segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Algumas das condições do Advento

O dia 6 de dezembro, dia de São Nicolau, marca o II domingo do Advento. O Santo perdura na memória coletiva pela partilha, pela dádiva e pela contemplação ativa pelos mais frágeis – disfarçado histórica e socialmente pela figura de Pai Natal.
Também hoje as prendas natalinas, mais do que solidariedade, configuram o cumprimento de uma obrigação social. Apesar de tudo, as Igrejas e as instituições e grupos particulares de solidariedade social promovem as mais diversas ações em prol dos mais pobres, na pessoa do doente, do idoso, do abandonado à sua sorte, do sem-abrigo, da criança indefesa, do recluso, do pobre envergonhado ou do que perdeu trabalho, família ou amigos e do refugiado da fome, da guerra e da exploração, da vítima de maus-tratos ou de violência física e psicológica.
São mensagens de Natal que o Advento promete. São indubitavelmente mensagens muito insuficientes, mas são mensagens necessárias para a crueza das situações de que o mundo de hoje é palco e podem constituir apelo a que se faça mais e muito melhor, até que se ganhe tempo e espaço para eliminar as causas de pobreza e exclusão.
É verdade que muitos pensam e sentem que basta a assistência paternalista a quem precisa, atirando-lhe com um pouco de esmola, mas deixando jacente no mesmo estatuto de dependência indignificante da ocasião, da sorte ou da mal entendida e mal assumida caridade.
A caridade que o Advento preconiza é a que, em consonância com o coração de Deus e do seu Messias – que ama e manda amar de coração até às últimas consequências – realiza a justiça por aquele modo que nós costumamos chamar de justiça social e que consiste basicamente em que todos tenham, ao menos, tudo aquilo de que precisam para viverem de cabeça levantada e de fronte erguida. Ou seja, é a forma de justiça concretizada no estatuto humano e social da dignidade de quem não tem de depender de ninguém para que tenha uma vida normal, com acesso a todos os bens da cultura e da civilização e, sobretudo, com acesso garantido pelos poderes públicos à educação, saúde, segurança, trabalho e apoio em fase de limitações pessoais. É a situação de quem assume consciente e responsavelmente (e sem a necessidade de coação) a tarefa da interdependência e cooperação, imune da exploração, opressão e regressão. 
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Muitos promotores económicos travestidos de políticos, alegadamente com preocupações sociais, entendem deliberadamente pacificar a sociedade nivelando por baixo fazendo de todos os demais os íncolas do universo dos pobres, em compensação pelo inestimável benefício da liberdade, que assim dá todo o espaço aos mais hábeis e poderosos. Como resultado ficam os 99% das riquezas do Planeta para o grupo mínimo dos ricos e a classe média, sustentáculo da sociedade progressiva, fica altamente debilitada, quando não reduzida a zero.
Outros entendem que a pacificação da sociedade passa pela imposição da igualdade de todos para, na prática conseguir apenas a igualdade dos que decidem e têm e a daqueles que obedecem necessariamente aos ditames de quem pensa e de quem manda.  
A mensagem do II Domingo do Advento, na caminhada para o Natal, esbarra com este tipo de conceção social. Surge a partir do livro de Baruc (Br 5,1-9), o profeta que mandar tirar quaisquer vestes de luto e aflição, para assumir as “vestes da glória divina” (v.1) e o “manto da justiça que vem de Deus” (v.2). Tanto assim é que o nome que Deus dará ao seu povo é “Paz da Justiça e Glória da Piedade” (v.4).
E em que consiste esta justiça que vem de Deus? Em rebaixar, por ordem de Deus “todos os altos montes e colinas elevadas e encher os vales até aplanar a terra, a fim de que Israel caminhe com segurança, guiado pela glória de Deus” (v.7).
Desta prática desta justiça segundo o coração de Deus resultarão benefícios ecológicos em prol do homem e do povo (a ecologia com fim em si própria seria desinteressante), pois, “os bosques e todas as árvores aromáticas darão sombra a Israel, por ordem do Senhor” (v.8), e benefícios espirituais com reflexos sociais (a espiritualidade sem resultados sociais práticos seria interessante, mas inútil), uma vez que “o próprio Deus conduzirá Israel, com júbilo, à luz da sua majestade, com a justiça e a misericórdia que dele procedem” (v.9).
Por outro lado, o Evangelho de Lucas situa a pregação de João Batista, o precursor do Messias e pegureiro antecipado do Reino de Deus, no coração da história dos homens para indicar a índole universal da salvação, em razão da qual Deus a oferece a todos os homens sem exceção, como recordam os bispos no Concílio Vaticano II, através do.º 13 da Lumen Gentium, a Constituição dogmática sobre a Igreja, que explicita: “Ao novo Povo de Deus todos os homens são chamados”.
É a exigência da inclusão que, da parte de Deus, postula a metanoia (mudança de mentalidade, coração e atitudes) como condição para a libertação de todas as situações interiores e exteriores de pecado, a nível pessoal e a nível social, de feição ocasional ou de feição estrutural. É assim que se compreende a exigência profético-evangélica de “preparar os caminhos do Senhor e endireitar as suas veredas” (Is 40,3; Lc 3,4).
Assim, lemos o Evangelho de Lucas (Lc 3,1-6; cf Mt 3,1-6; Mc 1,1-6; Jo 1,19-23), que a Liturgia disponibiliza para proclamação e reflexão no II domingo do Advento, Ano C, e nos apresenta João Batista como uma das figuras emblemáticas do rasgar do caminho messiânico, no encalço do profeta Isaías:  
“No XV ano do reinado do imperador Tibério, quando Pôncio Pilatos era governador da Judeia, Herodes, tetrarca da Galileia, seu irmão Filipe, tetrarca da Itureia e da Traconítide, e Lisânias, tetrarca de Abilena, sob o pontificado de Anás e Caifás, a palavra de Deus foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto” (vv.1-2).
É a indicação do tempo histórico da ação da narrativa e a apresentação do precursor cuja tarefa principal vem enunciada a seguir:
Começou a percorrer toda a região do Jordão, pregando um baptismo de penitência para remissão dos pecados, como está escrito no livro dos oráculos do profeta Isaías: Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor e endireitai as suas veredas. Toda a ravina será preenchida, todo o monte e colina serão abatidos, os caminhos tortuosos ficarão direitos e os escabrosos tornar-se-ão planos. E toda a criatura verá a salvação de Deus.’”.
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Tempo houve em que a preparação para o Natal com base no ditame profético-evangélico, Preparai o caminho do Senhor e endireitai as suas veredas” era justificada, na pregação, com a analogia do que as comunidades faziam quando lhes era anunciada a visita de importante entidade oficial – preparação do terreno para o insigne visitante ficar agradado. Ainda bem que as comunidades começaram a mostrar aos visitantes poderosos, junto com a hospitaleira simpatia, o mau estado das infraestruturas para que melhor possam aferir das suas necessidades.
Deste modo, a preparação adventícia ganha relevo, não em função de quem visita, mas em razão do dever a que se obriga quem é visitado. Neste sentido, a preparação dos caminhos do Senhor coincide com a preparação dos caminhos dos homens, devendo dizer-se o mesmo do endireitamento das veredas. E abater a altura dos montes e colinas até encher os vales, longe de equivaler a nivelar por baixo, constitui um apelo a nivelar por cima, pela bitola de Deus.
É verdade que a nivelação pela bitola de Deus é ideal e configura um processo sempre inacabado. Todavia, cada homem e todos os homens devem ir até onde lhes for possível, de modo que, ao menos, se cumpra a exigência de Isaías: “Então a glória do Senhor manifestar-se-á e toda a gente a há de ver ao mesmo tempo” (Is 40,5). O profeta Baruc formula a mesma finalidade através do segmento “a fim de que Israel caminhe com segurança, guiado pela glória de Deus” (Br 5,7), que o evangelista Lucas reescreve com o seguinte:E toda a criatura verá a salvação de Deus” (Lc 3,6). Deste modo, o rol de excluídos e sofredores acima indicados acabará por se converter em pessoas de corpo inteiro, já não perante Deus, mas também face ao mundo.
Foi justamente para que os homens encontrassem o caminho da progressão da condição humana de miséria em que muitos vivem para a condição da dignidade de filhos do Pai comum e de habitantes da Casa comum que o Filho de Deus se encarnou na pobreza abandonada do presépio de Belém. Porém, segundo o próprio testemunho de Lucas, “Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52).
Mais tarde, ajuntou um grupo de discípulos a quem ensinava (cf Lc 6,1216; 20-49) e a quem deu “poder e autoridade sobre todos os demónios e para curarem doenças” (Lc 9,1). Mais tarde, “enviou-os  a proclamar o Reino de Deus e a curar os doentes” (Lc 9,2); eeles puseram-se a caminho e foram de aldeia em aldeia, anunciando a Boa-Nova e realizando curas por toda a parte (Lc 9,6). E, “ao regressarem, contaram-Lhe tudo o que tinham feito. Tomando-os consigo, Jesus retirou-se para um lugar afastado na direção de uma cidade chamada Betsaida. Mas as multidões, que tal souberam, seguiram-No. Jesus acolheu-as e pôs-se a falar-lhes do Reino de Deus, curando os que necessitavam.” (Lc 9, 10-11). É este o núcleo da pregação de Cristo.
É certo que Jesus foi condenado à morte de cruz. Porém, uma vez ressuscitado e elevando-se ao céu, deixou uma comunidade-espelho dos tempos messiânicos:
“A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum. Com grande poder, os Apóstolos testemunhavam a ressurreição do Senhor Jesus, e uma grande graça operava em todos eles. Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um conforme a necessidade que tivesse.” (At 4,32-35).
É a reescrita da profecia de Isaías sobre a cidade nova, onde
Não haverá criança a morrer de tenra idade nem adulto que não chegue à velhice, pois será novo o que morrer aos cem anos e quem não chegar aos cem anos será como um amaldiçoado. Construirão casas e nelas habitarão, plantarão vinhas e comer-lhes-ão o fruto. Não edificarão casas para os outros habitarem nem plantarão vinhas para os outros vindimarem. Os anos do meu povo serão como os da árvore e os meus eleitos usufruirão do trabalho de suas mãos. Não trabalharão vãmente, nem gerarão filhos para morte súbita, porque eles e seus descendentes serão a descendência abençoada do Senhor. Antes que me chamem, Eu lhes responderei; estando eles ainda a falar, Eu os atenderei. O lobo e o cordeiro pastarão juntos, o leão e o boi comerão palha e a serpente comerá terra. Não haverá mais o mal nem a destruição em todo o meu santo monte. 
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Finalmente, na linha da finalidade do Advento rumo ao Natal, convém uma palavra de apreço por aqueles e por aquelas que se entregam também hoje à luta constante e insana pela erradicação da pobreza, pela paz e pela justiça social, quais mártires, não só da fé, mas da Salvação no seu pleno sentido.      

2015.12.06 – Louro de Carvalho 

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