domingo, 20 de dezembro de 2015

Eleição de cinco membros do Conselho de Estado pelo Parlamento

A Assembleia da República (AR) elegeu, no passado dia 18 de dezembro, os cinco membros do Conselho de Estado cuja designação lhe cabe nos termos da Constituição (vd alínea g do art.º 163.º da CRP), no âmbito da sua “competência quanto a outros órgãos”.
A discussão que transpirou para a opinião pública girou em torno do facto de os partidos à esquerda do PS pretenderem ter representantes das suas áreas partidárias neste Conselho.
Não percebi a razão de ser da discussão dado que eles se constituíram – concorde-se ou não – em maioria parlamentar pós-eleitoral para viabilização de um governo legítimo à face da Constituição, embora, como é sabido, contra as expectativas de muitos eleitores hiperbolizadas pela generalidade da Comunicação Social e de representantes do setor empresarial do país. Por outro lado, a supracitada norma constitucional estabelece que a eleição dos representantes da AR no Conselho de Estado segue “o sistema de representação proporcional”. Sendo cinco os elementos a eleger, cabem três à maioria e dois aos restantes grupos parlamentares, no caso, os do PSD e do CDS. Resta saber se a AR procederá de moldo similar aquando da eleição dos elementos do Conselho Superior do Ministério Público que lhe compete designar – matéria sobre a qual a norma constitucional citada dispõe do mesmo modo.
Os comentadores pressagiavam dificuldades num futuro próximo para eleição dos elementos a eleger pela AR para outros órgãos, como por exemplo, no atinente às vagas surgidas ou a surgir no Tribunal Constitucional por limite de idade ou por ocupação de cargos incompatíveis por parte dos seus membros. E paralelamente referiam o caso do Presidente do Conselho Económico e Social, que aceitara ser eleito para completamento do mandato coincidente com a XII legislatura, em virtude da saída do seu antecessor imediato para assessoria ao Presidente da Comissão Europeia.
Ora, segundo a alínea h) do art.º 163.º da CRP, compete à AR, no quadro da sua “competência quanto a outros órgãos”, “eleger, por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, dez juízes do Tribunal Constitucional, o Provedor de Justiça, o Presidente do Conselho Económico e Social, sete vogais do Conselho Superior da Magistratura, os membros da entidade de regulação da comunicação social, e de outros órgãos constitucionais cuja designação, nos termos da lei, seja cometida à Assembleia da República”.
Nestes termos, não me parece que a questão se venha a colocar por indisponibilidade do PS em se entender com o PSD para a consecução de uma maioria de dois terços no atual quadro parlamentar. Podem é os dois partidos ter dificuldades em chegar a um acordo quanto a nomes, uma vez que – penso eu – o PS deverá consultar previamente os seus parceiros de maioria parlamentar sobre nomes de partidos ou de independentes a propor e o PSD a proceder do mesmo modo em relação ao CDS, observando a proporção usualmente respeitada em relação aos titulares provenientes das magistraturas e das outras áreas do direito.
Pelo que se lê, não parece que os acordos firmados entre PS e os demais partidos à sua esquerda bloqueiem aquele entendimento, a menos que ele seja confecionado nas costas do Parlamento.
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Falando de nomes, a eleição a que a AR procedeu recentemente incidiu sobre pessoas que se vão estrear no Conselho de Estado: Francisco Louçã, pelo BE, Domingos Abrantes, pelo PCP, e Adriano Moreira, pelo CDS. Como resultado, surgiu um elenco, obtido pelo sistema de representação proporcional, que inclui Francisco Pinto Balsemão, o único que transita da anterior legislatura para a atual, a XIII. Carlos César, pelo PS, já não é um estreante porquanto já integrou o Conselho de Estado por inerência quando chefiava o Governo Regional da Região Autónoma dos Açores.
Verifica-se, em relação à composição anterior, no painel dos membros eleitos pelo Parlamento, que a direita perdeu um elemento a favor da esquerda.
Para promover a entrada de Carlos César, presidente do PS, no Conselho de Estado, o secretário-geral do partido teve de fazer sair o conselheiro Manuel Alegre, que tinha convidado para continuar.
E é neste ponto que incide a crítica a António Costa. Enquanto BE e PCP escolheram personalidades com peso histórico dentro dos seus partidos, respetivamente Francisco Louçã e Domingos Abrantes, ou o PSD e o CDS escolheram figuras imbatíveis dos seus partidos, respetivamente Francisco Balsemão e Adriano Moreira, António Costa, que poderia ter feito o mesmo tipo de jogo de personalidade, mantendo Alegre, escolheu Carlos César.
Não discuto a personalidade de Carlos César, mas parece-me que o cargo partidário de presidente do PS e o de líder da bancada parlamentar do partido já lhe dão visibilidade suficiente, devendo o estratega político, a meu ver, ter preservado o presidente do PS como reserva moral e política para quando o partido passar por uma crise interna ou externa como aquela que passou o partido sob a liderança de Seguro. Ademais, é inclassificável ter convidado um para depois ter de o “desconvidar”.
Terá sido por Manuel Alegre ter declarado e reiterado apoio público à candidatura presidencial de Maria de Belém, depois de parecer ter alinhado por Sampaio da Nóvoa? A postura errática de um não legitima a estratégia errática de outro. E, embora eu admire mais Manuel Alegre pela poesia que pela política, devo dizer que atitudes de Costa como a por si adotada nesta matéria não contribuem para a credibilização da política, que já anda pelas ruas da amargura.
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O Conselho de Estado é o órgão político de consulta do Presidente da República (CRP, art.º 141.º), que é chamado a dar parecer sempre que o Chefe de Estado julgue ser pertinente. É composto por “cinco cidadãos designados pelo Presidente da República pelo período correspondente à duração do seu mandato”, pelos “antigos presidentes da República eleitos na vigência da Constituição que não hajam sido destituídos do cargo”, por “cinco cidadãos eleitos pela Assembleia da República, de harmonia com o princípio da representação proporcional, pelo período correspondentes à duração da legislatura”, e por inerência, por parte das seguintes personalidades que desempenham altas funções no Estado: o Presidente da Assembleia da República; o Primeiro-Ministro; o Presidente do Tribunal Constitucional; o Provedor de Justiça; e os presidentes dos governos regionais (vd CRP, art.º 142.º).
É sua competência pronunciar-se:
Sobre a dissolução da Assembleia da República e das Assembleias Legislativas das regiões autónomas; sobre a demissão do Governo, para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas (CRP, art.º 195.º/2)); sobre a declaração da guerra e a feitura da paz; sobre os atos do Presidente da República interino referidos no art.º 139.º; e nos demais casos previstos na Constituição e, em geral, aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando este lho solicitar (vd CRP, art.º 145.º).
Assim, Ferro Rodrigues, do PS, tem agora assento no Conselho de Estado por ser presidente da Assembleia da República, tal como António Costa, por ser Primeiro-Ministro, Joaquim Sousa Ribeiro, por ser presidente do Tribunal Constitucional, José de Faria Costa, por ser Provedor de Justiça, Vasco Cordeiro e Miguel Albuquerque, por serem presidentes de governo regional, respetivamente dos Açores e da Madeira.
Em 2011, na inauguração da XII Legislatura, PSD e PS, os maiores partidos com representação parlamentar levaram a votos uma lista única, mas na atual legislatura os dois partidos não se entenderam porque Passos se recusou a apoiar uma lista que integrasse nomes do BE e PCP. Porém, em razão do acordo parlamentar que António Costa subscreveu com estes partidos à sua esquerda – que sustentam o Governo no Parlamento – as direções do BE e do PCP quiseram que a lista incluísse elementos por si indicados. É a primeira vez na história da democracia que um membro do PCP (eleito no Parlamento) e outro do BE têm assento no órgão que aconselha o Chefe de Estado. Membros do PCP já integraram este órgão, mas por escolha presidencial.
Assim, no dia 18, foram a votos duas listas: uma da direita, com Francisco Pinto Balsemão à cabeça, seguido de Adriano Moreira (CDS) e Rui Machete, Fernando Ruas e Paula Teixeira da Cruz; e outra do PS, BE e PCP encabeçada por Carlos César, do PS, e com uma personalidade de cada um dos outros dois partidos. Com esta maioria de esquerda no Parlamento e, como a contagem se faz com base na média mais alta de Hondt (método de representação proporcional), operou-se uma viragem na composição do Conselho de Estado: a esquerda elegeu três e a direita passou a ter apenas dois. Além destes, continuam no Conselho Marcelo Rebelo de Sousa, Leonor Beleza, Vítor Bento, João Lobo Antunes e Bagão Félix, dado que foram todos escolhidos por Cavaco Silva. Mas, em março, quando o novo Presidente tomar posse em Belém, alguns destes nomes ou todos podem ser substituídos. Os que permanecem inalterados são os que têm assento no Conselho de Estado pelas funções que exerceram ou exercem. É o caso, por exemplo, dos ex-presidentes da República Mário Soares, Jorge Sampaio e Ramalho Eanes. Em março de 2016, passa também a ter lugar nas reuniões – que só se realizam por convocação do Chefe de Estado – Cavaco Silva. Com a entrada dos novos membros ora eleitos saem do Conselho de Estado Luís Filipe Menezes e Marques Mendes, pelo PSD, e Alfredo Bruto da Costa e Manuel Alegre, pelo PS.  
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O antigo líder do CDS Adriano Moreira desvalorizou, contra a hiperbolização que lhe deu alguma Comunicação Social, a indicação do seu nome para o Conselho de Estado, declarando: “Não achei que fosse assim um grande acontecimento nacional”. Antes considerou “natural” a indicação do seu nome para integrar a lista que o seu partido apresentou com o PSD ao Conselho de Estado, explicando à agência Lusa: “Que o CDS me procure é natural, eu fui presidente do partido e nunca saí do CDS”.
Sobre a função que lhe será atribuída no órgão de aconselhamento do chefe de Estado, o professor na área das relações internacionais afirmou que “é sobretudo de conselho” e manifestou a sua disponibilidade para colaborar, convicto de que “o país precisa do esforço de toda a gente neste momento”.

2015.12.19 – Louro de Carvalho

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