quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Na dobra da mudança de ano…

Neste final de ano e início do novo, cumpre-me fazer uma breve referência à Caminhada de Advento-Natal/2015-2016, proposta pela diocese do Porto e que gravita em torno de dois enunciados evangélicos: Felizes os misericordiosos (Mt 5,7) e Há mais alegria em dar (-se) (At 20,35).
A Caminhada foi objeto de um documento subscrito em 28 de outubro de 2015 pelo Bispo do Porto e respetivos bispos auxiliares à data (agora já Dom João Lavrador é bispo bispo coadjutor de Angra), em que referem, citando o Plano Diocesano de Pastoral para 2015-2020, querer “uma Igreja que faça experiência da misericórdia de Deus e que a traduza em toda a sua vida”. Para tanto pretendem “unir, congregar e mobilizar toda a comunidade diocesana, dando assim seguimento ao fortalecimento da pastoral da comunhão e ao caminho sinodal desejado para a Diocese. E acreditam que, especificamente, a Caminhada de Advento-Natal ajudará as famílias e as comunidades:
. Na descoberta da condição alegre e feliz da identidade cristã;
. Na edificação de uma Igreja decidida a construir a fraternidade, mediante a partilha de dons, com atenção privilegiada aos mais pobres e frágeis da sociedade;
. Na promoção duma educação ecológica, duma cultura de respeito pelos bens da Criação e duma vida sóbria e simples em cada pessoa, família e comunidade;
. Na tradução, em sentimentos, gestos e atitudes do “rosto” acolhedor e missionário da Igreja diocesana, Mãe de bondade, de ternura e de misericórdia, a exemplo da Mãe de Jesus.

Apelam os bispos que servem a comunidade diocesana portuense ao enchimento semanal do “cesto dos nossos dons”, de modo que eles “se transformem em cabaz de generosidade” ou “em manjedoura que acolhe e abriga a vida” e sobretudo “em sinal vivo da misericórdia e da salvação de Deus para todos”.
Advertem que esta Caminhada “não se destina apenas ao percurso catequético, aos grupos de jovens ou às celebrações dominicais, mas a toda a Comunidade e a cada Família”. Ou seja, “dirige-se a toda a Diocese e a cada um dos diocesanos”, devendo a todos “envolver, integrar, acolher e mobilizar”.
E declaram que esta Caminhada de Advento-Natal nos leva ao encontro de Cristo, a fim de que, “a partir deste encontro” – tal como sucedeu “com Maria e José, com os anjos de Deus, com os pastores, com os magos” e vem acontecendo, hoje como ao longo dos tempos, “com tantos discípulos missionários” – saibamos fazer da “Alegria do Evangelho a nossa missão” e proclamar com a palavra e as obras: “Felizes os misericordiosos!”.
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Os bispos utilizam as palavras cabaz, cesto/cesta e manjedoura. Os executores diocesanos das orientações episcopais prestam-nos alguma informação sobre o significado natalício e vital de tais vocábulos, que apresento em síntese livre.
O cabaz, que a tradição acoplou ao Natal, é símbolo da partilha e da onda de solidariedade que a quadra natalina desperta em todos os homens e mulheres de boa vontade e que ganha um sentido de transcendência e proximidade com a virtualidade de que dispõem os crentes. Com efeito, todos os que lutam pela justiça – geradora de fraternidade, desenvolvimento e paz – têm de preconizar, agendar e praticar a solidariedade de modo que todos tenham o suficiente para viver com dignidade e o acesso a todos os meios de apoio à vida. Porém, os crentes têm o dever de envolver este esforço comum com a manta da caridade enquanto espelho efetivo do amor de Deus tornado amor do e ao próximo enquanto oportunidade de nos mostrarmos todos gratos para com o nosso Deus que para todos criou o mundo com os bens e deu aos homens a capacidade de o desenvolver e colocar ao serviço das pessoas.
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Os autores passam do cabaz para o cesto (ou a cesta) que marca alguns episódios interessantes da Bíblia. Assim, “Moisés, filho de hebreus, o menino que chorava, é salvo das águas (Ex 2,1-10) pela filha do faraó” – o que nos transporta para o cesto como sinal de proteção e salvação.
Lembram também “o cesto em que os judeus colocavam as primícias dos frutos da terra, que ofereciam no altar ao Sumo Sacerdote” (Dt 26,1-10). Assim, o cesto surge como expressão da gratidão para com o Criador. E citando o salmista, assinalam o fim da opressão do povo no Egito sintetizado nesta afirmação: “aliviei os seus ombros do fardo, as suas mãos livraram-se de carregar o cesto” (Sl 81/80,7). Eis então o cesto como sinal da justiça e da libertação, operada por Deus na história.
Na profecia de Amós, aparece a “cesta de frutos maduros” (Am 8,1-2) a anunciar “o tempo maduro”, o tempo “para Deus intervir na história”. É “a voz do clamor do povo eleito que chega até Deus” (Ex 3,7).
Por sua vez, o profeta Jeremias, fala da cesta com figos bons e maus” fazendo dos “figos bons” a imagem do “resto de Israel”, daquele resto que se mantém na fidelidade à aliança, aliança em nome da qual qual “Deus atende misericordiosamente o seu Povo”.
O livro dos Atos dos Apóstolos, no Novo Testamento, apresenta-nos São Paulo “descido num cesto por uma janela ao longo da muralha” (At 9,25; cf 2Cor 11,33), a ser libertado da perseguição dos judeus, em Damasco, para prosseguir no anúncio do Evangelho.
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Vendo no cabaz (cesta ou cesto) o símbolo da salvação – partilha e solidariedade, agradecimento, proteção, alívio, libertação – encontramos nele um instrumento pelo qual experimentamos a ação salvífica de Deus. E, esvaziando em prol dos outros o cabaz cheio de bons frutos, aproveitaremos o vazio para a disponibilidade de nos tornarmos a manjedoura que acolhe o misericordioso Cristo da História e o Cristo da Fé, com a obrigação alegre de acolher os irmãos, sobretudo os mais pobres, em quem se espelha o rosto de Cristo a implorar e a exigir a misericórdia solidária ou justiça solidária que, em nome de Deus clama pelos pobres.  
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Para as semanas de cada domingo de Advento e para as semanas em que se celebra o Natal, a Sagrada Família e Santa Maria Mãe de Deus, a Epifania e o Batismo do Senhor, elegeu-se uma palavra-chave, a partir de uma referência bíblica assumida na Liturgia da Palavra, que se expressará com um gesto simbólico e proporá um desafio concreto. Assim, as palavras-chave escolhidas com os respetivos verbos de desafio são: caridade / dá; confiança / confia; bondade / sê bom; acolhimento / acolhe; alegria / alegra-te; família / agradece; presença / cuida; e porta / entra.
Os gestos alternam entre o encher o esvaziar o cabaz familiar ou de grupo e o cabaz paroquial, apresentar e adorar o Menino Jesus e visitar o batistério como que para atravessar a porta da misericórdia.
Quanto aos desafios, são propostas as várias ações de que se destacam as seguintes:
Ao nível do dar: abdicar de algo material e colocá-lo no cabaz; prestar atenção à família e aos que a rodeiam; e auxiliar aqueles que necessitam de ajuda nas pequenas tarefas do dia a dia.
Ao nível do confiar: dedicar algum do tempo à oração confiante; experimentar o conforto e o consolo de um Deus que confia em cada um de nós.
Ao nível do ser bom: disponibilizar-se para ajudar alguém; visitar, sozinho ou em família/grupo, um amigo, um vizinho, um doente, uma pessoa só.
Ao nível do acolher: telefonar/marcar um encontro com alguém que não se veja há muito tempo; procurar, dentro da comunidade, alguém que viva sozinho (ou não tenha família) para partilhar a Ceia de Natal.
Ao nível do alegrar-se: levar aos outros esta mensagem: “Deus ama-te, Cristo veio por ti. Para ti, Cristo é Caminho, Verdade, Vida”!
Ao nível do agradecer: partilhar com amigos e vizinhos uma foto de família, etc…
Ao nível do cuidar: ir ao encontro de alguém com quem nunca se teve coragem de dialogar; sair da “zona de conforto” e tornar-se presente daquele que aparentemente é mais frágil; rezar pelos irmãos perseguidos, refugiados, impedidos de adorar o Deus Menino em paz.
Ao nível do entrar: redescobrir o Batismo como porta de acesso à comunidade; assumir o compromisso no seio desta comunidade, como discípulo missionário; reler o Evangelho desta solenidade como uma mensagem pessoal de Deus para cada um de nós.
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É uma caminha que faz a ponte entre o fim do ano de 2015 e os alvores do 2016. É a ponte da misericórdia, que desejamos que seja a ponte da justiça como valor supremo do direito ao serviço do homem todo e de todos os homens e como um dos inefáveis frutos do Espírito Santo.

2015.12.31- Louro de Carvalho

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