Depois
de cerca de 9 horas de debate, a maioria parlamentar que apoia o XXI Governo
Constitucional reprovou hoje, dia 3 de dezembro, a moção de rejeição do
programa apresentada pela frente partidária constituída pelos deputados do PSD
e do CDS.
Era
um instrumento de oposição condenado à partida, pois, a maioria que se
comprometeu a viabilizar o governo minoritário do Partido Socialista não iria falhar
desta vez como não falhou, a 10 de novembro, na votação da moção da rejeição do
programa do XX Governo, que antecedeu o presente durante 28 dias (o
tempo duma revolução e translação lunares).
Alguns
comentadores políticos apontam a inutilidade desta moção de rejeição
apresentada pelos partidos que formaram a PaF, justamente por considerarem que
a sua condenação estava à vista.
No
entanto, é de defender a legitimidade e utilidade da moção.
A
legitimidade provém do teor do texto constitucional, que admite a apresentação
da moção de rejeição do programa do governo, a qual, se for aprovada pela
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, implica a demissão do
Governo, o que sucedeu com o III Governo Constitucional e agora com o XX. Do
mesmo modo, a aprovação de uma moção de censura ao governo ou a não aprovação
de uma moção de confiança solicitada pelo governo, tomada uma e outra decisão pela
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, implicam a demissão
do governo. E o art.º 195.º da CRP não limita, quanto à ciência ou não ciência
do seu destino, a legitimidade da apresentação destas moções. Elas constituem
uma forma de manifestação expressa de oposição em concreto à linha política do
executivo.
Por
outro lado, não é contestável a utilidade destas moções mesmo que reprovadas ou
condenadas à partida. Constituem uma apreciável tomada explícita de posição das
diversas bancadas parlamentares e servem de pretexto e ocasião para que cada
grupo parlamentar disserte sobre as diversas matérias de políticas
públicas.
Ninguém
negou a utilidade formal da apresentação da moção de rejeição do programa do
III Governo Constitucional ou as recentes quatro moções de rejeição do programa
do XX Governo Constitucional (de que resultou a demissão), como ninguém ousou questionar
a moção de confiança solicitada pelo líder do VI Governo Constitucional (que
reforçou a investidura)
– sabendo-se à partida qual seria o resultado de cada um daqueles instrumentos
regimentais.
Ademais,
a experiência parlamentar regista vários casos de apresentação de moções de
censura apenas para mostrar claramente a posição adversa da bancada parlamentar
que a apresenta e da(s) que a segue(m). E regista a solicitação de uma moção de
confiança apresentada pelo I Governo Constitucional, que, como era expectável,
levou à sua demissão, seguindo-se o II constituído por ministros do PS e do CDS.
E,
com resultado não imediatamente previsível, ficou na memória a moção de censura
ao X Governo Constitucional apresentada pelo PRD, a que se juntou o PS liderado
por Vítor Constâncio. Daí resultou a demissão do executivo, a dissolução da
Assembleia da República e as eleições que deram a primeira maioria absoluta a
um só partido, no caso o PSD.
***
Quanto
à utilidade da presente moção de rejeição do governo liderado por António
Costa, é de sublinhar que, por um lado, marcou a clareza da oposição dos
partidos da direita parlamentar e consolidou politicamente a posição da maioria
parlamentar em que se apoia o executivo. Os deputados dos partidos deste arco
da governabilidade (Imaginem a blasfémia que estou a
proferir para alguns ouvidos!)
usaram da palavra para, sem colocarem de lado as divergências de fundo,
evidenciarem os pontos de convergência que permitiram a viabilização deste
governo e renovarem com maior explicitação o seu apoio. Chegaram ao ponto de
declarar que este é um programa de governo do PS, mas é para a legislatura,
acautelando a Câmara legislativa de que não se pode exigir tudo de um momento
para o outro.
Ao
mesmo tempo, a apresentação da moção de rejeição serviu de oportunidade para a
reiteração das ideias de base da PaF, sobretudo no atinente à insistência na
falta de legitimidade política deste executivo. É óbvio que nem se falou do
conteúdo da moção nem deste programa de governo de 262 páginas nem das 138
páginas do programa anterior, mas a Assembleia da República serviu de palco a doestos
e piadas inusitadas.
Passos
Coelho falou do Primeiro-Ministro como um líder de governo não escolhido pelo
povo. Apontou-lhe a marca de cinismo político ao anunciar o “contrário do que o
país precisa” e apresentou-o como o chefe aventureirista escolhido pelos
deputados eleitos pelo povo, que o constituíram chefe nas “costas do povo”.
Mais declarou que não virará as costas ao interesse nacional posicionando-se
num centro moderado, mas aconselhou que, se o reconhecerem como necessário para
a tomada de medidas decisivas ou se não forem capazes de aguentar a pressão do
país e da Europa, que tenham a dignidade de devolver a palavra ao povo.
O
ex-Primeiro-Ministro depõe o futuro de Costa, que, na sua ótica, “usurpou” o
poder, no colo do PCP. Tanto assim é que, ao falar alegadamente no debate do
programa do Governo do PS, Passos referiu várias vezes os comunistas, aos quais
apelidou de “antieuropeístas de pendor monolítico”, e olvidou, talvez
propositadamente, o BE.
Em tom
indignado e crispado, Passos descreveu a subida de Costa ao Governo como uma
jogada de “cinismo político” de quem, de forma “dissimulada, apenas viu
desesperadamente uma oportunidade para chegar ao poder”, tendo para o efeito
recusado “a solução natural”, ou seja, a negociação com a direita, a alegada
“vencedora das eleições”. Aqui, a responsabilidade da ineficácia da negociação–
é de recordar – cabe a uma e a outra parte.
Relativamente
ao programa do governo, o ex-primeiro-ministro antevê maus resultados,
vaticinando que o “aventureirismo” afastará os “investidores”. E questionou a
fratura entre o programa do PS e do PCP, declarando ter dificuldade em perceber
qual a categoria em que arrumam a questão europeia: “na visão tradicional dos
socialistas, na das esquerdas, ou num misto estilo Syriza”.
Paulo
Portas, por sue turno, mostra-se mais agressivo ainda com António Costa, a
ponto de se lhe dirigir: como ao “senhor primeiro-ministro, vírgula, mas não o
primeiro-ministro que o povo escolheu”.
O
ex-Primeiro-Ministro recorreu ao jargão dos adolescentes nas redes sociais para
classificar a relação dos líderes da esquerda como “BFF”. “Best friends
forever” – “amigos para sempre”. Contra os protestos da esquerda e secundado
pelos aplausos da direita, Portas especificava:
“Ficam escolhidos hoje os seu BFF”, disse Portas para
António Costa. “Catarina é best friend de António, António é best friend de
Jerónimo, Jerónimo – e só isso não é novo – é best friend de Heloísa.”.
Desta
relação tirou a seguinte ilação: “será destas novas redes de “BFF” que depende
o futuro do Governo. Dependendo deles, cairá. É a vida.” (Aqui, com a última frase, citou
Guterres e Costa). E fez
consistir no levantamento desta relação dependencial a importância da moção de
rejeição do programa de Governo que PSD e CDS propuseram conjuntamente,
explicitando que ela separará águas e clarificará alinhamentos. Mas esclarece
mais detalhadamente utilizando uma metáfora futebolística:
“Na ausência de uma moção de confiança, só a moção de
rejeição permite o voto clarificador. Não havendo nem uma nem outra, este
debate ficaria sem conclusão. Seria uma espécie de dissolvente da ilegitimidade
que vos incomoda. Seria uma partida amigável”.
E
Portas, que deixou claro que consigo não haverá partidas amigáveis com a
esquerda, afirmou a diferença da relação do PS com a sua esquerda dizendo que o
executivo só o será “apenas e enquanto o
politburo do Partido Comunista entender que deve ser”, ao passo que “o BE
já está na lapela do Dr. António Costa”.
Segundo
Portas, “é a vontade do PCP que decidirá o estilo do Governo de Portugal” e
porfia que, se Costa “preferiria a nossa moleza, terá a nossa firmeza”.
***
Finalmente,
a moção de rejeição do programa do governo serviu para evidenciar a preparação
política de alguns ministros e deputados e a insuficiente preparação política
de ministros-chave da governação, que não acompanha a sua capacidade científica
e profissional.
Assim,
enquanto Carlos César ou Vieira da Silva respondem à letra (“Habituem-se!”), Mário Centeno, que do alto da sua
inquestionável competência, faz bem em não apresentar, ao de leve e sem
conhecer o estado detalhado das contas públicas, previsões numéricas que podem
ser desmentidas de um dia para o outro, falha rotundamente quer em não saber
dirigir-se ao Parlamento quer, ao alertar para os riscos do sistema financeiro,
ter remetido, de forma acrítica para o Banco de Portugal e para a Europa as
respostas à situação no Novo Banco e no Banif – o que se criticava ao governo
de Passos.
Tem
Centeno de fazer uma boa caminhada, pois a política também se alimenta da
imagem.
Ademais,
um governo cuja legitimidade política põem em causa precisa de a afirmar e
reforçar através do exercício, correspondendo, na medida do possível, às expectativas
das pessoas e afastando o espectro da iniquidade e da ineficiência na saúde, segurança
pública e segurança social, educação, justiça do foro e justiça social, finanças
e cultura, investigação e ciência.
2015.12.03 – Louro de
Carvalho
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