Todos
sabemos como Maria, mãe de Jesus, surge na liturgia católica como uma das
figuras preponderantes do Advento e, como é óbvio, do Natal.
Quanto
ao Natal, é comum a figura da mãe de Jesus ter um lugar de destaque no
presépio, nos cânticos litúrgicos e nas canções populares. Por sua vez, a
liturgia natalícia inclui no ciclo natalino, logo a seguir à solenidade do
Natal do Senhor, a celebração da Solenidade de Santa Maria Mãe Deus, a festa da
Sagrada Família e a solenidade da Epifania do Senhor. Por outro lado, os testos
evangélicos desta quadra festiva, além da centralidade da figura de Jesus, dão
relevo à postura e atitudes de Maria.
Assim,
o evangelho da missa da Vigília do Natal (Mt 1,1-15) explica, pela voz do anjo,
aparecido a José, tudo o que se passa com Maria, também descendente de David,
apresentando-a no cumprimento das promessas messiânicas e em função da presença
do Deus Connosco – o Emanuel. O evangelho da missa da Meia-noite (Lc
2,1-14) relata, no
tempo histórico, o momento em que Maria deu à luz o seu filho, o envolveu em
panos e o reclinou na manjedoura da gruta de Belém, sendo este o sinal que o
anjo deu aos pastores para o reconhecerem: “encontrareis
um menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura”. E
também o evangelho da missa da Aurora (Lc 2,15-20) nos mostra a pessoa de Maria na
sua discrição face às palavras e à adoração dos pastores: “guardava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração”.
A
festa da Sagrada Família, celebrada no domingo entre o dia de Natal (25
de dezembro) – ou no
dia 30 de dezembro, se o Natal for ao domingo – e o dia de santa Maria Mãe de
Deus (1
de janeiro), tem o
evangelho diferente conforme a letra dominical do respetivo ano litúrgico. No
ano A, o evangelho (Mt 2,13-15.19-23) relata a fuga para o Egito e o
regresso a Nazaré sob a condução de José, avisado pelo anjo, e com o pressuroso
acompanhamento de Maria, a mãe; no ano B, Lucas relata o episódio da
apresentação do Menino no Templo (Lc 2,22-40) e Maria escuta de Simeão que
aquele menino fora estabelecido “para que
muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição”, que
“uma espada” havia de atravessar o “coração” da mãe e que assim se haviam de
revelar “os pensamentos de todos os
corações”; e, no ano C, Lucas expõe o relato da perda do Menino no Templo e
o seu encontro (Lc 2,41-52), em que Maria interpela o filho e, após a resposta
dele, “guardava todos estes
acontecimentos em seu coração”.
A
solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, na oitava do Natal, faz referências à
mãe do Filho de Deus na oração da coleta (“virgindade fecunda de
Maria Santíssima”),
na oração sobre as oblatas (“nesta solenidade de Santa Maria
Mãe de Deus”) e na
oração depois da comunhão (“nesta solenidade em que
proclamamos a Virgem Santa Maria Mãe do vosso Filho e Mãe da Igreja”). Por seu turno, a carta de São
Paulo aos Gálatas (Gl 4,4-7), tomada como segunda leitura, faz a menção de
Maria, embora sem mencionar o seu nome: “Deus enviou o seu Filho, nascido
de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, para resgatar os que se
encontravam sob o domínio da Lei, a fim de recebermos a adoção de filhos”. E o
evangelho (Lc 2,16-21) também menciona
Maria, que estava com o Menino e José quando os pastores chegaram, tendo ficado
contentes por encontrarem tudo como lhes tinha sido anunciado e contando tudo o
que tinham ouvido dizer acerca daquele Menino. Quanto à Mãe do Menino, o
evangelista refere: “Maria conservava todas estas palavras, meditando-as em
seu coração”.
O evangelho da
solenidade da Epifania do Senhor (Mt 2,1-12), que figura a narrativa do episódio da adoração dos magos, vindos do
Oriente, mostra-nos Maria neste cenário: “Entraram na casa [os magos], viram o Menino com Maria, sua Mãe, e,
prostrando-se diante d’Ele, adoraram-no”.
Note-se
que não diz o evangelista que adoraram a Mãe, mas que adoraram o Menino. No
entanto, a Mãe estava com o Menino aquando da prostração adorante dos ilustres
visitantes. Sempre que é necessário evidenciar o ser e a missão do Menino, a
mãe oculta-se, embora permaneça discreta. Competirá aos cristãos surpreendê-la,
admirá-la e imitá-la nessa discrição deixando o protagonismo para Jesus Cristo.
E gosto de assinalar que o evangelho da estrita quadra do Natal começa e
termina por textos de Mateus, o evangelista que tem a finalidade de atestar que
Jesus é aquele na pessoa de quem se cumprem na plenitude as profecias
messiânicas.
Também
a Oração Eucarística I (Cânone Romano), na “comemoração dos santos”,
faz, no Natal e sua Oitava, a seguinte menção em que está referenciada Maria: “Em comunhão com toda a Igreja, ao
celebrarmos o dia santíssimo (a noite santíssima) em que a Imaculada Virgem Maria deu à luz o Salvador do mundo…”. E
as Orações Eucarísticas II e III fazem a seguinte menção no mesmo horizonte
temporal: “Reunidos na vossa presença, em
comunhão com toda a Igreja, ao celebrarmos o dia santíssimo (a
noite santíssima) em que a Imaculada Virgem Maria deu à luz o
Salvador do mundo…”. Tudo isto mostra que a Virgem Mãe, associada que está
ao Natal, também o está à Cruz e ao discipulado (vd Jo 19,25-27) e à Eucaristia.
***
Porém,
Natal não é possível sem os seus antecedentes: o protoevangelho (vd
Gn 3,15); os
profetas (nomeadamente Isaías, Miqueias e Sofonias); o sacerdote Zacarias, que entoou
o cântico Benedictus em louvor do
Messias e do seu precursor, aquando do nascimento do filho; João Batista – que
disse “está a chegar quem é mais forte do que eu, eu não sou digno de lhe
desatar as correias das sandálias” (Lc 3,16) e, depois, O apresentou como “o
cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29) –; José, que o anjo encarregou
de velar pelo cumprimento da promessa divina guardando o Menino (a
quem pôs o nome de Jesus
(vd
Mt 1,18-25) e a mãe;
e, é claro, a mãe de Jesus.
Quanto
à mãe de Jesus, que a igreja Católica venera sob muitos títulos, sendo um deles
“Senhora do Advento”, torna-se pertinente verificar de que modo a encara esta
liturgia, à luz dos evangelhos e à luz das orações da missa do IV domingo, bem
como de alguns dos dias 17 a 24 de dezembro – preparação próxima para o Natal –
e dos textos de prefácio da missa.
O
evangelho do IV domingo do Advento diversifica-se consoante o ciclo de três
anos litúrgicos consecutivos. No ano A,
lê-se e proclama-se o Evangelho de Mateus (Mt 1,18-25), que assegura o cumprimento, em
Maria, da profecia de Isaías (Is 7,14), “A Virgem conceberá e dará à luz um filho, o seu nome será Emanuel,
Deus-Connosco” – versículo que é tomado como antífona da Comunhão. Embora
pareça que a figura central desta perícopa evangélica é José, este é como que o
convocado para o serviço à profecia e em função da figura central, Jesus, em
torno do qual tem lugar eminente a Mãe, a qual, sem que o esposo a tenha
“conhecido”, deu à luz um filho ao qual pôs o nome de Jesus. Cada um tem o seu
papel no mistério de Deus encarnado, redentor e santificador. E é importante
perceber que Deus está em nós e no meio de nós, a marcar-nos o destino e a missão,
e o que é difícil é tomar consciência desta realidade.
No
ano B, lê-se e proclama-se o
Evangelho de Lucas (Lc 1,20-38). O evangelho da “Anunciação” mostra que o Senhor,
entidade central da História e da Boa Nova, está com a Cheia de Graça e, por ela, vai estar connosco. Ela, Senhora desta
certeza expectante ou Senhora deste Advento de Deus, assume-se como Serva do
Senhor e Serva da sua Palavra perante Deus e os homens.
No
ano C, lê-se e proclama-se o
Evangelho de Lucas (Lc 1,39-45). Este evangelho da Visitação de Maria a Isabel,
motivada pelo estado de necessidade, em que se encontrava a mulher de Zacarias,
de gravidez em idade provecta, é cenário de surpresa por parte de Isabel, de ato
de fé e parabéns de Isabel para com Maria e de glorificação da fé e
disponibilidade daquela que acreditou em tudo quanto lhe foi dito da parte do
Senhor. Foi momento de exultação de alegria da parte de João no ventre materno
e de saudação orante e bendizente a Maria e ao Filho: “bendita és tu entre as
mulheres e bendito é o fruto do teu ventre” (Com
efeito, por Maria chegamos até Jesus).
A tradição viva da Igreja aprendeu com o anjo Gabriel e com Isabel a saudar
Maria.
Também,
em cada ano, o Evangelho da missa do dia 18 de dezembro é extraído do texto de
Mateus (Mt
1,18-24) e o dos
dias 20, 21 e 22 de dezembro é extraído do texto de Lucas, respetivamente: Lc 1,26-38; Lc 1,39-45; e Lc
1,46,56. Tendo
já feito a oportuna referência ao conteúdo pertinente para o nosso tema aos
demais textos evangélicos, em certa medida marianos, do Advento, falta a
referência a Lc 1,46,56. Perante a surpresa, saudação e fé de Isabel em Maria e
no fruto do seu ventre e sabendo da exultação do precursor no ventre materno,
Maria irrompeu no Magnificat, o
cântico da alegria da alma no Senhor, o hino da misericórdia divina, a síntese
das promessas messiânicas e a realização do desígnio salvador de Deus, a
proclamação profética de que todas as gerações aclamarão como bem-aventurada
esta serva de Deus. Por outro lado, estas perícopas evangélicas, não
enclausurando o mistério nos textos ou nalgumas pessoas, constituem apelo
constante a todos e a cada um, segundo a sua condição e possibilidades, ao
serviço do Senhor e dos irmãos, sobretudo dos famintos, dos humildes, dos explorados,
dos descartados.
Também
a oração “sobre as oblatas” da missa do IV domingo do Advento menciona
explicitamente o papel da Virgem Maria – cujo seio foi fecundado pelo Espírito
Santo – e leva-nos a pedir a nossa santificação pelo mesmo Espírito Santo. E
fazem-lhe referências abundantes algumas das orações dos mencionados dias 17 a
24 de dezembro.
E
dois prefácios do Advento mencionam a Virgem Maria, sua atitude e seu papel. O prefácio
do Advento II, falando de Cristo, diz: “Foi
Ele que os profetas anunciaram, a Virgem Mãe esperou com inefável amor…”. E
o prefácio do Advento II/A refere:
“Nós
Vos louvamos, nós Vos bendizemos, nós Vos glorificamos pelo admirável mistério
da Virgem Mãe: do antigo adversário veio a ruína, do seio virginal da Filha de
Sião germinou Aquele que nos alimenta (…); a graça que em Eva nos foi tirada
foi-nos restituída por Maria. Nela, mãe de todos os homens, a maternidade,
resgatada do pecado e da morte, recebe o dom da vida nova…”.
***
Assim,
há de ser razoável e salutar rezar à Senhora do Advento e Senhora do Natal:
Santa
Mãe do Redentor, Porta do Céu, Estrela do Mar,
Socorrei
o povo cristão que procura levantar-se do abismo da culpa.
Vós
que, acolhendo a saudação do Anjo, gerastes, com admiração da natureza, o vosso
santo Criador,
Ó
sempre Virgem Maria, tende misericórdia dos pecadores.
2015.12.13
– Louro de Carvalho
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