sábado, 26 de dezembro de 2015

Saídas precárias e saídas definitivas

Pelo Natal, assinala-se uma pausa significativa no desenvolvimento normal do trabalho, embora com as conhecidas e gravosas exceções. Quantos trabalham mais e mais tempo para que os outros possam viver estes momentos em família ou no lazer de umas miniférias na serra ou no estrangeiro!
Também o Presidente da República concede, por tradição, alguns indultos nesta quadra natalícia – dizem que o Presidente Cavaco fora bastante mais avaro nesta matéria que o seu antecessor imediato – e umas centenas de reclusos costuma gozar do regime de saída precária.
Há, por outro lado, outros casos de saída precária: são as saídas da estrada que os acidentes de viação originam ao ocasionarem os ferimentos com gravidade. Estas saídas implicam a baixa ao hospital e implicam o esforço acrescido de quem tem de trabalhar neste período de tempo, caraterizado pelo congestionamento das urgências hospitalares.
E temos as saídas precárias impostas pela resolução dos bancos. Passam capitais e trabalhadores de banco para banco, outros para veículo de determinados ativos não especificados. E muitas saídas definitivas para casa, com dramas para as pessoas e custos para os contribuintes!  
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É óbvio que as saídas precárias dos estabelecimentos prisionais são de saudar, sobretudo neste tempo em que a família se quer sentir em proximidade e, se possível, em festa. E todos os que vivem as horas de prisão, os familiares e amigos normalmente almejam o dia em que a saída perde a nota de precariedade e se patenteia como definitiva. Falta a integração e a acomodação económica, mas estabelece-se a base do recomeço. E volta – oxalá sempre por bem – a batalha de todos os dias pela vida.
Também as saídas precárias que a estrada catapulta para o hospital e/ou para as situações de dependência familiar são no mínimo bem-vindas, ainda que tantas vezes impliquem da parte dos parentes e amigos maior dedicação e desvelo acompanhados de alguma impaciência e até de reperspetivação da vida.
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Mas as estradas lançam também, por ocasião da quadra natalícia, algumas lamentáveis saídas, já não para o hospital, mas para a tumba ou para o crematório. Todos as lamentam, mas, por mais operações de segurança que se organizem ou por mais alterações que se façam aos códigos, nomeadamente ao código da estrada, os comportamentos irresponsáveis persistem e pontificam. Por outro lado, os veículos respondem com maior velocidade e conforto, mas as estradas primam por deficientes técnicas de construção e as vias existentes carecem supinamente de manutenção, reparação ou mesmo recuperação. Todavia, a gente acelera!
Depois, há aqueles casos em que a estrada ou a vida em geral ocasiona a saída precária por acidente de viação, de construção civil e/ou obras públicas e de doença súbita. E, porque é fim de semana ou período festivo, a urgência entupiu ou falta a equipa especializada. E a saída de precária passa a definitiva. Depois, choramos ou queremos justiça, que funciona a conta-gotas, se é que funciona. E, mesmo que funcione, não traz a vida de volta.
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O Natal de 2015 evidenciou os problemas com o tratamento de aneurismas cerebrais durante os fins de semana no Hospital de S. José, do Centro Hospitalar de Lisboa Central, a propósito do óbito do jovem David Duarte, por falta da existência de equipa de Neurocirurgia Vascular.
A opinião pública deu-se conta agora, mas os alertas vêm já desde 2013 quer por notícias de imprensa quer por questionamento dos partidos. E só este ano já tinham ocorrido 4 óbitos.
Assim e segundo o Expresso on line, a pesquisa realizada pela agência Lusa aos requerimentos partidários entregues na Assembleia da República em relação ao hospital de S. José mostram, por exemplo, que o Bloco de Esquerda (BE) alertara o Ministério da Saúde por quatro vezes, desde 2013, sobre a falta de tratamento dos aneurismas cerebrais no hospital de São José aos fins de semana. Com efeito, o BE questionou o XIX Governo, já em junho de 2013 (ao tempo da famigerada crise do irrevogável), sobre a precariedade da escala de Neurorradiologia de Intervenção no Centro Hospital de Lisboa Central/, tendo o Ministério da Saúde reconhecido o problema e respondido esperar que tal “constrangimento esteja ultrapassado brevemente”.
Em requerimento ao Ministro, de 30 de janeiro de 2015, o BE lamenta que, passado mais de um ano, a situação “se deteriorou”, dado que, em meados de 2014, o hospital de São José deixou de ter equipa de Neurocirurgia Vascular ao fim de semana. Por conseguinte, as pessoas que dessem entrada nesta unidade hospitalar com aneurisma a partir de sexta-feira às 16 horas teriam de aguentar até à segunda-feira para tratar do aneurisma – situação clinicamente desadequada, que sujeita os doentes a “consequências graves e irreversíveis”. Segundo o documento, a situação deve-se ao facto de o governo ter operado cortes no pagamento de horas extraordinárias a todos os funcionários públicos e, por isso, a equipa de neurorradiologia de intervenção ter recusado continuar a assegurar a escala de fim de semana porque “implicaria estarem 48 horas sempre disponíveis a um preço inaceitável”.
Mas o BE não desistiu e entregou novo requerimento a 23 de março de 2015, ao constatar que o governo “não responde a grande parte das perguntas endereçadas no prazo regimental de 30 dias”. E, a 27 de maio, o BE procedeu ao reenvio da questão “Tratamento dos aneurismas cerebrais no hospital de São José”, aduzindo que o governo persistia em não responder a “grande parte das perguntas endereçadas” e que o prazo de resposta se encontrava ultrapassado.
Só, a 29 de setembro de 2015, o gabinete de Paulo Macedo respondeu ao BE, dizendo que, segundo o Conselho de Administração do CHLC, não houve qualquer conhecimento de queixa ou reclamação, da parte do gabinete utente/cidadão, relativamente à não realização de cirurgia de embolização precoce. Estranho critério para o Ministério não intervir nem responder!
Quanto à transferência de doentes para outras unidades hospitalares, o gabinete de Paulo Macedo esclareceu que esta é “de facto limitada na medida em que a imobilização e transporte na fase aguda da hemorragia subaracnoídea por aneurisma roto, não se revela como a mais adequada conduta médica”. No entanto, segundo o Ministério, o CHLC poderia ter de recorrer à transferência dos doentes, em casos de necessidade extrema que em função de análise de risco/benefício, o que não se verificara desde abril de 2014”.
Conhecido o óbito de David Duarte, o Ministério Público abriu inquérito para apurar eventuais responsabilidades criminais enquanto o CHLC instaurou inquérito interno para averiguar esta e outras mortes imputáveis à falta de assistência médica a doentes com esta patologia durante o fim de semana. Porquê só agora?
Segundo a governança pragmática (não ideológica), vidas humanas valem pouco! Até quando?

2015.12.26 – Louro de Carvalho

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