quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Da Homilia do Bispo do Porto na Abertura Diocesana da Porta Santa

No passado dia 13 de dezembro, III domingo do Advento, tradicional e liturgicamente denominado Domingo da Alegria, o Senhor Bispo do Porto abriu a Porta Santa da Catedral, à semelhança do que sucedeu na generalidade das catedrais diocesanas do mundo. Tratava-se da concretização da inauguração do Jubileu Extraordinário da Misericórdia na sede de cada uma das Igrejas particulares (incluindo a catedral de Roma, a Basílica de São João de Latrão), iniciada pelo Papa Francisco no dia 8 de dezembro, solenidade da Imaculada Conceição, da Mãe de Misericórdia, e cinquentenário do encerramento do Concílio Vaticano II. Mas não podemos esquecer que o Papa, quase no termo do seu périplo pelo Evangelho e pela Paz por três países africanos, de periferia existencial, houve por bem abrir a Porta Santa, por antecipação, na catedral de Bangui, no dia 29 de novembro, I domingo do Advento e início do Ano Litúrgico.
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A homilia que o Venerando Bispo do Porto proferiu na ocasião está repleta de preciosidades – desde algumas curiosidades a abundantes pérolas de espiritualidade. 
Em termos de curiosidades, ficamos a saber – se não o sabíamos – que a diocese portuense se estrutura em 23 vigararias, onde no próximo domingo, dia 20, se vai replicar a abertura da Porta Santa; que tem 28 instituições designadas por Santas Casas da Misericórdia; que Nossa Senhora, Mãe de Misericórdia, é invocada sob especiais títulos na diocese do Porto, tendo o bispo diocesano referido três: “Senhora de Vandoma, na Cidade, Senhora da Assunção, na Catedral e Senhora do Manto Largo, nas vinte e oito Santas Casas da Misericórdia da Diocese do Porto”.
Esta invocação de Senhora do Manto Largo, como espelho do rosto materno de Deus (cf Is 49,15; 66,11.13; Os 11,3-4; Lc 13,34) – dada a conotação que o manto significa de proteção, afago, refúgio e abrigo – remete quase espontaneamente para aquela pequena oração mariana, que é das mais antigas da tradição viva da Igreja:
“À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades; Mas livrais-nos de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita”.
Quanto às pérolas de espiritualidade, sustentadas nas Escrituras e no Magistério eclesial, temos de reconhecer que elas são muitas, sobretudo se atendermos à pequena extensão texto, que, além do mais, contém segmentos de circunstancialismo oportunos para a dimensão eclesial da celebração.
Em primeiro lugar, é de acentuar o significado desta Porta Santa da Catedral. Ela dever ser assumida como símbolo da “grande Porta da Misericórdia de Deus” – uma porta não imaginada, mas tangível, não em razão dos nossos merecimentos, mas da misericórdia divina. E o prelado diocesano carateriza-a nos termos seguintes: “essa porta bonita, embelezada e grande que acolhe os nossos pecados, recebe o nosso arrependimento e nos devolve em abundância a graça e o perdão de Deus!”. E justifica, apoiado na profecia de Isaías: “Um jubileu é tempo de graça, de bênção e de grande perdão” (Is 61,2).
Por outro lado, a Porta Santa atesta a abertura de Deus e da Igreja a todos: “aos de perto” e aos “de longe, provenientes de outras distâncias humanas, geográficas e existenciais”. Ou seja, esta porta aberta é sinal da catolicidade, como bem se pode inferir.
E, como diz o Papa, “a porta diz muito da casa onde vivemos e da Igreja que somos”, cruzar o limiar desta porta postula “a alegria, o respeito, a verdade e a confiança de quem vem ao encontro de Deus”, pois “Ele é Pai de bondade, cheio de ternura e rico de misericórdia”. 
Por isso, considerando que a misericórdia não é uma produção originária dos homens, mas “dádiva de Deus, missão da Igreja e necessidade do Mundo”, é mister que este “Ano Jubilar” exija a sua vivência como tempo de conversão, a partir do qual teremos de ser “todos nós a fazer da misericórdia a alma e o tempo da Igreja”.
Parece ser esta trilogia da misericórdia – dádiva, missão e necessidade – o fio condutor da homilia. Sabendo o insigne prelado que a misericórdia é prerrogativa de Deus, não enclausurada, mas aberta, entende que os homens, sobretudo se enquadrados em Igreja, a devem assumir também como sua. Por isso, o apelo evangélico deste Ano Santo, Sede misericordiosos (Lc 3,36), tem pleno cabimento e pertinência apelativa.
Tendo eu papagueado muitas vezes que João Batista é o precursor do Messias e tudo o mais que se sabe sobre o filho de Zacarias e de Isabel, nunca tinha advertido que João Batista “abriu as portas da Humanidade a Cristo”. E é à luz desta perspetiva que o Bispo nos quer explicar o “que imaginamos ver depois de atravessar os umbrais da Porta da Misericórdia” ou “quem encontramos” e “quem nos aguarda” quando “as portas da Igreja se abrem”. É o “Deus de ternura, de bondade e de misericórdia”, que faz de nós e da sua habitação em nós a sua festa; o “Deus, que protege, que cuida e que salva, como nos lembra Sofonias, o profeta, no seu nome e na sua palavra” (Sf 3,14-18); “a Palavra e os sacramentos, sinais vivos e vivificantes da misericórdia divina”; “Jesus Cristo, rosto da misericórdia do Pai”.
Ora, é através de Cristo que entenderemos que “a misericórdia é o novo nome de Deus”. E, se o orador já foi claro na apresentação da missão misericordiosa da Igreja, agora ensina um conceito simples do ser da Igreja: “é mãe”. E como mãe “a Igreja é família dos filhos de Deus, que querem viver em comunhão serena e feliz de irmãos e irmãs que se amam, se respeitam e se ajudam”.
Em segundo lugar, o Senhor Bispo acentua a dimensão e caraterísticas da catedral como metáfora desta Igreja de Deus onde se celebram “os mistérios da fé e da reconciliação” – e deixa uma palavra explícita de agradecimento aos sacerdotes enquanto “trabalhadores incansáveis do ministério de misericórdia e do sacramento de reconciliação”. Não é fácil encontrar um bispo como este que recorrentemente dá público testemunho de gratidão aos seus presbíteros. Porém, não se fixa exclusivamente nos sacerdotes. Outros e outras são mencionados, como se pode ler a seguir, relevando o serviço que têm prestado, não só à Igreja, mas também ao país:
“Acompanharam-nos, ao entrar nesta Porta Santa, homens e mulheres que, individualmente ou em família, em instituições ou organizações, de que as Santas Casas da Misericórdia são as mais paradigmáticas no nome e na missão, trabalham para que diariamente se cumpram as 14 obras de misericórdia corporais e espirituais, na Igreja do Porto. Homens e mulheres, testemunhas da fé, portadores de estandartes de misericórdia e possuidores de um coração de bondade que amam, cuidam e multiplicam diariamente milagres de misericórdia. São homens e mulheres a quem Portugal muito deve!”.
Frisando a relação da catedral com os trabalhadores da vinha de Deus na celebração do perdão e da repartição da misericórdia, explicita:
“Ao atravessarmos a Porta Santa da Catedral apercebemo-nos [de] que este chão é sagrado e não pode ser profanado, porque nele estão as marcas dos pés e impresso o valor do coração de bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e leigos que fizeram desta Catedral porta aberta à missão e lugar abençoado onde, desde há muitos séculos, se celebra o perdão e se reparte a misericórdia”.
Mas, como símbolo da Igreja atenta ao mundo, a catedral dispõe dum ponto interessante de observação: a rosácea que encima a Porta Santa Catedral. Por isso – explica Dom António Francisco – “este Jubileu abre também as portas da Igreja, para que daqui se veja o mundo com as cores da misericórdia e com os tons da rosácea”. Ou seja, tem de ver-se o mundo com os olhos de Deus tornados olhos de Igreja, no tríplice esquema de análise: ver, avaliar e agir.
Antes de mais, Deus quererá que destaquemos o banco bom e ativo do mundo (metáfora não episcopal, mas deste modesto comentador):
“Entramos, assim, através desta Porta Santa, em domingo da alegria do Advento, no coração do mundo habitado por tanta gente que canta com a vida hinos à misericórdia. É para eles este Ano Santo, conscientes de que pelo seu serviço à Humanidade, eles estão perto de Deus e próximos da Igreja.”.
Porém, é necessário – faz parte integrante da missão da Igreja – denunciar o banco mau, com muitos e excessivos produtos tóxicos e degradantes (outra metáfora não episcopal):
“Entramos, também, a partir desta Porta Santa, com coração de misericórdia e de perdão num mundo traído pelo radicalismo e pela vingança e magoado pela agressividade e pela violência, numa escalada aflitiva que tem no terrorismo a sua expressão mais dolorosa”.
Depois, vem uma síntese de anúncio profético:
“Através desta Porta Santa irradia diariamente a Alegria do Evangelho, que o Papa Francisco nos convida a levar ao coração de todos, para que sejamos: “Misericordiosos como o Pai” (lema do Jubileu da Misericórdia).
Mas o prelado diocesano não esconde a dialética em que se move o mundo:
“Um mundo que não encontrou, ao longo da história, no trono dos impérios, no âmago das ideologias, nos avanços da ciência, nos progressos da técnica, na ambição do dinheiro, na sedução do prazer ou na procura do poder o caminho da paz nem a chave de vidas felizes e de um mundo justo e solidário. (…) Um mundo que é campo aberto para os semeadores da bondade, com avenidas largas para os peregrinos da paz, de braços abertos para os que querem o bem, de mãos disponíveis para abençoar e de coração pronto para perdoar.”.
Enfim, “o mundo a quem servimos”.
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Finalmente, anuncia a distribuição da carta pastoral “Felizes os misericordiosos!”, publicada a 3 de dezembro, subscrita por si e pelos bispos auxiliares, em que ficam plasmados os pontos essenciais do Ano jubilar (a nível espiritual e prático), exprimindo a sua finalidade:
“Queremos, com esta Carta, dizer a todos e a cada um dos que viverem sob o teto das nossas casas e com quem cruzamos nas avenidas e ruas das nossas cidades ou nas veredas esquecidas das nossas terras que são: ‘Felizes os misericordiosos!’” (Mt 5,7).
Revela uma forte ambição pastoral: tornar esta bem-aventurança acessível a todos, mobilizando todos e cada um para o múnus de “mensageiros da misericórdia” para que a “Igreja do Porto” seja “Pátria da Misericórdia”. Entre os destinatários desta ação eclesial destaca: os reclusos, “os que não têm porta para entrar nem esperança e ânimo para viver”.
E apela ao trabalho de todos
“Para que as portas dos hospitais, as celas das prisões, os vãos das escadas e os alpendres das varandas, onde se acolhem os sem-abrigo, sejam portas da atenção social e lugares da justiça humana com marcas da misericórdia divina”.
Sob os auspícios da Mãe de Misericórdia, uma justiça humana que não fira mas respeite e promova, garantindo a dignidade. Prosit!

2015.12.17 – Louro de Carvalho

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