segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Venda do Banif ou presente envenenado de Natal?

A posição do Estado no Banif (60,5% do capital social), que passou uma travessia no deserto de três anos, foi vendida ao grupo espanhol do Santander Totta por 150 milhões de euros, junto ao fim do dia 20 de dezembro. O grupo comprou os ativos saudáveis do Banif e assume os balcões e trabalhadores do Banco. Esta aquisição do Banco liderado por Jorge Tomé ocorreu no quadro de uma medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal. 
 O Banif já tinha procedido à venda da posição de 78,46% que detinha no Banif Bank, em Malta. 
Entretanto, estava aberto concurso destinado à venda voluntária do Banif, a que se tinham apresentado seis candidatos até ao final do dia 18 – prazo limite para a apresentação de concorrentes –, candidatos entre os quais se contava o Santander Totta. Porém, o concurso acabou por não resultar na venda do Banco, dado que as propostas apresentadas implicavam novas ajudas do Estado à instituição. 
Apesar de o novo dono disto ter assumido os balcões e a generalidade dos trabalhadores do Banco adquirido, só uma parte dos trabalhadores do Banif serão integrados no Santander Totta, ficando outra parte, cujo número o Ministro das Finanças não contabilizou, adstrita a um veículo com vários ativos – veículo esse que fica com o ónus de manter o anteriormente definido plano de reestruturação para o Banif. 
Esta informação da parte do Ministro das Finanças, Mário Centeno, consta da conferência de imprensa havida após o Conselho de Ministros extraordinário de hoje, dia 21, que decidiu a apresentação à Assembleia da República de uma proposta de alteração do Orçamento do Estado para 2015, um orçamento retificativo, que até há pouco tempo era considerado desnecessário.
O Santander Totta adquiriu o Banif, por 150 milhões de euros, no âmbito da aplicação de uma medida de resolução ao Banco. No âmbito desta operação, o Estado vai injetar 2,2 mil milhões de euros no Banco liderado por Jorge Tomé e de que o Dr. Luís Filipe Marques Amado é o chairman, o qual admitia em 7 de dezembro a fragilidade no sistema financeiro nacional.
O ex-governante afirmava, naquela data, que “caminhamos para o reforço da união bancária e, na linha desse processo, vamos ter licenças bancárias europeias”, situação que abrirá caminho à existência de “bancos que podem atuar nos mercados da zona euro com a mesma marca e sem a fragmentação que hoje existe”. Sobre a situação peculiar do Banif em Portugal, Luís Amado defendia que, “proteger o Banif é proteger o dinheiro dos contribuintes que nele foi aplicado”.
De acordo com o Ministro das Finanças, “os direitos laborais serão respeitados”, mas “o processo de reestruturação em curso manter-se-á e é nesse contexto que serão tomadas decisões de matéria laboral”. Ora, sabe-se que o Banif, enquanto instituição liderada por Jorge Tomé, já referido, tem em curso um programa de rescisões voluntárias com os seus trabalhadores, sendo que, desde 2012, tem vindo a reduzir-se o número de balcões e de funcionários.
Espera-se que aquele veículo, que tem um conjunto de ativos em gestão não especificado, que será gerido pelo Fundo de Resolução e “que vai ter de ser vendido”, resulte no máximo de retorno possível para o Estado”. 
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Feitas as contas, o panorama cifra-se no seguinte:
O Conselho de Ministros aprovou hoje, dia 21, a proposta de lei para a alteração do Orçamento do Estado para 2015, devendo o texto e os mapas do Orçamento dar entrada de imediato na Assembleia da República. A este propósito, o Presidente da Assembleia da República convocou com urgência uma conferência de líderes parlamentares para hoje, de modo que o orçamento retificativo possa começar a ser discutido já no próximo dia 23.
Está prevista orçamentalmente uma injeção total de 2.255 milhões de euros para financiar a resolução do Banif, assim repartida: uma ajuda direta de 1.766 milhões de euros do Tesouro; e um empréstimo de 489 milhões ao Fundo de Resolução.
O orçamento retificativo ora proposto terá impacto no défice orçamental do próximo ano da ordem de um ponto percentual do PIB, e a ajuda estatal ainda deverá afetar o défice dos próximos anos mercê do impacto dos juros. Todavia, Mário Centeno diz que este tipo de operações não conta no âmbito do procedimento por défice excessivo, devendo Portugal conseguir apresentar em Bruxelas um défice inferior a 3% do PIB, como previsto.
Sobre a medida de resolução aplicada ao Banco, Centeno explicitou que “há três anos que o Banif tinha uma ajuda do Estado que era classificada pela Comissão Europeia como temporária” e que o Governo se viu sob o sistema de “urgência”, decorrente das “crescentes dificuldades do Banco, bem como da alteração regulatória que ocorrerá a 1 de Janeiro de 2016, que tornará mais gravosos todos os processos de resolução bancária”.
Os bancos vão assumir uma parte da fatura da intervenção no Banif. Os preditos 489 milhões de euros que o Fundo de Resolução injetou no Banco terão de ser pagos, ao longo de vários anos. Porém, no imediato, o Estado vai emprestar 489 milhões de euros ao Fundo de Resolução. No entanto, este valor terá que ser reembolsado, à medida que as contribuições regulares que os bancos têm de fazer para aquele mecanismo permitam a libertação de fundos.
Ora, tendo em linha de conta o peso de cada banco no Fundo de Resolução, a CGD e o BCP são os bancos que mais vão pagar pela intervenção no Banif. O banco público terá de responder por mais de 20% daquele custo, ou seja, por cerca de 100 milhões de euros. Já a instituição liderada por Nuno Amado deverá ter um encargo ligeiramente inferior.
Por seu turno, a Comissão Europeia, em comunicado hoje divulgado, esclarece que os acionistas e obrigacionistas subordinados “contribuíram totalmente” para o custo da resolução do Banif, “reduzindo a necessidade de ajuda pública”, “em linha com os princípios de partilha de custos”.
Nesse comunicado, em que são contabilizados os custos da resolução do Banif, as autoridades europeias sublinham que as medidas em relação ao Banco foram tomadas “de acordo com as regras de ajudas públicas da União Europeia”.
A Comissão Europeia fala de um apoio público do Estado português de 2,25 mil milhões de euros que visa “cobrir as necessidades de financiamento na resolução do Banif em linha com as regras europeias de ajudas estatais”. Mais refere que, adicionalmente, serão aplicados 422 milhões na cobertura da transferência das imparidades dos ativos para um veículo financeiro, bem com uma ajuda adicional na forma de garantia do Estado, o que eleva “as medidas potenciais de ajuda até 3 mil milhões de euros”.
Ainda no atinente às ajudas públicas ao Banif, o comunicado de Bruxelas acrescenta que a decisão de resolução – e venda de parte dos ativos do Banco ao Santander Totta – quer dizer que é “finalmente aprovada a ajuda de 1,1 mil milhões de euros que Portugal deu ao Banif em Janeiro de 2013” (do qual falta o Estado receber 825 milhões de euros), o que significa que a Comissão pode anular o procedimento de investigação formal [às ajudas públicas]”. Nestes termos, “a saída do Banif do mercado resolve de forma suficiente as distorções à concorrência resultantes” da ajuda então prestada. 
Por fim, a Comissão revela não ter sido dada “qualquer ajuda no processo de venda ao comprador Santander Totta”, já que “o balanço sólido e a forte presença do Santander Totta irão permitir que a operação do Banif, incluindo a rede de balcões, seja imediatamente integrada na atividade do Banco Santander Totta, permitindo o seu regresso a uma situação de viabilidade no longo prazo”. 
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A medida de resolução anunciada pelo Banco de Portugal no dia 20, domingo, bem como a venda dos ativos saudáveis do Banif ao Santander Totta por 150 milhões de euros, foi tomada no âmbito do regime europeu de resolução em vigor até ao final deste ano, que enquadrara igualmente a resolução do Banco Espírito Santo e que prevê que acionistas e obrigacionistas subordinados sejam chamados a assumir as responsabilidades diretas com os custos de uma intervenção pública. Coisa diferente se passará a partir de 1 de Janeiro de 2016, momento em que o enquadramento legal da resolução bancária será alterado, alargando a responsabilidade a todos os obrigacionistas e também a grandes depositantes.
Isso mesmo foi enfatizado pelo Primeiro-Ministro, António Costa, na sua “Comunicação ao País” deste domingo, para justificar “a maior urgência” exigida para aplicar a medida de resolução ao Banif, com o objetivo de proteger todos os depósitos.
Mas o Primeiro-Ministro disse mais. A Comissão Europeia dera um prazo ao Governo de Portugal para resolver o caso do Banif até 31 de março do corrente ano, já que não fora cumprido o que estava previsto ter acontecido até 31 de dezembro de 2014. O Governo terá empurrado para a frente a questão e, no dia 18, a Comissão Europeia urgiu a resolução sob pena de o Banif não ter, a partir do dia 21 de dezembro, capacidade para operar no mercado financeiro, prejudicando os depositantes e investidores nos diversos produtos financeiros. Assim, os até agora clientes do Banif passarão a desenvolver a sua relação bancária com outro interlocutor forte e credível: o Santander Totta.
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Das palavras do Banco de Portugal (BdP), de que a resolução em vigor fora a mesma aplicada ao BES, deduz-se que o BdP e o XIX Governo mentiram ao terem querido convencer o povo de que não havia encargos para os contribuintes com a resolução do BES, quando agora Governo e BdP dizem claramente que a operação foi altamente gravosa para os contribuintes.
Por outro lado, o comportamento do XIX Governo foi marcadamente eleiçoeiro e, ao contrário dele, o atual Governo não se ocultou por detrás do BdP quanto a responsabilidades.
Vergonhosamente, só agora se ficou a saber que o esquema regulatório vai mudar a partir de 1 de janeiro pf, sendo o peso da resolução repartido, em casos futuros, pelos depositantes.
Dizem agora que o Governo protelara a solução para o Banif para não denegrir a saída limpa da troika. Que importa uma saída limpa se a carteira dos contribuintes, sobretudo trabalhadores e pensionistas (do regime contributivo e do regime social) ficam com a carteira cada vez mais esfarrapada?
É caso para nos interrogarmos para onde caminha o sistema financeiro português, que “é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social” (CRP, art.º 101.º)? Que anda a fazer o Banco de Portugal, que “é o banco central nacional e exerce as suas funções nos termos da lei e das normas internacionais a que o Estado Português se vincule” (CRP, art.º 102.º)?
Razão tem Cavaco Silva ao afirmar que se deve ter muito cuidado com a escolha das palavras quando se fala do sistema financeiro. Mas, se é certo que ele sabia do que se passava, porque é que só pôs sob vigilância sobre o sistema financeiro o XXI Governo e não também o XIX e o XX, uma vez que o problema do Banif vem já de 2012?
Que anda a fazer o Governador do BdP, tão competente, mas incapaz de evitar a derrocada da banca portuguesa, deixando-a paulatina ou precipitadamente cair na dependência do capital estrangeiro e nas mãos de decisores que se locupletam à custa das poupanças dos clientes? E vem à última hora fazer de bombeiro às ordens da Comissão Europeia ou do BCE, para quê?
Será que foi reconduzido para protelar para depois das eleições a questão Banif? Ou também foi Sérgio Monteiro, ex-Secretário de Estado dos Transportes, que conseguiu a venda do Banif?
Depois, os números do encargo do Estado nesta operação não coincidem: 2,2 mil milhões, 2,25 mil milhões ou 2,225 milhões. Porquê?
Venha daí a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pedida pela esquerda e aceite pela direita. Mas que, além de pôr tudo em pratos limpos, como no caso da CPI ao BPN e da CPI ao BES/GES, tenha consequências práticas. E, sobretudo, que os tribunais não se coíbam, como até agora, de fazer justiça imparcial, célere e eficaz!

2015.12.21 – Louro de Carvalho

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