Depois
de negociações que se deixaram atravessar por anos e anos de discussão e
passaram por diversas hesitações e oscilações, 195 países aprovaram, sob a
égide das Nações Unidas, um acordo histórico e multilateral para deter o
aquecimento global da atmosfera, minimizando assim as alterações climáticas que
ameaçam o Planeta.
O Acordo
de Paris, como foi denominado o resultado da cimeira, resulta de quatro
anos de sérias negociações e, por fim, de uma maratona de duas semanas numa
cimeira climática da ONU, a COP 21, em Le Bourget, nos arredores da capital
francesa.
Verificou-se que representantes de países
poderosos reconheceram a sua responsabilidade na degradação do Planeta e
prometeram a promoção da mudança comportamental. Entretanto, outros ainda
fincaram o pé, como a Nicarágua, que, na longa sessão de discursos, levantou
reservas ao acordo e disse que não o acompanharia.
O certo é que se chegou a um
compromisso conjunto, que, se for efetivamente levado à prática, na segunda
metade deste século o mundo terá praticamente abandonado os combustíveis
fósseis e serão anuladas pela sua absorção por florestas ou pela sua captura e
armazenamento as emissões que restarem de gases com efeito de estufa.
A partir
do arranque com o “Protocolo de Quioto” (1997), peça importante neste combate,
e passando pelo fracasso de Copenhaga (2009), esta é a primeira vez que
surge um acordo internacional, com força legal, a vincular todos os países em
ordem a fazerem esforços para conter as suas emissões.
A base de
execução do acordo são os planos nacionais, a apresentar a cada cinco anos por
todos os países, especificando a sua contribuição para a luta contra o
aquecimento global. Além dos pontos fundamentais estabelecidos, mais adiante
discriminados, não há propriamente metas impostas aos países, sendo eles que
decidem o que fazer. Porém, todos têm de participar, e não apenas os países
desenvolvidos, embora a estes caiba a liderança dos esforços na redução de
emissões de gases com efeito de estufa.
Para tanto, vai ser colocado em
prática um mecanismo de monitorização e reforço dos preditos planos, para
assegurar que o limite de subida dos termómetros não será excedido. E, por
outro lado, os países desenvolvidos prometem ampliar a ajuda às nações mais
vulneráveis.
O documento, agora firmado, será
aberto à subscrição formal dos países no próximo dia 22 de abril de 2016 – Dia
da Terra. Para passar a ter força legal, tem de ser ratificado ou aceite por
pelo menos 55 nações, representando no mínimo 55% das emissões globais de gases
com efeito de estufa. E as suas disposições só entram em vigor em 2020.
As promessas de curto prazo, até
2030, apresentadas pelos diversos países põem, por ora, os termómetros rumo a
um aumento de cerca de 3ºC. O processo de revisão previsto no acordo aumentar-lhe-á
a ambição.
***
A razão da sua consideração de acordo
histórico, apesar das críticas de que lhe falta ambição, assenta no seu caráter
universal e na ultrapassagem de divergências que tinham até agora impedido que
se encontrasse um eficaz sucedâneo do Protocolo de Quioto.
Na manhã do passado dia 12, depois da
derradeira noite de negociações, Laurent Fabius, ministro francês dos Negócios
Estrangeiros, anunciou que havia um texto final, consignando um compromisso
entre todos os países – o que atraiu fortes aplausos da parte dos
circunstantes, que se puseram de pé, causando emoção ao ministro anfitrião.
Não obstante, foram ainda necessárias
horas suplementares para resolver algumas objeções finais e traduzir o acordo
nas seis línguas oficiais da ONU. E, ao final da tarde do já referido dia 12, o
plenário da conferência foi-se enchendo com ministros e negociadores
visivelmente satisfeitos. E Laurent Fabius foi mais uma vez fortemente
aplaudido. O clima era de festa, alívio e sensação do dever cumprido.
Hoje,
dia 13 de dezembro, o Papa Francisco saudou, à
oração do Angelus, a adoção por 195
países dum acordo sem precedentes de luta contra o aquecimento global e apelou a
uma especial atenção aos “mais vulneráveis”, particularmente afetados pelas
catástrofes ambientais.
Francisco
sublinha o facto de a aplicação deste acordo histórico exigir “um compromisso
unânime e um generoso empenho de cada um”. Por outro lado, defendendo a
necessidade de garantir, neste âmbito e “com uma particular atenção”, o futuro
das “populações mais vulneráveis”, exortou “a comunidade internacional na sua
totalidade, a prosseguir, com empenho o caminho encetado, num sentimento duma
solidariedade que deve ser sempre cada vez mais ativa”.
Também Edna Molewa, ministra do
Ambiente da África do Sul, em nome do grupo dos países em desenvolvimento, o G77, declarou que “esta conferência
representa a primeira na longa jornada que a comunidade global tem de fazer
junta”. E Carole Dieschbourg, ministra luxemburguesa do Ambiente, em nome da União Europeia, afirmou ter assistido “a
uma vontade política que me dá esperança de que podemos mudar o mundo juntos”.
Por seu turno, o secretário de Estado
norte-americano, John Kerry, referiu que “é uma vitória para todo o planeta e
as futuras gerações”. E o chefe da delegação chinesa, Xie Zhenhua, sentenciou:
“Não é o acordo perfeito, há áreas que
precisam ser melhoradas, mas isto não nos impede de iniciar uma marcha
histórica avante”.
Também Kumi Naidoo, da Greenpeace, entende que “o acordo
sozinho não nos tirará do buraco em que estamos, mas faz que a subida seja
menos íngreme”. E a associação ambientalista portuguesa Quercus sustenta que, “com o Acordo
de Paris, Portugal irá ter de rever também a sua política climática e
energética”.
Do seu lado, os cientistas creem na urgência
de reduzir a zero as emissões de CO2 até 2050. Teresa Anderson, da
organização Action Aid International,
disse que “os países vão poder continuar a poluir, cruzando os dados para que
surja algo que possa sugar todo o CO2”. Outros, como Asad Rehman,
dos Amigos da Terra, foram mais contundentes:
“Colidimos com o iceberg,
o navio está a afundar e a banda ainda está a tocar sob caloroso aplauso”.
***
São os seguintes os pontos principais do acordo alcançado na COP21:
- Manter o aumento da temperatura média global “bem abaixo
dos 2 graus centígrados (2ºC)”. Neste sentido, a comunidade
internacional deve “continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura
a 1,5 graus centígrados”.
O objetivo de 2ºC relativamente à era pré-industrial, definido
em 2009, em Copenhaga, impõe a redução drástica das emissões de gases com
efeito de estufa (GEE) através de medidas de poupança de
energia e de investimentos em energias renováveis. Não obstante, vários países ameaçados
pela subida do nível do mar afirmam que mesmo com a limitação do aumento da
temperatura a 1,5ºC já correm perigo.
- Dos 195 países, 186 anunciaram
medidas para reduzir as emissões de GEE até 2025/2030. Mas, mesmo se forem praticadas,
a subida do mercúrio irá até aos 3ºC. Por isso, o objetivo imediato é atingir “um
pico das emissões de GEE o mais cedo possível” e, “em seguida, iniciar reduções
rápidas (...) para chegar ao equilíbrio entre emissões” resultantes da
atividade humana e as “absorvidas pelos sumidouros de carbono durante a segunda
metade do século” (referência
às florestas e a técnicas de captação e armazenamento de CO2 lançado
para a atmosfera).
- Outro ponto essencial do acordo é a criação do mecanismo de revisão,
de 5 em 5 anos, dos compromissos voluntários dos países. A primeira revisão obrigatória decorrerá em 2025 e as seguintes
deverão assinalar a necessária e desejada “progressão”. Porém, antes disso, o painel intergovernamental de peritos do
clima (GIEC) deverá elaborar um relatório
especial em 2018 sobre os meios para chegar à meta de 1,5ºC e os efeitos deste
aquecimento. Nesse ano, os 195
países farão uma primeira análise da ação coletiva e serão convidados em 2020 a
rever, eventualmente, os contributos de cada um.
- Por outro lado, os países desenvolvidos “devem estar
na linha da frente e estabelecer objetivos de redução das emissões em valores
absolutos”, devendo “continuar a melhorar os esforços” de luta contra o
aquecimento global, “à luz da sua situação nacional”.
- E, se até agora os países desenvolvidos estavam sujeitos a
regras mais rigorosas em matéria de inventário e verificação das ações tomadas,
o acordo atual prevê que o mesmo sistema seja aplicado a todas as nações
signatárias – ponto muito importante para os Estados Unidos, mas estão “previstas
flexibilidades” em razão das “diferentes capacidades” dos países.
- Em 2009, os países ricos prometeram disponibilizar
100 mil milhões de dólares por ano, a partir de 2020, para ajudar os países em
desenvolvimento a financiar a transição para energias limpas e a adaptação aos
efeitos do aquecimento, de que são as primeiras vítimas.
Agora, como defendido pelos países em desenvolvimento, o
texto estabelece que a soma prevista é apenas “um teto”, sendo o novo objetivo
monetário definido em 2025. E a fórmula proposta é a de que “os países
desenvolvidos devem avançar os recursos financeiros para ajudar os países em
desenvolvimento”, sendo as “terceiras partes” (país ou grupo de países) convidados a apoiar voluntariamente”.
- Quanto a “perdas e indemnizações”, o acordo
tem um artigo consagrado a esta questão, o que constitui uma
vitória para os países mais vulneráveis, como os Estados insulares. Trata-se da
ajuda aos países atingidos pelos efeitos do aquecimento quando a adaptação (através de, por exemplo, sistemas de
alerta meteorológicos, manipulação de sementes agrícolas, diques) não é possível: em causa estão
perdas irreversíveis ligadas ao degelo dos glaciares ou à subida das águas.
O acordo reforça o mecanismo internacional “de Varsóvia”,
cujos dispositivos operacionais esperam por elaboração. Entretanto, Washington,
por receio de ações judiciárias devido à responsabilidade histórica no
aquecimento global conseguiu incluir uma cláusula a estipular que o acordo “não
servirá de base” para iniciar processos “de responsabilização ou compensações”.
***
Em suma,
Um dos principais avanços do acordo é
a referência ao limite de 1,5ºC, contra a meta dos 2ºC, que estava acordada
internacionalmente. O seu objetivo é conter a subida dos termómetros a um valor
“muito abaixo de 2ºC” e “prosseguir esforços para limitar o aumento da
temperatura a 1,5ºC”, acima dos níveis pré-industriais.
Outra novidade é a de que será
reforçada, em 2025, a meta de 100 mil milhões de dólares anuais (91.200 milhões de euros) de ajuda aos países em
desenvolvimento, que já tinha sido prometida pelas nações ricas.
Também um dos pontos mais importantes
do acordo – o saldo de emissões terá de ser nulo – é considerado, ao mesmo
tempo, pelos observadores como o seu calcanhar de Aquiles, ao estabelecer que
todos os países terão de atingir o pico das suas emissões “o mais cedo
possível” e chegar, na segunda metade do século, ao “equilíbrio” entre emissões
de gases com efeito de estufa e a sua remoção da atmosfera por “sumidouros” –
florestas, por exemplo. É praticamente o acórdão de morte sobre os combustíveis
fósseis, dado que, para chegar àquela situação, será preciso reduzir drástica
ou totalmente o seu uso. Porém, a falta de estipulação de uma data para a redução
de emissões deixa sérios pontos de interrogação.
Defendem os
cientistas que não há tempo a perder, devendo ser, na sua ótica, as emissões de
CO2 reduzidas a zero até 2050, se de facto se quer conter a subida
do termómetro global abaixo de 1,5ºC, como fixa o acordo. E dizem que esse é um
dos seus méritos mais substanciais.
Resta saber
se vai funcionar o modelo que o Acordo de
Paris inaugura, em que os países dizem o que vão fazer, sem que as Nações
Unidas lhes imponham metas. Por agora, apresentou uma grande virtude, já que
levou que todos os países – ricos e pobres – aceitassem fazer parte do esforço
coletivo para suster as alterações climáticas. Mas o que foi prometido até
agora não é suficiente e o primeiro teste do compromisso estará em fazer com
que todos reforcem os seus contributos.
Sem isso, de nada adiantam os
aplausos do passado dia 12. Será que a hipocrisia política e económica não se
vai sobrepor à saúde do Planeta e ao bem-estar de seus íncolas?
2015.12.13 – Louro de Carvalho
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