A
Assembleia da República (AR)
da XIII Legislatura houve por bem eliminar os exames nacionais do 4.º ano de
escolaridade nas disciplinas de Português e de Matemática, introduzidos pelo
Ministério de Nuno Crato e pelo mesmo eufemisticamente denominados de provas
finais. Esta eufemística denominação estendeu-se aos exames nacionais do 9.º
ano, introduzidos pela governação de Guterres, e do 6.º ano, introduzidos pela
governação de Pinto de Sousa.
Entraram
na mesa da AR projetos de lei para a eliminação dos exames daquelas disciplinas
no fim do segundo ciclo e do terceiro. Crê-se, porém, que esta iniciativa
legislativa terá dificuldade em vingar, dado que se reportam a medidas
introduzidas por anteriores governos socialistas e parecem não fazer parte
daquelas matérias fundamentais que uniram os partidos que formam a atual
maioria parlamentar que garante a sobrevivência do governo minoritário do PS.
Entretanto,
embora o Ministério da Educação (Adeus, Ministério da
Educação e Ciência!)
não o confirme nem o desminta, surgem notícias dadas como certas (até
a partir das palavras de António Costa sobre a matéria) de que vão ser repostas as
provas de aferição no 4.º ano de escolaridade nas ditas disciplinas de
Português e de Matemática, que se estenderão ao 2.º ano da escolaridade. Estas
provas não terão quaisquer efeitos nas classificações resultantes da avaliação
sumativa final de ciclo, no primeiro caso, e de ano, no segundo.
Dizem alguns jornalistas comentadores que as provas
de aferição têm em vista, não avaliar o desempenho dos alunos, mas o cumprimento
dos programas e metas curriculares da parte dos professores, com a consequente
assimilação por parte dos alunos, bem como o estado do sistema educativo de
modo a que possam ser introduzidas medidas de melhoria. Mais: além de os testes de aferição não contarem para
classificação, deixarão ainda de ser obrigatórios.
Em
termos mais simplistas, a medida parlamentar está a encaminhar os operadores
educativos para o retorno ao estado avaliativo do Ministério Maria de Lurdes Rodrigues. Talvez o novo
Ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues, além do apelido, tenha mais
semelhanças com aquela que ficou para a História da Educação como a antonomásia
da infernização da vida dos professores na escola. Se assim for, que o leve o
diabo! Digo-o com toda a força dos pulmões, apesar de já não ser parte
interessada. Também não quero David Justino ou Isabel Alçada. E de Maria do
Carmo Seabra, de que fiquei com boa impressão, não reza a curtíssima
experiência governativa. E o Governo de Costa assim não augura nada de bom em
matéria educativa.
***
É certo que sujeitar alunos a exame final no 11.º ano e no 12.º ano sem
eles passarem por uma experiência similar revelava-se nefasta. Porém, a
experiência poderia ser feita por iniciativa e a nível de escola a critério do
seu conselho pedagógico. Por outro lado, todos sabemos que os exames nacionais
junto ao fim do ensino secundário surgiram como forma de encontrar uma solução seletiva
para o ingresso no
ensino superior, depois das experiências falhadas das provas de aferição no
12.º ano e da sua sucedânea PGA (Prova Geral de Acesso). E daí, a medida igualitarista
determinou que todos os alunos tinham de se sujeitar a exame na maior parte das
disciplinas como condição para terminarem o ensino secundário, com exceção dos
alunos dos cursos profissionais ou similares. Para tanto, houve necessidade de
simplificar, ou seja, reduzir ao mínimo os programas curriculares da reforma de
Roberto Carneiro, aponto de os descaraterizar.
A introdução dos exames nas duas preditas disciplinas
(ditas fundamentais) no 9.º ano correspondeu à ideia de que seriam convenientes
no fim do ensino básico de 9 anos. E a sua extensão ao 6.º ano correspondia ao
termo daquele ciclo de estudos que se evadia do regime da monodocência. Porém, Nuno Crato, apesar de manter o peso de 30% nos exames
nacionais e nas provas finais, atribuiu-lhes uma carga discriminatória e
punitiva, em nome de um rigor fictício, porquanto, transferindo-os
progressivamente para o mês de maio (no 4.º ano e no 6.º), impôs, por um lado um regime de preparação
intensiva para as provas e, por outro, uma intervenção corretiva e recuperadora
da parte dos professores sobre os alunos que não obtiveram sucesso nas provas.
Maior carga de trabalhos para os docentes, muitas vezes inglória. E essa conotação
discriminatória e punitiva rapidamente se estendeu ao ensino secundário.
Ademais, com o contributo das editoras, incluindo a do Ministério da Educação,
muitíssimas escolas passaram a fazer incidir a sua atividade docente
principalmente, para não dizer exclusivamente, no figurino de teste de exame ou
prova final. E as escoas públicas e privadas passaram a funcionar mais à
semelhança das escolas de condução – a preparar para exame e a alimentar os rankings, mas não a educar e formar à
luz dos programas e tendo em conta o contexto.
E a linguagem e preocupações dos pais e da opinião pública, até no 1.º
ciclo, são os testes, os exames… Atraso residual na colocação de docentes ou a
abertura do ano letivo com uns dias de atraso, por motivos eleiçoeiros, impunha
aulas suplementares nas disciplinas de exame.
Resta dizer, neste ponto, que a revolução abrilina não acabou com os
exames. Eles mantiveram-se sob o figurino de exames para os alunos
autopropostos, os que supostamente se tinham escapulido do sistema formal de
ensino, para o que muitos anulavam a matrícula até ao final do 2.º período.
Agora podem frequentar até ao fim do ano e podem ir a exame como autopropostos
(até se
convertem automaticamente de alunos internos em alunos autopropostos) ou a provas de equivalência à frequência. É este o
máximo do rigor da parte de quem acusava o “eduquês” do sistema. Por outro
lado, havia provas escritas e/ou práticas e orais a nível de escola, revestindo
muitas delas o figurino de provas globais.
Convém ainda referir que a Milu tirou muitas disciplinas do mecanismo do
exame, sobrecarregando a escola com matrizes e provas de equivalência à
frequência a nível de escola.
***
Criticados à nascença e contestados até ao fim pelos partidos de oposição à
coligação de Passos e pelas associações de pais, os exames/provas finais foram
uma das primeiras medidas herdadas do anterior Governo e enterradas pela
maioria de esquerda parlamentar. O chumbo dos exames no 4.º ano foi aprovado na
Assembleia da República no final de novembro com os votos do PS, PCP e BE,
partidos que aduzem que provas com caráter classificativo até ao 4.º ano não
resolvem os problemas de ensino e aprendizagem (e dou-lhes toda a razão neste aspeto). A este respeito, Costa, defendendo a
diferença entre aferição e avaliação no desempenho da criança como não jogo de
palavras, mas “visão completamente distinta da função da escola”, dizia:
“Para nós,
não há confusões entre a existência de mecanismos de aferição e provas de
avaliação que não se destinam a melhorar a qualidade do sistema, mas
simplesmente selecionar os meninos que passam para o nível seguinte”.
Como é óbvio, o CNE (Conselho Nacional de Educação), liderado por David Justino, tomará brevemente
posição sobre esta medida, que é do agrado da Confederação Nacional das
Associações de Pais e da Confederação Nacional Independente de Pais e
Encarregados de Educação. Mas os
professores esperam ver debatido o modelo destas provas de aferição.
Os presidentes das duas confederações de associações de pais
e encarregados de educação dizem aceitar o regresso das provas de aferição ao
4.º ano de escolaridade, mas as representantes das associações de professores
de Português e de Matemática, respetivamente, pretendem que o Governo que abra
um período de reflexão e debate público antes de tomar decisões nesta matéria.
Ambas as associações consideram ser mais útil, eficaz e económico fazer a
aferição por amostragem em vez de a estender a todo o universo de alunos.
Quanto à
abolição dos exames no 6.º ano e no 9.º, a CNIPE (Confederação
Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação) pronunciou-se a favor; e a CONFAP (Confederação
Nacional de Associações de Pais), parece encará-la
“com naturalidade” e “com uma certa satisfação”.
***
Do meu ponto
de vista, a escola deve centrar-se na educação, formação e ensino com base nos
programas e no contexto, valorizando a autonomia dos docentes e promovendo o
exercício da liberdade de ensinar e de aprender (sobretudo esta bloqueada diariamente
por alunos desmotivados). Deve ainda
encontrar dentro de si formas de solução para a aferição interna do desenvolvimento
curricular e estabelecer as convenientes medidas de remediação, para quem
precise, e de reforço, para quem pretenda mais. Pode e talvez deva organizar
provas globais nas diversas disciplinas como forma de os operadores educativos,
em cada área curricular, se porem de acordo num conjunto de objetivos educacionais.
O ME tem a
obrigação de promover a aferição a nível nacional nos diversos ciclos e
modalidades de educação, formação e ensino, desjudicializar a ação educativa,
divulgar as boas práticas e apoiar as escolas em caso de insuficiência. Todavia,
deve furtar-se à massificação avaliativa e à inflação de classificações, seja
na escola pública, seja na escola privada. Por isso, mais eficaz, menos penosa
e mais económica será, a meu ver, a aferição por amostragem aleatória. Porém, o
universo de alunos e professores eventualmente convocados numa escola devem
sujeitar-se obrigatoriamente à aferição.
Quanto ao
mais, em vez da obsessão pelo cumprimento do calendário examinal de maio,
cuide-se de deixar respirar a escola, os professores e os alunos. Tire-se ainda
das metas curriculares a famigerada vinculação a cada ano de escolaridade (passando à
vinculação de ciclo) e o seu
cariz milimétrico (por exemplo a capacidade para ler um texto de x palavras
em y segundos). E passe-se
a gestão de programas curriculares da editora para a escola.
E as instituições do ensino superior que assumam o ónus da seleção dos seus candidatos.
Será que
vamos ter Ministro da Educação, Governo e Escola?
2015.12.15 –
Louro de Carvalho
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