o Prémio Pessoa 2020, como anunciou o júri, numa transmissão ‘online’, neste dia 11 de março.  

A 34.ª edição do Prémio, no valor de 60 mil euros, contemplou uma investigadora que, entre outras invenções, é reconhecida pelo trabalho com o transístor de papel e também pela criação do primeiro ecrã do mundo totalmente transparente. É especialista pioneira mundial na eletrónica de papel, nomeadamente em transístores, memórias, baterias, ecrãs, antenas e células solares. É considerada a “mãe” do transístor de papel.

O seu doutoramento foi orientado pelo cientista e investigador Rodrigo Martins, um dos inventores do papel eletrónico, com quem é casada, desde 1986 e com quem tem uma filha.

O Prémio Pessoa é uma iniciativa do semanário Expresso e da Caixa Geral de Depósitos que visa “representar uma nova atitude, um novo gesto, no reconhecimento contemporâneo das intervenções culturais e científicas produzidas por portugueses”.

O júri deste ano é composto por Francisco Pinto Balsemão, presidente, Emídio Rui Vilar, vice-presidente, Ana Pinho, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, Eduardo Souto de Moura, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho-Marques – elementos de diversificada proveniência académica e de setor de atividade.

anúncio do Prémio Pessoa 2020 deveria ter acontecido a 11 de dezembro, mas foi adiado para este dia 11, por causa da pandemia de Covid-19.  

O Presidente da República não perdeu a oportunidade de felicitar, de imediato, a cientista considerando que é “um reconhecimento merecido”. E disse-o nos termos seguintes:

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa congratula calorosamente a professora doutora Elvira Fortunato pelo Prémio Pessoa 2020, um reconhecimento merecido pela importância do seu trabalho na área da eletrónica flexível, com grande impacto na indústria mundial e que demonstra uma preocupação ambiental pelo uso de materiais ecossustentáveis, recicláveis e de baixo custo” – lê-se numa nota publicada no sítio oficial da Presidência da República na Internet.

O Chefe de Estado elogia a laureada pela sua “excelência a nível científico e de inovação” e destaca os “inúmeros prémios e distinções a nível internacional” atribuídos à cientista portuguesa, “pioneira na área de eletrónica flexível, em particular nos transístores de papel”:

Em 2015 foi nomeada presidente da comissão organizadora das comemorações do Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas, e é desde junho de 2016, por nomeação do Presidente da República, membro do Conselho das Ordens Nacionais portuguesas. Foi-lhe atribuído o grau de grande-oficial da Ordem do Infante Dom Henrique em 2010.”.

Também o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, felicitou a cientista  pela distinção com o Prémio Pessoa 2020, considerando-a um “exemplo para todas as jovens”. “É um exemplo para todas as jovens sobre o papel das mulheres na ciência e no avanço das ciências e tecnologias dos materiais”, sublinhou o Ministro numa reação enviada à Lusa.

E Pinto Balsemão, que preside ao júri, declarou que Elvira Fortunato, de 56 anos, foi distinguida com o Prémio Pessoa por “uma carreira de excecional projeção, dentro e fora do país” e pelo “contributo notável para o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação português”.

É de anotar que em 2020, a cientista foi galardoada com outro prémio. Efetivamente, a 23 de setembro de 2020, Elvira Fortunato foi, durante o European Research and Innovation Days, declarada a vencedora do prémio europeu Horizon Impact Award 2020, que distingue os projetos financiados pela União Europeia, no âmbito do programa Horizonte 2020, cujos resultados criaram impacto social na Europa e no mundo. O prémio de 10 mil euros foi atribuído ao projeto “Invisible, que permitiu desenvolver o primeiro ecrã produzido com materiais sustentáveis. O ecrã foi desenvolvido no Centro de Investigação de Materiais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da NOVA, em parceria com a Samsung. Foi o único projeto português a chegar aos dez finalistas e já foi comercializado por diversas empresas e integra uma nova área tecnológica ao serviço de diferentes indústrias, como a impressão a jato de tinta ou os diagnósticos médicos inteligentes.

Para Elvira Fortunato, “este prémio representa um reconhecimento do trabalho de investigação numa área pioneira a nível europeu e gostaria de o dedicar à melhor equipa do mundo: CENIMAT|i3N”, como referiu então a vencedora, em comunicado.

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A partir de agora, Elvira Fortunato junta ao seu vasto curriculum o Prémio Pessoa 2020. É a sétima mulher e, também, a sétima cientista, a ser distinguida com o maior galardão atribuído em Portugal a personalidade das áreas da Ciência, Artes ou Cultura cuja obra mais se tenha destacado no respetivo ano.

Conhecida pelos seus trabalhos nas áreas da eletrónica transparente e eletrónica do papel, concentrou toda a sua investigação numa área pioneira a nível mundial, que induziu a aproximação da ciência aos objetos do quotidiano, acessíveis a todos. A descoberta do papel enquanto condutor de eletricidade, a partir de material reciclado embebido em óxidos metálicos, permite, por exemplo, a criação de painéis, baterias ou transístores de uso quotidiano. As suas descobertas estão já patenteadas em vários países e são usadas no fabrico de ecrãs ou mesmo de painéis fotovoltaicos em miniatura aplicáveis, por exemplo, em guarda-sóis capazes de carregar o telemóvel durante uma estada na praia.

Assim, a aproximação do trabalho da Academia às empresas é uma das principais originalidades desta investigadora, que, entre outras descobertas, permitiu a utilização de sensores eletrónicos aplicados em simples embalagens para monitorização precisa do estado de conservação dos produtos até ao consumidor final.

Ao longo da última década, foram vários os prémios recebidos por Elvira Fortunato, que, em outubro do ano passado, dizia já lhes ter perdido a conta. São muitos, umas dezenas, dizia, ao celebrar a conquista do Horizon Impact Award.

A investigadora e cientista confessou-se “muito feliz” e “muito grata” pela atribuição do Prémio Pessoa 2020. Mais sublinhou reiteradamente que está duplamente feliz pelo facto de o prémio ter sido atribuído a uma mulher e por ter sido atribuído à ciência.

Numa primeira reação, garantiu já ter destino para os 60 mil euros do prémio, que é uma iniciativa do Expresso com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos: “Vou dar uma festa muito grande, com a família, os amigos e a minha equipa (…) quando a pandemia acabar, claro” e para “celebrar tudo”.

Com uma longa carreira na investigação científica na área da eletrónica, Elvira Fortunato junta o Prémio Pessoa 2020 a uma longa lista de galardões que lhe foram sendo atribuídos ao longo da carreira. “Mas este é diferente”, como vinca, uma vez que, “além de ser o maior prémio atribuído em Portugal, é transversal a vários domínios que vão para além da ciência”.

O júri destacou o “percurso académico nacional e internacional de grande consistência” e a “exemplar capacidade” demonstrada pela cientista para aproximar a universidade das empresas, vencendo muitas das barreiras burocráticas e administrativas existentes”.

A cientista garante que trabalha “para o mundo” e vários dos projetos de investigação que desenvolveu se traduzem já em patentes para o fabrico de objetos tão quotidianos como os ecrãs de computador, de tablets ou de um simples telemóvel.

É de salientar o que ela diz dos portugueses, de si própria e o do que temos em Portugal, ou seja, que “nós, os portugueses, somos grandes”, lamentando que “muitos olhem para Portugal de uma forma pequena”. Com efeito, licenciou-se em Engenharia de Materiais, seguiu para o mestrado e o doutoramento sempre sem sair do país e da ‘sua’ Universidade Nova, embora haja tido necessidade de recorrer a bibliotecas, arquivos e laboratórios estrangeiros, pois a ciência e a técnica não conhecem fronteiras. Por isso, dedica este prémio, além da sua “família”, a um dos seus mestres na Faculdade de Ciência e Tecnologia: Fernando Santana, que foi, durante 12 anos, diretor daquela escola e presidiu à Academia de Engenharia.

E os observadores acham normal que um dos primeiros destinos do Prémio Pessoa 2020 seja a celebração “com a família e a equipa de investigação e estudantes”, tudo em Portugal e com os portugueses, pois tem aqui “as suas raízes e principais referências”. E foi com uma das mensagens de felicitações, enviada por um colega e amigo logo depois de saber do Prémio Pessoa, que a cientista encerrou a conversa com o Expresso: “Ele escreveu: a ciência tem importância em Portugal e os protagonistas portugueses importância no mundo. E eu gostei imenso”.

As Cientistas – 52 mulheres que mudaram o mundo”, em inglês “Women in Science”, é uma obra infanto-juvenil de Rachel Ignotofsky, publicada em 2016 pela editora Ten Speed Press, nos Estados Unidos, e pela Editora Blucher, no Brasil, sobre 52 mulheres notáveis nas áreas das Ciências, Tecnologias, Engenharia e Matemática (CTEM), da Antiguidade aos nossos dias e de diversas nacionalidades. O livro esteve muitas semanas na lista de bestsellers do The New York Times, tendo sido vendidas cerca de 15.000 cópias até Agosto de 2017.

A obra, cujas ilustrações permitem recrear a ambiência e a personalidade das mulheres retratadas, proporciona uma versão mais humana do próprio mundo da ciência. 

O prefácio à edição portuguesa dá conta da relevância da tradução e adaptação dada ao prelo pela Bertrand, em 2018, que conta com o apoio da CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género), pois inscreve-se na missão e valores defendidos pela CIG e, “para ultrapassar os limites impostos por este projeto editorial, que obrigavam à seleção de apenas duas cientistas portuguesas”, contou com o contributo da AMONET (Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas).

A versão em língua portuguesa conta com duas cientistas portuguesas, Branca Edmée Marques e Elvira Fortunato, para lá das restantes 50 presentes na edição original. Ada Lovelace, Wang Zhenyi e Hertha Marks Ayrton são algumas das cientistas retratadas na obra.

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Um prémio português atribuído a uma cientista, uma mulher, uma portuguesa!

2021.03.11 – Louro de Carvalho

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