A Assembleia da República (AR) elegeu, no passado dia 18 de dezembro, os cinco
membros do Conselho de Estado cuja designação lhe cabe nos termos da
Constituição (vd alínea g do art.º 163.º da CRP), no
âmbito da sua “competência quanto a outros órgãos”.
A discussão que transpirou para a opinião pública
girou em torno do facto de os partidos à esquerda do PS pretenderem ter
representantes das suas áreas partidárias neste Conselho.
Não percebi a razão de ser da discussão dado que
eles se constituíram – concorde-se ou não – em maioria parlamentar
pós-eleitoral para viabilização de um governo legítimo à face da Constituição,
embora, como é sabido, contra as expectativas de muitos eleitores hiperbolizadas
pela generalidade da Comunicação Social e de representantes do setor
empresarial do país. Por outro lado, a supracitada norma constitucional
estabelece que a eleição dos representantes da AR no Conselho de Estado segue
“o sistema de representação proporcional”. Sendo cinco os elementos a eleger,
cabem três à maioria e dois aos restantes grupos parlamentares, no caso, os do
PSD e do CDS. Resta saber se a AR procederá de moldo similar aquando da eleição
dos elementos do Conselho Superior do Ministério Público que lhe compete
designar – matéria sobre a qual a norma constitucional citada dispõe do mesmo
modo.
Os comentadores pressagiavam dificuldades num
futuro próximo para eleição dos elementos a eleger pela AR para outros órgãos,
como por exemplo, no atinente às vagas surgidas ou a surgir no Tribunal
Constitucional por limite de idade ou por ocupação de cargos incompatíveis por
parte dos seus membros. E paralelamente referiam o caso do Presidente do Conselho Económico
e Social, que aceitara ser eleito para completamento do mandato coincidente com
a XII legislatura, em virtude da saída do seu antecessor imediato para
assessoria ao Presidente da Comissão Europeia.
Ora, segundo a alínea h) do art.º 163.º da
CRP, compete à AR, no quadro da sua “competência quanto a outros órgãos”, “eleger,
por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à
maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, dez juízes do
Tribunal Constitucional, o Provedor de Justiça, o Presidente do Conselho
Económico e Social, sete vogais do Conselho Superior da Magistratura, os
membros da entidade de regulação da comunicação social, e de outros órgãos
constitucionais cuja designação, nos termos da lei, seja cometida à Assembleia
da República”.
Nestes termos, não me parece que a questão se venha
a colocar por indisponibilidade do PS em se entender com o PSD para a
consecução de uma maioria de dois terços no atual quadro parlamentar. Podem é os
dois partidos ter dificuldades em chegar a um acordo quanto a nomes, uma vez
que – penso eu – o PS deverá consultar previamente os seus parceiros de maioria
parlamentar sobre nomes de partidos ou de independentes a propor e o PSD a
proceder do mesmo modo em relação ao CDS, observando a proporção usualmente
respeitada em relação aos titulares provenientes das magistraturas e das outras
áreas do direito.
Pelo que se lê, não parece que os acordos firmados
entre PS e os demais partidos à sua esquerda bloqueiem aquele entendimento, a
menos que ele seja confecionado nas costas do Parlamento.
***
Falando de nomes, a eleição a que a AR procedeu
recentemente incidiu sobre pessoas que se vão estrear no Conselho de Estado: Francisco
Louçã, pelo BE, Domingos Abrantes, pelo PCP, e Adriano Moreira, pelo CDS. Como
resultado, surgiu um elenco, obtido pelo sistema de representação proporcional,
que inclui Francisco Pinto Balsemão, o único que transita da anterior
legislatura para a atual, a XIII. Carlos César, pelo PS, já não é um estreante
porquanto já integrou o Conselho de Estado por inerência quando chefiava o
Governo Regional da Região Autónoma dos Açores.
Verifica-se, em relação à composição anterior, no
painel dos membros eleitos pelo Parlamento, que a direita perdeu um elemento a
favor da esquerda.
Para promover a entrada de Carlos César,
presidente do PS, no Conselho de Estado, o secretário-geral do partido teve de
fazer sair o conselheiro Manuel Alegre, que tinha convidado para continuar.
E é neste ponto que incide a crítica a António
Costa. Enquanto BE e PCP escolheram personalidades com peso histórico dentro
dos seus partidos, respetivamente Francisco Louçã e Domingos Abrantes, ou o PSD
e o CDS escolheram figuras imbatíveis dos seus partidos, respetivamente
Francisco Balsemão e Adriano Moreira, António Costa, que poderia ter feito o
mesmo tipo de jogo de personalidade, mantendo Alegre, escolheu Carlos César.
Não discuto a personalidade de Carlos César, mas
parece-me que o cargo partidário de presidente do PS e o de líder da bancada
parlamentar do partido já lhe dão visibilidade suficiente, devendo o estratega
político, a meu ver, ter preservado o presidente do PS como reserva moral e
política para quando o partido passar por uma crise interna ou externa como
aquela que passou o partido sob a liderança de Seguro. Ademais, é
inclassificável ter convidado um para depois ter de o “desconvidar”.
Terá sido por Manuel Alegre ter declarado e
reiterado apoio público à candidatura presidencial de Maria de Belém, depois de
parecer ter alinhado por Sampaio da Nóvoa? A postura errática de um não
legitima a estratégia errática de outro. E, embora eu admire mais Manuel Alegre
pela poesia que pela política, devo dizer que atitudes de Costa como a por si
adotada nesta matéria não contribuem para a credibilização da política, que já
anda pelas ruas da amargura.
***
O Conselho de Estado é o órgão político de
consulta do Presidente da República (CRP, art.º 141.º), que é chamado a dar parecer sempre que o Chefe
de Estado julgue ser pertinente. É composto por “cinco cidadãos designados pelo Presidente da
República pelo período correspondente à duração do seu mandato”, pelos “antigos
presidentes da República eleitos na vigência da Constituição que não hajam sido
destituídos do cargo”, por “cinco cidadãos eleitos pela Assembleia da
República, de harmonia com o princípio da representação proporcional, pelo
período correspondentes à duração da legislatura”, e por inerência, por parte das seguintes personalidades que
desempenham altas funções no Estado: o Presidente da Assembleia da República; o Primeiro-Ministro; o
Presidente do Tribunal Constitucional; o Provedor de Justiça; e os presidentes
dos governos regionais (vd CRP, art.º 142.º).
É sua competência pronunciar-se:
Sobre a dissolução da Assembleia da
República e das Assembleias Legislativas das regiões autónomas; sobre a
demissão do Governo, para assegurar o regular funcionamento das instituições
democráticas (CRP, art.º 195.º/2)); sobre a declaração da guerra e a feitura da
paz; sobre os atos do Presidente da República interino referidos no art.º 139.º;
e nos demais casos previstos na Constituição e, em geral, aconselhar o
Presidente da República no exercício das suas funções, quando este lho
solicitar (vd CRP, art.º 145.º).
Assim, Ferro Rodrigues, do PS, tem agora assento
no Conselho de Estado por ser presidente da Assembleia da República, tal como António
Costa, por ser Primeiro-Ministro, Joaquim Sousa Ribeiro, por ser presidente do
Tribunal Constitucional, José de Faria Costa, por ser Provedor de Justiça,
Vasco Cordeiro e Miguel Albuquerque, por serem presidentes de governo regional,
respetivamente dos Açores e da Madeira.
Em 2011, na inauguração da XII Legislatura, PSD e
PS, os maiores partidos com representação parlamentar levaram a votos uma lista
única, mas na atual legislatura os dois partidos não se entenderam porque
Passos se recusou a apoiar uma lista que integrasse nomes do BE e PCP. Porém,
em razão do acordo parlamentar que António Costa subscreveu com estes partidos
à sua esquerda – que sustentam o Governo no Parlamento – as direções do BE e do
PCP quiseram que a lista incluísse elementos por si indicados. É a primeira vez
na história da democracia que um membro do PCP (eleito no Parlamento) e outro do BE têm assento no órgão que
aconselha o Chefe de Estado. Membros do
PCP já integraram este órgão, mas por escolha presidencial.
Assim, no dia 18,
foram a votos duas listas: uma da direita, com Francisco Pinto Balsemão à
cabeça, seguido de Adriano Moreira (CDS) e Rui Machete, Fernando Ruas e Paula Teixeira da Cruz; e outra
do PS, BE e PCP encabeçada por Carlos César, do PS, e com uma personalidade de
cada um dos outros dois partidos. Com esta maioria de esquerda no Parlamento e,
como a contagem se faz com base na média mais alta de Hondt (método de representação proporcional),
operou-se uma viragem na composição do Conselho de Estado: a esquerda elegeu
três e a direita passou a ter apenas dois. Além destes, continuam no Conselho
Marcelo Rebelo de Sousa, Leonor Beleza, Vítor Bento, João Lobo Antunes e Bagão
Félix, dado que foram todos escolhidos por Cavaco Silva. Mas, em março, quando
o novo Presidente tomar posse em Belém, alguns destes nomes ou todos podem ser
substituídos. Os que permanecem inalterados são os que têm assento no Conselho
de Estado pelas funções que exerceram ou exercem. É o caso, por exemplo, dos
ex-presidentes da República Mário Soares, Jorge Sampaio e Ramalho Eanes. Em março
de 2016, passa também a ter lugar nas reuniões – que só se realizam por
convocação do Chefe de Estado – Cavaco Silva. Com a entrada dos novos membros
ora eleitos saem do Conselho de Estado Luís Filipe Menezes e Marques Mendes,
pelo PSD, e Alfredo Bruto da Costa e Manuel Alegre, pelo PS.
***
O antigo líder do CDS Adriano
Moreira desvalorizou, contra a hiperbolização que lhe deu alguma Comunicação
Social, a indicação do seu nome para o Conselho de Estado, declarando: “Não achei que fosse assim um grande
acontecimento nacional”. Antes considerou “natural” a indicação do seu nome
para integrar a lista que o seu partido apresentou com o PSD ao Conselho de
Estado, explicando à agência Lusa: “Que o
CDS me procure é natural, eu fui presidente do partido e nunca saí do CDS”.
Sobre a função que lhe será atribuída no
órgão de aconselhamento do chefe de Estado, o professor na área das relações
internacionais afirmou que “é sobretudo de conselho” e manifestou a sua
disponibilidade para colaborar, convicto de que “o país precisa do esforço de
toda a gente neste momento”.
2015.12.19 – Louro de Carvalho
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