domingo, 13 de dezembro de 2015

Senhora do Advento, Senhora do Natal

Todos sabemos como Maria, mãe de Jesus, surge na liturgia católica como uma das figuras preponderantes do Advento e, como é óbvio, do Natal.
Quanto ao Natal, é comum a figura da mãe de Jesus ter um lugar de destaque no presépio, nos cânticos litúrgicos e nas canções populares. Por sua vez, a liturgia natalícia inclui no ciclo natalino, logo a seguir à solenidade do Natal do Senhor, a celebração da Solenidade de Santa Maria Mãe Deus, a festa da Sagrada Família e a solenidade da Epifania do Senhor. Por outro lado, os testos evangélicos desta quadra festiva, além da centralidade da figura de Jesus, dão relevo à postura e atitudes de Maria.
Assim, o evangelho da missa da Vigília do Natal (Mt 1,1-15) explica, pela voz do anjo, aparecido a José, tudo o que se passa com Maria, também descendente de David, apresentando-a no cumprimento das promessas messiânicas e em função da presença do Deus Connosco – o Emanuel. O evangelho da missa da Meia-noite (Lc 2,1-14) relata, no tempo histórico, o momento em que Maria deu à luz o seu filho, o envolveu em panos e o reclinou na manjedoura da gruta de Belém, sendo este o sinal que o anjo deu aos pastores para o reconhecerem: “encontrareis um menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura”. E também o evangelho da missa da Aurora (Lc 2,15-20) nos mostra a pessoa de Maria na sua discrição face às palavras e à adoração dos pastores: “guardava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração”.
A festa da Sagrada Família, celebrada no domingo entre o dia de Natal (25 de dezembro) – ou no dia 30 de dezembro, se o Natal for ao domingo – e o dia de santa Maria Mãe de Deus (1 de janeiro), tem o evangelho diferente conforme a letra dominical do respetivo ano litúrgico. No ano A, o evangelho (Mt 2,13-15.19-23) relata a fuga para o Egito e o regresso a Nazaré sob a condução de José, avisado pelo anjo, e com o pressuroso acompanhamento de Maria, a mãe; no ano B, Lucas relata o episódio da apresentação do Menino no Templo (Lc 2,22-40) e Maria escuta de Simeão que aquele menino fora estabelecido “para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição”, que “uma espada” havia de atravessar o “coração” da mãe e que assim se haviam de revelar “os pensamentos de todos os corações”; e, no ano C, Lucas expõe o relato da perda do Menino no Templo e o seu encontro (Lc 2,41-52), em que Maria interpela o filho e, após a resposta dele, “guardava todos estes acontecimentos em seu coração”.
A solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, na oitava do Natal, faz referências à mãe do Filho de Deus na oração da coleta (“virgindade fecunda de Maria Santíssima”), na oração sobre as oblatas (“nesta solenidade de Santa Maria Mãe de Deus”) e na oração depois da comunhão (“nesta solenidade em que proclamamos a Virgem Santa Maria Mãe do vosso Filho e Mãe da Igreja”). Por seu turno, a carta de São Paulo aos Gálatas (Gl 4,4-7), tomada como segunda leitura, faz a menção de Maria, embora sem mencionar o seu nome: “Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, para resgatar os que se encontravam sob o domínio da Lei, a fim de recebermos a adoção de filhos”. E o evangelho (Lc 2,16-21) também menciona Maria, que estava com o Menino e José quando os pastores chegaram, tendo ficado contentes por encontrarem tudo como lhes tinha sido anunciado e contando tudo o que tinham ouvido dizer acerca daquele Menino. Quanto à Mãe do Menino, o evangelista refere: “Maria conservava todas estas palavras, meditando-as em seu coração”.
O evangelho da solenidade da Epifania do Senhor (Mt 2,1-12), que figura a narrativa do episódio da adoração dos magos, vindos do Oriente, mostra-nos Maria neste cenário: “Entraram na casa [os magos], viram o Menino com Maria, sua Mãe, e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-no”.
Note-se que não diz o evangelista que adoraram a Mãe, mas que adoraram o Menino. No entanto, a Mãe estava com o Menino aquando da prostração adorante dos ilustres visitantes. Sempre que é necessário evidenciar o ser e a missão do Menino, a mãe oculta-se, embora permaneça discreta. Competirá aos cristãos surpreendê-la, admirá-la e imitá-la nessa discrição deixando o protagonismo para Jesus Cristo. E gosto de assinalar que o evangelho da estrita quadra do Natal começa e termina por textos de Mateus, o evangelista que tem a finalidade de atestar que Jesus é aquele na pessoa de quem se cumprem na plenitude as profecias messiânicas.
Também a Oração Eucarística I (Cânone Romano), na “comemoração dos santos”, faz, no Natal e sua Oitava, a seguinte menção em que está referenciada Maria: “Em comunhão com toda a Igreja, ao celebrarmos o dia santíssimo (a noite santíssima) em que a Imaculada Virgem Maria deu à luz o Salvador do mundo…”. E as Orações Eucarísticas II e III fazem a seguinte menção no mesmo horizonte temporal: “Reunidos na vossa presença, em comunhão com toda a Igreja, ao celebrarmos o dia santíssimo (a noite santíssima) em que a Imaculada Virgem Maria deu à luz o Salvador do mundo…”. Tudo isto mostra que a Virgem Mãe, associada que está ao Natal, também o está à Cruz e ao discipulado (vd Jo 19,25-27) e à Eucaristia.
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Porém, Natal não é possível sem os seus antecedentes: o protoevangelho (vd Gn 3,15); os profetas (nomeadamente Isaías, Miqueias e Sofonias); o sacerdote Zacarias, que entoou o cântico Benedictus em louvor do Messias e do seu precursor, aquando do nascimento do filho; João Batista – que disse “está a chegar quem é mais forte do que eu, eu não sou digno de lhe desatar as correias das sandálias” (Lc 3,16) e, depois, O apresentou como “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29) –; José, que o anjo encarregou de velar pelo cumprimento da promessa divina guardando o Menino (a quem pôs o nome de Jesus (vd Mt 1,18-25) e a mãe; e, é claro, a mãe de Jesus.
Quanto à mãe de Jesus, que a igreja Católica venera sob muitos títulos, sendo um deles “Senhora do Advento”, torna-se pertinente verificar de que modo a encara esta liturgia, à luz dos evangelhos e à luz das orações da missa do IV domingo, bem como de alguns dos dias 17 a 24 de dezembro – preparação próxima para o Natal – e dos textos de prefácio da missa.
O evangelho do IV domingo do Advento diversifica-se consoante o ciclo de três anos litúrgicos consecutivos. No ano A, lê-se e proclama-se o Evangelho de Mateus (Mt 1,18-25), que assegura o cumprimento, em Maria, da profecia de Isaías (Is 7,14), “A Virgem conceberá e dará à luz um filho, o seu nome será Emanuel, Deus-Connosco” – versículo que é tomado como antífona da Comunhão. Embora pareça que a figura central desta perícopa evangélica é José, este é como que o convocado para o serviço à profecia e em função da figura central, Jesus, em torno do qual tem lugar eminente a Mãe, a qual, sem que o esposo a tenha “conhecido”, deu à luz um filho ao qual pôs o nome de Jesus. Cada um tem o seu papel no mistério de Deus encarnado, redentor e santificador. E é importante perceber que Deus está em nós e no meio de nós, a marcar-nos o destino e a missão, e o que é difícil é tomar consciência desta realidade.
No ano B, lê-se e proclama-se o Evangelho de Lucas (Lc 1,20-38). O evangelho da “Anunciação” mostra que o Senhor, entidade central da História e da Boa Nova, está com a Cheia de Graça e, por ela, vai estar connosco. Ela, Senhora desta certeza expectante ou Senhora deste Advento de Deus, assume-se como Serva do Senhor e Serva da sua Palavra perante Deus e os homens.
No ano C, lê-se e proclama-se o Evangelho de Lucas (Lc 1,39-45). Este evangelho da Visitação de Maria a Isabel, motivada pelo estado de necessidade, em que se encontrava a mulher de Zacarias, de gravidez em idade provecta, é cenário de surpresa por parte de Isabel, de ato de fé e parabéns de Isabel para com Maria e de glorificação da fé e disponibilidade daquela que acreditou em tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor. Foi momento de exultação de alegria da parte de João no ventre materno e de saudação orante e bendizente a Maria e ao Filho: “bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre” (Com efeito, por Maria chegamos até Jesus). A tradição viva da Igreja aprendeu com o anjo Gabriel e com Isabel a saudar Maria.
Também, em cada ano, o Evangelho da missa do dia 18 de dezembro é extraído do texto de Mateus (Mt 1,18-24) e o dos dias 20, 21 e 22 de dezembro é extraído do texto de Lucas, respetivamente: Lc 1,26-38; Lc 1,39-45; e Lc 1,46,56. Tendo já feito a oportuna referência ao conteúdo pertinente para o nosso tema aos demais textos evangélicos, em certa medida marianos, do Advento, falta a referência a Lc 1,46,56. Perante a surpresa, saudação e fé de Isabel em Maria e no fruto do seu ventre e sabendo da exultação do precursor no ventre materno, Maria irrompeu no Magnificat, o cântico da alegria da alma no Senhor, o hino da misericórdia divina, a síntese das promessas messiânicas e a realização do desígnio salvador de Deus, a proclamação profética de que todas as gerações aclamarão como bem-aventurada esta serva de Deus. Por outro lado, estas perícopas evangélicas, não enclausurando o mistério nos textos ou nalgumas pessoas, constituem apelo constante a todos e a cada um, segundo a sua condição e possibilidades, ao serviço do Senhor e dos irmãos, sobretudo dos famintos, dos humildes, dos explorados, dos descartados.
Também a oração “sobre as oblatas” da missa do IV domingo do Advento menciona explicitamente o papel da Virgem Maria – cujo seio foi fecundado pelo Espírito Santo – e leva-nos a pedir a nossa santificação pelo mesmo Espírito Santo. E fazem-lhe referências abundantes algumas das orações dos mencionados dias 17 a 24 de dezembro.
E dois prefácios do Advento mencionam a Virgem Maria, sua atitude e seu papel. O prefácio do Advento II, falando de Cristo, diz: “Foi Ele que os profetas anunciaram, a Virgem Mãe esperou com inefável amor…”. E o prefácio do Advento II/A refere:
“Nós Vos louvamos, nós Vos bendizemos, nós Vos glorificamos pelo admirável mistério da Virgem Mãe: do antigo adversário veio a ruína, do seio virginal da Filha de Sião germinou Aquele que nos alimenta (…); a graça que em Eva nos foi tirada foi-nos restituída por Maria. Nela, mãe de todos os homens, a maternidade, resgatada do pecado e da morte, recebe o dom da vida nova…”.
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Assim, há de ser razoável e salutar rezar à Senhora do Advento e Senhora do Natal:
Santa Mãe do Redentor, Porta do Céu, Estrela do Mar,
Socorrei o povo cristão que procura levantar-se do abismo da culpa.
Vós que, acolhendo a saudação do Anjo, gerastes, com admiração da natureza, o vosso santo Criador,
Ó sempre Virgem Maria, tende misericórdia dos pecadores.

2015.12.13 – Louro de Carvalho

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