Passa
hoje, dia 9 de dezembro, o Dia
Internacional contra a Corrupção. O dia e o objetivo foram definidos pelas Nações
Unidas por ter sido neste mesmo dia, em 2003, na cidade de Mérida, no México, que
foi assinada a Convenção da ONU contra a Corrupção por mais de 100 países.
O objetivo da
convenção é criminalizar, a nível internacional, a corrupção, assim como outros
comportamentos que lhe estão associados, como é o caso do branqueamento de
capitais e o da obstrução à justiça. Este instrumento da ONU postula ainda a
cooperação internacional, considerando que o bom relacionamento entre as diferentes
autoridades nacionais é importante na ajuda ao combate a estes crimes,
nomeadamente através do auxílio judiciário e da extradição.
Na ótica da
ONU, a corrupção é um flagelo que urge combater até porque ela constitui ameaça
direta à “redução da pobreza” e à obtenção dos ODM (Objetivos de Desenvolvimento do
Milénio).
Por sua vez, o
Papa Francisco, tem-se referido, muitas vezes, aos cancros da corrupção e da
exploração laboral (de
que é exemplo o discurso na cidade de Prato, em 10 de novembro passado). E, em Nairobi, também no passado
dia 27 de novembro, apresentou a “corrupção” como um dos principais problemas
das sociedades, referindo que ela não invade apenas a política, mas pode
atingir todas as instituições, incluindo o Vaticano.
Francisco sustentou que a corrupção é algo que se “mete
dentro” das pessoas; “é como o açúcar: é doce, gostamos, é fácil, e depois acabamos
mal. Com tanto açúcar, acabamos diabéticos ou o nosso país acaba diabético”.
Depois, sentenciou e apelou:
“Cada
vez que aceitamos um suborno e o metemos ao bolso, destruímos o nosso coração,
a nossa personalidade e a nossa pátria. Por favor, não tomem o gosto a esse
açúcar que se chama corrupção”.
E acrescentou que a corrupção rouba a “alegria” e a “paz” e
deixa “feridos” os homens e mulheres que assistem a estes exemplos.
***
A
efeméride ficou hoje assinalada, em Portugal, por dois eventos: a conferência “Juntos contra a Corrupção”, no novo edifício-sede da PJ (Polícia Judiciária), com a participação do Ministro da Saúde, Adalberto Campos
Fernandes, do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da
Silva, e da Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e ainda onde usou da
palavra o diretor nacional da Polícia Judiciária, Almeida Rodrigues; e o seminário “Prevenir e Investigar”, no auditório
do Tribunal de Contas, organizado, em conjunto,
pelo Conselho de Prevenção da Corrupção, Observatório de Economia e Gestão de
Fraude, Sindicato dos Magistrados do Ministério de Público e Polícia
Judiciária.
Por seu turno, o MP (Ministério Público) elaborou um Programa de Ação para combater a
corrupção, publicado hoje no site do Ministério
Público (http://www.ministeriopublico.pt), que
propõe a criação de um “Grupo Permanente contra a Corrupção” e a definição de
uma “Estratégia de Comunicação”.
No seu preâmbulo, Euclides Dâmaso Simões, Procurador-Geral
Adjunto, admite que a crise financeira “pode trazer um agravamento dos índices
de corrupção”, e não apenas da “corrupção de guichet” em que os funcionários pretendem compensação perdas
salariais. E assinala o avanço da “corrupção a alto nível”, incluindo o
concernente ao “financiamento partidário”, já que, neste âmbito, “o progressivo
desinteresse dos cidadãos pela política tornará mais dispendiosas as ações de propaganda
e de captação do voto”. Por outro lado, supõe que também “a privatização de
importantes empresas do setor público” poderá “criar riscos elevados de
corrupção, associados sobretudo às promiscuidades e conflitos de interesses
tradicionalmente reinantes”.
Face a este panorama, defende que, “em tempo de
escassez de recursos”, se impõe a procura de “soluções que, sempre num quadro
de congruência constitucional com as normas e princípios enformadores do Estado
de Direito, propiciem melhores níveis de eficácia”. Para tanto, defende:
“No plano
repressivo há sobretudo que ultrapassar o inquietante défice de efetividade do
significativo arsenal legislativo de que já dispomos, resgatando as normas das
páginas do Diário da República e implementando-as no terreno dos casos
concretos”.
E sublinha confiante:
“Agora que
está implantada, pelo menos ao nível do Ministério Público, uma arquitetura
mais propícia ao seu conseguimento, o alcance desse objetivo passa pelo
recrutamento de magistrados de perfil e vocação adequados, pela sua
concentração em unidades diferenciadas e por investimento na sua constante capacitação”.
Dâmaso Simões advoga ainda:
“Uma
estratégia coerente de intervenções, que potencie sinergias através da
instituição de regras organizativas, distribuição de competências e boas
práticas de intervenção, desde os aspetos mais gerais, nomeadamente, a
cooperação de entidades externas com competências neste âmbito, até aos
detalhes formais em que tantas vezes naufraga a razão e ingloriamente se perde
a substância”.
***
Intitulado “O Ministério Público
Contra a Corrupção – Programa de Ação”, o programa está
estruturado em quatro eixos de intervenção: Organização, Prevenção,
Repressão e Formação.
No atinente
à organização,
o documento seleciona, entre muitas outras medidas, a definição de uma
“Estratégia de Comunicação”, em que se defina claramente “quem comunica, o que
comunicar, como comunicar e quando comunicar”. Por outro lado, prevê: a criação
de um “Grupo Permanente contra a Corrupção”; o “reforço das equipas
especializadas no DCIAP”; a afetação de um magistrado “em exclusivo a
investigações que, pela sua complexidade, o justifiquem”; e a “constituição,
sob a direção do MP, de equipas especiais de investigação integradas por um ou
mais órgãos de polícia criminal”.
Além disso, o MP pretende: “reestruturar a organização
interna e as formas de intervenção”; “instituir mecanismos de troca de
experiências, conhecimentos, dificuldades e avaliação de resultados”; “assegurar
a recolha, tratamento e divulgação de informação estatística”; e “definir a
estratégia de comunicação interna, com a sociedade e a comunicação social”.
O programa propõe também que o MP seja dotado de uma “aplicação
informática destinada à gestão e acompanhamento do inquérito, à gestão da
informação e à produção de estatística uniforme e fiável”.
No âmbito da prevenção, o MP preconiza: o desenvolvimento
de “iniciativas que permitam identificar e monitorizar as áreas e atividades
geradoras de maior risco de corrupção”; “identificar e sistematizar
'indicadores de corrupção'”; “definir metodologias de atuação nas Averiguações Preventivas”; e “identificar
eventuais insuficiências ou obscuridades da lei”.
No concernente ao eixo da repressão, o programa do
MP visa: “redirecionar os meios e definir estratégias e metodologias de atuação”;
“redefinir métodos de articulação entre a fase de investigação e as fases
posteriores de julgamento”; “adotar boas práticas, uniformizar e reforçar a
atividade investigatória”; e “uniformizar e reforçar a unidade de atuação”; e “reforçar
a assessoria especializada”.
O documento propõe, no âmbito da formação, atividades de “formação
específica e capacitação”.
***
É curioso notar que o eixo em que se preveem mais
itens de melhoria é o da organização,
a que está ligada a vertente da comunicação,
ao passo que o eixo menos contemplado é o da formação, tanto na vertente da especificidade como na da
capacitação.
No entanto, o referido programa está longe de
constituir a primeira iniciativa no combate à corrupção. Assim, a página web do DCIAP (Departamento Central de
Investigação e Ação Penal) disponibiliza suficiente informação
sobre o tema e uma aplicação através da qual, qualquer cidadão que tenha conhecimento
sustentável de casos de corrupção os pode denunciar, mantendo, se preferir o
anonimato, obviando assim ao receio de represálias.
Também a associação cívica TIAC – Transparência e integridade – organização não-governamental, representante,
em Portugal, da rede global anticorrupção (Transparency International),
disponibiliza uma aplicação para a denúncia anónima de casos de corrupção,
fornecendo também outras oportunidades de informação e de comunicação.
***
Também a nossa legislação é bem mais abundante e clara do que
nos fazem crer. Resta a ação.
O combate ao crime de corrupção faz-se quer através do direito substantivo, que estabelece a previsão e a punição dos comportamentos
qualificados como corrupção, quer através do direito adjetivo, que
define as regras que regulam o processo penal.
Ao primeiro caso,
vem o Código Penal (CP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, com sucessivas
alterações, a última das quais foi introduzida pela Lei n.º
110/2015, de 26 de agosto.
O CP tipifica, no Título V, Dos crimes contra o Estado, o crime de corrupção e todo um conjunto
de crimes conexos, igualmente prejudiciais ao bom funcionamento das
instituições e dos mercados – cujo elemento comum é a obtenção de vantagem (ou compensação) não devida.
Assim, no Capítulo IV, Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas, nos art.os
372.º a 374.º-B, são previstos e punidos os crimes de corrupção (passiva e
ativa) e o recebimento indevido de vantagem, bem como as condições de
agravamento ou atenuação das penas. Estão ainda tipificados os seguintes crimes
conexos: peculato (art.º 375.º), peculato de uso
(art.º 376.º), participação económica em negócio (art.º 377.º), concussão (art.º 379.º) e abuso de poder (art.º 382.º), tal como o crime de tráfico de influências
(art.º 335.º) e também o crime de administração danosa, no setor
público ou cooperativo (art.º 235.º).
Em legislação
avulsa, o combate à corrupção é estipulado, entre outros, nos
seguintes diplomas:
- Lei n.º 34/87, de 16 de julho,
determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos ou de
altos cargos públicos, em especial no art.º 16.º (recebimento
indevido de vantagem), nos art.os
17.º e 18.º (corrupção passiva e ativa), nos art.os 20.º a 22.º (peculato), no art.º 23.º (participação económica em negócio) e no art.º 26.º (abuso de poderes).
- Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, aprova
o regime geral das infrações tributárias, refere a corrupção como agravante nos
crimes aduaneiros (alínea d do
art.º 97.º), nos crimes fiscais (alíneas c e d
do art.º 104.º) e nos
crimes contra a segurança social (n.º 3 do art.º 106.º).
- Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto,
estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis
de afetar a verdade, lealdade e correção da competição e do seu resultado na
atividade desportiva (revoga o DL n.º 390/91, de 10 de outubro, com exceção
do art.º 5.º), em
especial nos art.os 8.º e 9.º (corrupção passiva e ativa), no art.º 10.º (tráfico de influências) e no art.º 11.º (associação criminosa).
- Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro,
aprova o Código dos Contratos Públicos,
estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e determina a
impossibilidade de serem candidatos, concorrentes ou de integrarem qualquer
agrupamento, as entidades que tenham sido condenadas por sentença transitada em
julgado pelo crime de corrupção (art.º 55.º).
- Lei n.º 20/2008, de 21 de abril,
cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no setor
privado, dando cumprimento à Decisão-Quadro n.º 2003/568/JAI, do Conselho, de 22
de julho, em especial no art.º 7.º (corrupção ativa com prejuízo do
comércio internacional) e nos art.os
8.º e 9.º (corrupção ativa e passiva no setor privado).
No âmbito do direito processual penal, vem o CPP (Código de Processo Penal) – aprovado pelo DL n.º 78/87, de 17
de fevereiro, com sucessivas alterações, de que a última foi introduzida pela Lei n.º
130/2015, de 04 de setembro – que estabelece
as normas gerais sobre os meios de prova, meios de obtenção de prova e
realização do inquérito. Depois, há a seguinte legislação avulsa especificamente aplicável no combate ao
crime de corrupção:
- Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, definiu medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e
financeira;
- Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro,
estabelece novas medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira
e introduz mecanismos de investigação e de repressão mais eficazes em matéria
de derrogação do segredo fiscal e das entidades financeiras, de registo de voz
e imagem enquanto meio de prova e de perda em favor do Estado das vantagens do
crime.
- Lei n.º 93/99, de 14 de julho,
fixa medidas de proteção de testemunhas, referindo a corrupção e crimes conexos
como condição para a não revelação da identidade da testemunha (art.º 16.º).
- Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto,
aprova o regime jurídico das ações encobertas para fins de prevenção e investigação
criminal.
- Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto,
aprova a Lei de Organização da Investigação
Criminal, refere, no art.º 7.º, ser da competência reservada da PJ, não
podendo ser deferida a outros órgãos de polícia criminal, a investigação, entre
outros, dos crimes tráfico de influência, corrupção, peculato e participação económica
em negócio, bem como dos crimes com estes conexos.
- e, finalmente, a Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto,
Lei Orgânica da Polícia Judiciária, prevê a criação da UNCC (Unidade Nacional
de Combate à Corrupção) com
competências em matéria de prevenção, deteção, investigação criminal, bem como
a coadjuvação das autoridades judiciárias relativamente aos crimes de
corrupção, peculato, tráfico de influências e participação económica em
negócio.
***
Com
tudo isto, como é que ainda há ou haverá corrupção em Portugal? Será milagre?
2015.12.09 –
Louro de Carvalho
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