A
Procuradora-Geral da República (PGR), em conversa com os jornalistas, a 4 de dezembro,
à margem do IV
Seminário do Departamento de Ação e Investigação Penal (DIAP), promovido
pelo DIAP de Lisboa, subordinado
ao tema “Violência nas relações íntimas e
contra pessoas especialmente vulneráveis”, afirmou que o “compromisso de
confidencialidade” que se pretende impor no próximo ano judicial exprime a preocupação de proteger
o segredo de justiça e tenta evitar as suas violações.
Joana Marques
Vidal aludia ao facto de o Plano de Atividades para o DCIAP para o ano
judicial 2015/2016 impor o “compromisso de confidencialidade”, a assinar por
magistrados e outros investigadores, pelo motivo e com a finalidade referidas.
Interpelada pelos
jornalistas sobre se Amadeu Guerra, diretor do DCIAP, ao advogar a necessidade
da imposição de um pacto de silêncio no âmbito do departamento que dirige e das
entidades que se relacionam com ele, não estará a admitir e a supor que a
violação do segredo de justiça parta dos mais altos responsáveis pelos processos,
a Procuradora-Geral da República respondeu que não, frisando:
“Claramente que não é uma forma de
admitir isso; é uma forma de exprimir a preocupação que decorre de vários
procedimentos internos que temos tomado para a proteção do processo”.
Comentando o
sentido da expressão “compromisso de confidencialidade” utilizada no Plano de
Atividades do DCIAP, considerou tratar-se de “uma frase impressiva”, compaginando
“o reflexo da preocupação” do Ministério Público em relação “às sucessivas
violações de segredo de justiça”. E, para que se evite a violação do segredo de
justiça, defendeu:
“Todos os magistrados do Ministério
Público, todos os magistrados judiciais, todos os funcionários, todos os
advogados e todos os intervenientes que, por qualquer forma, tenham acesso aos
processos têm que fazer um esforço conjunto”.
A
Procuradora-Geral, depois, embora admitindo que, nalguns casos, tal desiderato se
conseguiu com menos êxito, assegurou que, em matéria de proteção de segredo de
justiça, já houve avanços em “processos importantes”. E, neste sentido, apontou
a promoção de várias práticas que têm vindo a ser aplicadas no interior do
Ministério Público quanto à proteção do segredo de justiça, entre as quais
destacou: a limitação do número de pessoas que têm acesso aos processos; a
sinalização de quem é que tem acesso aos processos; e o acompanhamento da
tramitação processual de forma a permitir responsabilizar todos os
intervenientes.
Questionada sobre
a divulgação na imprensa do registo audiovisual de interrogatórios a arguidos
do caso vistos Gold, em especial o do interrogatório ao Dr. Miguel Macedo pela
CMTV (correio da manhã TV), Joana Marques Vidal especificou que não se trata de
violação do segredo de justiça, mas de crime de desobediência, “porque nestes
casos a comunicação social não pode emitir nem reproduzir os vídeos” e concluiu
que, “havendo um crime o Ministério Público decidiu instaurar um inquérito”.
No atinente à
necessidade de melhoria do novo mapa judiciário, a magistrada de topo referiu ainda
não ter havido qualquer audiência com a ministra da Justiça, Francisca Van
Dunen, para abordar o tema.
***
O susodito “compromisso de confidencialidade” constitui uma das “Metas,
ao nível processual”, que integra o n.º 2 (Orientações de política
criminal e prioridades ao nível da investigação criminal e Coordenação) da parte “II. OBJETIVOS PROCESSUAIS” do Plano de
Atividades do DCIAP para o Ano Judicial de 2015/2016, subscrito por Amadeu
Guerra em 23 de outubro de 2015.
No que a esta matéria diz respeito,
o teor do texto referenciado é o seguinte:
“Em
relação aos inquéritos mais recentes é fundamental, desde logo, dar primazia
aos inquéritos de investigação prioritária, disponibilizando os meios humanos e
técnicos necessários [a desenvolver adiante]. O titular do inquérito deve
liderar, de forma efetiva, a investigação e procurar – com o contributo e
intervenção do(s) órgão(s) de polícia criminal – delimitar, o mais rapidamente
possível, o objeto do inquérito, elencar os recursos necessários, propor a
constituição de equipas multidisciplinares quando necessárias, bem como sugerir
ao Diretor a afetação de pessoas/entidades especializadas que possam coadjuvar
o Ministério Público. É imprescindível e fundamental – em função da natureza do
processo e dos factos e pessoas que estão sob investigação – estabelecer regras
muito claras e eficazes que, desde a instauração do inquérito, assegurem o
segredo de justiça. Para além de serem observadas regras especiais de
confidencialidade em relação ao registo do inquérito nas aplicações informáticas
(face à natureza do mesmo), é fundamental estabelecer regras que acautelem a
“reserva do inquérito”, que limitem o acesso ao processo às pessoas afetas à
investigação. Por outro lado, devem ser estabelecidos [se necessário por escrito]
compromissos e procedimentos a observar na ‘circulação do inquérito’ entre o
DCIAP, os OPC e JIC do TCIC. Devem, ainda, ser estimulados “compromissos de
confidencialidade” entre a ‘equipa de investigação’.”.
***
Como se pode verificar, não se trata apenas de um “compromisso
de confidencialidade”, mas do estímulo a ‘compromissos
de confidencialidade’ entre a ‘equipa de investigação’. Estes compromissos estão previstos num regime de complementaridade
com outras medidas que incluem o estabelecimento, se necessário por escrito, de
compromissos e de procedimentos “a observar na ‘circulação do inquérito’ entre
o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal), os OPC (Órgãos
de Polícia Criminal)
e JIC (Juízes
de Instrução Criminal)
do TCIC (Tribunal Central de Instrução Criminal) ”. E inscrevem-se no estabelecimento,
considerado como fundamental, de “regras que acautelem a ‘reserva do inquérito’,
que limitem o acesso ao processo às pessoas afetas à investigação”, bem como o
estabelecimento de “regras
especiais de confidencialidade em relação ao registo do inquérito nas
aplicações informáticas”.
Compreende-se que se imponha o
estabelecimento de regras práticas que determinem os procedimentos necessários
e convenientes para acautelar a reserva do inquérito, no quadro da eficácia na
aplicação da lei. Porém, resulta estranho que, para garantir o cumprimento da lei
no atinente ao segredo de justiça, nos casos em que a lei o impõe, se equacione
a necessidade da formulação de um compromisso de confidencialidade seja entre
quem for, sobretudo se escrito. O cumprimento da lei e da sua regulamentação
não depende da vontade dos seus destinatários. Era o que faltava! Esta exigência
do diretor do DCIAP só mostra a fraqueza do Estado em geral e a impotência do
poder judiciário em preservar a índole reservada da tramitação processual.
Por outro lado, a ideia de
consignar do plano de Atividades do DCIAP revela, a meu ver, não só a
preocupação pela proteção do segredo de justiça nos casos em que a lei o impõe,
mas a convicção, para não dizer a verificação, de que a sua violação parte dos
operadores de justiça, quiçá do próprio DCIAP ou dos JIC do DCIAP. Não pode
aceitar-se, assim, a interpretação de Joana Marques Vidal da expressão
“compromisso de confidencialidade” utilizada no Plano de Atividades do DCIAP
como sendo apenas “uma frase impressiva”.
Depois, há uma coisa que
impressiona e que foi pouco notada pela Comunicação Social: estas medidas dizem
respeito “aos inquéritos mais recentes”. Nada se diz em relação aos futuros e a
outros mais antigos. E porquê? Gostava de obter uma resposta, que ninguém dá.
É claro que se concorda com o Diretor
do DCIAP ao exigir a “primazia aos inquéritos de investigação prioritária” e a
disponibilização dos meios humanos e técnicos necessários”, bem como a exigência
de liderança efetiva da investigação por parte do titular do inquérito e a
necessidade da rápida delimitação do objeto do inquérito, do elenco dos
recursos necessários e da proposta de equipas multidisciplinares. Porém, é
estranha a definição da necessidade de compromissos de confidencialidade, que
devem decorrer da lei e/ou da natureza das coisas.
Não penso que
a Procuradora-Geral tenha razão na sua postura de entendimento sobre a publicação
de material constante dos processos judiciais ou na publicação de textos e imagens
dos interrogatórios. É óbvio que se trata de crime de desobediência a
contrariação de uma ordem expressamente formulada pela competente autoridade
judicial. Tal é o caso, por exemplo, da publicação de material constante do
processo do ex-recluso n.º 44 do Estabelecimento Profissional de Évora à revelia
da decisão judicial que impende sobre o grupo Ecofina. Porém, o conhecimento
público que se tem de conteúdos do processo judicial de Pinto de Sousa,
incluindo excertos de interrogatórios, publicado por alguma imprensa, configura
violação do segredo de justiça, tal como acontece com as imagens do interrogatório
ao arguido Macedo divulgadas pela CMTV. Alguém, do Ministério Público ou do
TCIC forneceu aqueles dados após órgãos de comunicação que os utilizaram para
satisfação de seus desígnios.
Pode
aduzir-se que tal aconteceu porque jornais e/ou jornalistas se constituíram assistentes
nos referidos processos. Ora, a constituição de assistente num processo judicial
confere o direito de acesso ao(s) processo(s) em causa e não o da revelação e
divulgação dos conteúdos processuais respetivos. Assim, pode haver crime de desobediência
se os assistentes foram formalmente advertidos da inibição de revelar, mas há,
em todo o caso, revelação do segredo de justiça e abuso de confiança.
Quanto aos
acertos a fazer ao mapa judiciário, é efetivamente verdade que a procissão governativa ainda nem saiu para o adro.
Finalmente,
importa exigir que as autoridades judiciárias informem a opinião pública com
verdade, fazendo a necessária gestão da informação, mas sem defraudar nem a
opinião pública e as partes interessadas no inquérito e promovendo a punição dos
abusos, nomeadamente aqueles que configuram crime.
2015.12.05 – Louro de Carvalho
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